quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Advento 1- Nos últimos tempos

(Reflexões baseadas em: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14; Mateus 24,37-44)




O período do Advento chama nossa atenção para o sentido de algumas profecias anunciando os últimos tempos.

Uma delas nos é apresentada por Isaías (2,1-5) afirmando que nos últimos tempos as nações procurarão a casa de Deus a fim de seguir seus preceitos. Também Paulo, escrevendo aos Romanos (13,11-14), nos ajuda a entender o sentido dessa busca: ele nos diz que a salvação está cada dia mais próxima.

Há, entretanto, uma ressalva a ser feita: essa busca e a proximidade do dia da salvação devem ser compreendidas na relação com o anúncio de Jesus (Mateus 24,37-44): O Reino aproxima-se, mas é necessário estar preparado para ele, pois apesar de todos recebem o chamado, nem todos aderem a ele. Preferem seguir os próprios caminhos que os distanciam do Senhor da Vida.

Aqui,vamos dirigir nosso olhar para um Isaías esperançoso, em relação aos últimos tempos. É fato que por muitas vezes a Palavra do Senhor nos informa que haverá um fim. Um ponto final para todas as dores. Um ponto final para todas as maldades. Um dia de julgamento de tudo e de todos. E, como consequência desse ponto final, a libertação completa dos que trilharam as pegadas do Mestre, plantando a semente do amor, na busca do paraíso definitivo e, ao mesmo tempo a condenação definitiva para os que se mantiveram na estrada da maldade.

Mas aqui, vemos um Isaías esperançoso!

Nos últimos tempos, superando os males do mundo, o profeta convida a “subir ao Monte do Senhor”. E, tendo feito isso, no Monte Santo pedirão ao Senhor: “nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos” (Is 2, 3). Esses que subirem para a casa ou o Monte do Senhor, vão se deixar “guiar pela luz do Senhor”. Então acontecerá o julgamento, de modo que “estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate” (Is 2,4-5).

Esse é o Isaías esperançoso; é a utopia do profeta: espera a conversão e adesão ao projeto divino. Nem que isso venha a ocorrer no fim dos tempos. E, como tudo está a caminho do dia do juízo, Paulo acrescenta as orientações necessárias para um bom encontro. Na noite das dores e sofrimentos, a maldade humana se sobrepõe criando mais dores e sofrimentos para os seguidores da Luz. Por isso o apóstolo alerta: “Já é hora de despertar”. Diz mais, “agora a salvação está mais perto de nós” (Rm 13,11).

Essa é a constatação:“a noite já vai adiantada”. Ou seja, aqueles que produzem as dores, estão prevalecendo sobre os Santos. Daí o convite do apóstolo: “Despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz. Procedamos honestamente” (Rm 13,12-13). enquanto as trevas estão no mundo, aqueles que são das trevas se esbaldam espalhando maldade: explorando, mentindo, enganando, supervalorizando as coisas e desvalorizando a vida, promovendo a marginalização e tirando proveito da inocência das pessoas da luz. Mas, por outro lado, as pessoas da luz, mesmo caminhando entre os propagadores das trevas, mantêm-se na luz e são luz. Daí o alerta do apóstolo: “é hora de despertar”; “o dia já vem chegando”; “vistamos as armas da luz”.

Confirmando essa situação em que as pessoas são convidadas a optar entre o mundo das trevas e o mundo da luz; entre praticar o mal e edificar o bem; entre produzir guerra e morte em oposição a paz e a vida… Jesus anuncia que seu retorno será feito de surpresa; quando ninguém estiver esperando.

Da mesma forma que no tempo de Noé, diz o Mestre, assim também em seu retorno. Sua vinda, portanto, é anunciada, mas virá de forma inesperada. “Nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem” (Mt 24,38-39).Ao cristão, portanto, cabe permanecer atento, vigilante e na luz!

Nesse momento definitivo nada do que é mau prevalecerá. Só o bem e os bondosos serão arrebatados. Por isso é que o Senhor explica: Naquele dia “Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada”.(Mt 23,40-41)

Como saber quando e quem será levado na arca da salvação, para habitar a casa do Senhor? Para isso não há resposta. “Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 23,44).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Cristo Rei: Lembra-te de mim, quando vieres em teu reino

(Reflexões baseadas em: 2 Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43)




Quer aprender com a sabedoria da Igreja? Uma das maneiras é acompanhar o ciclo das celebrações ao longo do “Ano Litúrgico”.

A Igreja tem uma proposta muito sábia, em relação à liturgia. Ela distribui os principais fatos da vida de Jesus de Nazaré ao longo de um ano. Essa é a ideia do Ano Litúrgico, ou seja, a contemplação da vida de Jesus ao longo dos doze meses. E, com isso, faz uma catequese, uma apresentação, uma explicação dos mistérios divinos, manifestados por Jesus de Nazaré.

Há, entretanto, uma diferença em relação ao nosso ano civil que começa em janeiro e termina em dezembro. O Ano Litúrgico começa com o Advento (período de preparação para o Natal) e termina com a celebração Jesus Cristo, Rei do Universo.

Por que comemoramos a realeza de Jesus? Primeiro porque em sua convivência humana mostrou que o sentido da vida é a VALORIZAÇÃO DA VIDA. Para mostrar esse valor curou pessoas enfermas; ensinou o significado do respeito à pessoa humilhada e marginalizada; alimentou as pessoas famintas; mostrou que a pessoa vale mais que as coisas; defendeu a paz; condenou a violência e, principalmente, manteve-se fiel ao Plano que o Pai lhe tinha reservado: dar sua vida em favor da vida de todos.

Em segundo lugar porque o Senhor da Vida, também é Senhor da morte. Ele entregou sua vida e a resgatou. Venceu a morte, mostrando o caminho da Ressurreição. E tudo isso numa caminhada de paz, harmonia, identificação com os sofredores e marginalizados.

Alguém poderia perguntar com base em quê afirmamos a realeza de Jesus? Em que nos baseamos para refletirmos a respeito da solenidade em que celebramos Jesus como Rei do Universo? Em que podemos nos basear para nos aproximarmos desse homem magnífico, o Filho de Deus que se apresentou como Senhor absoluto da Vida e da Morte?

Podemos entender a realeza de Jesus da mesma forma que Davi (2 Samuel 5,1-3) foi aclamado depois foi ungido pelo povo como rei e fez com eles uma aliança, a fim de os conduzir. Assim também o Senhor Jesus, foi ungido pelo Espírito e em seu sangue vertido na cruz, fez uma aliança definitiva, unindo o povo fiel ao Deus da Vida.

Além disso, com Paulo (Col 1,12-20) aprendemos que sua ressurreição o torna Senhor da Morte. Um senhorio que não se limita à sua passagem pela terra, mas que sua vida terrena o capacita a se apresentar como caminho, como inspiração para a caminhada e como meta definitiva para a vida vindoura.

Graças a isso a morte deixa de ser um ponto final para ser percebida como uma porta de entrada na participação “da luz que é a herança dos Santos” (Col 1,12). Sendo luz a guiar os povos Jesus é também “a Cabeça do corpo, isto é, da Igreja. Ele é o Princípio, o Primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo ele tem a primazia,” (Col 1,18). Além disso, Jesus é Rei do universo porque “Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Col 1,19-20).

Ou seja, nada do que existe, existe sem a intervenção divina. Graças a isso, toda a existência é redimida pelo amor que motivou a entrega na cruz e, ao mesmo tempo presenteou o mundo com o dom da ressurreição. Ao ressuscitar, vencendo a morte, Jesus redime tudo e todos, pois só ele tem o poder de dominar as forças da morte.

É fato, entretanto, que nem todos entendem ou aceitam a realeza de Jesus. Por isso a zombaria durante o supremo ato da cruz (Lucas 23,35-43).

Nesse momento redentor assistimos a uma cena em que as garras do mal se apresentam ameaçadoras sobre o Senhor da Vida. As forças da morte zombam da fragilidade da vida. Ridicularizam o único que lhes pode salvar. São vários a zombar e várias as zombarias, manifestando uma profunda incredulidade.Chefes do povo, soldados e malfeitores zombam: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”, diziam os chefes do povo. E os soldados: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”. Os malfeitores com ironia: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,35-39).

Por outro lado, aqueles que acreditam a se entregam nas mãos do Senhor da vida e Rei do Universo imploram, como o outro condenado: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino”. Como ele, todos que aderem à proposta de vida poderão ouvir a promessa, e experimentar a redenção: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 42-43).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Não ficará pedra sobre pedra

(Reflexões baseadas em: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19)



Diversos trechos da bíblia nos informam que se aproxima um fim catastrófico, para as pessoas e o mudo.

Podemos mencionar, entre esses trechos podemos, as palavras de Malaquias (3,19-20), anunciando um fogo abrasador sobre os ímpios. Com isso o profeta indica que a ação de Deus colocará um ponto final sobre a maldade humana.

Por sua vez, Paulo, escreve aos tessalonicenses (2 Ts 3,7-12) que esperavam um fim iminente, representado pelo retorno escatológico de Jesus.

Nessa carta o apóstolo procura corrigir a compreensão equivocada de alguns membros da comunidade. Chama a atenção para a necessidade de se viver às custas do próprio trabalho, pois isso, além de ser mais honroso, promove a independência e liberdade das pessoas; sem contar que pelo trabalho as pessoas dão continuidade à obra da criação.

Diante dessas trechos falando do fim podem surgir indagações. Uma delas: Essas cenas, mencionando a consumação dos tempos, pretendem nos assustar com o anúncio do fim ou querem nos alertar e indicar um caminho a seguir?

Evidentemente que não se pretende negar que haverá um fim. Ele virá, pois foi afirmado pelo próprio Senhor. Mas, assim nos parece, antes de ser um anúncio do fim, essas narrativas são um convite para que as pessoas revejam seus comportamentos. Redirecionem seus passos. Aproximem-se da proposta divina. “Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas” (Ml 3,20). Ou seja, no ponto final, o amor prevalece.

O mal será vencido.Porém aqueles que não seguem os preceitos divinos de humildade, da bondade, do amor, esses sim receberão o destino dos “soberbos e ímpios”: queimarão como palha. Deles não sobrará “raiz nem ramo” (Ml 3,19).

Falando aos discípulos, Jesus(Lc 25,5-19) mostra o poder da maldade e confirma seu impulso destrutivo. O mal é destrutivo: quer destruir o bem, mas também destrói a si mesmo.

A maldade humana, na medida em que se afasta do plano amoroso de Deus, gera mais maldade. Entra numa espiral crescente de maldade fazendo com que pessoas e instituições maldosas se agridam mutuamente. Partindo disso podemos dizer que não será Deus a provocar o fim de todas as coisas, mas o próprio mal promove seu fim. “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país” (Lc 21,10). Dessa forma o mal se alastra e produz as condições para se extinguir. Antes, evidentemente, crescerá de forma avassaladora, como uma tempestade, a assustar muita gente. Mas após a tempestade, o sol volta a brilhar.

A outra forma de vencer o mal, ao contrário disso, é atender ao convite divino para a prática do amor solidário. Diante do apelo divino as pessoas podem responder com a pronta adesão. E assim, como num círculo virtuoso, o mal pode ser extinto numa sucessão de atos amorosos.

Então voltemos à nossa indagação: Na bíblia, os tantos anúncios do fim dos tempos pretendem nos assustar ou nos convidar a trilhar os caminhos do Senhor?

É fato que Jesus anuncia o fim. Mas também orienta aos discípulos: diante das notícias de “guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim” (Lc 21,9). Aumentará o sofrimento das pessoas por causa das reações da natureza e da mesquinharia humana na forma de “terremotos, fomes e pestes”. Mas, antes disso, aqueles que são de Cristo serão “presos e perseguidos” (Lc 21,11-12). Há, ainda, o risco de ser ludibriado pelos falsos messias. Mas Jesus é taxativo: “Não sigais essa gente!” (Lc 21,8), pois representam as forças do mal, da mentira, da enganação…

Mas tudo isso é necessário ocorrer, pois antecede o fim. As forças do mal irão se impor, enganando as pessoas, criando divisão e ampliando o terror. A maldade se infiltrará até no coração das famílias, gerando discórdia e divisão. “Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos” (Lc 21,16). Enfim, o mal se espalhará e as pessoas pensarão que ele venceu.

Entretanto, a verdade é outra. As forças do mal somente estarão fazendo com que os corações se manifestem em suas verdadeiras intenções. Os bons ampliarão sua rede do bem, aproximando-se do Senhor; os maus, ao ampliar a maldade, estarão dando passos definitivos para seu próprio fim. “Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,18-19).





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Todos os santos: Bem aventurados!

(Reflexões baseadas em: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1 jo 3,1-3; Mateus 5,1-12)




Quem são os santos? De onde vieram os santos? O que os torna santos?

Estas – e possivelmente outras – indagações podem surgir quando a Igreja nos propõe celebrar o “Dia de Todos os Santos”. Celebração essa que encontra uma de suas bases no livro do Apocalipse (Apocalipse 7,2-4.9-14).

Para entender, observamos o anjo de Deus em ação.

Na atuação do anjo que “trazia a marca do Deus vivo” podemos encontrar uma resposta. Ela aparece quando grita aos outros quatro anjos para conter os danos que deviam provocar sobre a terra o mar e as árvores. Seu grito era para conter a danação “até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap 7,2-3).

Com isso somos informados que são Santos os assinalados como servos de Deus. Mas a visão joanina diz mais. Ela parte da afirmação de que a terra, o mar e as árvores passarão por uma grande devastação. Como consequência disso, as pessoas serão atingidas. Por isso é que, antes da grande catástrofe, os santos devem ser assinalados a fim de serem poupados.

Assistindo a tudo isso, João vê três grupos de pessoas. No primeiro estão os filhos de Israel, já separados. Ao seu lado estão os cristãos. Formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7,4.9). E eles distinguiam-se dos demais por que “trajavam vestes brancas”. Estes afirmam com segurança: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. Essa multidão é formada por todos os que “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,10.14).

O terceiro grupo, não está bem definido, mas são aqueles que não receberam o sinal de Deus. Mas, pior do que isso, ainda estão colaborando para a devastação da terra, das águas e das florestas (as árvores). Não serão assinalados, pois seus atos cotidianos, lhes impede de pertencer ao grupo dos seguidores do cordeiro.

Os três grupos formam uma multidão, mas só mereceram a atenção do anjo de Deus aqueles os assinalados e os que receberiam o sinal divino. O terceiro grupo optou por se distanciar do Plano de Deus pois colaborou com os males do mundo e do ambiente. E sofrerá as consequências da devastação do mundo e a ser provocada pelos quatro anjos.

Entretanto, diz João para os Santos, em sua primeira carta (3,1-3). Estão reservadas as maravilhas do Reino. Àqueles que superarem as tribulações, está reservado um “presente” de Deus: neste mundo serão “chamados filhos de Deus”. (1Jo 3,1)

Em seguida João explica: os que receberam o sinal de Deus, pelas águas do Batismo, e se portaram como cristãos ao longo da vida são os “filho de Deus”. E diz, ainda “nem sequer se manifestou o que seremos”. Os santos, os que seguirem os passos do Ressuscitado “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2).

O modelo de santidade não são os outros santos, mas o próprio Jesus Ressuscitado. Esse é o modelo e caminho a trilhar: “purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1Jo 3,3).

Assim chegamos ao ponto de nos indagarmos: como entrar no caminho da santidade? Como entrar nesse processo de purificação, que nos assemelha a Jesus? Qual o caminho para atingir a santidade? É Jesus quem oferece a resposta, conforme ensina Mateus (5,1-12).

O manual de santidade está no chamado “Sermão do monte” ou da montanha. Numa série de nove afirmações que se popularizaram como as “bem aventuranças”. Nesse, que podemos chamar de poema, estão algumas situações desafiadoras. Cada bem aventurança faz uma denúncia. Denuncia uma situação a ser superada a fim de que se realize a promessa.

Denuncia o orgulho e a soberba com a proposta da mansidão; denuncia as situações que geram angústia para anunciar o consolo; denuncia a maldade dos agressores para anunciar a mansidão; denuncia as injustiças para que haja espaço para a transformação social; denuncia os que almejam maldade e vingança para plantar misericórdia; denuncia as situações de pecado pessoal e social como impedimento para ver a Deus; denuncia a violência e a guerra para construir a filiação divina. E, acima de tudo, quem lutar para a concretização destes anúncios vai sofrer perseguições, vai perder a vida, vai ser injuriado...mas estes verão a Deus. Terão uma grande “recompensa nos céus”.

O caminho da santidade, o mérito de ser assinalado com a marca de Deus, não são os santos, mas o seguimento do manual de Jesus Cristo. Quem trilhar esse caminho será bem aventurado.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Finados: Deus, tudo em todos

(Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27; 1 Coríntios 15,20-28; Lucas 12,35-40)




Raramente, numa conversa com as pessoas, encontramos alguém que não fique perturbado diante do único fato indiscutivelmente presente na vida de todas as pessoas: a Morte que, como cantou Raul Seixas, “talvez seja o segredo desta vida”.

Sendo assim, o chamado “Dia de Finados” se presta a fazermos algumas considerações.

Aquele que se popularizou como “Dia de Finados” é o dia em que a Igreja celebra “Todos os fiéis defuntos”.

Primeiro, por que “fiéis defunto”?

Porque a Igreja entende que após esta vida terena, aqueles que confessaram a fé cristã, recebem nossas orações, nossas lembranças, nossa sintonia com eles e com o Pai. Ou seja, no pós morte a vida continua...

Em segundo lugar, por que, dizemos que nossos mortos são “finados” e a Igreja fala em “defunto”?

Na realidade a duas palavras querem dizer a mesma coisa. Referem-se a uma pessoa que findou (Finados) ou cumpriu sua jornada neste mundo terreno e entrou numa outra esfera da realidade, juntamente com todas as demais pessoas que já terminaram sua jornada na terra. O defunto é aquela pessoa que está fora desta realidade, também porque concluiu sua tarefa no mundo terreno, em nosso cotidiano.

Mas, do ponto de vista cristão, nenhum dos termos, a rigor, contrapõe os vivos, referindo-se a todas as pessoas que permanecem nas realizações terrenas; e os mortos, referindo-se àqueles que deixaram de existir neste mundo. Isso porque os vivos, na terra, após sua morte, ou seja ao se finarem ou tornarem-se defuntos, permanecem vivos para o convívio definitivo com Deus ou numa outra vida, eternamente afastada dos dons divinos. A vida, portanto, continua sendo vida, após a morte!

Essa certeza nos é apresentada por Jó (19,1.23-27) e também por Paulo, escrevendo à comunidade da cidade de Corinto (1Cor 15,20-28).

O sábio e sofredor Jó fala sobre essa esperança da vida depois da vida: “meu redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó” (Jó 19,25). Assinala aqui, não só a fé na vida depois da vida terrestre, mas também indica os fundamentos de um princípio da fé cristã: o redentor que se levanta do pó é uma referência à ressurreição de Cristo, nosso modelo.

Jó não se limita a anunciar que Deus retorna à vida. Ele acredita na sua própria restauração pois, o Deus que retorna do pó também o tirará das mãos da morte. “Depois do meu despertar, levantar-me-á junto dele, e em minha carne verei a Deus” (Jó 19,26).

Por sua vez, Paulo explica em que consiste essa vida após a morte: trata-se de uma vida em Cristo,contemplando o Pai. Trata-se de ressuscitar para uma nova vida, como Cristo ressuscitou. Trata-se de ser vivificado em Cristo, uma vez que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados” (1Cor 15,20-22).

Além disso, o apóstolo indica que a morte não é o fim. Ela também será derrotada pela vida em Cristo. “Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,25-26). Ao instalar o Reino definitivo, cessarão todas as dores, inclusive aquilo que sentimos como a dor da separação, causada pela morte. Também por isso a morte acaba sendo vista como uma inimiga a ser vencida pela vida definitiva no Reino.

Mas a lição definitiva é ensinada pelo próprio Jesus (Lucas 12,35-40), o enviado do Pai para ser o primeiro vencedor da Morte. Ele ensina que ao ser humano cabe viver em seu cotidiano. Esse viver, entretanto, tem que ser atento: a qualquer momento será interrompido pela morte. E, não custa nada repetir, contra ela não existem alternativas. Ela se instala na vida de todos, como ponte para outra vida: com ou sem Deus, depende de cada um!

Daí a necessidade de viver com intensidade,sim, mas em sintonia com o Senhor da vida. Com alegria e sem medo, sim, mas tendo o cuidado de não desprezar os preceitos divinos; com desprendimento de tudo e de todos, sim, mas em perfeita união com o Pai, pois dele vem a definição para a consumação da vida de cada um e dos tempos.

Por isso sua recomendação,dirigida aos discípulos e a cada um de nós: “Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). E por ocasião desse retorno, a morte será derrotada e a vida será plena e, como diz Paulo, Deus será tudo, em todos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:



CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/03/ciclo-da-pascoa-celebrar-vida.html; https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de...