sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Quaresma 2 – É bom estar aqui



(Reflexões baseadas em: Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18; Rm 8,31b-34; Mc 9,2-10)




Se alguém te pedisse uma lista com as coisas mais preciosas que você tem em tua vida. O que encabeçaria a tua lista? O que entraria em primeiro lugar?

Claro que muitos colocariam o dinheiro, a saúde, a família, os pais… os filhos. Certamente dependeria de quem estivesse fazendo o pedido, a circunstância… Mas acredito que na lista de quase todos nós, que temos filhos, eles estariam entre os primeiros itens da lista.

Para Abraão (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18) não foi diferente. Só que Deus não lhe pediu uma lista. O senhor foi mais radical: Pediu que sacrificasse o filho amado. “Oferece-o ali em holocausto sobre um monte que eu te indicar” (Gn 22,2). E não deu mais explicações...

Sabe o que isso significa?

Pegar o filho amado, colocá-lo sobre uma pedra. Dar-lhe uma facada no coração… e depois do filho morto, estendê-lo sobre um monte de lenhas e colocar fogo. Isso é o holocausto: oferecer um sacrifício no qual a vítima é queimada. Isso porque na mentalidade da época, a fumaça daquilo que estava sendo sacrificado chegaria aos deuses…. E, neste caso, Abraão aceitou a proposta de Deus, e estava para sacrificar o filho. Por quê? Porque, para ele, cumprir a vontade de Deus era a coisa mais importante…

Agora, imagine a dor desse pai! Mas também, imagine o tamanho da fé desse homem!

E Abraão estava disposto a fazer. Estava disposto a entregar seu filho a Deus.

Em razão disso Deus lhe fez uma promessa (Notemos que muitos de nós vivemos fazendo promessas a Deus… nós as cumprimos?). O senhor lhe prometeu: a bênção, a descendência e a terra (Gn 22,17). E foi além: o gesto de Abraão, rendeu a benção, não só para seus descendentes, mas também para toda a humanidade: “Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque me obedeceste”. (Gn 22,18).

E aqui tem um detalhe muito importante: em Abraão passaram a ser abençoadas TODAS as nações da terra e não somente um povo ou um grupo de pessoas!

Mas Deus não parou por aí.

Ele é muito mais audacioso. Mais radical. Afinal, ele é Deus!

Mas antes, diga uma coisa: você seria capaz de fazer o que Abraão fez? Seria capaz de cravar uma faca no coração de seu filho, por amor a Deus?

Pois fique sabendo que Deus é, para a mentalidade moderna, meio doido. Por quê? Porque Ele fez isso com seu Filho! Não cravou uma faca no peito do Filho, mas cravou o Filho numa cruz!

Nós teríamos dificuldade em sacrificar nosso filho por amor a Deus, mas Deus sacrificou seu Filho por amor a nós!!!

Isso nós o sabemos e vamos recordar na liturgia da semana Santa. Mas hoje e aqui é Paulo, escrevendo aos romanos (Rm 8,31-34) que nos fornece esta informação: “Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32). Por que Deus faz isso? É, ainda, Paulo quem explica: Ele o fez porque nos ama e entregar o filho para à morte de cruz foi uma forma de mostrar esse amor, sem deixar dúvidas. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31).

Com isso talvez Paulo esteja nos dizendo: as dificuldades podem ser grandes. As adversidades podem ser muitas. Os sofrimentos podem parecer insuportáveis… Mas Deus é nosso amparo… e não nos abandona, como não abandonou Abraão!

Para alimentar essa certeza Jesus se mostra (Mc 9,2-10) em sua totalidade, em seu maior esplendor, em sua essência: Jesus transfigura-se diante dos apóstolos (Mc 9,2). Mostra aquilo que realmente é: plena luz para nos guiar!

A sensação deve ter sido tão intensa que, somente isso explica, os apóstolos não saberem o que fazer ou o que dizer (Mc 8,6). A postura dos apóstolos foi de usufruir ao máximo da experiência (“vamos fazer três tendas”) e de querer agradar a Jesus não só com a tenda, mas externando a sensação de agrado: “é bom estarmos aqui”, diz Pedro (Mc 9,5).

Como os apóstolos não estavam entendendo o que estava se passando, o Pai o explica para não deixar nenhuma dúvida: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7). Algo semelhante ao que disse a mãe, na festa do casamento: “fazei tudo que ele voz disser!”

Neste tempo quaresmal temos algo importante a aprender. Não só olhando para a figura de Abraão, demonstrando plenitude de fé; não só de Paulo indicando onde encontrar e conseguir amparo para enfrentar as adversidade. Mas principalmente olhando para Jesus que se mostra em sua essência. E fazendo isso nos indica o caminho. E este caminho evidencia uma exigência, anunciada pela Campanha da Fraternidade: o diálogo.

O diálogo pode ser a ponte para nos conduzir no percurso a ser feito. O diálogo nos mostra que o diferente é apenas uma amostra da grandeza de opções que Deus permite como exemplos para chegarmos a ele.

E, se temos tantos caminhos e oportunidades, podemos mais facilmente chegar ao Senhor, para podermos dizer como Pedro: é bom estar aqui!!!



Neri de Paula Carneiro

Outros textos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

PRA FAZER FILOSOFIA

Acredito que devido ao fato de eu ser professor, muitos me fazem muitas perguntas. E entre as muitas coisas que me perguntam, muitas perguntas são sobre o que é filosofia. Perguntam se filosofia é isto ou aquilo?

Claro que tenho que responder. Afinal, pra que servem as perguntas se não para provocar respostas? Mas em resposta, respondo que não sei a resposta! Ou melhor, não sei dar a resposta que eles querem sobre a filosofia ser isto ou aquilo.

Dependendo da inspiração, acrescento, e não é exagero o que digo, que filosofia não é isto nem aquilo; mas dá pra dizer que filosofia é tudo isso. Mas tudo isso sem ser isto ou aquilo!!!

E o interlocutor não deixa passar: Mas tudo isso o quê? E como não é nem isto nem aquilo? E como pode ser isso e aquilo?

Ai me vejo obrigado a explicar: Primeiramente, e pra dizer a verdade, filosofia não é! Ela está menos para presente do indicativo e muito mais para gerúndio: ela vai se construindo...

Não se concebe a filosofia como algo pronto: estátua, feito banheiro de passarinho, numa praça deserta. Cabe mais a afirmação de que ela se parece com a chuva fina que lenta, progressiva e continuamente umidece a terra… aquela chuvinha que, sem que se perceba, ajuda na fertilização da terra estimulando seu potencial de vida, estimulando a vida nova da semente plantada. E nesse processo de umidade e fertilidade vão germinando as sementes das ideias...

A filosofia não é fruto do corre-corre tresloucado deslocando a capacidade de pensar para a obrigação do fazer… e nessa loucura se faz de tudo, menos pensar! E o processo do pensar é a dinâmica da filosofia. Por isso a filosofia tem a ver com dinamicidade do pensamento.

A filosofia não É, como coisa pronta. Ela se explica na dinâmica porque exige uma postura de movimento. Pedra bruta sendo polida ao longo do tempo pela torrente do fundo do rio. Com a filosofia ocorre aquilo que é típico dos cães farejadores, cheira aqui e ali quase sempre consegue encontrar coisas novas a serem relacionadas com as antigas; com ela se podem relacionar coisas tradicionais fazendo germinar novidades. Com ela os saberes tradicionais, vão se tornando coletivos e viram ciência/sapiência, envolvendo a tudo e a todos, propondo, depois das soluções, novas interrogações!

O processo filosófico é dinâmico, mas não tem a ver com a ideia do movimento pensado pela física, calculando tempo e espaço, embora possa estar na indagação sobre o tempo e o espaço e a energia... Tem a ver com transição constante como foi anunciada e inaugurada por Heráclito (e outros antes dele), dizendo que no mesmo rio não se entra duas vezes… pois tudo flui… “Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia”, disse o poeta.

Por isso não existe filosofia na estagnação da água parada, fétida, nefasta à vida e a saúde; de forma oposta, ela tem o dinamismo de um profundo poço de águas límpidas e refrescantes… como a se oferecer, mas sem se exibir; disponível, sem ser assanhado!

Fazer filosofia exige o parar, mas o parar, para a filosofia, não é estacionar, como a pedra à beira da estrada cujo fim é terminar coberta pela vegetação rasteira; fosse assim ela já teria desaparecido, encoberta pela poeira do tempo, cortina ocultando nas dobras do esquecimento tudo aquilo que não desenvolve uma constante dinâmica para a renovação ou pela sua inovação.

O parar, aqui, como se pode notar, refere-se aos momentos facilitadores da dinamicidade do pensamento inovador. O parar, da filosofia, não é o estacionar do trem, para descarregar no ponto final, mas do metrô, em cada ponto se reabastecendo de novos passageiros. Para-se, não como quem morre, mas como quem renasce a cada dia em novas ideias, com a finalidade de aprender com o que já existe e, ao mesmo tempo, para projetar, propor e incrementar novos conhecimentos que fundamentam novos saberes.

Por isso a filosofia não é, mas está sempre se fazendo e recompondo e refazendo. Não se assemelha ao ponto final do texto, mas aos dois pontos que sugerem proposição de novas perspectivas. E isso pode ser uma das explicações de tantas filosofias, tantas correntes de pensamento. Talvez por isso, antes de se constituir num corpo sistemático, como aprendemos com os gregos, ela caminhava com o ser humano desde as primeiras indagações com as primeiras respostas gerando novos questionamentos. Afinal de contas, será que alguém já tem uma resposta definitiva para algumas das grandes questões da humanidade: de onde vim? Para onde vou? Quem sou eu? O que sou eu?

O fato é que se faz filosofia, mas ela nunca está pronta. E ela se faz sempre no processo de destilação do conhecimento acumulado; no processo da sedimentação dos saberes adquiridos, de forma que todas as informações atuais são lapidadas e se convertem no inebriante diamante da sabedoria que se curva, na reflexão cotidiana, e se faz semente querendo renascer.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador

Rolim de Moura – RO

domingo, 21 de fevereiro de 2021

FILOSOFIA: OS PRIMEIROS PASSOS

Pra que filosofia? Ou pra que serve filosofia no meu curso?

É a primeira ou uma das primeiras perguntas que faz o estudante quando vê que tem essa disciplina em sua grade de curso.

Não temos nem pretendemos dar essa resposta! Também não sabemos se existe resposta. Mas tem gente que responde assim: porque ela nos ajuda a pensar; porque quem elaborou a grade do curso entendeu que essa é uma disciplina importante; porque delas derivam quase todas as ciências da atualidade; porque sem a ajuda da filosofia podemos perder algumas particularidades, alguns detalhes da realidade; para desenvolver um raciocínio crítico... e assim por diante!

Todas as respostas têm o seu fundamento. Mas não dá para dizer que elas nos satisfazem. Ou que uma delas seja definitiva. Será que tudo tem que ter alguma utilidade?

Tem que servir para alguma coisa? E se a coisa servir apenas para deixar a gente com dúvidas?

O fato é que, já o dissemos: não temos a resposta. Outro fato é que existem muitas e diversas forma de se falar, de se explicar e de se fazer filosofia. Importa, portanto, encontrar uma forma de falar, estudar e entender filosofia. Não importa se essa é a melhor, mas é uma maneira de desenvolver o processo. Parece que um bom caminho é percorrer a senda do diálogo (dia-logo): ouvir, buscar e dialogar pois o monólogo pode ser contraproducente. E, mais, entender que não se trata de dominar uma forma de se ensinar Filosofia, mas desenvolver um mecanismo que ajude a filosofar.

E, cá entre nós, o que realmente interessa, não são as respostas, mas os processos para o filosofar. Importa buscar caminhos, criar caminhos, testar caminhos e alternativas para o filosofar. Isso significa: estimular a capacidade reflexiva a partir de uma postura de admiração a todas as realidades; posicionar-se deixando de ser indiferente ao mundo capacitando-nos a emitir opiniões; ir além do simples comentário a respeito dos grandes pensadores. Trata-se de partir de nossa realidade temática para encontrar os pensadores.

E essa é a nossa perspectiva para o estudo da filosofia: não só história, nem só de temas (ou problemas), mas tudo isso a partir do cotidiano procurando fazer do estudo da filosofia algo cativante, desafiador e envolvente provocando para a criticidade radical fugindo das aparências enganosas! E isso de forma séria sem ser carrancudo.

Notando apenas de um pequeno detalhe: O filosofar ajuda a impulsionar o mundo, pois o seu ponto de partida é a pergunta que instala a dúvida. A dúvida desinstala a certeza e prepara o intelecto para avançar. Sendo assim, se são as perguntas que movem o mundo, que mundo é esse que gera as perguntas? Afinal, o quê move as perguntas?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, Filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Quaresma 1: Jesus, a nova aliança



(Reflexões baseadas em: Gn 9,8-15; 1Pd 3,18-22; Mc 1,12-15)







Estamos acostumados a afirmação de que a quaresma corresponde aos quarenta dias de preparação para a Páscoa. E não há erro nenhum, nisso. Mas, em que consiste essa preparação? De que outra forma podemos compreender o significado da quaresma? A Igreja nos propõe, no primeiro domingo da quaresma, algumas pistas para refletirmos… e entendermos outros alcances do significado da quaresma.

No livro do Gênesis (Gn 9,8-15), o Senhor estabelece uma aliança para a preservação da vida a qual foi purificada nas águas do dilúvio. Os que sobreviveram ao dilúvio foram aqueles que não tinham se contaminado com a maldade humana. As águas do dilúvio, para eles, foi um processo de purificação. Saíram da arca renovados, com a missão de edificar um mundo melhor.

Na primeira carta de Pedro (1Pd 3,18-22), o apóstolo afirma que as águas do dilúvio se assemelham às do batismo. E este não se destina à limpeza do corpo, mas é um meio de participar da purificação produzida pela Ressurreição de Cristo. E a Ressurreição é um anuncio daquilo que está destinado a todos os que se comprometem com a causa da edificação de um mundo melhor, no qual floresce a Justiça e a Equidade; a Fraternidade e a Solidariedade...

Por sua vez, Marcos (Mc 1,12-15), mostra Jesus vencendo o tentador e anunciando a proximidade do Reino. Mas, para que o Reino se instale, como expressão de um mundo melhor, é necessário conversão ao Evangelho.

Com isso já temos pistas para entender o significado da quaresma, para o cristão. A água do dilúvio e o batismo expressam a sua finalidade: purificar e limpar. O que é, então a quaresma? Um tempo de purificação! Um tempo em que se faz um exame de vida, tendo como critério para o exame, a proposta de Jesus Cristo, estabelecida na Boa Nova do Reino.

Mas podemos dar um passo a mais.

Quem é da roça, deve se lembrar que nossas mães e avós não tinham máquina para lavar roupa. O rio era o local para a lavagem das roupas. Então que faziam? Expunham ao sol as roupas ensaboadas, para que o calor ajudasse a “soltar a sujeira”, como dizia minha mãe. Essa era a técnica para “quarar” as roupas. Ou seja, o calor do sol provocava o “quaramento”, a limpeza. Aí, então, ao voltar para as águas, as roupas aquecidas quaravam, isto é, limpavam facilmente: água e calor do sol produzia a limpeza, daquelas roupas grosseiras do serviço da roça.

Esse é o sentido da quaresma: ajudar no processo de “quaramento” de nossas vidas. Nossas mães deixavam as roupas tomando sol por algumas horas. Nossa Igreja nos propõe deixarmos nossas vidas “quarando” durante quarenta dias. Quarenta dias, portanto, é um tempo suficiente para fazermos uma revisão de vida e, aquecidos pelo fogo do Espírito e iluminados pelo Luz do Evangelho de Cristo, nos convertermos desfazendo-nos das atitudes que sujam nossa vida.

Após ter purificado a humanidade, com o dilúvio, o Senhor firmou uma aliança com aqueles que haviam se purificado: “Deus disse: ‘Este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras. Ponho meu arco nas nuvens como sinal de aliança entre mim e a terra’” (Gn 9,12-13).

Mas o verdadeiro sinal da aliança divina foi a ressurreição de Cristo, a quem nos associamos mediante as águas do Batismo que “é um pedido a Deus para obter uma boa consciência, em virtude da ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pd 3, 21). E Jesus Cristo é o Sol que aquece nossa vida e sua Ressurreição nos conduz na direção da purificação.

A pergunta que se impõe, agora, é: de quê precisamos nos purificar? Quais as situações que nos contaminaram e que exigem que façamos, no processo quaresmal, uma limpeza em nossas vidas? Quais atitudes precisamos mudar, para efetivarmos nossa adesão à Nova Aliança, que é a própria pessoa de Jesus?

Com certeza a lista não é pequena: nossas omissões diante de um mundo em crise, no qual o ser humano está, cada vez mais, perdendo o valor. Nossas adesões a propostas sociais, políticas e/ou econômicas que não tomam o ser humano como centro, mas o lucro como bandeira. Nossa língua ferindo a integridade dos nossos conhecidos, vizinhos, parentes, colegas de trabalho… enfim, cada vez que nos posicionamos de forma a minimizar o ser humano, estamos nos afastando de Deus, estamos poluindo as relações entre as pessoas, estamos sujando o caminho da vida… disso e muito mais precisamos nos quarar, quaresmar, purificar...

A quaresma é o tempo da purificação. É o período litúrgico em que somos convidados a quararmos nossas vidas. E se todos nós fizermos isso, certamente o mundo vai se tornar um lugar melhor para se viver. Deus está nos propondo essa oportunidade. E Jesus, com sua proposta de nova vida, é a parta para a nova aliança.




Neri de Paula Carneiro

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Quarta feira de cinzas



(Reflexões a partir de : Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)







Cinzas...

Tudo vira cinza, pó! Nada escapa desse processo de transformação. Inclusive nossas vidas e atitudes e comportamentos e sonhos e esperanças… Tudo vira cinza… e das cinzas podem nascer outros projetos! Como, também, nas cinzas podem estar enterrados os fracassos!

Cinzas… símbolo de vida ou confissão de fracasso? Com que olhos a vemos?

Seja o que for, não há como negar que, em todos os casos, a cinza representa a consumação de um processo de transformação… o que era não é mais e, em seu lugar, no lugar daquilo que era, agora estão as cinzas do que foi… restos doloridos… sementes de esperança!

Essa é a ideia litúrgica envolvida na quarta feira de cinzas.

Podemos visualizar essa perspectiva nas leituras que nos são propostas. Primeiro o profeta Joel (Jl 2, 12-18) falando de um processo de arrependimento e retorno para Deus. Por sua vez Paulo (2Cor 5,20-6,2), escrevendo aos coríntios os alerta, dizendo que chegou o dia da salvação. Jesus também, de acordo com Mateus (Mt 6,1-6.16-18), insiste na importância de uma nova postura, pela qual se valoriza não o exterior, nem as atitudes ostensivas, mas aquilo que é feito na simplicidade, na humildade… no escondido do coração!

Quando lemos os ensinamentos de Joel percebemos que algo diferente paira no ar. Há um certo ar de comportamentos desagradáveis ao Senhor. Tanto que o profeta conclama o povo a suplicar: “Perdoa, Senhor, a teu povo...” (Jl 2,17). E o profeta também informa o que o Senhor deseja: “voltai para mim com todo o vosso coração” (Jl 2,12). O coração simboliza o centro das emoções e afetos. Sendo assim, voltar-se de todo coração significa mudar os comportamentos. E o profeta reforça o apelo do Senhor: “rasgai o coração, e não as vestes” (Jl 2,13). Ou seja, atitudes exteriores, “rasgar” a roupa para demonstrar arrependimento, pode não expressar o verdadeiro arrependimento, que se torna verdadeiro quando se “rasga” o coração.

E nós poderíamos dizer: é necessário queimar as velhas atitudes para que das suas cinzas cresçam comportamentos edificantes, os quais podem conduzir à “justiça de Deus” (2Cor 5,21), de acordo com Paulo.

Essa transformação esperada de cada um e de todos é o caminho para “não receberdes em vão a graça de Deus” (2 Cor 6.1), como diz o apóstolo. Importa, pois valorizar a graça recebida uma vez que “é agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Não existe essa de que “amanhã” eu mundo, no “no próximo ano” eu faço isso… O depois pode ser tarde demais!

Como isso é possível? alguém pode perguntar. Como transformar a vida, mudando as atitudes? Jesus dá a resposta: fazer o que é agradável a Deus e não às aparências. É necessário tomar cuidado para “não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles” escreve Mateus (Mt, 6,1).

Quem deseja as coisas do alto, não pode estar preso às coisas de baixo. E aqui cada um de nós pode se interrogar: o que faço é para agradar a Deus ou para que as pessoas vejam? Faço caridade porque aquela pessoa que ajudei está precisando ou para que os amigos, a comunidade, a sociedade… para que as pessoas vejam que sou caridoso?

Não é a ostentação, mas a humildade. Quem faz para ser visto, já recebeu a recompensa; quem faz na simplicidade humilde, será notado por Deus, afirma Jesus: “quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, (Mt 6,3); “quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt6 6,6); “quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto” (6,17-18). Assim procedendo, receberemos a recompensa de Deus: “o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa” (Mt 6,4.16.18).

Como estamos celebrando a quarta feira de cinzas, a Igreja também nos propõe a restauração do diálogo, como meio de estabelecer a fraternidade e, dessa forma, ampliar entre as pessoas as portas do Reino.

Ocorre que devido à intolerância, de todos os níveis e em todos os níveis, cresce a divisão, a exclusão, a marginalidade. Frutos, todos, da intolerância podem ser vencidos no processo da conversão para a vida comum e pela comunhão de vidas uma vez que havendo comunhão ocorre diálogo, e este, por sua vez facilita para o crescimento do respeito, que faz crescer a fraternidade, que faz germinar a semente da nova vida e nova sociedade.

Das cinzas brota o mundo novo. Por isso a Igreja celebra o sinal de impor cinzas sobre as cabeças, pois a cinza é sinal de transformação. Isso porque nas cinzas, sinal de penitência, conversão e transformação, está a semente do reino. Pois o que agora é cinza, passou pelo fogo purificador. E assim temos todo o período da quaresma para exercitar esse processo de conversão. Para fazer germinar a semente do reino, fertilizada pela conversão, representada pelas cinzas.




Neri de Paula Carneiro

Filósofo, teólogo, historiador, mestre e educação.

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Tu tens o poder



(Reflexões baseadas em: Lv 13,1-2.44-46; 1Cor 10,31-11,1; Mc 1,40-45)







Em diferentes oportunidades temos dito que Deus age a partir das condições que o ser humano oferece. Ou, dizendo de outra forma: Deus não age se o ser humano não fizer a sua parte.

E podemos dizer mais, não existe milagre se o ser humano não oferecer as condições para Deus operar. Ou seja, Deus respeita o principal milagre com o qual nos presenteou: a liberdade.

Somos livres para fazer o certo e o errado; para fazer o bem, para negligenciá-lo ou para fazer o mal. Somos livres para colaborar com a obra do Senhor ou com a obra do adversário. Com a liberdade – livre arbítrio que nos foi presenteada por Deus – podemos decidir sobre tudo que nos diz respeito e também aquilo que fazemos e interfere ou repercute na vida dos outros. Somos senhores de nossas vidas. E Deus está junto a nós para assegurar que o bem que escolhemos fazer repercuta sobre as pessoas.

Isso pode ser comprovado a partir do que a Santa Palavra nos ensina. O trecho do Evangelho segundo Marcos (Mc 1,40-45), demonstra isso de forma muito clara. Mas o trecho de Marcos tem que ser lido à luz da passagem do livro do Levítico (Lv 13,1-2.44-46), no qual o Senhor estabelece as normas do puro e do impuro. E no trecho em questão não sobra dúvidas “Se o homem estiver leproso é impuro, e como tal o sacerdote o deve declarar” (Lv 13,44).

O leproso, portanto, é impuro. E não deve aproximar-se das demais pessoas, segundo o Levítico. Mas o que faz o leproso, mencionado no trecho narrado por Marcos? Faz exatamente o oposto. Procura a multidão dos seguidores de Jesus e interpela o Mestre. O leprozo, impuro, busca sua purificação!

Em lugar de gritar, como indica o Levítico: “impuro, impuro” (Lv 13,45) e afastar-se das demais pessoas, o homem, movido pelo desespero e pela sua liberdade, ao aproximar-se de Jesus porta-se com humildade. Ajoelha-se e implora. “Um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me’” (Mc 1,40). Jesus o curou, mas não foi o Mestre que o procurou para lhe ofereceu a cura, foi ele que tomou a iniciativa de pedir a recuperação.

Aqui, o mais importante não foi a cura operada por Jesus, mas a iniciativa do leproso, o homem impuro, marginalizado, excluído. Mesmo sabendo que todos o excluíam, por causa de sua condição, ele tomou a iniciativa e procurou Jesus. E apelou para o poder do Mestre. E o Mestre não se negou a interferir em seu favor.

Para melhor visualizar esta situação, imaginemos dois estudantes em véspera de prova. Ambos apelam para a ajuda de Deus e fazem, inclusive, a mesma prece: “Senhor, ajuda-me a fazer uma boa prova amanhã. Que eu saiba as respostas de todas as questões”. Depois da prova veremos que o primeiro estudante, que havia prestado atenção às aulas, feito todas as tarefas e estudado em preparação, efetivamente tirou boa nota. Ele faz nova prece: “Senhor obrigado por ter me ajudado a lembrar as respostas das questões”. O segundo, que foi relapso durante as aulas, não fez as tarefas e nem se preparou, ficou com nota baixa. Em vez de uma prece de agradecimento, faz uma lamentação: “Senhor, por que me abandonaste? Por que não me ajudaste e não me iluminaste para saber as respostas?” Ele foi negligente e ainda culpou a Deus pelo seu fracasso.

Ambos fizeram o mesmo pedido, mas somente um ofereceu as condições para Deus agir. O Espírito Santo, realmente iluminou o primeiro estudante, pois havia condições para isso. Mas não teve como realizar a obra de “dar sabedoria” para aquele que fez uso equivocado de sua liberdade.

Com isso podemos entender o motivo pelo qual Jesus pede ao leproso curado que não faça alarde de sua cura, mas apresente-se ao sacerdote para que ele cumpra o ritual estabelecido pelo Levítico. “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato” (Mc 1,45). Caso ele não cumprisse todos os preceitos, poderia passar a informação de que Jesus era apenas um mago. Mas cumprindo os preceitos divinos demonstrou que efetivamente fez de sua vida um ato de amor a Deus.

Esse personagem curado, escolheu cumprir a vontade de Deus antes da cura e depois da cura. E, também escolheu pedir a ajuda divina durante sua enfermidade. Neste ponto seria interessante fazermos o nosso exame de vida. Como a temos conduzido? Com quais pré requisitos nos apresentamos a Deus para lhe pedirmos suas graças? Vivemos para satisfazer nossas vontades esperando que o Senhor cuide de nós? Ou procuramos fazer aquilo que é certo, e pedimos a ajuda de Deus para continuarmos acertando?

Aqui vale seguir o conselho paulino(1Cor 10,31-33.11,1). Notemos que o apóstolo não aconselha a comunidade a fazer o que achar conveniente para que Deus esteja entre eles. Pelo contrário, afirma categoricamente: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31). E, sendo assim, Deus se faz presente e oferece sua graça para edificar a vida.







Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A vida do homem ou o sentido da vida





Reflexões baseadas em: Jó 7,1-4.6-7; 1Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39)







Como nós reagimos diante dos sofrimentos e dores do dia a dia? Como nos comportamos quando temos que enfrentar as dificuldades e empecilhos de nossa vida? Podemos dizer que na maioria das vezes em que enfrentamos dificuldades ou sofrimentos, nossa principal reação é a lamentação: Por que, justamente comigo? Ou conseguimos dizer: cumpra-se a vontade do Senhor?

No caso de Jó (Jó 7,1-4.6-7) essa lamentação ganha os contornos de uma análise sobre o sentido da existência. Ao se colocar a indagação a respeito da vida, percebe-a, como uma luta: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?” (Jó 7,1). Mas, ao mesmo tempo, ela é muito curta e passa muito rapidamente. Mal nos damos conta de que existimos e a vida chega ao fim: “Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear” ou, mais ainda, “minha vida é apenas um sopro” (Jó, 7,6-7).

Constatada a brevidade da vida; constatada a constância das dores e sofrimentos; constatada a sucessão de decepções, faz-se necessário um outro olhar sobre a vida a fim de buscar o sentido do existir, quase sempre somos levados a afirmar que nada disso tem sentido. Feitas essas constatações, aparece a necessidade de uma nova perspectiva para a vida.




Diante do sem sentido da vida, é necessário criar, perceber ou eleger um sentido. E esse sentido é a esperança, pois ela permite que o ser humano se lance em direção ao seu futuro. E essa esperança, na linguagem de Jó, é semelhante à sombra para aquele que trabalha de sol a sol ou o pagamento no final da jornada de trabalho. “Como um escravo suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga” (Jó 7,2).




Então o que Jó nos ensina? Qual a mensagem de Deus, que nos vem pelas palavras de Jó? Que as lamúrias, diante das dores, são um mecanismo que nos fazem esquecer de olhar a vida pela ótica da esperança. As dores existem, sim. É inegável. Mas todas as dificuldades nos fazem lembrar que a esperança nos move na direção da superação. Entretanto, não se trata de uma esperança pela qual nos acomodamos, esperando que, como se fosse mágica, tudo mude ao nosso favor. Trata-se de uma esperança que nos faz lutar para construirmos a superação das dores e dificuldades.

Aliás, essa é a sugestão feita por Paulo, dirigindo-se à comunidade de Corinto (1Cor 9,16-19.22-23). O apóstolo, como em várias outras passagens e noutras cartas, insiste na afirmação de que nada se faz sem dificuldades.

Aqui ele insiste na afirmação de que sua atividade apostólica e missionária não é obra sua. “A iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado” (1 Cor 9,17). E recebeu esse encargo, não por mérito seu, mas por atribuição divina. Por esse motivo, ele afirma, sua pregação não é motivo de autoengrandecimento, mas uma imposição. Daí uma de suas frases mais usadas pelos evangelizadores atuais: “Ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9,16).

Quer dizer: Jesus o escolheu e lhe confiou a missão. E a ele, apóstolo das nações, cabe executá-la. Paulo poderia agir como muitas pessoas: Por-se a reclamar contra as dificuldades, lamuriar-se e pedir que Deus lhe aliviasse as dores, as dificuldades, os sofrimentos, os contratempos e tudo que se interpõe à pregação da mensagem … mas não foi isso que fez o apóstolo. Enumera, sim, as dificuldades, mas não para, em virtude delas. Basta lermos o conjunto de suas catas para percebermos como e quantas foram as dificuldades por ele enfrentadas. Entretanto, e apesar de todos os contratempos, nunca deixou de anunciar o Cristo ressuscitado. Qual é seu pagamento para isso? Ele responde: “Pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá” (1 Cor 9,18).

Sua lição poderia ser expressa da seguinte forma: as dificuldades funcionam como um ponto de apoio e de partida para continuar a obra de Cristo. As dificuldades existem, não para impedir a ação e sim para impulsionar a vida. A dificuldade é ponto de lamentação para os fracos e trampolim para os fortes. A dificuldade é um teste, quem é fiel ao Senhor supera a dificuldade os que se sentem derrotados e vivem de lamentações, esses já estão derrotados!

Que dizer, então, da postura de Jesus, de casa em casa, de cidade em cidade curando a todos que o procuravam? (Mc 1,29-39)

A postura de Jesus está em consonância com as dores do povo. Age para aliviar essas dores. Aliviou as dores da sogra de Simão (Mc 1,31), curou vários doentes (Mc 1,34) e “andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.” (Mc 1,39). Para todos os necessitados, doentes ou aflitos, sempre teve uma palavra de esperança, de cura e de alento. Frente às dores do mundo, que tendem a fazer com que as pessoas percam o brilho da vida, Jesus reacende a esperança. Dá saúde, oferece um motivo para viver. Exemplo disso foi a sogra de Simão que se levanta de sua enfermidade e se põe a servir.

E assim podemos voltar ao sentido da vida. As dores, os sofrimentos, as dificuldades… tudo que impede a plenitude do ser humano, em sua breve existência sobre a terra, tende a reforçar a ausência de sentido para a vida. Mas aí aparece Jó acenando para a esperança. Aparece Paulo lembrando da gratuidade. E Jesus se revela como aquele que além de ser o sentido, dá sentido para as vidas sofridas.

Que é a vida do ser humano? Sucessão de dores ou um caminho para a superação. Depende de nossas escolhas.





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

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CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

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