sábado, 5 de junho de 2021

Pecar contra o Espírito Santo

A Igreja é sábia ao organizar os tempos litúrgicos com os quais nos ensina a seguir os passos de Jesus. Ao redor dos eixos principais, Natal e Páscoa, circulam os períodos do Tempo Comum: períodos litúrgicos nos mostram o que podemos chamar de cotidiano da vida de Jesus.

Ao encerrarmos o ciclo pascal retomamos o Tempo Comum. E no décimo domingo somos convidados a refletir a partir de algumas situações bem peculiares. Na leitura do Gênesis (Gn 3,9-15), assistimos à cena em que o homem, a mulher e a serpente são confrontados com seus atos. Depois encontramos Paulo, pregando à comunidade de Corinto (2Cor 4,13-18-5,1), falando da importância da fé como recurso para manter o ânimo e superar as dificuldades. Por fim encontramos Jesus (Mc 3,20-25) definindo os critérios que podem nos aproximar ou nos afastar de Deus.

Como podemos notar, o leque de lições que a Palavra de Deus nos oferece é extenso.

Poderíamos começar com as lições paulinas, afirmando que se as dificuldades sufocam é necessário manter o ânimo. Insiste em afirmar que, mesmo em meio aos dissabores, pode-se colher bons resultados, quando nos deixamos amparar pela fé e confiança no Senhor. É clara a constatação de que na medida em que o corpo perde forças o espírito se fortalece, na medida em que vence as dificuldades. Superar as tribulações, em nome de Jesus, é caminho para glória eterna. “Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo contrário, vai-se renovando, dia a dia. Com efeito, o volume insignificante de uma tribulação momentânea acarreta para nós uma glória eterna e incomensurável.” (2Cor 4,16-17). Em nossos dias poderíamos dizer que a fé alimenta o otimismo e quem mantém o otimismo tem melhores condições de se aproximar de Deus.

Também podemos dizer que uma das faces do otimismo, do entusiasmo, e da capacidade de se manter animado está na autenticidade. Essa pode ser uma das lições que podemos aprender do diálogo de Deus com Adão, com a mulher e com a serpente, no paraíso.

O casal do paraíso tinha tudo para o bem viver. Tinha orientações sobre o que fazer e o que evitar. Na realidade a única restrição era evitar comer aquele fruto. Fruto que a maldade das pessoas, juntamente com a palavra “nu”, identificou sexo. E assim comer “da árvore te proibi de comer” virou sexo. Principalmente porque, ao ser interrogado por Deus o homem afirma que “a mulher que puseste junto de mim, me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3,11-12) e isso virou sexo.

Esse visão maldosa, além de criminalizar a mulher, que também foi vítima, não percebeu uma mensagem mais importante que uma eventual transgressão sexual.

De fato, a transgressão não teve conotação sexual. Teve com honestidade, com caráter, com autenticidade. Adão virou transgressor não porque comeu da árvore, mas porque não assumiu o que fez e jogou a sua culpa sobre a mulher: “a mulher me deu eu comi”. A mulher virou transgressora não por ter induzido o homem a provar da árvore do discernimento (Gn 3,6), mas porque não assumiu o que fez e jogou a sua culpa sobre a serpente. E Deus puniu a serpente, não por ter seduzido a mulher (Gn 3,5), mas por ter mentido e prometido o que não podia oferecer.

A sexualidade é um dom divino e não fonte do mal. Mas a dissimulação, não assumir o que se faz e culpabilizar a outros é uma transgressão mortal. Deus perdoa as fraquezas humanas, mas não pode perdoar a dissimulação, a falta de autenticidade, a enganação. E não perdoa porque quem afirma ter cometido o erro “porque o outro me induziu a isso”, não está arrependido, não se assume como alguém que erra e tenta transferir sua culpa para outro. Como Deus pode perdoar quem não se arrepende de estar enganando aos outros, fazendo-se de vítima sem assumir seu erro?

E assim chegamos ao discurso de Jesus que se defronta com seus parentes que o consideram louco; com os doutores da lei que o consideram possuído por Belzebu (Mc 3,21-22). Hoje diríamos que Jesus estava sendo vítima de “fake news”.

Com isso podemos entender não só o desabafo de Jesus, por se ver perseguido, mas também sua indignação ao perceber que os líderes do povo em lugar de levar o remédio aos sofredores afirmam que o Médico é o causador da doença. Por isso a afirmação: todos os pecados podem ser perdoados, menos o pecado contra o Espírito Santo. Isso por um motivo cristalino: o Divino Espírito Santo é um espírito da verdade, da autenticidade, da honestidade, da ciência, do amor… e quem não adere, com a própria vida, a esses dons, age contra o Espírito. E isso é imperdoável. Quem pode fazer algo de bom e voluntariamente não o faz, age contra o Espírito. E isso é imperdoável. Quem gera divisão, espalha mentiras, age contra o Espírito. E isso é imperdoável…. Esses não fazem a vontade de Deus e, portanto, não fazem parte da “família” de Jesus.

Aqueles que agem de acordo com o Espírito de amor, de vida, de ciência, de diálogo, de união… agem em sintonia com o Espírito…. Esses são os pais, as mães, os irmãos de Jesus….




Neri de Paula Carneiro

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

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