quinta-feira, 3 de junho de 2021

Por que a filosofia nasceu na Grécia?

Todos os homens, em todos os tempos, desenvolveram algum tipo de reflexão, explicando seu mundo. Essa reflexão pode ser entendida como um filosofar. O ser humano sempre foi pensante e perguntante e isso fez dele um ser filosofante. Entretanto, a filosofia, como é entendida hoje, um sistema lógico e sistematizado, nasceu na Grécia. Mas isso não foi um fato aleatório ou espontâneo.

Houve um contexto para isso acontecer: os problemas derivados da interpretação racional dos mitos. Ou seja, para ser racionalizada e teorizada precisou ser vivenciada. A filosofia, portanto nasce não de mentes iluminadas de pessoas com capacidades espetaculares, mas de necessidades específicas de teorização e explicação racional das realidades.

Diversos outros povos desenvolveram explicações para o mundo, o homem e as relações sociais, mas fizeram isso de forma mítica; nenhum com as características daquelas desenvolvida pelos Gregos a partir do século VII aC.




Outras cosmovisões

Sem entrar nas particularidades de cada cultura, vamos assinalar alguns exemplos de atitudes filosóficas em outras sociedades.

Podemos dizer que para os orientais o universo é mantido pelo equilíbrio de forças opostas simbolizado na filosofia do Yin e Yang. E se compararmos essa ideia de equilíbrio entre os opostos, veremos que ela possui um correlato no ensinamento de Heráclito, quando diz que: "O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido".

Por sua vez os hebreus explicam a origem do mundo mediante a ação criadora de Deus, que entrega sua criação aos seres humanos, como podemos perceber ao lermos no mito bíblico da criação no livro do Gênesis. Entretanto, a mesma ideia de um ser criador está presente em outras mitologias, como aquela presente nos relatos Mesopotâmicos.

Em várias culturas, de várias nações de indígenas brasileiros, encontramos narrativas míticas explicando as origens tanto daquele povo como do mundo como é conhecido por aquela civilização.

E assim por diante, cada povo tem sua explicação, sua cosmovisão a respeito do mundo e das demais realidades. Observando cada mitologia, em cada cultura diferente, podemos nos colocar a questão: Nessas mitologias pode ser encontrado algum filosofar? A resposta é sim, com a ressalva de que o filosofar – ou a filosofia – dos gregos se estruturou com critérios diferentes dos mitos, por isso essa forma de buscar e oferecer explicações deixou de ser chamada de mito para se tornar filosofia.




A diferença dos gregos

A pergunta que você deve estar se fazendo nesse momento é: Se cada civilização deu uma explicação para suas origens e as origens do mundo, por que a forma desenvolvida pelos gregos fez tanta diferença?

A resposta poderia ser simplificada ao dizermos que a estrutura lógico-sistemática dos gregos fez-se mais eficiente para o contexto sócio-político-econômico em que estava inserido o mundo ocidental. Foi essa estruturação ideológica e filosófica que ofereceu a base de organização, sustentação e manutenção para o poder político e religioso da civilização, chamada ocidental, que se desenvolveu na Europa. A Europa se fez, principalmente, a partir da filosofia grega, do pragmatismo romano e da fé cristã.

O fato é que a cultura (especificamente a filosofia) grega após Alexandre Magno (que na realidade era macedônico) permaneceu presente: inicialmente nos domínios macedônicos, mas principalmente a partir do momento em que se instalou o império romano o qual incorporou valores gregos e os disseminou em seus domínios.

Podemos dizer, portanto, que foi a civilização romana que difundiu a cultura – e a filosofia – grega, na Europa. De uma forma eclética os romanos assimilaram a cultura dos vencidos e a disseminaram pelo seu império. Séculos depois, quando a Europa já era cristã e greco-romana, esses os valores foram transplantados para a América.

A filosofia grega possibilitou, assim, a estruturação racional das realidades e das relações sociais e políticas que se desenvolveram na Europa; por sua vez a fé cristã possibilitou a organização da moralidade das relações sociais (mais tarde, já na Idade média, também as relações políticas) nesse continente, possibilitando que a cultura romana se impusesse a quase todo o mundo ocidental.

Além disso, o pragmatismo e o domínio territorial efetivado pelos romanos deram o suporte logístico para a estruturação e manutenção de uma nova sociedade que se fez a partir da junção desses três valores culturais: grego, romano e cristão. Desse modo, foi a partir desta conjuntura que nós, nas Américas, nos tornamos o que somos, pois o continente americano se fez a partir da colonização europeia.

Podemos dizer que a primeira grande característica da filosofia grega foi a superação da mentalidade mítico-religiosa. Mas houve, também, algumas condições históricas para isso ocorrer. Podem ser enumeradas várias causas ou circunstâncias a partir das quais a filosofia se desenvolveu, na Grécia.




A política

A política, entendida como o exercício da democracia, nasceu na Grécia. E esse elemento foi importante para o desenvolvimento da filosofia. Principalmente por que se deu a partir de um processo de reorganização das relações de poder. As tribos e clãs se reestruturaram dando origem às cidades-estado.

O poder que era exercido pelo “patriarca” ou pelo irmão mais velho, passou a ser exercido na cidade (polis) a partir da organização das assembleias dos cidadãos (homens livres, ricos e que tinham nascido naquela cidade).

As decisões eram tomadas com base nas decisões e na vontade dos cidadãos. Entretanto, deste exercício de cidadania estavam excluídos: mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. A política, portanto, passa a ser não mais a vontade de um monarca, mas dos cidadãos que tomam as decisões a partir dos debates e da argumentação.

Portanto a capacidade de argumentação, nas assembleias, visando a defesa de pontos de vista ou as expectativas de um determinado grupo, exigia a clareza do raciocínio filosófico e não a subjetividade mítica.




A sociedade

Na sociedade grega, principalmente em Atenas, a mulher estava excluída do espaço público, reservado ao cidadão. Os escravos também estavam excluídos da cidadania.

Nessa sociedade a função dos escravos era exercer as atividades laborais, permitindo ao cidadão, homem rico, dispor de tempo ocioso para se dedicar à polis, à política que se desenvolve pelo debate e confronto de ideias

As relações entre os cidadãos, com tempo disponível para a troca de opiniões e informações, permitia comparar informações trazidas pelos mercadores em seus contatos com outros povos e costumes. Essas comparações eram possíveis porque a vida urbana, baseada no comércio permitia coletar informações de outras localidades e, com isso, os mitos foram sendo desmitificados.

Diferentes explicações míticas para a mesma realidade ou fato, gerou a indagação: onde está a verdade? E a resposta não mais podia ser mítica, mas racional.

A Cultura

A cultura é uma expressão da sociedade. Mas no caso grego isso tem um significado especial. As cidades-estados estavam voltadas para o exterior, para o comércio. Havia poucas relações intracontinente. Mas por mar e com povos diferentes havia intenso intercâmbio não só comercial, como também cultural. Assim os gregos recebiam muitas informações de outros povos que lhes traziam valores culturais diferentes.

Esse intercâmbio possibilitou assimilar novas informações que, cruzadas com seus conhecimentos, possibilitaram novas conclusões. Os gregos aprenderam muito com os povos com os quais mantinham relações comerciais. E isso foi sendo incorporado ao seu substrato cultural.

Entre outros elementos, a partir de influências fenícias, aperfeiçoaram a escrita alfabética, diferentemente dos ideogramas de outras culturas. Com isso ampliou-se a facilidade de se construir textos, combinando alguns caracteres para formar palavras. Essa forma de escrita facilitou também a comunicação pormenorizada dos conceitos elaborados. Dessa forma vários saberes foram anotados e reelaborados pela sociedade grega.




A economia

Este talvez seja o ponto central para a explicação do desenvolvimento da filosofia, no mundo grego. Sua economia não se baseava somente na agropecuária, como a maioria dos povos antigos. Além disso a produção não pertencia ao Estado ou ao Soberano (como no modo de produção asiático), mas ao cidadão, dono do escravo que a comercializava. A base produtiva, portanto, eram os escravos.

Os cidadãos (ou os homens livres) desenvolveram intensa atividade comercial – e industrial. Essa atividade exigia contato constante com outras culturas e valores. A utilização da moeda, além de facilitar as transações comerciais, ajudava na troca e exigia cálculos feitos por um valor abstrato. Note-se que vários conceitos matemáticos e geométricos, ainda hoje utilizados, foram desenvolvidos ou aperfeiçoados nesse contexto.

Além disso, existiam os escravos. E, talvez, tenha sido esse o elemento determinante e grande diferenciador da economia grega em relação aos demais povos. Diferentemente de outras sociedades os escravos não estavam a serviço do Estado, mas dos cidadãos; o escravo era encarregado de desenvolver todas as atividades, permitindo ao cidadão, além de desenvolver as relações comerciais, dedicar-se ao ócio.




A comparação

A filosofia, portanto, nasce desse contexto sócio-político-econômico e cultural e da ociosidade. O cidadão ocioso (pois quem trabalhavam eram os escravos) juntamente com seus concidadãos, dedica-se ao debate e à reflexão, analisando sua sociedade, seus valores, sua cultura… apresentado novas explicações, com base na observação racional.

A comparação entre as diferentes cosmovisões os levou a questionar a verdade de cada uma delas. Estava, com isso, colocado um dos problemas centrais da filosofia: a verdade ou a possibilidade de se conhecer a verdade. Constataram que era impossível a mesma realidade ser explicada de diferentes modos e ser, simultaneamente, verdadeira em cada uma dessas explicações. Desenvolveu-se, portanto, uma nova forma de reflexão.

A validade de uma verdade se deve não ao que “eu acho”, mas àquilo que se pode comprovar, pelo raciocínio e pela argumentação.




Neri de Paula Carneiro


Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador


Rolim de Moura - RO

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