quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O maior mandamento

(Êxodo 22,20-26; 1Ts 1,5c-10; Mateus 22,34-40)




Quem lê a bíblia pode perceber as maravilhas que Deus faz em favor de seu povo. O livro do Êxodo está repleto de exemplos. Um deles podemos ler em Ex 22,20-26, mostrando como o Senhor toma o partido de seu povo. E lendo com um pouco mais de atenção podemos notar um detalhe: no meio do povo o Senhor toma a defesa de quem está à margem e é mal visto. O senhor faz opções sociais que vão além do status: opta pelo estrangeiro (Ex 22,20), pelo órfão e sua mãe viúva (Ex 22,21) e, principalmente, faz uma opção pelo pobre (20,24).

É maravilhosa a forma como Deus defende o indefeso; como se coloca ao lado daquele que não tem companhia; como faz questão de ameaçar aqueles que ameaçam aos fracos. Mostra que sabe usar sua mão poderosa e a força de sua ira: “minha ira se inflamará” (Ex 22,23) contra aquele que causa a dor do indefeso, diz o Senhor. Mas, por outro lado, mostra sua compaixão, mostra sua face amorosa e sua misericórdia quando defende o fraco que clama por justiça: “eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” (Ex 22, 26).

Então, se você ouvir por aí, ou ler em algum lugar, a afirmação de que não se pode misturar a prática religiosa com questões sociais, com política… pode crer que esse faz parte do time do anticristo. Deus não é neutro. Pelo contrário, Ele toma partido contra os poderosos opressores e defende as vítimas do sistema sócio-econômico-político; ele condena a ambição dos usurários e banqueiros. “Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não agirás como um agiota.” (Ex 22, 24).

A postura de Deus no Antigo Testamento, defendendo o fraco, repercute na postura de Paulo, escrevendo aos tessalonicenses (1Ts 1,5c-10). O apóstolo elogia, não eventuais orações vazias, mas atitudes de solidariedade. Paulo elogia os tessalonicenses porque ouviram a Boa Nova anunciada por ele e, em seguida a comunidade tornou-se “um modelo para todos os fiéis” (1Ts1,7). O exemplo dessa comunidade foi tão convincente que passou a ser mais eficiente que a própria pregação (1 Ts 1,8), “pois todos contam como fomos recebidos por vós” (1Ts 1,9). Sua solidariedade perdurou por séculos, tanto que hoje somos convidados a olhar nossas atitudes tendo como parâmetro o que fizeram os tessalonicenses.

E se tudo isso ainda não for suficiente para demonstrar a necessidade da prática da fé, Mateus (22,34-40), mostra como Jesus subverte os valores antiquados e resume todos os mandamentos da lei e ensinamentos dos profetas (Mt 22,40. Ele mostra que todos os mandamentos se resumem em dois, que na prática é um só: trata-se do mandamento do AMOR. Um amor que, ao mesmo tempo, está voltado para Deus, sem deixar de estar voltado para o outro. Amar a Deus e amar ao próximo: essa é a lei! Isso é tudo!

E Jesus é bem específico, ao dizer que “toda a lei e os profetas DEPENDEM desses dois mandamentos”. Ou seja, não adianta nenhuma outra atitude, dita cristã, se essa outra atitude não for pautada pelo mandamento do amor.

A questão, agora, é saber o porquê dessa opção em favor do amor para com o outro; o porquê da defesa do pobre, do fraco, do injustiçado… A resposta está no fato de que são vítimas do sistema, estão em situação de vulnerabilidade, não têm quem os defenda. E estão nessa situação por que estão abandonados.

E não tem como negar: A existência de pessoas não amadas, sofrendo, sendo vítimas de todo tipo de espertalhão é um fato. Por isso o Livro Sagrado fala em sua defesa. E a lei, ou a nova lei, vale enquanto persistirem as situações contra as quais ela foi criada. Enquanto existirem pessoas sendo enganadas, ludibriadas, extorquidas, roubadas em seus direitos… vale advertência do livro do Êxodo: quando o pobre gritar em seu sofrimentos “eu ouvirei seu clamor. Minha ira se inflamará, e eu vos matarei à espada” (Ex 22,22-23).

Com isso tudo em mente a questão que se nos apresenta não poderia ser outra: qual a nossa preferência: viver na graça do Senhor e trabalhar por um mundo solidário ou ser destinatário de sua ira? Para viver na graça é necessário que cada um de nós aprendamos a respeitar, valorizar e amar aqueles que convivem conosco. Mas tem um detalhe: não foge da ira do Senhor aquele que se faz de bonzinho apenas por medo da sua ira. É necessário ser justo e honesto em todas as nossas atitudes porque isso é certo a fazer.

E se alguém ainda estiver pensando que não se deve misturar religião com a busca pela justiça sócial, que é uma questão política, então essa pessoa não deve ser levada a sério. Ela ainda não entendeu que o Senhor fala pela bíblia, ou faz parte do time do anticristo. Por outro lado, se queremos levar a sério aquilo que o Senhor ensina temos que fazer valer o maior mandamento...




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A Deus o que é de Deus

(Isaías 45,1.4-6; 1Tessalonicenses 1,1-5b; Mateus 22,15-21)



Quais os planos de Deus? Quem é escolhido por Deus? O que deve ser ofertado a Deus?

A primeira indagação tem a ver com o profeta Isaías (Is 45,1.4-6). Nestes poucos versículos o profeta mostra como Ciro, rei persa, um estrangeiro, é visto e apresentado como emissário de Deus.

O contexto é o final do período exílico. Ciro acabara de vencer os babilônios e o profeta vê nisso um indício de que o fim do cativeiro está próximo, pois o jovem rei está vencendo seus inimigos. E, do ponto de vista político, trata-se de uma leitura simples: derrotando os adversários, Ciro pode a ser visto como aliado do povo hebreu. Portanto os dados históricos e políticos são fáceis de entender.

Entretanto a questão é anterior. É saber qual o propósito de Deus em permitir que seu povo tivesse sido dominado e exilado. A resposta histórica: porque o império babilônico estava em expansão e os descendentes de Abraão estavam em decadência moral e política. Mas do ponto de vista religioso, entende-se que o cativeiro ocorreu porque os dirigentes do povo se corromperam, aderiram a outros deuses e aceitaram os valores das nações dominantes. Ou seja, a corrupção da classe dirigente respingou malefícios sobre o povo.

Como o Senhor não abandona os seus, Isaías vê em Ciro o enviado de Deus, para purificar o povo, depois de “dobrar o orgulho dos reis” (Is 45,1). O rei persa é escolhido pelo nome, “por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel” (Is 45,4), diz o Senhor que sempre se apresentou como único Deus (Is 45,5-6).

Qual o plano de Deus? Apresentar-se: “Eu sou o Senhor, não há outro”(Is 45,6).

Paulo (1 Ts 1,1-5) acrescenta novo ingrediente: mostra que esse único Deus é, também, trino. E por ser trino é uma comunidade e mobiliza a comunidade dos crentes para a união e a oração. E Paulo constata isso em Tessalônica. A comunidade está, “reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1) e se mantém produzindo frutos os frutos da fé que é “o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1Ts 1, 3), mediante a “força que é o Espírito Santo” (1Ts 1,5). É a ação da trindade que mantém a comunidade.

Paulo mostra, dessa forma, que além do estrangeiro Ciro ser escolhido pelo Senhor, o próprio Senhor se manifesta aos estrangeiros, pois a comunidade cristã de Tessalônica é uma comunidade de uma cidade grega. Ou seja, a Igreja que nasceu do sangue do cordeiro, tem vocação para ir além das fronteiras. É uma igreja missionária. Não é de Israel, é do mundo!

Sendo uma comunidade missionária, o que a Igreja pode entregar a Deus?

Evidentemente não é a atitude vil dos representantes do povo, como mostra Mateus (Mt 22,15-21). Aqueles que se fazem dirigentes do povo traçam planos para enganar e angariar proveito próprio. O exemplo está aqui: adversário como fariseus e herodianos (Mt 22,15-16) são capazes de se unir para praticar maldades. Ocorria lé e continua aqui: partidos adversários que se unem para enganar o povo alcançar o poder… e usufruir dos benefícios do poder.

Esse exemplo nefasto se perpetuou e muitos daqueles que, atualmente, são ou pretendem ser representantes do povo manobram para enganar à população. Da mesma forma que tentaram enganar a Jesus. Aqueles foram desmascarados pelo Mestre. Cabe a nós, nos dias atuais, não nos deixarmos levar na onda dos espertalhões. Desmascarar aqueles que nada plantam junto ao povo, mas em jogadas eleitoreiras querem colher votos dos desavisados.

É claro que o imposto devido, se justo e retornável em forma de benefícios sociais, devem ser pagos. Por isso, Jesus admite que se deve dar “a César o que é de César”. Isso porque o cristão não está aqui para desestabilizar o sistema. Mas, por outro lado, o cristão é aquele que dá “a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,21).

Em que consiste isso?

Trata-se de manter uma atitude, ao mesmo tempo orante e atuante na sociedade. Deus não perde nem lhe é acrescentado nada, quando as pessoas APENAS se prostram em recitações mecânicas, em orações estardalhosas ou nos retiros desconectadas da caridade. Ao Senhor importa a atitude e a postura diante e ao longo da vida, como Paulo elogiou entre os Tessalonicenses: oração e caridade (1Ts 1, 3).

Isaías diz que Ciro, o persa, deu a liberdade ao cativos. Paulo assegura que os tessalonicenses deram, “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1Ts, 1,3). A postura de Ciro e a dos tessalonicenses foi semelhante: fizeram algo pelo outro. A a libertação, a fé, a caridade e a esperança tinham o objetivo de ajudar.

O que se deve ofertar a Deus, muito mais que orações vazias de ação, são as ações em forma de oração. Isso é o que faz, o que ensina e o que move o cristão: a fé que se manifesta em oração; a oração que se traduz em caridade e a caridade regando sementes de esperança...




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

O traje de festa e os poucos escolhidos

(Isaías 25, 6-10a; Filipenses 4,12-14.19-20; Mateus 22,1-14)



Quem deve ser convidado para uma festa de casamento? Para isso, o traje é importante?

Essa parece ser a pergunta que Mateus (22,1-14) nos coloca ao nos apresentar o Reino de Deus numa situação festiva. Nesta narrativa o rei prepara a festa para o casamento de seu filho (Mt 22,2). Emite os convites (Mt 22,3). Mas os destinatários recusam ou desdenham do convite e dedicando-se a outros afazeres (Mt 22,4-6).

Entretanto o casamento e a festa não poderiam deixar de acontecer apenas porque os primeiros convidados não compareceram; ou não foram “dignos” de estar presente (Mt 22,8). Então o rei, abre as portas e convida outras pessoas (Mt 22,9-10) e a festa acontece.

Note-se que não é uma festa qualquer: é o casamento do filho do rei. E nisso estão presentes dois momentos importantes

O primeiro é a alegria de conviver e comemorar. O fato de estar juntos na alegria pode ser visto como um sinal do paraíso, a felicidade plena. A comemoração tem relação com a saciedade e a convivência com a vida em comum: neste mundo preparando o definitivo.

O segundo é o fato do casamento. Não se trata apenas da alegria da vida em comum ou de estar juntos. Diz respeito à corresponsabilidade do ser humano no projeto da criação. Não é só um homem e uma mulher entregando-se por amor, mas é Deus compartilhando com o casal a responsabilidade pela continuação da vida. O casamento, portanto é uma extensão da obra criadora de Deus, sendo prosseguida na complementariedade do casal que se entrega. A festa é um sinal do amor de Deus manifestando-se no amor das pessoas.

Por causa dessa vida em comum, prenúncio do paraíso e da complementariedade da obra da criação presente no casamento, o rei da parábola fez questão de que sua sala de festas estivesse cheia de convidados. Por isso, a insistência que seus servidores saíssem às ruas convidando a todos para se fazerem presentes: queria alegria e compromisso com o outro.

Esse convite é feito pelo próprio Deus, como o monstra Isaías (25, 6-10a). É o convite para o paraíso; um encontro definitivo, com o Senhor. Quando ele “eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces” (Is 25,8). Trata-se de um convite “para todos os povos” participarem de “um banquete de ricas iguarias”. Nessa festa não haverá sofrimento. Apenas “um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro” (Is 25,6).

O critério, a porta de entrada ou a roupa adequada para a participação nessa festa de Deus é a solidariedade. O ingresso para a festa definitiva é a atenção à necessidade do outro. Isto é Paulo quem diz (Fl 4,12-14.19-20). Ele, ao suportar as dificuldades, ensina como sobreviver nas dificuldades, pois a força está não nas coisas que se pode ter, mas naquele que dá a força: “tudo posso naquele que me dá forças” (Fl 4,13). A importância da solidariedade, ensina o apóstolo, consiste no fado de, ao partilhar com quem precisa, ter em Deus a recompensa: “Fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades” (Fl 4, 14). Àquele que se solidariza “Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus.” (Fl 4,19).

E assim voltamos à festa oferecida pelo Rei, para a qual os primeiros convidados deram as mais divergentes respostas, recusando o convite; mesmo assim o rei encheu sua sala de festas. Com quem? Com os marginalizados que aceitaram o convite.

E aqui surge um episódio intrigante. Depois de tanto insistir para que a sala estivesse repleta de convidados, parece estranha a atitude do rei mandando retirar da festa aquele que ali se encontrava “sem o traje de festa” (Mt 22,11-12).

Para entender isso, um pouco de atenção. Todos são convidados. Todos podem entrar na sala de festa. Porém, durante a festa, o rei dirige-se àquele sem o devido traje. E depois de interpelar o convidado o rei o manda retirar da sala (Mt 22,13). Por qual motivo?

Aparentemente é a ausência do traje adequado. Mas se os convidados estavam pelas “encruzilhadas dos caminhos” (Mt 22,9), seguramente também não trajavam roupas de festa. Então o que ocorre?

Ocorre que o rei questiona o convidado: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?” (Mt 22,12). A ausência do traje foi o motivo do questionamento, mas o interpelado nada responde. Se não ocorreu a resposta não houve interação. E se não acontece interação, entre os convidados, a festa perde o sentido.

A festa é para todos, diz Isaías (25,6). “Ide até às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos”, diz Mateus (22,9). Mas antes da festa, no cotidiano, deve ocorrer a partilha solidária, diz Paulo (Fl 4,14). Esse é o traje adequado para a festa que Deus oferece. Faltando isso, falta interação. E se falta interação, não ocorre a alegria da festa, nem a participação e compromisso com o projeto da criação. A ausência desse comprometimento produz a escuridão e o choro pelo vazio da existência.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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domingo, 8 de outubro de 2023

Nossa Senhora Aparecida

Além do dia das crianças, no dia 12 de outubro os católicos também comemoram o dia de Nossa Senhora Aparecida.

Quando se fala isso, não são poucas as pessoas que argumentam: “Não entendo: Tem Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Guadalupe… e Nossa Senhora Aparecida, além de outras. Afinal de contas, quantas Nossas Senhoras existem?”

A resposta é esta: só existe uma. É sempre a mesma Maria de Nazaré, mãe de Jesus. Essa é a Nossa Senhora. É Nossa Senhora por ser mãe de Nosso Senhor, como canta o Padre Zezinho:

“O povo te chama de Nossa Senhora por causa de Nosso Senhor.
O povo te chama de Mãe e Rainha porquê Jesus Cristo é o Rei do céu.
E por não te ver como desejaria, te vê com os olhos da fé, por isso ele coroa a tua imagem Maria: Por seres a mãe de Jesus, Por seres a mãe de Jesus de Nazaré.
Como é bonita uma religião que se lembra da mãe de Jesus.
Mais bonito é saber quem tu és: não és deusa, não és mais que Deus, mas depois de Jesus, o Senhor, neste mundo ninguém foi maior”

Como podemos ver, a canção nos explica o porquê da devoção a Nossa Senhora: por ser a mãe do Nosso Senhor; é rainha porque Jesus é o Rei dos céus; não é deusa, nem maior do que Deus. A devoção mariana existe porque neste mundo ninguém a superou: só ela teve a graça de carregar Deus em seu ventre, motivo que nos leva a repetir com Isabel: “bendito é o fruto do teu ventre”. Nós a veneramos por nos ter dado Jesus como “presente de Natal”!

Mas, antes de entendermos as “tantas nossas senhoras”, vamos entender porque fazemos preces a Maria, mãe de Jesus. É a mesma canção do pe. Zezinho que explica:

“Aquele que lê a palavra Divina por causa de Nosso Senhor
Já sabe que o livro de Deus nos ensina que só Jesus Cristo é o intercessor
Porém se podemos orar pelos outros, a Mãe de Jesus pode mais
Por isto te pedimos em prece oh! Maria, que leves o povo a Jesus
Porque de levar a Jesus entendes mais”

Só Jesus leva ao Pai, mas a mãe leva ao Filho e seu filho é Jesus. Ela o levou, ou seja, carregou Jesus em seu ventre, por isso pode nos levar, ou seja, conduzir a Jesus. E só Ele nos leva ao Pai. Aliás esse é sentido do texto do Evangelho (Jo 2, 1-11) que a Igreja nos convida a refletir no dia de Nossa Senhora: Maria viu que havia um problema: o vinho estava acabando. Não teve dúvidas, foi até Jesus como a mãe que vai ao filho: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).

Podemos até pensar que Jesus foi grosseiro com sua mãe. Mas Ele somente argumentou, nestes termos: “O que você está me pedindo, mãe? Minha hora ainda não chegou. Mas pode deixar que dou um jeito” (Jo 2,4). E ela, conhecendo o filho que educara, com a certeza de que o filho atende à mãe, dirigiu-se aos garçons: “Confiem no meu filho. Ele vai tirar vocês do apuro. Vai salvar a festa e o casamento. Façam o que ele disser” (Jo 2,5). E repete, diariamente, para nós: “faça o que ele ensinou!” e, seguramente acrescenta: “Não faça por mim, faça por Ele. Ele é o Senhor!”

A postura de Maria, na festa de Caná, foi semelhante à atitude da rainha Ester (5,1b-2; 7,2b-3): ambas são intercessoras em favor do povo. Maria intercede em favor da felicidade do casal, pois a família é importante. Tão importante que começa numa festa. E Maria intercede para que a festa continue e a família possa iniciar sem contratempos. Da mesma forma Ester, intercede pela vida de seu povo: "Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!” (Es 7,3).

E assim chegamos aos títulos de Nossa Senhora. A mesma e única Maria de Nazaré, cultuada, venerada, admirada, amada de várias formas. Por ensinar a rezar: Nossa Senhora do Rosário; Por ser luz no caminho das pessoas: Nossa Senhora das Candeias. Por ter se manifestado nas localidades de Fátima, Lourdes: Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Por ser protetora e defensora dos índios: Nossa Senhora de Guadalupe, manifestando-se em Guadalupe, no México. E Nossa Senhora Aparecida, a imagem encontrada no rio pelos pescadores apareceu preta, a cor da pele dos escravizados. Por isso o povo a reconheceu como protetora da nação brasileira. Não que não olhe por todos, mas ela escolheu se manifestar entre os pobres, pescadores, escravizados… vítimas dos exploradores que vivem nos palácios e nas casas grandes. Essa é a Nossa Senhora Aparecida: apareceu em favor dos que dela precisavam. E continua a ser amada pelos brasileiros porque nosso povo ainda precisa da intercessão da “advogada nossa”.

Nos dias que estamos vivendo, com tanto sofrimento no meio do povo, podemos nos apegar com Maria, a Nossa Senhora e, talvez, devamos confiar mais nela. Talvez devamos nos dirigir a Maria, não como quem vai ao mercado, mas como o filho que confia na mãe. Talvez devamos confiar na mãe de Jesus como confiaram os garçons de Caná e os pescadores do rio Paraíba do Sul.

E vamos pensar juntos: se podemos manter uma boa relação com Maria, seguramente teremos boa amizade com seu Filho; uma relação de amizade, a partir da qual podemos até dizer que somos da família do Pai, do Filho e do Santo Espírito, pois a mão já nos adotou.

E se ainda temos alguma dúvida, vamos, novamente, cantar com os versos do pe. Zezinho:

“Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia
Quando por entre as redes, aquela imagem aparecia
Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor
Agradeceram todos à mãe de Cristo por tanto amor!

Quero entender o culto que começou, desde aquele dia
Muitos não compreendem, dizendo ser uma idolatria
Mas neste simbolismo daquela imagem, de negra cor
Chega-se com Maria ao santuário do salvador!

Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente
Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente
Numa nação, aonde imperava a mancha da escravidão
Nossa Senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos”

O centro de nossa fé é o Deus Trindade. Sem não existe cristianismo. Mas uma das pessoas da Trindade Santa veio nos visitar. E fez questão de nascer, feito homem, de uma mulher: e Maria era seu nome. Então, em honra ao Filho podemos agradecer à mãe e, como ela fez, que tal olhar para Deus de mãos dadas com o povo que gosta da mãe de Deus?




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O Reino de Deus vos será tirado

(Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 21,33-43)





Que espera o agricultor, quando lança a semente ao chão? Que espera o operário, ao fim de um período de trabalho? Que esperam os pais, depois dos filhos crescidos? Que espera o professor, ao longo da jornada de ensino? Que espera alguém que faz planos e projetos para sua vida e seu viver…? O que esperar…?

As condições para um bom relacionamento entre as pessoas; para a felicidade da família; para o pleno desenvolvimento das pessoas; para um mundo justo; para a plenitude humana; para a harmonia entre os diferentes… Para haver sucesso nessas e noutras situações, as condições nos são dadas. São dons divinos em nós e para nós. E o quê fazemos com tudo que nos é entregue, gratuitamente, pelo Senhor da vida?

Essas situações e indagações nos são apresentadas quando Isaías (5,1-7) fala sobre o vinhedo que só “produziu uvas selvagens”, mesmo depois da terra ter sido preparada para “que produzisse uvas boas” (Is 5,2).

As condições para a implantação do bem, são dadas como graça divina em plenitude. Tanto que o Senhor se pergunta: “que mais poderia eu ter feito?” (Is 5,4). Uma pergunta que, na verdade, é uma afirmação: “já fiz tudo”. Ou seja, a plenitude da graça é dada, mas as pessoas preferem recusar o dom recebido. Em Isaías, o vinhedo é o povo de Israel que está, cada vez mais, afastado dos caminhos do Senhor. Por isso o anúncio da devastação (Is 5,5-6).

Os dirigentes do povo causaram a ruína do povo. “Eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade.” (Is 5,7). Mas o povo também erra, pois segue dirigentes inescrupulosos. Por esse motivo todos sofreram as consequências. Lá se concretizou como a ruína da nação, invadida por uma potência estrangeira. E a consequência definitiva foi o “cativeiro na Babilônia”. Em nossa atualidade a consequência depende de como respondemos a estas indagações: como estão agido nossos dirigentes? Nós, os seguimos no mar de corrupção ou lutamos por um país melhor? E se lutamos por algo melhor por que eles continuam lá? É necessário darmos uma resposta, sob pena de sermos igualados às videiras que só produziram uvas imprestáveis.

Na narrativa de Mateus (21,33-43), da mesma forma que Isaías, Jesus fala aos “sumos sacerdotes e os anciãos do povo”: os dirigentes do povo (Mt 21,41). Mas Jesus vai além do profeta. Ele mostra que o problema não está no parreiral, que é o povo; nem do proprietário do plantação, que é o Senhor. O problema está nos vinhateiros, que são os dirigentes. Esses mataram os enviados (os profetas) do dono da vinha (Mt 21,35-36) e também mataram o filho do proprietário. Tudo com o propósito de roubar a herança (Mt 21,38). Todas as ações dos dirigentes do povo foram desonestas. E sua desonestidade causou dificuldades para o povo que acabou sendo iludido pelos seus dirigentes.

Que fazer com esses administradores desonestos?

Na proposta de Isaías, perderam a nacionalidade e foram exilados. Porém, depois de quatro décadas de exílio o Deus clemente e pleno de graça e perdão, concede o retorno, com objetivo de reestruturar a fé, desenvolvendo a esperança na vinda do Messias.

Ocorreu que os novos dirigentes, que deveriam reconhecer o Messias não o fizeram e, perderam, não só o território, mas a primazia de ser luz do mundo. Em resposta à perversidade dos dirigentes, Mateus anuncia a sentença: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43). E assim nasce uma nova fé: a crença daqueles que seguem Jesus, os cristãos encarregados de construir um mundo de justiça.

Querendo evitar que este novo povo se desvirtue, Paulo (Fl 4,6-9) faz recomendação e dá as diretrizes. O objetivo é que essa comunidade possa crescer, não só na caridade mas, principalmente, na justiça, pois é assim que se manifesta e se demonstra a fé. E o apóstolo, constatando que na comunidade de Filipos existem alguns problemas, faz a recomendação: “Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.” (Fl 4,8).

Paulo sabia que até isso poderia não ser entendido ou seguido, por isso diz algo como: “Em vez de fazer as besteiras costumeiras, façam aquilo que ensinei.” Nas palavras do apóstolo: “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim o Deus da paz estará convosco.” (Fl 4,9).

Noutras palavras, e agora acolhendo para a nossa vida, nossa comunidade, nossa sociedade: a proposta do dono da vinha é que se faça uma boa produção que consiste na pratica do amor, da justiça, da caridade… e se nós também, não oferecermos a Deus esses frutos, a consequência já está estabelecida: “o Reino de Deus vos será tirado”. Então, o que esperar dos cristãos?





Neri de Paula Carneiro


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


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terça-feira, 3 de outubro de 2023

A raposa tinha razão ou sobre o contexto da palavra.

E a raposa tinha razão. Quando as palavras não são lidas nem ouvidas em seu devido contexto elas geram mal entendido. DESCONTEXTUALIZADA, tanto a Palavra de Deus como a palavra humana, passa a servir não a Deus, mas ao inimigo.

Ocorre que numa das páginas de o “Pequeno Príncipe” a raposa disse ao princepezinho: “As palavras são uma fonte de mal entendidos”. Parece que a raposa estava querendo explicar o perigo da descontextualização das palavras. Aí elas conduzem ao erro. E se isso ocorrer a pessoa está servindo ao inimigo.

Descontextualizando a Palavra de Deus, criamos todas as falsas doutrinas; supervalorizamos nossas crenças pessoais; endeusamos nossos pregadores e desacreditamos aqueles que nos falam verdades. Dizem a verdade aqueles que são abertos ao diálogo e não aqueles que dizem o que desejamos ouvir.  Se nos trancarmos ao diálogo incorremos em erro de sintonia. Agindo assim geramos contenda e divisão e passamos a servir ao inimigo.

Descontextualizando o que dizem as pessoas criamos fofocas, criamos atritos, criamos divisões, criamos aquele clima insustentável de estigmatização das pessoas, de marginalização de pessoas, de segregação de pessoas. Com isso se alimentam os preconceitos, a intolerância… A palavra humana, e mais ainda a Palavra divina, tem força e deve ser usada para selar uniões, criar pontes e quando não fazemos isso prestamos serviço ao inimigo.

Descontextualizando o que Deus fala e o que as pessoas falam demonstramos nossa mesquinhez e evidenciamos que somos lentos em compreender; mostramos que somos capazes de louvar "com os lábios mas não com o coração" (Mt 15,8). Não foi a toa que Jesus se revoltava com os fariseus e doutores da lei. Eles até costumavam atar tiras de pergaminho com os preceitos da Torá em seus turbantes. Faziam isso para “ter a lei diante dos olhos”, descontextualizando a orientação de Dt 6,8, sem observar o significado do preceito. Não serviam a Deus, mas ao inimigo.

Os discípulos de Jesus, quando não entendiam o que o Mestre falava, perguntavam-lhe, ou lhe pediam: “Explica-nos...” (Mt 13,36). Quando alguém diz algo que não concordamos ou não entendemos, se somos de Deus, pedimos explicações e não geramos divisões. Porém 
quando lemos ou ouvimos algo fora do contexto, e não nos preocupamos com a contextualização somos levados ao erro. E o erro é coisa do inimigo.

Só o amor e o entendimento e a caridade e a sinceridade e o respeito e o diálogo… vem de Deus! Tudo o resto vem do inimigo.



Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/03/ciclo-da-pascoa-celebrar-vida.html; https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de...