sexta-feira, junho 09, 2023

Quero misericórdia

(Reflexão baseada em: Oseias 6,3-6; Romanos 4,18-25; Mateus 9,9-13)




“Quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos”. A maioria de nós imagina que estas são palavras de Jesus. Mas não. São do profeta Oseias (6,3-6). Jesus apenas atualizou a afirmação do profeta: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mateus 9,9-13).

Mas, qual a diferença, pode alguém perguntar? Em resposta pode-se dizer: Será que se fossem palavras originais de Jesus, nós as levaríamos mais a sério?

Não!

Não importa quem diga as palavras. Não importa a profundidade do que é dito. Não importa se é palavra de Deus…

Tanto isso é verdade que muitos de nós já ouvimos ou lemos a afirmação de Jesus: “Quero misericórdia e não sacrifício” e continuamos com nosso ritmo e estilo de vida, sem mudar nada! Pior: muitas pessoas, em relação a estas e a outras palavras pelas quais Jesus assume uma postura social, dizem que isso é “comunismo” (sem ao menos sonhar com o que significa isso!).

E se a Igreja faz uma pregação mais incisiva, cobrando novas posturas em relação às injustiças sociais, em relação à corrupção política; em relação às religiosidade de fachada; em relação à injusta distribuição das riquezas… essas pessoas dizem que a Igreja é “comunista” (mas não têm ideia do que isso significa!).

Se um padre, um bispo ou o Papa, com base nas palavras de Jesus, afirma a necessidade de justiça social, de partilha, de solidariedade; afirma que a riqueza de alguns é causa da pobreza de muitos; afirma que o sistema sócio-político em que vivemos é causador da fome, da exploração de uns poucos sobre muitos; afirma que é necessário repensarmos nossas práticas religiosas de forma que a fé e as orações passem pelas mão e pelas atitudes e se convertam em busca pela equidade… se isso ocorre, essa pessoa vai ser chamada de “comunista” (mas quem os acusa, em geral, desconhece Marx e outros autores que escreveram sobre comunismo e socialismo!)

Então, mais uma vez: Jesus afirmou, repetindo o que dissera Oseias: quero as atitudes e os gestos de misericórdia e não a religião de fachada, a oração pública para aparecer bem na foto… gestos bem estudados para ganhar votos; palavras bem escolhidas para impressionar… mas gestos vazios de amor, de verdade, de solidariedade, de justiça...e, pior do que tudo isso: palavras maldosas contra a Igreja que denuncia essas falsas posturas, propondo novas atitudes pelas quais se exerçam atos de misericórdia, anunciando a real vontade do Senhor. Jesus defendeu quem precisava e não apoiou os opulentos.

Contra esses que teatralizam a religiosidade e não praticam a religião do amor, vem o profeta para os desmascarar: vossa fé, vossa piedade, vossas orações e “o vosso amor é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz”: é só um verniz; não tem raiz; não germina e nem produz os frutos de santidade.

Com isso encontramos o apóstolo Paulo (Romanos 4,18-25) fazendo elogios a Abraão. Mas não elogia seus bens, nem seus bois, nem as tendas… elogia sua postura que nasce da fé. E “esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça”. Sua atitude, e não seu discurso! Suas preces foram ouvidas, mas porque suas atitudes não eram mesquinhas…

Por que Jesus chamou Mateus, o pecador, e não os fariseus cumpridores da lei? Por que Jesus se dedicou aos pobre e não aos mestres da lei, nem aos sacerdotes, nem aos rico? Por que Jesus foi questionado quando fez uma refeição na casa de Mateus pecador?…

Não precisa da resposta da Igreja nem dos padres e bispos ou pastores… a resposta vem de Jesus: “Aprendei, pois, o que significa: Quero misericórdia e não sacrifício. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”. Mas os pecadores que mudam de vida!

Talvez se nós entendermos isso: que Jesus quer a misericórdia. Que ele veio para os pecadores. Que ele prefere as “ovelhas desgarradas”… Talvez, se entendêssemos isso, teríamos maior oportunidade de desenvolver uma fé equilibrada. Uma fé operosa. Uma fé que valoriza a vida e não as aparências…

Nestas alturas, alguém pode estar se perguntando: “Pra que tudo isso?” ou então: “O importante não é a fé?” Evidentemente que a fé é importante. Essa foi a atitude que Paulo elogiou em Abraão. Mas uma fé que nasceu de uma atitude. E o para quê: para estarmos em sintonia com a proposta do profeta. Oseias afirma a necessidade de seguir “para reconhecer o Senhor”. E para que reconhecê-lo? Para o acolher em seu retorno. E como vamos acolhê-lo? Com nossas obras, com nossas atitudes…

E ele voltará. “Certa como a aurora é a sua vinda, ele virá até nós como as primeiras chuvas”, diz o profeta. E, certamente, irá nos indagar: como você se comportou diante de minha recomendação dizendo que quero a misericórdia e não os sacrifícios?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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terça-feira, junho 06, 2023

Corpo e Sangue: para a vida do mundo

(Reflexão baseada em: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1 Coríntios 10,16-17; João 6,51-58)




Para os irmãos das outras denominações cristãs ou que professam outras crenças, a celebração do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo pode parecer algo de menor importância. Para o cristão católico, entretanto, trata-se de celebrar um dos elementos centrais de sua fé.

A solene festa do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor é uma das poucas que não nasceu com a Igreja primitiva. Ou seja, não vem do período apostólico, mas isso não diminui seu valor.

Trata-se de uma celebração que tem sua história na história da Igreja. Além da fé popular, segundo os registros do Vaticano, a festa tem suas origens nas visões de uma monja, Juliana Cornillon, da Bélgica e em resposta às dúvidas do padre Pedro de Praga. Este durante a celebração da missa, em Bolsena (Itália), em 1263, viu a hóstia ser transformada em carne viva, pingando sangue. Esse sangue manchou as toalhas, o corporal e o sanguíneo (pequenas toalhas usadas na celebração) que estavam sobre o altar durante a celebração eucarística. Sabendo do episódio o Papa Urbano IV solicitou que essas alfaias e a hóstia fossem levadas dali para Orviedo. Essa teria sido a primeira grande procissão do Corpo e Sangue de Cristo.

No ano seguinte, 1264, o Papa lançou o preceito, que seguimos até hoje: celebrar solenemente a devoção ao Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor. De acordo com o preceito do documento papal (bula) a festa deve ser celebrada na primeira quinta feira depois da solenidade da Santíssima Trindade, que ocorre no domingo seguinte ao dia de Pentecostes.

Essa celebração, para os católicos é uma das festas mais importantes, pois faz lembrar o alimento do céu dado ao povo, no deserto (Dt. 8,2-3.14b-16a). Alimento que permitiu ao povo manter sua caminhada em busca da terra prometida e que, na compreensão da Igreja atual, lembra nossa caminhada e busca do Reino definitivo.

É uma forma pela qual a Igreja retoma as palavras do apóstolo Paulo (1Cor 10,16-17) lembrando à comunidade de Corinto a importância de participar do mesmo cálice e do mesmo pão uma vez que esse é o meio pelo qual a comunidade comunga com o próprio Senhor, pois “há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão.”

Caso isso não baste, ouçamos as palavras do próprio Senhor Jesus que se apresenta como pão da vida (João 6,51-58). E afirma isso com a autoridade do Filho de Deus, por isso diz claramente “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.

Diante da incredulidade dos Judeus, Jesus é ainda mais categórico. E essa afirmação do Senhor, como é Palavra de Deus, tem valor eterno e por isso a Igreja faz questão de relembrar “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.” (Jo 6,54-56).

Este é o fundamento para a Igreja celebrar a festa de Corpus Christi. Com isso, quer iluminar a caminhada de fé das pessoas de boa vontade. Abraçar as pessoas que se alimentam de esperança, porque almejam uma vida melhor; que alimentam a fé, pois relembram as palavras sagradas; que alimentam a solidariedade, como o Senhor que deu sua vida “pela vida do mundo”.

E o que é necessário para a “vida do mundo”? Dois elementos são mencionados por Moisés: a água e o Maná. A água para nos lembrar a importância da natureza, pois sem ela não existem condições para a vida humana no planeta. A água que jorrou da pedra, saciou o povo, transformando-se em sinal de esperança e alimenta a vida. Além disso, o maná, um alimento misterioso, como é o mistério do Corpo de Cristo presente na hóstia consagrada: alimento sagrado para uma vida santa. O maná que alimenta mas que não pode ser acumulado, como os dons de Deus que são suficientes mas nunca supérfluos.

Com a experiência no deserto o povo pode entender que “nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8,3). E coroando a caminhada o Senhor se encarnou e se entregou, um presente para os que acreditam, na forma de pão e vinho. Deu-se como presente para lembrar a importância da doação; para convidar as pessoas a realizar um ato de fé; para mostrar a importância de distribuir o pão. E, neste caso, além de distribuir o pão que alimenta o corpo, também o pão que alimenta para a eternidade: “Quem comer deste pão viverá eternamente”.

Água e maná prefiguram o corpo e sangue, na comunhão do Senhor. O corpo e o sangue, abençoados, partidos e comungados, transformados em corpo e sangue de Cristo, formam a unidade que é a Igreja: um só corpo. E entregando-se, Jesus afirma: “Sou o pão vivo”; “quem comer desse pão terá vida eterna”; o pão “é minha carne”; quem não comer esta carne e este sangue não terá vida e quem como e bebe “tem vida eterna”; quem come e bebe será ressuscitado “no último dia”; quem como e bebe, “permanece em mim e eu nele”; quem comer “viverá por causa de mim”.

Mas não se pode perder de vista a afirmação final: o pão (o maná) era um alimento divino, mas “vossos pais comeram e morreram”. Por isso a importância do pão e do vinho, que passam a ser alimento de vida: “minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida”. O pão e o vinho da comunhão é que dão a vida, pois “aquele que come este pão viverá para sempre.” Este pão e sangue são diferentes daquele do deserto, este é o pão da vida.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, maio 31, 2023

Santíssima Trindade: Caminha conosco

(Reflexões baseadas em:Êxodo 34,4b-6.8-9; 2 Cor 13,11-13; João 3,16-18)




A solenidade da Santíssima Trindade, é a celebração pela qual a Igreja retoma a caminhada do tempo comum. Trata-se de um momento litúrgico pelo qual somos interpelados pelo gesto do amor do Deus Comunidade Trina: um Deus que nos acolhe na criação; que nos salva pela encarnação e que nos santifica pelo Espírito de Vida.

A interpelação que começa com o Êxodo (34,4b-6.8-9). Entretanto, para melhor compreender precisamos situá-lo em seu contexto. Ou seja, precisamos lembrar de que num capítulo anterior o Povo de Deus havia quebrado a fidelidade, cultuando outras divindades. Em razão disso, Moisés quebra as tábuas da Lei. Mas Deus decide dar nova chance ao povo. isso por causa de seu amor e porque mesmo sendo “um povo de cabeça dura” Moisés suplica ao Senhor: “caminha conosco” (Ex 34,9).

Diante da infidelidade o Senhor, por ser “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (
Ex 34,6), decide dar nova oportunidade ao povo infiel. Por isso ordena a Moisés que entalhe novas tábuas e depois suba ao monte para um novo encontro. E assim, diante do Senhor, Moisés intercede em favor do povo. O representante do povo infiel intercede ao Deus fiel. E como intercessor, Moisés faz dois pedidos importantes: primeiro pede ao Senhor: “caminha conosco”, pois as outras divindades, por serem falsos deuses, eram estáticos, fixos… Só o Deus da vida poderia acompanhar ao povo pecador. Por isso o segundo pedido de Moisés: “perdoa nossas culpas” (Ex 34,9).

Mas a súplica de Moisés só é compreensível se for colocada não na perspectiva humana, mas numa perspectiva divina. A perspectiva humana diz respeito ao fato atual, ao momento presente. É limitada e se insere apenas na história. Mas a perspectiva divina, que concede nova oportunidade, insere-se na perspectiva do amor eterno. Por isso foi que o Senhor “desceu na nuvem e permaneceu com Moisés”.

Descer e permanecer com seu povo é uma ação constante do Pai. Diferente das pseudo divindades, o livro do Êxodo mostra a extensão da fidelidade do Senhor que “ouve”, “vê”, desce e liberta seu povo (Ex. 3,7-10).

O programa do capítulo 3 se concretiza no capítulo 34. Moisés foi enviado pelo Senhor e como tal se torna intercessor em favor do povo. Dessa forma, entendemos o novo compromisso, novo estágio da Aliança de Deus com o povo (Ex 34,10). Tudo isso nos remete à carta de Paulo à comunidade de Corinto (2Cor 13,11-13).

Por amor a Jesus Cristo, o Filho, Paulo também se faz intercessor. Ao mesmo tempo que ora pela comunidade, orienta-a no sentido do “aperfeiçoamento”. Podemos dizer, portanto, que da mesma forma que o povo de Moisés estava se afastando do convívio com o Pai, a comunidade de Corinto estava se afastando do Filho, pois estava negligenciando os ensinamentos de Jesus, transmitidos pelo apóstolo.

Em razão da divisão na comunidade, Paulo exorta-os a viver na concórdia; em razão dos atritos, estimula a paz. A orientação do apóstolo é clara: havendo concórdia, haverá paz; havendo paz, ali está presente o “Deus do amor e da paz” (2Cor 13,11). E isso nos leva à saudação final do apóstolo. Na medida em que a comunidade se esforça para superar seus problemas e divisões pode, cada vez mais, contar com ajuda do Deus Trindade. Havendo esforço humano, significa que não há rejeição. E se a comunidade não rejeita ao Senhor, então passa a ser merecedora da intercessão paulina: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Na medida em que a comunidade se mantém em comunhão, manifesta a presença da comunhão trinitária.

Mas por que estamos falando que essa presença divina depende da comunidade? Porque Deus se oferece constantemente, mas respeita o ser humano em suas vontades e decisões. O ser humano é livre para aderir ou não ao plano salvífico do Senhor.

E isso nos leva ao evangelho de João (3,16-18). Por amor, Deus nos envia seu Filho, para nos conceder a vida eterna, como a nova tábua da lei, de Moisés. Entretanto, agora não se trata mais de uma tábua da lei, mas do próprio Senhor. Com a necessidade de observância de apenas um detalhe: Essa herança se destina a quem crê (Jo 3,16).

E se alguém não seguir os princípios cristãos? E se alguém não acreditar? Não será Deus a recusá-lo. Esta é uma questão de escolha livre. “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18). 

A oferta do Deus trindade é constante: um convite a viver em comunidade. Convite para cada membro do corpo: unir-se àquele para quem Moisés apela: Caminha conosco! É o apelo de Paulo: caminhar na graça e na comunhão. Mas a escolha é do “povo de coração duro”. 

A proposta é amolecer o coração e pedir “Caminha conosco”. Ao povo de coração duro é dada a liberdade da escolha: Manter o coração duro ou caminhar com o Senhor. O convite é feito para a comunidade, mas a resposta é pessoal. Cada um tem que fazer seu pedido: Caminha conosco.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, maio 25, 2023

Pentecostes – Ninguém pode dizer

(Reflexões baseadas em: At 2,1-11; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23)




Existem alguns elementos que chamam nossa atenção nas três leituras do domingo de Pentecostes. E são elementos importantes!

Logo de início chama nossa atenção a afirmação que podemos ler em Atos dos Apóstolos (2,1-11). Ali diz que “os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar.” E essa afirmação tem um ponto central: todos reunidos. Trata-se de uma comunidade reunida! Uma comunidade que se reunia! A união é o centro dessa comunidade dos primeiros cristãos.

Bem, os discípulos estava reunidos. Mas onde e por que estavam reunidos? Para saber precisamos voltar ao capítulo 1 dos Atos do Apóstolos. Lá somos informados que após acompanharem a ascensão do Senhor os discípulos voltaram a Jerusalém e foram para uma sala “onde costumavam ficar” (At 1,13), quando Jesus ainda andava com eles pelas cidades.

Quanto ao motivo de se reunirem, podemos enumerar vários: o primeiro deles possivelmente era o medo, como afirma João 20,19-23. Podemos acreditar que esse motivo seja real, pois João estava entre os que se reuniam. O medo era tal que “as portas estavam fechadas”, pois os judeus, que haviam entregue Jesus, eram uma ameaça aos seus seguidores. Outro motivo para estarem reunidos é a orientação de Jesus (At 1,4), dizendo para não se afastarem de Jerusalém até que se cumprisse a promessa do Pai. Um terceiro motivo é a fidelidade à orientação de Jesus: esperar o batismo no Espírito, (At 1,5). E se lermos com atenção o texto do Evangelho, notaremos um quarto motivo: acolher a paz do Senhor (Jo 20,19). Como consequência da paz, vem um quinto motivo para estarem reunidos: a missão. Serem enviados, como o Pai enviou a Jesus. (Jo 20,21). Há, ainda, um sexto motivo, expresso no texto do Pentecostes: o forte vento do Espírito e as línguas de fogo (At 2,2-3).

Com base nisso, quase sempre nos detemos nesse aspecto do cumprimento da promessa: O Espírito foi dado como força e como fogo purificador.

Mas será que não podemos perceber mais um motivo para os discípulos terem permanecido reunidos? Talvez possamos dizer que, a partir do que ouviram das lições de Jesus de Nazaré e depois, também do Cristo ressuscitado, os discípulos entenderam que a vinda do Santo Espírito os libertaria do medo. Isso é compreensível quando notamos que tão logo as línguas de fogo se derramam os discípulos superam o medo e começaram a falar. E os ouvintes se admiravam pois eles anunciavam “as maravilhas de Deus”.

Entretanto, não só a necessidade de vencer o medo uniu os discípulos. Paulo, (1Cor 12,3b-7.12-13) nos fala de outros dons do Espírito. E ele faz uma pequena lista: reconhecer Jesus como Senhor; a diversidade de dons; a diversidade de ministérios… (1Cor 12,3-5).

Tem mais: Buscar o “bem comum” também é dom do Espírito. Isso nos leva a uma conclusão: quem não se ocupa do bem comum não está adequado ao Espírito. O Apóstolo também nos recorda que esses membros unidos formam um só corpo. E isso nos mostra a importância da diversidade. Ou seja, todo aqueles que condenam o diferente, estão condenando o próprio corpo… que está vinculado ao Cristo Senhor.

Tudo mostra que a união tem a ver com o Espírito, seus dons e sua força. De acordo com Paulo e com Jesus, tem algo a mais, nessa importante reunião: Paulo faz mais que uma lista de dons do Espírito. Ele explica o motivo do Espírito se derramar como dom: são dados “em vista do bem comum.” O bem de todos os membros que formam o corpo que tem a Cristo como cabeça (1Cor 12,12). O bem comum, portanto, é o bem da comunidade.

Cristo é a cabeça de um corpo, mas que corpo é esse? Nada mais que a própria Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo e Cristo é a cabeça da Igreja. E a Igreja é a comunidade dos que se reúnem pelo Espírito, em nome de Cristo.

Além de tudo isso: Foi à Igreja que Jesus dirigiu suas palavras finais. E aqui está, talvez, o mais importante motivo dos discípulos terem permanecido reunidos: receber o dom de mediar do perdão (Jo, 20,23). Embora o perdão dos pecados seja um dom divino, Jesus, pela mediação do Espírito, concede esse dom à Igreja. Ou seja, por mandato do Pai a Igreja é mediadora do perdão como de um dom trinitário. Ao anunciar o perdão, a Igreja o concede “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

O envio feito por Jesus, é uma missão para o perdão: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados” (Jo 20,23).

De fato, “ninguém pode dizer Jesus Cristo é o Senhor, a não ser pelo Espírito” (1 Cor 12,3). Mas essa profissão de fé só tem sentido, para uma vida eclesial. É na comunidade que podemos proclamar e reconhecer, pelo Espírito, que Jesus é o Senhor.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, maio 18, 2023

Ascensão: Toda a autoridade

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mateus 28,16-20)




Em diferentes momentos, em sua vida pública, Jesus foi questionado a respeito de suas ações. Houve até quem indagasse: com que autoridade você está fazendo isso?

Aqui está a resposta. É o evangelista Mateus (28,16-20) quem hoje nos apresenta Jesus Cristo dando uma explicação sobre suas atitudes: age porque tem autoridade.

Mas o Cristo não falou de sua autoridade para se mostrar em sua autoridade, nem porque desejasse ser respeitado, temido, bajulado… como o fazem muitos dos que se dizem poderosos, por aí. Autoridades das quais podemos questionar a autenticidade, a validade, a a legalidade, a legitimidade! Cristo não agiu assim. Ele mostrou sua autoridade e onde ela se fundamentava: em função da missão. Em favor da humanidade; autoridade que estava conferindo aos seus discípulos e daquela que seria partilhada entre seus seguidores.

Ele tinha consciência do que podia, por isso afirmou: “Toda autoridade me foi dada!” Entretanto, ele não só tinha (e tem) toda autoridade como sabia que ela se estende sobre o céu e sobre a terra. Por esse motivo, possuidor de “Toda” autoridade, ele a confere aos discípulos, com uma recomendação em três etapas: os discípulos devem levar adiante sua mensagem “ide e fazei discípulos meus”; eles devem cumprir com o mandato de batizar em nome da Trindade Santa e por fim os discípulos recebem a missão de ensinar a observar os preceitos que Ele havia ensinado nos tempos em que percorrera a região: em favor dos excluídos!

Então, em que consiste a autoridade de Jesus? Em compartilhar a autoridade. E fez isso com que finalidade? A fim de que seus discípulos continuassem, também com autoridade, a missão de anunciar o Reino. E, como reforço desse poder de anunciar e preparar o Reino, Jesus entregou o Espírito de Amor prometendo estar presente na caminhada: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo", quando o Reino será não mais uma promessa, mas uma realidade!

Isso nos leva a uma indagação: a quem Jesus Cristo, com “toda autoridade”, faz essa promessa de acompanhar na caminhada, “até o fim do mundo”?

A resposta vem dos Atos dos Apóstolos (1,1-11), do texto dirigido a Teófilo o Amigo de Deus. É com o “amigo de Deus” é que Jesus se compromete.

Aqueles que estavam reunidos esperando a sabedoria do Espírito. E esses amigos de Deus estavam se perguntando: e agora, Jesus de Nazaré foi crucificado. É verdade que se manifestou a nós como o Cristo de Deus. Mas nós ainda temos medo. Ainda corremos risco de sermos associados ao crucificado e presos também. Queremos continuar nos reunindo e recordando o que ele nos ensinou, mas ele acabou de nos deixar, voltando para o Pai. Queremos restaurar Israel, mas somos tão poucos! Que fazer? Como continuar?

Essas indagações, não estão no texto, mas estavam na alma dos discípulos, os amigos de Deus, a comunidade que acabava de ver Jesus, o Cristo de Deus, voltando para Deus e estava se sentindo órfã. Essas indagações motivaram aquela orientação dadas pelos “anjos”: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”. E disseram isso como quem diz: Ele voltará em sua glória e vocês, em vez de olhar para o céu, olhem para os lados. Olhem para seus semelhantes. Olhem-se uns para os outros. Descubram suas necessidades e superem-nas juntos, afinal, você são os amigos de Deus! Na união de vocês está a chave para superar os problemas. Transmitam força e esperança, uns para os outros… nisso está a chave para abrir as portas do Reino!

Respondendo a essas e outras indagações é que Paulo escreve (Ef 1,17-23), falando a respeito do Deus da Glória. E fala isso como quem se sente amparado pelo Verbo encarnado e pelo seu Espírito de Sabedoria. Fala não só a respeito da glória de Deus, mas também da sua sabedoria. E, numa prece, primeiro em favor daquela comunidade; mas com valor perene e, por isso, também em nosso favor. Em sua prece do apóstolo pede ao Pai que “ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos”.

A autoridade do Cristo, a comunhão do Santo Espírito e o amor do Pai estão à disposição dos amigos de Deus: todos aqueles que se reúnem em nome do Cristo. Os amigos de Deus que se unem em favor dos mais necessitados. Os amigos de Deus que receberam a autoridade do próprio Cristo para agir como ele e em seu nome. Toda autoridade do Cristo está à disposição dos que receberam o batismo para ajudar na difusão dos valores do Reino.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, maio 11, 2023

Páscoa 6 As razões da esperança

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1 Pedro 3,15-18; João 14,15-21)




A liturgia deste sexto domingo do tempo pascal nos leva a algumas indagações: Como reagimos ou qual nossa atitude quando sabemos que um amigo ou conhecido está tendo sucesso em seus empreendimentos? Como nos comportamos diante do sucesso de um amigo, de um conhecido, de outra pessoa?

Essa é a indagação que a Igreja nos propõe. Mas isso fica no universo das generalidades. Então vamos nos sentir questionados: como reagimos e como nos comportamos diante do sucesso do outro… principalmente quando ele tem sucesso em algo que nós também estamos realizando? Certamente responderíamos que nos alegramos com nosso amigo. Diríamos que torcemos pelo seu sucesso. Possivelmente, sorrindo, lhe apertaríamos a mão dizendo: “Parabéns!”

Mas, lá no íntimo de nossa vida, no segredo de nosso coração e no silêncio de nossa consciência, será que não sentimos uma pitada de inveja? Será que não nos perguntamos: Porque ele e não eu? Isso quando não ampliamos seus defeitos e diminuímos suas qualidades, procurando desqualificar seu mérito, afirmando um possível sucesso com base na sorte... desonestidade… Na verdade, somos tomados pela inveja diante do sucesso do outro!

Não foi essa a postura dos apóstolos de Jerusalém, quando souberam do sucesso de Felipe (At 8,5-8.14-17;1). Pelo contrário. Alegraram-se ao ponto de lhe enviar reforços: “Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, souberam que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, e enviaram para lá Pedro e João” (At 8,14).

Esse envio não se deu por inveja, ou desconfiança. Pedro e João levavam palavras solidárias e suporte para avanço missionário. Confirmaram o apostolado de Felipe, e graças a isso os samaritanos “receberam o Espírito Santo” (At 8,17) e a plenitude da fé cristã.

A consequência? O engajamento na ação evangelizadora. Não somente na pregação, mas na atitude cotidiana de guardar e seguir os mandamentos como ensina João (Jo 14,15-21): “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” .

Como continuação do que os apóstolos realizaram na Samaria temos as palavras de Pedro (1 Pd 3,15-18). Consciente de que os seguidores de Jesus poderiam ser questionados ou perseguidos por estarem adotando uma nova fé, Pedro orienta aos cristãos: “estejais sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” (1Pd 3,15).

E qual a razão da esperança do cristão? É uma só: a Paixão de Cristo. Para o cristão, acima dos contratempos ou dificuldades, está aquele que “morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18).

Entretanto, para merecer isso existem alguns critérios, entre eles a mansidão e o respeito. Diante das difamações, perseguições... a postura do cristão não é a beligerância, a vingança, a hostilidade. Sua resposta será sempre mansidão e o respeito. A mansidão que implica em não cair no desespero e o respeito que consiste em não agredir ao agressor.

Como o cristão pode assim proceder? Confiando no “Defensor” mencionado por João (Jo 14,16). E quem é esse Defensor prometido? É “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber”. Defensor, Consolador, Espírito de Verdade, Espírito de Amor… o Espírito Santo que, de junto do Pai, Jesus envia para e sobre aqueles que guardam os mandamentos.

Em que consiste a guarda dos mandamentos?

Algumas pistas: primeira: ao ver o sucesso do outro, não devemos nos alimentar de inveja, mas nos enchermos de alegria e, sempre que possível, manter a disposição em ajudar para que esse sucesso seja ainda maior. A ajuda desinteressada implica na possibilidade de, quando o outro se elevar, levar consigo quem o ajudou. Segunda: é necessário manter a mansidão e o respeito, pois o desespero não é um sentimento condizente com a fé cristã. O desespero é uma negação da esperança, que é o alimento da fé cristã. A fé cristã alimenta a esperança do encontro definitivo com o Pai. Terceiro: manter-se aberto à ação do Espírito de Verdade que é a presença do próprio Deus em nós, uma vez que o próprio Jesus afirmou: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Mesmo já tendo partido, Jesus permanece junto aos seus: “eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).

Nessa sintonia está arazão de nossa esperança: alegrar-se com o sucesso do outro pois esse sucesso também nos eleva; saber que a razão de nossa esperança é seguir os passos de Jesus, multiplicando atos em defesa da vida e no caminho para o Pai; e, principalmente, a certeza de que Jesus dirige a nós estas palavras: “quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. Essa é a razão de nossa fé e isso é dom de Deus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, maio 05, 2023

Páscoa 5 - Sete homens de fé

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1 Pedro 2,4-9; João 14,1-12)


Tem muita gente que abomina, esbraveja e condena a ação libertadora que a Igreja propõe. Talvez porque essas pessoas ainda não entenderam a proposta de Jesus nem a prática dos apóstolos e dos cristãos dos primeiros anos da Igreja. Quem sabe, com um pouco de catequese e de abertura para o amor, comecem a entender…

A catequese pode ocorrer, por exemplo, quando acompanhamos a liturgia do período pascal. Já a abertura para o amor, depende dos corações puros! Mas isso nem todos carregam!

Uma proposta da catequese libertadora é mostrada nos Atos dos Apóstolos (At 6,1-7): a pregação; a atenção aos necessitados; a decisão tomada em conjunto.

Os Atos dos Apóstolos afirmam que o número dos discípulos estava aumentando.

Por qual motivo? Devido à pregação dos apóstolos, anunciando a ressurreição e ensinando a fazer o que Jesus fizera. E quem os estava ouvindo? Não eram as elites. Não as camadas dominantes da sociedade. Pelo contrário: Eram os marginalizados, os excluídos. Essa pregação atraia os excluídos; seu número aumentava. E com isso também aumentaram os problemas. Tanto que os apóstolos, dedicados à pregação e à assistência aos pobres, ouviram a queixa: alguns dos mais necessitados, as viúvas, estavam sendo negligenciados.

A pregação não podia parar. Também não se podia negar o atendimento aos necessitados. A sintonia entre os doze e a comunidade encontrou uma solução colegiada. Qual foi a solução? Escolher sete homens de fé e plenos do Espírito e de sabedoria. Assim as duas prioridades continuariam sem abalos: a pregação e a atenção aos marginalizados.

Mas a catequese não para nisso. Tem mais uma lição. Além de urgência do anúncio e do serviço aos necessitados, vem a lição do lugar social do Cristão. Nada justifica alguém sentir-se ou colocar-se acima dos demais. Nem o fato de pertencer a uma denominação religiosa; nem o fato de ter muitos bens econômicos; nem o fato de ter mais escolaridade; menos ainda o fato de ocupar uma função destacada na Igreja… nada. Pelo contrário, tudo que temos ou somos ou fazemos tem um só objetivo: servir a quem mais necessita; promover a inclusão; combater a concentração; denunciar tudo e todos que não conduz ao bem e à vida. Esse era o problema daquela comunidade: o começo de uma divisão que foge à essência cristã!

Contra isso agiram os primeiros cristãos: nascia uma divisão que se infiltrava, como obra diabólica, colocando em lados opostos os cristãos vindos do judaísmo e do paganismo. A lição dos apóstolos: quem possui ou está numa posição de destaque não tem direito, nem está autorizado a menosprezar ou excluir os demais. Qualquer posição ou função privilegiada, só tem sentido cristão, se for para servir. Ser cristão é ser servidor, como os sete homens de fé!

A catequese continua no ensinamento da primeira carta de Pedro (2,4-9). Em que consiste esse novo ensinamento?

Assumir uma atitude, posicionando-se diante daquele que é a “pedra angular”, da Igreja. Essa pedra angular é Jesus. Então qual postura assumir, diante da “pedra angular”, que dá apoio? Entender que Jesus é o ponto de apoio; somente d’Ele vem a segurança.

Aquele que não se apoia nessa “pedra”, nela tropeça, cai, é confundido e se perderá… Mas aqueles que se apoia na “pedra viva, rejeitada pelos homens”, esse não será confundido; esse fará parte da “nação santa”; sairá “das trevas para a sua luz maravilhosa.” Mas, para isso, tem que trilhar os caminhos do Mestre!

Tem mais. A catequese continua quando João (14,1-12) apresenta Jesus como Caminho para o Pai. E aqui também temos duas posturas que nos convidam a tomada de posição a fim de nos definirmos diante do Senhor Jesus e do próprio Pai.

A primeira é a de Felipe. Tendo convivido com o Senhor, lhe pede: “Mostra-nos o pai”. É como muitos de nós: nosso corpo frequenta o templo, mas vivemos o dia a dia como se Deus fosse só uma ideia; um ser distante; um ser para visitar nos finais de semana. E isso mostra que não o conhecemos. Não entendemos que Ele conta com nossa conversão por isso prepara um lugar aos seu lado “a fim de que onde eu estiver estejais também vós”.

Outra é a postura de Jesus, apresentando-se como “o caminho, a verdade e a vida”. E a adesão à sua proposta de acolhimento aos excluídos, ao lado da pregação, anunciando sua proposta,é o que possibilita entrar em sua morada. “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”. E poderá adentrar essa morada aquele que “acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores”.

E qual é a obra do Senhor? A promoção da vida, como o fizeram os apóstolos e os sete homens de fé, escolhidos pela comunidade para servir.

Essa é a catequese, mas só a entende quem tem um coração capaz de amar. Essa é uma questão intima entre cada um e Deus… e o Deus que ama os excluídos e conhece os corações.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, abril 26, 2023

Páscoa 4 Este Jesus!

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,14.36-41; 1Pedro 2,20b-25; João 10,1-10)




Com o discurso de Pedro (At 2,14.36-41 e 1 Pd2,20-25), somos levados a uma conclusão: o apóstolo está virando uma página, invertendo os papéis e assumindo o protagonismo de um processo. E fazendo uma denúncia!

Ele vira a página porque demonstra, em sua pregação, que Jesus, o crucificado, é o Cristo. E quem o ouve, percebe a convicção de suas palavras. Seus ouvintes acabam se deixando convencer pela verdade de sua pregação. Ao fazer a denúncia do crime cometido pelas autoridades, convoca a uma revisão dos fatos. E, com isso, a culpa pela morte do pregador de Nazaré pesa na consciência dos ouvintes; entendem que foram manipulados pelas autoridades. Por esse motivo “eles ficaram com o coração aflito” (At 2,37). E Pedro não deixa por menos. Insiste com eles, convidando: “Salvai-vos dessa gente corrompida!” (At 2,40).

Inverte os papéis ao afirmar que Jesus é o Cristo. Com isso denuncia o crime dos judeus e das autoridades. Eles forjaram o julgamento, forçaram a condenação e manipularam para que um inocente fosse executado. “Ele não cometeu pecado algum, mentira nenhuma foi encontrada em sua boca” (1Pd 2,22). Contra esses malfeitores, corruptos e corruptores Pedro apresenta o modelo do comportamento de Jesus: “Quando injuriado, não retribuía as injúrias; atormentado, não ameaçava; antes, colocava a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça” (1Pd 2,23). Com esse argumento Pedro demonstra que os acusadores são culpados; os que se colocavam como defensores da ordem, da família, da pátria, da religião, da moral e dos bons costumes... os homens bons são, na verdade, representantes do príncipe das trevas.

E,finalmente, assume o protagonismo porque foi a partir de seus discursos que se espalhou a notícia da ressurreição. A partir de seu discurso seus ouvintes começaram a se arrepender e converter. A partir disso, aqueles que foram ludibriados pelas autoridades e representantes do templo começavam a se perguntar e perguntar a Pedro: “Irmãos, o que devemos fazer?” (At 2,37). Certamente disseram: “Entendemos que fomos ludibriados, e agora, que fazer para minimizar nosso erro? O que fazer para recuperar a paz na consciência? O que fazer para não nos sentirmos cúmplices de carrascos, torturadores e assassinos?

O protagonismo de Pedro também se manifesta nas suas respostas e orientações aos que se arrependiam: “Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,38). Graças a essa atuação, aos poucos cresceu o número dos que passaram a acreditar no Ressuscitado: “Os que aceitaram as palavras de Pedro receberam o batismo” (At 2,41). E àqueles que ainda se sentiam culpados por terem contribuído para a condenação de Jesus de Nazaré, Pedro confortava dizendo: “Por suas feridas fostes curados. Andáveis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes ao pastor e guarda de vossas vidas” (1Pd2,24-25). Afirma isso com a segurança de quem ouviu do mestre: “eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10,1-10).

Tudo isso, Pedro pode afirmar porque soube entender os ensinamentos do Mestre. Claro que teve suas crises de fé.Nos momento de crise, na hora do medo, no auge da insegurança, sentiu-se desamparado, negou ao Senhor. Mas a mesma força que antes o motivara a deixar tudo para seguir Jesus, agora se amplia. Ele sabe que tem mais do que só as palavras do Mestre. Tem a força do Espírito de Amor.

Ele sabe o que afirma. Ouviu do próprio Senhor. O Mestre que se compadecia dos discípulos, abandonados e enganados pelas autoridades e pelos representantes da fé dos pais. O mestre que olha para o rebanho sem pastor. O mestre que vê seu rebanho sendo saqueado pelos falsos pastores. Os enganadores o que só fazem dispersar as ovelhas, pois não entram pela porta, visto que são assaltantes. E, dessa forma, Pedro retoma as palavras do Mestre que deu sua vida para que as ovelhas tenham vida.

As palavras de Pedro, são, finalmente, uma denúncia, dirigida aos nossos dias. Palavras que nos orientam a tomar cuidado. Da mesma forma que aos poderosos do seu tempo: “Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes”. Denúncia atual porque os poderosos dos nossos dias continuam crucificando Jesus, nas vítimas do poder; vítimas da ganância; vítimas dos falsos pastores; vítimas da religião de belas pregações, sem compromisso com o empobrecido; vítimas da política, da economia e da religião.

Contra tudo isso Pedro se apresenta para virar a página, para inverter os papéis, para ser protagonista e dar protagonismo às ovelhas abandonadas. E de junto delas, ergue a voz para a denúncia: Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes… e continuam crucificando...




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, abril 19, 2023

Pascoa 3 Jesus, homem aprovado por Deus

(Reflexões baseadas em: At 2,14.22-33; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35)




Quando a gente lê as palavras de Pedro (em At 2,14.22-33 e na carta: 1Pd 1,17-21), dizendo que Jesus foi um homem aprovado por Deus, temos a impressão de que nisso não tem novidades. Ele mesmo afirma: “Tudo isso vós bem o sabeis!” Se eles sabem, não há novidade: Jesus é exatamente isso!

E, cada um dos que se dizemos cristãos; cada um dos que frequentam, as celebrações dominicais; cada pessoa que já leu algo, na Bíblia, ou já ouviu alguma pregação a respeito de Jesus... cada um sabe que, de fato, Jesus foi uma pessoa especial. Por isso foi que Pedro, em seu discurso, faz a afirmação central da fé cristã: Jesus foi torturado e assassinado, sim! Mas também é verdade, e nisso se baseia a fé cristã: Deus o Ressuscitou! E o ressuscitou é porque tinha com ele a mais perfeita sintonia: Jesus era Deus, junto com Deus, por isso fez-se homem, junto com todos os seres humanos.

Aquele rapaz, que fez coisas maravilhosas por todos que se aproximaram dele; esse rapaz foi perseguido, preso, torturado, julgado, condenado, executado. Mas Deus o ressuscitou! Ele tinha a aprovação de Deus para fazer tudo que fez. E fez tão bem que, após seu suplicio humano manifestou-se, ressuscitado, em sua divindade. “E disso nós somos testemunhas”, afirma Pedro. E, por ter cumprido sua missão humana, voltou para sua condição divina. “E agora, exaltado pela direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai, e o derramou, como estais vendo e ouvindo” (At 2,33).

Mas tudo isso, talvez não os interlocutores de Pedro, nós já sabemos. Nisso reside o principio de nossa fé. Então, qual é a novidade do discurso de Pedro?

Afirmar que Jesus, em sua vida, paixão, morte e ressurreição, cumpriu as escrituras?

Afirmar que Jesus, ressuscitado, assumiu seu lugar ao lado do Pai?

Afirmar que Jesus, ressuscitado, apareceu primeiro às mulheres depois aos discípulos?

Afirmar que Jesus, soprou sobre os discípulos, os dons do Espirito de Verdade?

Afirmar que em Jesus, seremos julgados “cada um de acordo com as suas obras”?

Afirmar que Jesus, em sua trajetória humana tinha como finalidade nos resgatar da “vida fútil” que herdamos de nossa sociedade?

Afirmar que em Jesus podemos manter sempre um restinho de esperança

Afirmar que em Jesus a gratuidade do amor de Deus, apesar de causarmos dores nos irmãos, somos convidados a participar da glória que Deus reservou aos seus santos?

Mas então, qual foi a novidade da afirmação de Pedro, dizendo que Jesus “foi um homem aprovado por Deus”?

A resposta, talvez não esteja na boca de Pedro, mas nos gestos de Jesus, quando caminhou com os discípulos em direção a Emaús (Lc 24,13-35).

Tristes, talvez decepcionados, caminhavam em direção ao povoado. Em sua conversa, talvez querendo entender o que havia ocorrido. Viram os fatos, ouviram os boatos: Jesus fora crucificado. As mulheres disseram tê-lo visto vivo! Os fatos, eles viram. Os boatos… eram boatos… Mas seria possível? Se o boato fosse fato, de fato Jesus era quem dissera ser!?

Na singeleza de um gesto divino, Jesus se põe ao lado da dúvida honesta. Talvez até já imaginasse a resposta, mas perguntou: Por que essa cara triste? Por que esse ar de derrota? Por que caminham como quem não tem esperança? Por que essa clima de medo? “Sobre o que estão conversando”?

E vem o desabafo: Esperávamos que Jesus fosse nossa resposta! Mas o prenderam e mataram. Judiaram dele e o mataram. Nem o julgaram direito e o mataram. Os sacerdotes e o governador produziram falsas notícias… e o mataram. Mas nós tínhamos esperança…

Talvez, quem sabe, com um leve sorriso de contentamento, Jesus lhes explica as escrituras. Eles chegam ao seu destino. Jesus diz que vai continuar. Eles fazem o primeiro gesto demonstrando que aprenderam a mensagem da vida de Jesus: acolheram o estranho.

Nisso está a beleza e a novidade: Jesus não forçou a barra. Apenas falou o que sobre ele diziam as escrituras… e repartiu o pão, da mesma forma que eles haviam repartido o abrigo.

No gesto de partir o Pão, eles o reconheceram. Só então entenderam que Jesus, de fato, havia sido aprovado por Deus e queria ser, também, aprovado por nós. Não para dizermos que o adoramos e isso e aquilo, mas para continuar sua missão.


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, abril 13, 2023

Tomé: Amar sem ter visto

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,42-47; 1 Pedro 1,3-9; João 20,19-31)




Por que Tomé não acreditou, quando seus companheiros lhe disseram: “Vimos o Senhor!”? Será que lhe faltou fé? (João 20,19-31).

Ou será que ele agiu como uma pessoa sensata movida pela lógica e pela razão? Afinal, todos haviam acompanhado os fatos: o mestre havia sido crucificado, morto e sepultado! E de repente começam a dizer: ele está vivo!

Não faz sentido!

Principalmente porque, até aquele momento,Jesus havia sido um mestre, isso com certeza era verdade. Mas ainda não tinham entendido que ele era o Cristo, o Filho encarnado!

Até aquele momento,para eles Jesus havia sido um grande amigo, compreensivo, compassivo; fizera atos extraordinários..., mas as escrituras relatam que Moisés e vários profetas também realizaram prodígios. Elias até ressuscitara um menino (1Rs 1,22)!

Tomé, portanto, não foi incrédulo, mas, com certeza queria algo a mais do que boatos. Não se deixava seduzir pela boataria, como esses que proliferam depois de alguma tragédia. E a execução de Jesus havia sido uma tragédia. Por isso, boatos não faltavam. Ele não queria se decepcionar, com uma esperança baseada em boatos! Por isso sua postura cética: Quero ver! Quero tocar! “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25).

Claro que depois das várias manifestações; depois que muitas pessoas, em diferentes lugares e situações relataram o encontro com Jesus Ressuscitado, a fé foi nascendo, foi se alastrando, foi superando a dúvida, foi se convertendo em certeza: De fato, ressuscitou!

Somente depois de algum tempo; depois de várias manifestações perceberam: tudo que ele havia falado começa a ganhar sentido. O que Ele fizera começa a ser compreendido… somente então a incredulidade e a dúvida abrem espaço para a fé. Aí, então, já não era mais necessária a postura de Tomé: quero ver! Só então passa a ser verdade a afirmação de Jesus: “Bem aventurados os que acreditaram sem ter visto!”

A partir disso, os seguidores fazem-se verdadeiros discípulos (At 2,42-47). A partir disso, os discípulos tornam-se anunciadores. A partir disso, os anunciadores levaram a sério as palavras do mestre e, por esse motivo, começaram a se reunir nas casas e nas casas partiam o pão, como ele havia ensinado: Com alegria! “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum” (At 2,44).

Somente então os ensinamentos do Mestre passaram a ter sentido (1Pedro 1,3-9). A partilha passou ter sentido. A solidariedade passou a ter sentido… e a própria vida ganhou sentido, pois deixou de ser uma sucessão de dores, tornando-se estrada para o encontro com o Mestre que, morrera sim, mas que estava vivo a abria as portas para que as pessoas pudessem “nascer de novo, para uma esperança viva”; e, dessa forma, em todos os tempos, aqueles que nele depositam sua fé entram na estada da vida… e vida definitiva.

No cotidiano ainda podem ocorrer momentos de dor e sofrimento e aflições e provações. Entretanto, a fé que se desenvolveu, depois dos encontros com o Ressuscitado, ressignificou tudo. “Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações” (1Pd 1,6). A experiência das dores não diminuía a consciência do apoio divino para superá-las: se Deus havia ressuscitado Jesus, pode fazer o mesmo com aquele que crê. “Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa” (1Pd 1,8).

E assim voltamos à postura de Tomé. Quer dizer que ele, por ter sido cético, não foi agraciado com a glória eterna? Pelo contrário, ele ensinou uma lição: cuidado com os boatos!

Sua atitude não foi um ato de incredulidade, mas de ceticismo. Ao se deparar com o Senhor vivo, eliminou a postura cética e confessou, como todos os demais: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Ao manifestar sua fé permitiu que Jesus desse uma orientação final: a afirmação da bem-aventurança para quem aderir à fé, mesmo sem tê-lo encontrado pessoalmente: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29).

Nisso está o grande salto para a fé cristã. Não se trata de ver o Senhor, para ter fé. Não se trata de pedir milagres, para ter fé. Não se trata de receber graças pessoais, para ter fé. Não se trata de seguir os charlatães, para te fé. Trata-se de amar ao Senhor sem tê-lo visto, e como os primeiros cristãos, desenvolver a postura solidária com aqueles que vemos e dos quais conhecemos as dores.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, abril 08, 2023

Maria Madalena

(Reflexão a partir de Atos dos Apóstolos 10,34a.37-43; Colossenses 3,1-4; João 20,1-9)




A liturgia do domingo de Páscoa nos permite algumas linhas de reflexão.

Uma delas é entender o discurso de Pedro dentro do contexto e da proposta de Atos dos Apóstolos (10,34a.37-43). Com seu discurso o apóstolo pescador nos leva à conclusão: Não só aos discípulos é dada uma missão, mas a todos os que se fazem cristãos. Todos recebem a mesma missão de continuar a ação dos apóstolos, movidos pela ação do Espírito de Vida.

E, que missão é essa? Ser testemunha de tudo que Jesus de Nazaré fez por onde passou. Como ele foi perseguido, traído, preso, condenado e morto na cruz… “Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia”. Também faz parte da missão, manter a tradição e continuar “fazendo o bem e curando a todos”; e mais, continua Pedro, afirmando que “Jesus nos mandou pregar ao povo” anunciando o perdão, pelo batismo e convocando a todos para construir um novo mundo alicerçado no amor.

Outra linha de reflexão pode ser seguida quando lemos a carta de Paulo aos colossenses (3,1-4).

O Apóstolo, como que continuando as palavras de Pedro, faz novo convite: buscar um objetivo que está à nossa disposição. Um presente que é oferecido por Jesus, e que deve ser desfrutado ao lado do Pai. Um presente que consiste em recuperar a vida escondida em Deus e revelada por Jesus.

Claro que para merecer esse presente, deve haver, de nossa parte, um esforço: “esforçai-vos para alcançar as coisas do alto, onde está Cristo”. Em que consiste esse esforço? Em “morrer” para os valores mundanos. E isso implica abrir mão de tudo que nos distancia de Deus. Coisas como maldade, ambição, violência, postura excludente, gestos e palavras que ofendem, concentração de riquezas e produção de empobrecidos… abrir mão desses contra valores nos permitirá entrar em contato com o Pai, “revestidos de sua glória”.

Mais uma linha de pensamento pascal nos é mostrada por João (20,1-9). Ela se manifesta nas atitudes de Maria Madalena, uma das mulheres redimidas por Jesus. Ela, da mesma forma que todas as outras mulheres, lastimava e sofria ao ver seu senhor executado na cruz.

Madalena, da mesma forma que as outras, passou a noite lamentando e em prantos. Foi a dor da perda que a conduziu. E logo nas primeiras horas do dia, “quando ainda estava escuro”, ela não se conteve: foi até o túmulo. Certamente querendo chorar mais perto do corpo daquele que lhe restituíra o sentido de viver.

Então, podemos imaginar seu assombro e surpresa ao se deparar com o túmulo aberto. E aqui está sua grande lição. Não caiu em desespero ao ver que o Senhor não estava mais ali. Pelo contrário: foi reanimada por alguma esperança ainda não entendida mas que foi assumida plenamente por ela. O fato foi que saiu correndo e foi avisar aos outros discípulos. E anunciou a Pedro:

“Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram!”

Foi o primeiro anúncio da Ressurreição.

Foi realizado por uma mulher!

Foi transmitido por aquela que era apenas mais uma marginal.

Foi resultado de um resgate: uma mulher resgatada do pecado e alçada à condição de primeira mensageira da ressurreição!

Foi ela quem mobilizou Pedro e o discípulo amado. Ambos saíram correndo ao ouvirem o anúncio de Madalena. Ambos, diante do túmulo vazio, foram tomados pela única alternativa que cabia aos discípulos: o ato de fé!

Entraram, Pedro e o discípulo amado, viram que o corpo não estava ali. Viram a creram! Mesmo ainda não tendo entendido as escrituras, viram a creram.

E aqui podemos aprender a grande lição: não importa o que se faz, ao longo da vida. Aceitando o encontro com o Senhor, ocorre a conversão. Como ocorreu com Madalena. E tendo havido esse encontro, muda-se a vida e muda-se de vida. E então, mesmo alguém como Madalena, pode se converter em mensageiro da ressurreição.

Assim, neste tempo de Páscoa, que tal trilhar o passos de Maria Madalena e buscar um caminho para chegar ao Mestre?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, abril 07, 2023

Ele Ressuscitou!

Reflexões a partir de Mc 16,1-6; Mt 28,1-6; Lc 24,1-6; Jo 20,1-2.11-18)

Todos sabemos como é desagradável a sensação de perder um amigo, um parente...Por mais que seja um fato natural, a morte não é uma realidade agradável… Saber que uma pessoa querida se foi! O vazio da ausência… Dor!

Com isso em mente é que hoje, ao ver o entardecer e o sol pondo-se no horizonte, penso nas mulheres que acompanharam Jesus. Quanta amizade nutriam por ele! Quanto bem dele haviam recebido… e a impotência diante de um império explorador e assassino que levou e matou aquele que havia sido o único a lhes perceber o valor de pessoas, marginalizadas pela sua sociedade e sua cultura!

Fico a imaginar sua agonia na sexta feira, vendo o mestre ser executado. O desespero durante todo o sábado, querendo crer, mas ainda na incerteza do porvir, apenas com aquela certeza trágica: Mataram o senhor!

Elas sabem pois viram acontecer. Acompanharam sua agonia. Sofreram em cada chicotada e se sentiram feridas em cada queda: Mataram o Senhor!

O único alívio, se é que isso serve de consolo, elas veem no horizonte: Finalmente o sábado está findando. O dia consagrado à celebração da Libertação, o dia da páscoa, está chegando ao fim… Mas em seguida vem a noite… e será mais uma noite de inquietação: Mataram o Senhor!

Possivelmente elas nem dormiram à noite. Possivelmente em pranto passaram a noite pensando e se preparando para o ritual do último encontro. Mataram o Senhor!

Podemos acompanhar sua angústia seguindo as palavras dos evangelistas, narrando os passos das mulheres, encaminhando os últimos preparativos:

“Passado o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para embalsamar o corpo de Jesus. E bem cedo no primeiro dia da semana, ao raiar do sol, foram ao túmulo”. Essa é a informação que Marcos nos deixou (Mc 16,1).

Em Mateus (Mt 28,1) encontramos as seguintes palavras: “Depois do sábado, ao raiar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”.

Para Lucas (Lc 24,1), não foi diferente”: “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os perfumes que tinham preparado”.

Palavras semelhantes encontramos em João (Jo 20,1): “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo”.

E, nas quatro narrativas, o que encontraram? O túmulo vazio. A sensação de angústia deve ter se multiplicado. O medo, a incerteza, a angústia… que pode ter acontecido com o corpo do Mestre? Que fizeram com nosso amigo e senhor?

Só então um primeiro sinal de alento lhes é concedido: não só por receberem a notícia da maravilha que havia se realizado, mas por ouvirem a notícia em primeira mão: Ressuscitou!

Claro que, de imediato não entenderam o alcance e o significado do fato: Ressuscitou?

Podemos visualizar seus rostos ao receberem a noticia: Marcos (Mc 16,6) é o primeiro a registrar o fato. As três mulheres ouvem, ainda com medo, o que lhes fala aquele rapaz estranho, mas com atitude reconfortante: “O jovem lhes disse: ‘Não vos assusteis! Procurais Jesus, o nazareno, aquele que foi crucificado? Ele ressuscitou!’”

Mateus (Mt 28, 5-6) fala que um anjo, um bom mensageiro, traz a notícia: “Então o anjo falou às mulheres: ‘Vós não precisais ter medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!’”

A novidade à porta do túmulo, é informada às mulheres, por dois homens com roupas brilhantes, na narrativa de Lucas (Lc 24,4-6): “Dois homens com vestes resplandecentes pararam perto delas. Tomadas de medo, elas olhavam para o chão. Eles, porém, disseram-lhes: ‘Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou’”.

Não deixa de ser emocionante a cena narrada por João (Jo 20,11-18). Solitária, Maria se põe a chorar, diante do túmulo vazio. Então o próprio Jesus lhe vem consolar: “Então, Jesus falou: ‘Maria!’ Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: ‘Rabûni!’ (que quer dizer: Mestre). Jesus disse: ‘Não me segures, pois ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’. Então, Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: ‘Eu vi o Senhor!’

Aquelas mulheres, choravam em desespero. Estavam angustiadas. Estavam com medo dentro de suas casas. Mas justamente esse desespero, no medo e na incerteza, foi que tiveram um lampejo de esperança e foram ao túmulo: Ele ressuscitou!

E hoje, dois mil anos depois podemos nos unir àquelas mulheres e ajudar a difundir a mensagem deste entardecer do Sábado Santo: Ele Ressuscitou! Então comemoremos: Ele Ressuscitou! Não existe mais motivo para medo nem para angústia: Ele Ressuscitou! É o fim da morte e a vitória da vida: Ele Ressuscitou!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, abril 05, 2023

Paixão do Senhor: Resgatou nosso pecado

(Reflexões baseadas em: Isaías 52,13-53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1-19,42)




Todos sabemos que a Semana Santa é um período de forte apelo à conversão. E, se não à conversão, pelo menos de reconciliação; de convite a uma profunda revisão de vida e de posturas… Isso significa que este período do ano litúrgico é carregado de desafios à nossa fé e ao nosso comportamento de cristãos. Este é um período em que refletimos sobre o significado, para nós, dos últimos momentos da vida de Jesus de Nazaré (João 18,1-19,42).

Creio, também, que a maioria de nós, pelo menos uma vez já assistiu algum filme ou encenação, retratando a Paixão de Cristo. E quando ela é teatralizado, são tomadas cenas dos quatro evangelistas que narram os passos da prisão, julgamento, condenação e execução de Jesus. O que nem sempre é reforçado nessas encenações, ou filmes, é que esses episódios dos últimos momentos da vida de Jesus – aliás, como de toda sua vida pública – estão, de alguma forma, prefigurados nos textos do Antigo Testamento.

Na palavra dos profetas, nos escritos da sabedoria bíblica, nos salmos… em diferentes passagens podemos encontrar algo que pode ser associado à vida de Jesus. Ao longo de todo o Antigo Testamento podemos encontrar cenas que podem ser relidas à luz do que viveu Jesus de Nazaré…. Isso nos permite dizer que Jesus, sua vida, seus feitos e sua paixão, foram retratados nas Escrituras Sagradas. Seus passos retratam as Escrituras.

Um desses retratos nos é mostrado pelo profeta Isaías. Quando o profeta comenta o sofrimento do Servo (Is 52,13-53,12), podemos identificar cada um dos traços de Jesus e, principalmente, suas dores no suplício de sua prisão; sua entrega às dores e, como consequência de sua morte, a ressurreição: “O meu Servo será bem sucedido”, pois, ressurgirá da morte para a vida. E mais: “Diante do Senhor ele cresceu como renovo de planta ou como raiz em terra seca”. Senhor da vida e da morte ressuscitou para mostrar o caminho da vida.

Mas, porque esse Servo sofredor passou por todas essas dores? Porque só ele é o redentor e,como tal, “ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um chagado, golpeado por Deus e humilhado!” Entretanto, tudo que fazia era para nos livrar da condenação, como afirma o profeta: “a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura”.

Não apenas sofrimentos, mas a própria morte foi realizada num plano de resgate dos pecadores.Nas palavras de Isaías, ele “entregou o corpo à morte, sendo contado como um malfeitor; ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores”.

Isso e muito mais, encontramos no Antigo Testamento. Passagens que remetem a Jesus e ao seu sacrifício em favor de todos aqueles que aceitam sua proposta de amor. De amar ao extremo de dar a vida em favor de outros; como ele a deu para nos resgatar!

Esse ciclo é tão completo que a Carta aos Hebreus (4,14-16; 5,7-9), relê as Escrituras identificando Jesus com o Sumo Sacerdote. Um Sumo Sacerdote diferente daqueles da velha Lei. Ele é o único Sumo Sacerdote “capaz de se compadecer de nossas fraquezas”. Tendo dedicado a vida aos que mais sofriam, fez da morte resgate dos que a ele se entregaram: “Na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”.

Sua paixão e morte, portanto, tinham um propósito: ser oportunidade de conversão.No entanto, mesmo oferecendo seu exemplo de vida… Mesmo oferecendo uma vida plena… Mesmo entregando a vida em resgate de muitos… Mesmo tendo passado seus últimos anos de vida com um grupo de discípulos… apesar de tudo isso, houve quem o traísse; houve quem o negasse; houve quem o abandonasse... Mas, diferentemente de tudo isso e deles todos, Jesus não se desviou: ele não fugiu de seu propósito. Ele não perdeu nem deixou que molestassem seus discípulos. Ele não deixou de cumprir as escrituras. Ele se manteve fiel ao plano do Pai: oferecer as condições para a conversão; e, aos que aderiram seus ensinamentos, resgatou-os, como lemos na carta aos Hebreus: “na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem.”

Jesus, o justo, o Servo sofredor, cumpriu as escrituras e em seu corpo realizou toda a obra da salvação. Em razão disso, sua morte causada pela maldade humana, foi fonte de vida nova plena de luz e, como disse o profeta: “Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas”. Tudo isso porque, com sua morte, “resgatava o pecado de todos”, salvando-nos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


segunda-feira, abril 03, 2023

Lava pés: O que eu recebi do Senhor



(Reflexões baseadas em: Ex 12,1-8.11-14; 1Cor 11,23-26; Jo 13, 1-15)

https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quinta-feira-santa-dei-vos-o-exemplo.html




Estamos em plena Semana Santa. Nesta semana, ao mesmo tempo que podemos e devemos refletir as leituras que a Igreja nos propõe, também podemos e devemos refletir o significado destas celebrações que estão no coração da fé cristã. De modo especial, a celebração da Quinta Feira Santa, o dia no qual a Igreja celebra a instituição dos sacramentos da Eucaristia e da Ordem.

A leitura, extraída do livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), é uma narrativa da Páscoa judaica. Nela podemos destacar: a) a partilha do cordeiro (Ex 12,4) que não deve ser consumido isoladamente, mas em comunidade. É uma celebração em família, com o direito de convidar a família do vizinho. Esse cordeiro que nos remete a Jesus o Cordeiro de Deus. b) a unção das portas com o sangue do cordeiro (Ex 12,7), indica, ao mesmo tempo, o caminho por onde passará o anjo exterminador e a entrega de Jesus, que verterá sangue na cruz. c) a refeição feita às pressas (Ex 12,11), indicando que não se trata de uma festa, mas de uma celebração em vista de uma missão. Mais uma ligação com a entrega do Senhor, na eucaristia. A comunhão não se destina ao deleite espiritual, mas ao fortalecimento para a caminhada. d) uma festa memorável (12,14), ou seja, algo a se repetir perpetuamente, da mesma forma que celebramos a Eucaristia, indicando a presença do Senhor, na história do povo sofredor, alimentando-o na busca da libertação.

Isso nos permite dizer que a Páscoa Judaica, efetivamente é um anúncio da Páscoa que se concretiza em Jesus Cristo de forma definitiva e universal. Lá era um cordeiro a ser partilhado; aqui o Cristo Cordeiro de Deus se oferece como alimento para a vida pessoal, alimentado a cada um, mas principalmente vida eclesial, alimentando a participação na vida da comunidade.

E também nos remete às orientação de Paulo à comunidade de Corinto (1Cor 11,23-26). Um texto muito próprio para este momento litúrgico. O apóstolo narra os passos do Senhor entregando-se na eucaristia. O apóstolo, repete as mesmas palavras de Jesus: “Isto é meu corpo que é dado por vós” (1Cor 11,24). O pão, portanto, passa a ser o próprio corpo do Senhor. E está sendo “dado” na forma de uma oferenda. Mas o detalhe é que não é um sacerdote que oferece o sacrifício, mas Jesus, o próprio Cordeiro, que celebra o ritual oferecendo e entregando-se. A mesma afirmação vale para o vinho: que passa a ser o sangue de Jesus; que passa ser a nova aliança. “Este cálice é a nova aliança, em meu sangue” (1 Cor 11,25). Comer e beber o pão/corpo e o vinho/sangue tem tripla finalidade: proclamar a morte de Jesus; esperar o retorno de Jesus e dar sentido à nossa esperança na medida em que nos alimentamos cotidianamente com seu corpo e sangue.

E, como sempre, Jesus radicaliza. No trecho de João (Jo 13, 1-15), que estamos lendo hoje, é evidente essa radicalização: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mas, neste caso, em que consiste a radicalidade de Jesus? Em oferecer-se para nos dar as chaves de seu Reino, pagando o preço dessa entrega. Sendo o exemplo para os seguidores!

Na ceia, prenúncio da Eucaristia, o Senhor se depara com duas situações: de um lado, ceder a tentação de fugir ao seu propósito, uma vez que já sabia que seria traído por Judas (Jo 13,2). Como tudo estava em suas mãos (Jo 13,3), poderia ter fugido ao martírio. Afinal, quem estava agindo nesse sentido era o gerador de divisões (diabo) (Jo, 13,2) que estava no coração de Judas. E hoje devemos nos precaver ainda mais em relação a cada pessoa ou grupo que gera divisão… e são muitos!

Por outro lado, a opção era assumir a conclusão do Plano. Daí sua decisão: despir-se do manto, tomar a toalha e lavar os pés dos discípulos (Jo 13,4-5). Gesto que caracteriza o sacramento da ordem. Talvez por isso, um gesto, em si mesmo, incompreensível para algumas pessoas, mas pleno de significados: a) o mestre não é superior aos discípulos, apenas tem função diferente; b) o mestre não tira proveito pessoal dos discípulos, mas lhes ensina como se colocar à disposição para servir; c) o mestre ensina a partir de gestos que só serão compreensíveis quando o discípulo se entregar completamente ao plano de doação, de acordo com o modelo do mestre (Jo 13,7); d) o mestre que serve não perde a dignidade, mas usa seus gestos para ensinar e orientar os discípulos, como fez o Senhor após lavar os pés dos discípulos: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,13-15).

“Dei-vos o exemplo”, afirma o Senhor. Nisso está um dos pontes centrais da missão de Jesus. E a Quinta Feira Santa se caracteriza por nos colocar esse desafio. Não basta dizermos que somos cristãos. Importa assumir a postura de quem pretende dar prosseguimento à missão de fazer o que fez o mestre: oferecer a vida para servir e produzir transformações no mundo.

Aliás essa é uma característica essencial do cristianismo: não é uma religião que tem por objetivo apenas produzir deleite espiritual, para satisfação individual. É sim a religião em função da ação dentro da sociedade. O cristianismo cobra do crente uma profunda inserção na sociedade com a finalidade de transformá-la, extirpando todos os valores contrários à vida. Quem ensina isso? O próprio Senhor: “Dei-vos o exemplo!”


Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


Outros escritos do autor:


Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;


Literatura:https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=220242

Sagrada Família: para se cumprir!

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