quarta-feira, 26 de abril de 2023

Páscoa 4 Este Jesus!

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,14.36-41; 1Pedro 2,20b-25; João 10,1-10)




Com o discurso de Pedro (At 2,14.36-41 e 1 Pd2,20-25), somos levados a uma conclusão: o apóstolo está virando uma página, invertendo os papéis e assumindo o protagonismo de um processo. E fazendo uma denúncia!

Ele vira a página porque demonstra, em sua pregação, que Jesus, o crucificado, é o Cristo. E quem o ouve, percebe a convicção de suas palavras. Seus ouvintes acabam se deixando convencer pela verdade de sua pregação. Ao fazer a denúncia do crime cometido pelas autoridades, convoca a uma revisão dos fatos. E, com isso, a culpa pela morte do pregador de Nazaré pesa na consciência dos ouvintes; entendem que foram manipulados pelas autoridades. Por esse motivo “eles ficaram com o coração aflito” (At 2,37). E Pedro não deixa por menos. Insiste com eles, convidando: “Salvai-vos dessa gente corrompida!” (At 2,40).

Inverte os papéis ao afirmar que Jesus é o Cristo. Com isso denuncia o crime dos judeus e das autoridades. Eles forjaram o julgamento, forçaram a condenação e manipularam para que um inocente fosse executado. “Ele não cometeu pecado algum, mentira nenhuma foi encontrada em sua boca” (1Pd 2,22). Contra esses malfeitores, corruptos e corruptores Pedro apresenta o modelo do comportamento de Jesus: “Quando injuriado, não retribuía as injúrias; atormentado, não ameaçava; antes, colocava a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça” (1Pd 2,23). Com esse argumento Pedro demonstra que os acusadores são culpados; os que se colocavam como defensores da ordem, da família, da pátria, da religião, da moral e dos bons costumes... os homens bons são, na verdade, representantes do príncipe das trevas.

E,finalmente, assume o protagonismo porque foi a partir de seus discursos que se espalhou a notícia da ressurreição. A partir de seu discurso seus ouvintes começaram a se arrepender e converter. A partir disso, aqueles que foram ludibriados pelas autoridades e representantes do templo começavam a se perguntar e perguntar a Pedro: “Irmãos, o que devemos fazer?” (At 2,37). Certamente disseram: “Entendemos que fomos ludibriados, e agora, que fazer para minimizar nosso erro? O que fazer para recuperar a paz na consciência? O que fazer para não nos sentirmos cúmplices de carrascos, torturadores e assassinos?

O protagonismo de Pedro também se manifesta nas suas respostas e orientações aos que se arrependiam: “Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,38). Graças a essa atuação, aos poucos cresceu o número dos que passaram a acreditar no Ressuscitado: “Os que aceitaram as palavras de Pedro receberam o batismo” (At 2,41). E àqueles que ainda se sentiam culpados por terem contribuído para a condenação de Jesus de Nazaré, Pedro confortava dizendo: “Por suas feridas fostes curados. Andáveis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes ao pastor e guarda de vossas vidas” (1Pd2,24-25). Afirma isso com a segurança de quem ouviu do mestre: “eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10,1-10).

Tudo isso, Pedro pode afirmar porque soube entender os ensinamentos do Mestre. Claro que teve suas crises de fé.Nos momento de crise, na hora do medo, no auge da insegurança, sentiu-se desamparado, negou ao Senhor. Mas a mesma força que antes o motivara a deixar tudo para seguir Jesus, agora se amplia. Ele sabe que tem mais do que só as palavras do Mestre. Tem a força do Espírito de Amor.

Ele sabe o que afirma. Ouviu do próprio Senhor. O Mestre que se compadecia dos discípulos, abandonados e enganados pelas autoridades e pelos representantes da fé dos pais. O mestre que olha para o rebanho sem pastor. O mestre que vê seu rebanho sendo saqueado pelos falsos pastores. Os enganadores o que só fazem dispersar as ovelhas, pois não entram pela porta, visto que são assaltantes. E, dessa forma, Pedro retoma as palavras do Mestre que deu sua vida para que as ovelhas tenham vida.

As palavras de Pedro, são, finalmente, uma denúncia, dirigida aos nossos dias. Palavras que nos orientam a tomar cuidado. Da mesma forma que aos poderosos do seu tempo: “Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes”. Denúncia atual porque os poderosos dos nossos dias continuam crucificando Jesus, nas vítimas do poder; vítimas da ganância; vítimas dos falsos pastores; vítimas da religião de belas pregações, sem compromisso com o empobrecido; vítimas da política, da economia e da religião.

Contra tudo isso Pedro se apresenta para virar a página, para inverter os papéis, para ser protagonista e dar protagonismo às ovelhas abandonadas. E de junto delas, ergue a voz para a denúncia: Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes… e continuam crucificando...




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 19 de abril de 2023

Pascoa 3 Jesus, homem aprovado por Deus

(Reflexões baseadas em: At 2,14.22-33; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35)




Quando a gente lê as palavras de Pedro (em At 2,14.22-33 e na carta: 1Pd 1,17-21), dizendo que Jesus foi um homem aprovado por Deus, temos a impressão de que nisso não tem novidades. Ele mesmo afirma: “Tudo isso vós bem o sabeis!” Se eles sabem, não há novidade: Jesus é exatamente isso!

E, cada um dos que se dizemos cristãos; cada um dos que frequentam, as celebrações dominicais; cada pessoa que já leu algo, na Bíblia, ou já ouviu alguma pregação a respeito de Jesus... cada um sabe que, de fato, Jesus foi uma pessoa especial. Por isso foi que Pedro, em seu discurso, faz a afirmação central da fé cristã: Jesus foi torturado e assassinado, sim! Mas também é verdade, e nisso se baseia a fé cristã: Deus o Ressuscitou! E o ressuscitou é porque tinha com ele a mais perfeita sintonia: Jesus era Deus, junto com Deus, por isso fez-se homem, junto com todos os seres humanos.

Aquele rapaz, que fez coisas maravilhosas por todos que se aproximaram dele; esse rapaz foi perseguido, preso, torturado, julgado, condenado, executado. Mas Deus o ressuscitou! Ele tinha a aprovação de Deus para fazer tudo que fez. E fez tão bem que, após seu suplicio humano manifestou-se, ressuscitado, em sua divindade. “E disso nós somos testemunhas”, afirma Pedro. E, por ter cumprido sua missão humana, voltou para sua condição divina. “E agora, exaltado pela direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai, e o derramou, como estais vendo e ouvindo” (At 2,33).

Mas tudo isso, talvez não os interlocutores de Pedro, nós já sabemos. Nisso reside o principio de nossa fé. Então, qual é a novidade do discurso de Pedro?

Afirmar que Jesus, em sua vida, paixão, morte e ressurreição, cumpriu as escrituras?

Afirmar que Jesus, ressuscitado, assumiu seu lugar ao lado do Pai?

Afirmar que Jesus, ressuscitado, apareceu primeiro às mulheres depois aos discípulos?

Afirmar que Jesus, soprou sobre os discípulos, os dons do Espirito de Verdade?

Afirmar que em Jesus, seremos julgados “cada um de acordo com as suas obras”?

Afirmar que Jesus, em sua trajetória humana tinha como finalidade nos resgatar da “vida fútil” que herdamos de nossa sociedade?

Afirmar que em Jesus podemos manter sempre um restinho de esperança

Afirmar que em Jesus a gratuidade do amor de Deus, apesar de causarmos dores nos irmãos, somos convidados a participar da glória que Deus reservou aos seus santos?

Mas então, qual foi a novidade da afirmação de Pedro, dizendo que Jesus “foi um homem aprovado por Deus”?

A resposta, talvez não esteja na boca de Pedro, mas nos gestos de Jesus, quando caminhou com os discípulos em direção a Emaús (Lc 24,13-35).

Tristes, talvez decepcionados, caminhavam em direção ao povoado. Em sua conversa, talvez querendo entender o que havia ocorrido. Viram os fatos, ouviram os boatos: Jesus fora crucificado. As mulheres disseram tê-lo visto vivo! Os fatos, eles viram. Os boatos… eram boatos… Mas seria possível? Se o boato fosse fato, de fato Jesus era quem dissera ser!?

Na singeleza de um gesto divino, Jesus se põe ao lado da dúvida honesta. Talvez até já imaginasse a resposta, mas perguntou: Por que essa cara triste? Por que esse ar de derrota? Por que caminham como quem não tem esperança? Por que essa clima de medo? “Sobre o que estão conversando”?

E vem o desabafo: Esperávamos que Jesus fosse nossa resposta! Mas o prenderam e mataram. Judiaram dele e o mataram. Nem o julgaram direito e o mataram. Os sacerdotes e o governador produziram falsas notícias… e o mataram. Mas nós tínhamos esperança…

Talvez, quem sabe, com um leve sorriso de contentamento, Jesus lhes explica as escrituras. Eles chegam ao seu destino. Jesus diz que vai continuar. Eles fazem o primeiro gesto demonstrando que aprenderam a mensagem da vida de Jesus: acolheram o estranho.

Nisso está a beleza e a novidade: Jesus não forçou a barra. Apenas falou o que sobre ele diziam as escrituras… e repartiu o pão, da mesma forma que eles haviam repartido o abrigo.

No gesto de partir o Pão, eles o reconheceram. Só então entenderam que Jesus, de fato, havia sido aprovado por Deus e queria ser, também, aprovado por nós. Não para dizermos que o adoramos e isso e aquilo, mas para continuar sua missão.


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 13 de abril de 2023

Tomé: Amar sem ter visto

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,42-47; 1 Pedro 1,3-9; João 20,19-31)




Por que Tomé não acreditou, quando seus companheiros lhe disseram: “Vimos o Senhor!”? Será que lhe faltou fé? (João 20,19-31).

Ou será que ele agiu como uma pessoa sensata movida pela lógica e pela razão? Afinal, todos haviam acompanhado os fatos: o mestre havia sido crucificado, morto e sepultado! E de repente começam a dizer: ele está vivo!

Não faz sentido!

Principalmente porque, até aquele momento,Jesus havia sido um mestre, isso com certeza era verdade. Mas ainda não tinham entendido que ele era o Cristo, o Filho encarnado!

Até aquele momento,para eles Jesus havia sido um grande amigo, compreensivo, compassivo; fizera atos extraordinários..., mas as escrituras relatam que Moisés e vários profetas também realizaram prodígios. Elias até ressuscitara um menino (1Rs 1,22)!

Tomé, portanto, não foi incrédulo, mas, com certeza queria algo a mais do que boatos. Não se deixava seduzir pela boataria, como esses que proliferam depois de alguma tragédia. E a execução de Jesus havia sido uma tragédia. Por isso, boatos não faltavam. Ele não queria se decepcionar, com uma esperança baseada em boatos! Por isso sua postura cética: Quero ver! Quero tocar! “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25).

Claro que depois das várias manifestações; depois que muitas pessoas, em diferentes lugares e situações relataram o encontro com Jesus Ressuscitado, a fé foi nascendo, foi se alastrando, foi superando a dúvida, foi se convertendo em certeza: De fato, ressuscitou!

Somente depois de algum tempo; depois de várias manifestações perceberam: tudo que ele havia falado começa a ganhar sentido. O que Ele fizera começa a ser compreendido… somente então a incredulidade e a dúvida abrem espaço para a fé. Aí, então, já não era mais necessária a postura de Tomé: quero ver! Só então passa a ser verdade a afirmação de Jesus: “Bem aventurados os que acreditaram sem ter visto!”

A partir disso, os seguidores fazem-se verdadeiros discípulos (At 2,42-47). A partir disso, os discípulos tornam-se anunciadores. A partir disso, os anunciadores levaram a sério as palavras do mestre e, por esse motivo, começaram a se reunir nas casas e nas casas partiam o pão, como ele havia ensinado: Com alegria! “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum” (At 2,44).

Somente então os ensinamentos do Mestre passaram a ter sentido (1Pedro 1,3-9). A partilha passou ter sentido. A solidariedade passou a ter sentido… e a própria vida ganhou sentido, pois deixou de ser uma sucessão de dores, tornando-se estrada para o encontro com o Mestre que, morrera sim, mas que estava vivo a abria as portas para que as pessoas pudessem “nascer de novo, para uma esperança viva”; e, dessa forma, em todos os tempos, aqueles que nele depositam sua fé entram na estada da vida… e vida definitiva.

No cotidiano ainda podem ocorrer momentos de dor e sofrimento e aflições e provações. Entretanto, a fé que se desenvolveu, depois dos encontros com o Ressuscitado, ressignificou tudo. “Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações” (1Pd 1,6). A experiência das dores não diminuía a consciência do apoio divino para superá-las: se Deus havia ressuscitado Jesus, pode fazer o mesmo com aquele que crê. “Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa” (1Pd 1,8).

E assim voltamos à postura de Tomé. Quer dizer que ele, por ter sido cético, não foi agraciado com a glória eterna? Pelo contrário, ele ensinou uma lição: cuidado com os boatos!

Sua atitude não foi um ato de incredulidade, mas de ceticismo. Ao se deparar com o Senhor vivo, eliminou a postura cética e confessou, como todos os demais: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Ao manifestar sua fé permitiu que Jesus desse uma orientação final: a afirmação da bem-aventurança para quem aderir à fé, mesmo sem tê-lo encontrado pessoalmente: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29).

Nisso está o grande salto para a fé cristã. Não se trata de ver o Senhor, para ter fé. Não se trata de pedir milagres, para ter fé. Não se trata de receber graças pessoais, para ter fé. Não se trata de seguir os charlatães, para te fé. Trata-se de amar ao Senhor sem tê-lo visto, e como os primeiros cristãos, desenvolver a postura solidária com aqueles que vemos e dos quais conhecemos as dores.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, 8 de abril de 2023

Maria Madalena

(Reflexão a partir de Atos dos Apóstolos 10,34a.37-43; Colossenses 3,1-4; João 20,1-9)




A liturgia do domingo de Páscoa nos permite algumas linhas de reflexão.

Uma delas é entender o discurso de Pedro dentro do contexto e da proposta de Atos dos Apóstolos (10,34a.37-43). Com seu discurso o apóstolo pescador nos leva à conclusão: Não só aos discípulos é dada uma missão, mas a todos os que se fazem cristãos. Todos recebem a mesma missão de continuar a ação dos apóstolos, movidos pela ação do Espírito de Vida.

E, que missão é essa? Ser testemunha de tudo que Jesus de Nazaré fez por onde passou. Como ele foi perseguido, traído, preso, condenado e morto na cruz… “Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia”. Também faz parte da missão, manter a tradição e continuar “fazendo o bem e curando a todos”; e mais, continua Pedro, afirmando que “Jesus nos mandou pregar ao povo” anunciando o perdão, pelo batismo e convocando a todos para construir um novo mundo alicerçado no amor.

Outra linha de reflexão pode ser seguida quando lemos a carta de Paulo aos colossenses (3,1-4).

O Apóstolo, como que continuando as palavras de Pedro, faz novo convite: buscar um objetivo que está à nossa disposição. Um presente que é oferecido por Jesus, e que deve ser desfrutado ao lado do Pai. Um presente que consiste em recuperar a vida escondida em Deus e revelada por Jesus.

Claro que para merecer esse presente, deve haver, de nossa parte, um esforço: “esforçai-vos para alcançar as coisas do alto, onde está Cristo”. Em que consiste esse esforço? Em “morrer” para os valores mundanos. E isso implica abrir mão de tudo que nos distancia de Deus. Coisas como maldade, ambição, violência, postura excludente, gestos e palavras que ofendem, concentração de riquezas e produção de empobrecidos… abrir mão desses contra valores nos permitirá entrar em contato com o Pai, “revestidos de sua glória”.

Mais uma linha de pensamento pascal nos é mostrada por João (20,1-9). Ela se manifesta nas atitudes de Maria Madalena, uma das mulheres redimidas por Jesus. Ela, da mesma forma que todas as outras mulheres, lastimava e sofria ao ver seu senhor executado na cruz.

Madalena, da mesma forma que as outras, passou a noite lamentando e em prantos. Foi a dor da perda que a conduziu. E logo nas primeiras horas do dia, “quando ainda estava escuro”, ela não se conteve: foi até o túmulo. Certamente querendo chorar mais perto do corpo daquele que lhe restituíra o sentido de viver.

Então, podemos imaginar seu assombro e surpresa ao se deparar com o túmulo aberto. E aqui está sua grande lição. Não caiu em desespero ao ver que o Senhor não estava mais ali. Pelo contrário: foi reanimada por alguma esperança ainda não entendida mas que foi assumida plenamente por ela. O fato foi que saiu correndo e foi avisar aos outros discípulos. E anunciou a Pedro:

“Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram!”

Foi o primeiro anúncio da Ressurreição.

Foi realizado por uma mulher!

Foi transmitido por aquela que era apenas mais uma marginal.

Foi resultado de um resgate: uma mulher resgatada do pecado e alçada à condição de primeira mensageira da ressurreição!

Foi ela quem mobilizou Pedro e o discípulo amado. Ambos saíram correndo ao ouvirem o anúncio de Madalena. Ambos, diante do túmulo vazio, foram tomados pela única alternativa que cabia aos discípulos: o ato de fé!

Entraram, Pedro e o discípulo amado, viram que o corpo não estava ali. Viram a creram! Mesmo ainda não tendo entendido as escrituras, viram a creram.

E aqui podemos aprender a grande lição: não importa o que se faz, ao longo da vida. Aceitando o encontro com o Senhor, ocorre a conversão. Como ocorreu com Madalena. E tendo havido esse encontro, muda-se a vida e muda-se de vida. E então, mesmo alguém como Madalena, pode se converter em mensageiro da ressurreição.

Assim, neste tempo de Páscoa, que tal trilhar o passos de Maria Madalena e buscar um caminho para chegar ao Mestre?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 7 de abril de 2023

Ele Ressuscitou!

Reflexões a partir de Mc 16,1-6; Mt 28,1-6; Lc 24,1-6; Jo 20,1-2.11-18)

Todos sabemos como é desagradável a sensação de perder um amigo, um parente...Por mais que seja um fato natural, a morte não é uma realidade agradável… Saber que uma pessoa querida se foi! O vazio da ausência… Dor!

Com isso em mente é que hoje, ao ver o entardecer e o sol pondo-se no horizonte, penso nas mulheres que acompanharam Jesus. Quanta amizade nutriam por ele! Quanto bem dele haviam recebido… e a impotência diante de um império explorador e assassino que levou e matou aquele que havia sido o único a lhes perceber o valor de pessoas, marginalizadas pela sua sociedade e sua cultura!

Fico a imaginar sua agonia na sexta feira, vendo o mestre ser executado. O desespero durante todo o sábado, querendo crer, mas ainda na incerteza do porvir, apenas com aquela certeza trágica: Mataram o senhor!

Elas sabem pois viram acontecer. Acompanharam sua agonia. Sofreram em cada chicotada e se sentiram feridas em cada queda: Mataram o Senhor!

O único alívio, se é que isso serve de consolo, elas veem no horizonte: Finalmente o sábado está findando. O dia consagrado à celebração da Libertação, o dia da páscoa, está chegando ao fim… Mas em seguida vem a noite… e será mais uma noite de inquietação: Mataram o Senhor!

Possivelmente elas nem dormiram à noite. Possivelmente em pranto passaram a noite pensando e se preparando para o ritual do último encontro. Mataram o Senhor!

Podemos acompanhar sua angústia seguindo as palavras dos evangelistas, narrando os passos das mulheres, encaminhando os últimos preparativos:

“Passado o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para embalsamar o corpo de Jesus. E bem cedo no primeiro dia da semana, ao raiar do sol, foram ao túmulo”. Essa é a informação que Marcos nos deixou (Mc 16,1).

Em Mateus (Mt 28,1) encontramos as seguintes palavras: “Depois do sábado, ao raiar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”.

Para Lucas (Lc 24,1), não foi diferente”: “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os perfumes que tinham preparado”.

Palavras semelhantes encontramos em João (Jo 20,1): “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo”.

E, nas quatro narrativas, o que encontraram? O túmulo vazio. A sensação de angústia deve ter se multiplicado. O medo, a incerteza, a angústia… que pode ter acontecido com o corpo do Mestre? Que fizeram com nosso amigo e senhor?

Só então um primeiro sinal de alento lhes é concedido: não só por receberem a notícia da maravilha que havia se realizado, mas por ouvirem a notícia em primeira mão: Ressuscitou!

Claro que, de imediato não entenderam o alcance e o significado do fato: Ressuscitou?

Podemos visualizar seus rostos ao receberem a noticia: Marcos (Mc 16,6) é o primeiro a registrar o fato. As três mulheres ouvem, ainda com medo, o que lhes fala aquele rapaz estranho, mas com atitude reconfortante: “O jovem lhes disse: ‘Não vos assusteis! Procurais Jesus, o nazareno, aquele que foi crucificado? Ele ressuscitou!’”

Mateus (Mt 28, 5-6) fala que um anjo, um bom mensageiro, traz a notícia: “Então o anjo falou às mulheres: ‘Vós não precisais ter medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!’”

A novidade à porta do túmulo, é informada às mulheres, por dois homens com roupas brilhantes, na narrativa de Lucas (Lc 24,4-6): “Dois homens com vestes resplandecentes pararam perto delas. Tomadas de medo, elas olhavam para o chão. Eles, porém, disseram-lhes: ‘Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou’”.

Não deixa de ser emocionante a cena narrada por João (Jo 20,11-18). Solitária, Maria se põe a chorar, diante do túmulo vazio. Então o próprio Jesus lhe vem consolar: “Então, Jesus falou: ‘Maria!’ Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: ‘Rabûni!’ (que quer dizer: Mestre). Jesus disse: ‘Não me segures, pois ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’. Então, Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: ‘Eu vi o Senhor!’

Aquelas mulheres, choravam em desespero. Estavam angustiadas. Estavam com medo dentro de suas casas. Mas justamente esse desespero, no medo e na incerteza, foi que tiveram um lampejo de esperança e foram ao túmulo: Ele ressuscitou!

E hoje, dois mil anos depois podemos nos unir àquelas mulheres e ajudar a difundir a mensagem deste entardecer do Sábado Santo: Ele Ressuscitou! Então comemoremos: Ele Ressuscitou! Não existe mais motivo para medo nem para angústia: Ele Ressuscitou! É o fim da morte e a vitória da vida: Ele Ressuscitou!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Paixão do Senhor: Resgatou nosso pecado

(Reflexões baseadas em: Isaías 52,13-53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1-19,42)




Todos sabemos que a Semana Santa é um período de forte apelo à conversão. E, se não à conversão, pelo menos de reconciliação; de convite a uma profunda revisão de vida e de posturas… Isso significa que este período do ano litúrgico é carregado de desafios à nossa fé e ao nosso comportamento de cristãos. Este é um período em que refletimos sobre o significado, para nós, dos últimos momentos da vida de Jesus de Nazaré (João 18,1-19,42).

Creio, também, que a maioria de nós, pelo menos uma vez já assistiu algum filme ou encenação, retratando a Paixão de Cristo. E quando ela é teatralizado, são tomadas cenas dos quatro evangelistas que narram os passos da prisão, julgamento, condenação e execução de Jesus. O que nem sempre é reforçado nessas encenações, ou filmes, é que esses episódios dos últimos momentos da vida de Jesus – aliás, como de toda sua vida pública – estão, de alguma forma, prefigurados nos textos do Antigo Testamento.

Na palavra dos profetas, nos escritos da sabedoria bíblica, nos salmos… em diferentes passagens podemos encontrar algo que pode ser associado à vida de Jesus. Ao longo de todo o Antigo Testamento podemos encontrar cenas que podem ser relidas à luz do que viveu Jesus de Nazaré…. Isso nos permite dizer que Jesus, sua vida, seus feitos e sua paixão, foram retratados nas Escrituras Sagradas. Seus passos retratam as Escrituras.

Um desses retratos nos é mostrado pelo profeta Isaías. Quando o profeta comenta o sofrimento do Servo (Is 52,13-53,12), podemos identificar cada um dos traços de Jesus e, principalmente, suas dores no suplício de sua prisão; sua entrega às dores e, como consequência de sua morte, a ressurreição: “O meu Servo será bem sucedido”, pois, ressurgirá da morte para a vida. E mais: “Diante do Senhor ele cresceu como renovo de planta ou como raiz em terra seca”. Senhor da vida e da morte ressuscitou para mostrar o caminho da vida.

Mas, porque esse Servo sofredor passou por todas essas dores? Porque só ele é o redentor e,como tal, “ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um chagado, golpeado por Deus e humilhado!” Entretanto, tudo que fazia era para nos livrar da condenação, como afirma o profeta: “a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura”.

Não apenas sofrimentos, mas a própria morte foi realizada num plano de resgate dos pecadores.Nas palavras de Isaías, ele “entregou o corpo à morte, sendo contado como um malfeitor; ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores”.

Isso e muito mais, encontramos no Antigo Testamento. Passagens que remetem a Jesus e ao seu sacrifício em favor de todos aqueles que aceitam sua proposta de amor. De amar ao extremo de dar a vida em favor de outros; como ele a deu para nos resgatar!

Esse ciclo é tão completo que a Carta aos Hebreus (4,14-16; 5,7-9), relê as Escrituras identificando Jesus com o Sumo Sacerdote. Um Sumo Sacerdote diferente daqueles da velha Lei. Ele é o único Sumo Sacerdote “capaz de se compadecer de nossas fraquezas”. Tendo dedicado a vida aos que mais sofriam, fez da morte resgate dos que a ele se entregaram: “Na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”.

Sua paixão e morte, portanto, tinham um propósito: ser oportunidade de conversão.No entanto, mesmo oferecendo seu exemplo de vida… Mesmo oferecendo uma vida plena… Mesmo entregando a vida em resgate de muitos… Mesmo tendo passado seus últimos anos de vida com um grupo de discípulos… apesar de tudo isso, houve quem o traísse; houve quem o negasse; houve quem o abandonasse... Mas, diferentemente de tudo isso e deles todos, Jesus não se desviou: ele não fugiu de seu propósito. Ele não perdeu nem deixou que molestassem seus discípulos. Ele não deixou de cumprir as escrituras. Ele se manteve fiel ao plano do Pai: oferecer as condições para a conversão; e, aos que aderiram seus ensinamentos, resgatou-os, como lemos na carta aos Hebreus: “na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem.”

Jesus, o justo, o Servo sofredor, cumpriu as escrituras e em seu corpo realizou toda a obra da salvação. Em razão disso, sua morte causada pela maldade humana, foi fonte de vida nova plena de luz e, como disse o profeta: “Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas”. Tudo isso porque, com sua morte, “resgatava o pecado de todos”, salvando-nos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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segunda-feira, 3 de abril de 2023

Lava pés: O que eu recebi do Senhor



(Reflexões baseadas em: Ex 12,1-8.11-14; 1Cor 11,23-26; Jo 13, 1-15)

https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quinta-feira-santa-dei-vos-o-exemplo.html




Estamos em plena Semana Santa. Nesta semana, ao mesmo tempo que podemos e devemos refletir as leituras que a Igreja nos propõe, também podemos e devemos refletir o significado destas celebrações que estão no coração da fé cristã. De modo especial, a celebração da Quinta Feira Santa, o dia no qual a Igreja celebra a instituição dos sacramentos da Eucaristia e da Ordem.

A leitura, extraída do livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), é uma narrativa da Páscoa judaica. Nela podemos destacar: a) a partilha do cordeiro (Ex 12,4) que não deve ser consumido isoladamente, mas em comunidade. É uma celebração em família, com o direito de convidar a família do vizinho. Esse cordeiro que nos remete a Jesus o Cordeiro de Deus. b) a unção das portas com o sangue do cordeiro (Ex 12,7), indica, ao mesmo tempo, o caminho por onde passará o anjo exterminador e a entrega de Jesus, que verterá sangue na cruz. c) a refeição feita às pressas (Ex 12,11), indicando que não se trata de uma festa, mas de uma celebração em vista de uma missão. Mais uma ligação com a entrega do Senhor, na eucaristia. A comunhão não se destina ao deleite espiritual, mas ao fortalecimento para a caminhada. d) uma festa memorável (12,14), ou seja, algo a se repetir perpetuamente, da mesma forma que celebramos a Eucaristia, indicando a presença do Senhor, na história do povo sofredor, alimentando-o na busca da libertação.

Isso nos permite dizer que a Páscoa Judaica, efetivamente é um anúncio da Páscoa que se concretiza em Jesus Cristo de forma definitiva e universal. Lá era um cordeiro a ser partilhado; aqui o Cristo Cordeiro de Deus se oferece como alimento para a vida pessoal, alimentado a cada um, mas principalmente vida eclesial, alimentando a participação na vida da comunidade.

E também nos remete às orientação de Paulo à comunidade de Corinto (1Cor 11,23-26). Um texto muito próprio para este momento litúrgico. O apóstolo narra os passos do Senhor entregando-se na eucaristia. O apóstolo, repete as mesmas palavras de Jesus: “Isto é meu corpo que é dado por vós” (1Cor 11,24). O pão, portanto, passa a ser o próprio corpo do Senhor. E está sendo “dado” na forma de uma oferenda. Mas o detalhe é que não é um sacerdote que oferece o sacrifício, mas Jesus, o próprio Cordeiro, que celebra o ritual oferecendo e entregando-se. A mesma afirmação vale para o vinho: que passa a ser o sangue de Jesus; que passa ser a nova aliança. “Este cálice é a nova aliança, em meu sangue” (1 Cor 11,25). Comer e beber o pão/corpo e o vinho/sangue tem tripla finalidade: proclamar a morte de Jesus; esperar o retorno de Jesus e dar sentido à nossa esperança na medida em que nos alimentamos cotidianamente com seu corpo e sangue.

E, como sempre, Jesus radicaliza. No trecho de João (Jo 13, 1-15), que estamos lendo hoje, é evidente essa radicalização: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mas, neste caso, em que consiste a radicalidade de Jesus? Em oferecer-se para nos dar as chaves de seu Reino, pagando o preço dessa entrega. Sendo o exemplo para os seguidores!

Na ceia, prenúncio da Eucaristia, o Senhor se depara com duas situações: de um lado, ceder a tentação de fugir ao seu propósito, uma vez que já sabia que seria traído por Judas (Jo 13,2). Como tudo estava em suas mãos (Jo 13,3), poderia ter fugido ao martírio. Afinal, quem estava agindo nesse sentido era o gerador de divisões (diabo) (Jo, 13,2) que estava no coração de Judas. E hoje devemos nos precaver ainda mais em relação a cada pessoa ou grupo que gera divisão… e são muitos!

Por outro lado, a opção era assumir a conclusão do Plano. Daí sua decisão: despir-se do manto, tomar a toalha e lavar os pés dos discípulos (Jo 13,4-5). Gesto que caracteriza o sacramento da ordem. Talvez por isso, um gesto, em si mesmo, incompreensível para algumas pessoas, mas pleno de significados: a) o mestre não é superior aos discípulos, apenas tem função diferente; b) o mestre não tira proveito pessoal dos discípulos, mas lhes ensina como se colocar à disposição para servir; c) o mestre ensina a partir de gestos que só serão compreensíveis quando o discípulo se entregar completamente ao plano de doação, de acordo com o modelo do mestre (Jo 13,7); d) o mestre que serve não perde a dignidade, mas usa seus gestos para ensinar e orientar os discípulos, como fez o Senhor após lavar os pés dos discípulos: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,13-15).

“Dei-vos o exemplo”, afirma o Senhor. Nisso está um dos pontes centrais da missão de Jesus. E a Quinta Feira Santa se caracteriza por nos colocar esse desafio. Não basta dizermos que somos cristãos. Importa assumir a postura de quem pretende dar prosseguimento à missão de fazer o que fez o mestre: oferecer a vida para servir e produzir transformações no mundo.

Aliás essa é uma característica essencial do cristianismo: não é uma religião que tem por objetivo apenas produzir deleite espiritual, para satisfação individual. É sim a religião em função da ação dentro da sociedade. O cristianismo cobra do crente uma profunda inserção na sociedade com a finalidade de transformá-la, extirpando todos os valores contrários à vida. Quem ensina isso? O próprio Senhor: “Dei-vos o exemplo!”


Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


Outros escritos do autor:


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CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

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