quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

QUARESMA: Conversão, comunhão, fraternidade


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Que desejamos para nossa vida: sintonia com Deus e seu projeto ou apenas aproveitar os momentos que temos nesta breve jornada chamada vida?

A resposta depende do sentido que criamos para a vida que carregamos. A qualquer momento podemos assumir uma ou outra perspectiva mas as duas rotas, ao mesmo tempo, não dá. Elas se excluem. Por quê?

Porque o projeto de Deus exige comprometimento com a reconstrução fraterna das relações humanas e com a natureza. Já a vida de prazeres, o “aproveitar a vida”, de modo geral, tende para o egoísmo excludente. Tende para a liberação desenfreadas dos instintos, tende para a exploração sobre as pessoas, recai sobre os recursos da natureza… e isso vai contra o projeto de Deus!

Assim é transcurso da vida humana. E este é um aspecto dessa vida que o tempo da Quaresma nos propõe para refletir. Ou seja: como administramos nossa vida? O que fazemos com a vida que recebemos como um dom? … e que se extinguirá sem que possamos impedir ou prolongar...

A Igreja em sua sabedoria, que brota do Espírito de Amor, sabe como pensa o ser humano. Sabe que os valores “do mundo” são mais convidativos que os valores do Reino. Sabe que poucos de nós usamos parte do nosso tempo para resolver, em nós, essa questão.

Por esse motivo a Igreja instituiu tempos para que façamos amplas revisões de atitudes e comportamentos; ela nos propõe tempos em que nos oferece o que Deus tem de mais precioso: a possibilidade de escolher; a possibilidade de conversão! Para isso a Igreja nos oferece os tempos do Advento e da Quaresma. E por serem ambos tempos penitenciais, a cor litúrgica que se usa é o roxo.



Então o que é a QUARESMA?

Um tempo para revisão de vida.

Um período de aproximadamente quarenta dias, para refazermos nosso projeto de vida.

Uma época propícia para olharmos tudo que Deus nos oferece e tudo que Jesus fez por nós com a finalidade de nos resgatar: de nós mesmos e de tudo aquilo que nos aprisiona.

E, principalmente, a Quaresma é o tempo de preparação para a celebração da Páscoa: a Páscoa de Jesus e a nossa páscoa. A de Jesus, que depois de uma caminhada entre nós, foi entregue, condenado, morto, sepultado… e Ressuscitou para nos abrir as portas da eternidade. E também nossa páscoa, o que implica em reconhecer nossa pequenez, nossos pecados, nossa falta de fé, nossa negligência com os valores do Reino, nossa maldade, nossos atos contra a vida das pessoas e da natureza… e para que, reconhecendo nossa pequenez, nos convertermos.

Nossa páscoa que implica em nos convertemos para realizamos nossa páscoa em Jesus.



Isso significa que a quaresma sempre existiu, na liturgia cristã?

A Igreja, desde muito cedo entendeu a importância do Tríduo Pascal, ou seja, a celebração da Quinta Feira Santa (Jesus se fazendo pão para se dar na Eucaristia), Sexta Feira Santa (Jesus oferecendo sua vida, sua Paixão, para nos resgatar) e Sábado Santo (a suprema festa da Ressurreição, o ponto para o qual se direciona toda a liturgia, inclusive o Natal).

Entretanto foi somente a partir da metade do século IV que se acrescentaram os quarenta dias da quaresma que começa na Quarta Feira de Cinzas e termina na Quarta Feira Santa. Isso com o objetivo da oferecer aos cristãos um tempo mais longo de revisão de vida e preparação para a conversão.

O tempo da quaresma, ou seja, os quarenta dias, está fundamentado e tem suas raízes na Bíblia: quarenta dias de dilúvio; quarenta anos do povo no deserto; quarenta dias de penitência dos ninivitas; quarenta dias para Elias chegar à montanha de Deus. E também Jesus jejuou por quarenta dias… nos quais foi tentado e venceu as tentações…

A simbologia “quarenta”, portanto, é importante na sucessão dos grandes momentos e personagens bíblicos… e sempre teve algo a ver com o processo de conversão. E essa ideia se instalou e se fortaleceu na vida da Igreja.

Tanto assim que ao longo dos séculos a Igreja insiste neste importante momento de purificação. Trata-se, portanto, de um tempo propício para que cada um de nós e toda a comunidade realize um processo de limpeza: pessoal e social. Um processo para purgar os pecados pessoais e, ao mesmo tempo, os pecados sociais que incluem o compromisso de repensar os rumos do mundo, nossa relação com as outras pessoas e com a natureza… que também é obra de Deus e também aguarda a redenção!



No Brasil, a dimensão social vem sendo reforçada com a instituição da CAMPANHA DA FRATERNIDADE.

Da acordo com o que podemos ler no site da CNBB (<https://www.cnbb.org.br/cnbb-60-anos-campanha-da-fraternidade-galeria/.>; <https://campanhas.cnbb.org.br/>) tudo começou em 1962, numa experiência de solidariedade organizada, na diocese de Natal, no Rio Grande do Norte. No ano seguinte mais dezesseis dioceses nordestinas aderiram ao projeto e a partir de 1964 passou a ser uma atividade da CNBB, e vem crescendo sua importância ao longo dos anos.

Desde sua origem a Campanha da Fraternidade teve uma preocupação com a dimensão contemplativa, convidando as pessoas a rever sua vida à luz da proposta de Cristo, com a finalidade de mover os corações para a conversão; mas também esteve sempre presente uma dimensão social. Ou seja, convocar os cristãos a olhar para a realidade circundante e, mediante o desafio da realidade despertar o senso de solidariedade em relação a problemas reais e concretos que afetam a sociedade.

A dimensão social tem, sim, um lado econômico (arrecadar fundos para ações assistenciais), mas a grande preocupação é mobilizar as consciências para que, à luz do evangelho de Cristo, a sociedade se engaje na busca soluções para esses problemas.

Desde sua origem, portanto, a CF se valeu da metodologia do “Ver-Julgar-Agir”. Trata-se de olhar para a realidade social de pobreza e exclusão, tomando consciência de que os males sociais são causados pela sociedade e, portanto, toda a sociedade é convidada a se converter. Analisar os problemas sociais, à luz da prática de Jesus: O que Jesus de Nazaré faria nessa situação específica? Quais as luzes que a Palavra de Deus tem para essa situação específica? Com base na resposta da Bíblia, por-se em movimento para buscar soluções para o problema.

Objetivando aprofundar o espírito fraterno da campanha, sabendo de seu papel na condução da fé engajada, a CNBB assumiu estes três objetivos permanentes para as Campanhas da Fraternidade:

“1 – Despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum;

2 – Educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho;

3 – Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora e libertadora da Igreja)”.



O que nos resta?

Celebrar a quaresma, fazendo-nos mais limpos, deixando-nos quarar pelos quarenta dias de oração, jejum e solidariedade.

Como fazer isso?

Celebrando em cada um dos domingos da quaresma o que a sagrada liturgia da Igreja nos propõe. Respondendo ao apelo que a Campanha da Fraternidade nos lança: ser fraterno nos moldes que Jesus nos ensina. Convertendo nossa vida para, continuar vivendo o espírito da CF e da quaresma, numa vida de constante conversão. Ou seja, oferecendo a Deus nossas preces pedindo que nos conceda a graça da conversão. Oferecendo à sociedade os resultados obtidos dessa graça: a solidariedade e o sentir com o outro, em busca da libertação plena que o Reino nos oferece, já aqui, na medida em que o construímos para a eternidade, pois ainda não o temos plenamente.







Quarta Feira de Cinzas


(Reflexões a partir de : Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/quarta-feira-de-cinzas.html




Cinzas...

Tudo vira cinza, pó! Nada escapa desse processo de transformação. Inclusive nossas vidas e atitudes e comportamentos e sonhos e esperanças… Tudo vira cinza… e das cinzas podem nascer outros projetos! Como, também, nas cinzas podem estar enterrados os fracassos!

Cinzas… símbolo de vida ou confissão de fracasso? Com que olhos a vemos?

Seja o que for, não há como negar que, em todos os casos, a cinza representa a consumação de um processo de transformação… o que era não é mais e, em seu lugar, no lugar daquilo que era, agora estão as cinzas do que foi… restos doloridos… sementes de esperança!

Essa é a ideia litúrgica envolvida na quarta feira de cinzas.

Podemos visualizar essa perspectiva nas leituras que nos são propostas. Primeiro o profeta Joel (Jl 2, 12-18) falando de um processo de arrependimento e retorno para Deus. Por sua vez Paulo (2Cor 5,20-6,2), escrevendo aos coríntios os alerta, dizendo que chegou o dia da salvação. Jesus também, de acordo com Mateus (Mt 6,1-6.16-18), insiste na importância de uma nova postura, pela qual se valoriza não o exterior, nem as atitudes ostensivas, mas aquilo que é feito na simplicidade, na humildade… no escondido do coração!

Quando lemos os ensinamentos de Joel percebemos que algo diferente paira no ar. Há um certo ar de comportamentos desagradáveis ao Senhor. Tanto que o profeta conclama o povo a suplicar: “Perdoa, Senhor, a teu povo...” (Jl 2,17). E o profeta também informa o que o Senhor deseja: “voltai para mim com todo o vosso coração” (Jl 2,12). O coração simboliza o centro das emoções e afetos. Sendo assim, voltar-se de todo coração significa mudar os comportamentos. E o profeta reforça o apelo do Senhor: “rasgai o coração, e não as vestes” (Jl 2,13). Ou seja, atitudes exteriores, “rasgar” a roupa para demonstrar arrependimento, pode não expressar o verdadeiro arrependimento, que se torna verdadeiro quando se “rasga” o coração.

E nós poderíamos dizer: é necessário queimar as velhas atitudes para que das suas cinzas cresçam comportamentos edificantes, os quais podem conduzir à “justiça de Deus” (2Cor 5,21), de acordo com Paulo.

Essa transformação esperada de cada um e de todos é o caminho para “não receberdes em vão a graça de Deus” (2 Cor 6.1), como diz o apóstolo. Importa, pois valorizar a graça recebida uma vez que “é agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Não existe essa de que “amanhã” eu mundo, no “no próximo ano” eu faço isso… O depois pode ser tarde demais!

Como isso é possível? alguém pode perguntar. Como transformar a vida, mudando as atitudes? Jesus dá a resposta: fazer o que é agradável a Deus e não às aparências. É necessário tomar cuidado para “não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles” escreve Mateus (Mt, 6,1).

Quem deseja as coisas do alto, não pode estar preso às coisas de baixo. E aqui cada um de nós pode se interrogar: o que faço é para agradar a Deus ou para que as pessoas vejam? Faço caridade porque aquela pessoa que ajudei está precisando ou para que os amigos, a comunidade, a sociedade… para que as pessoas vejam que sou caridoso?

Não é a ostentação, mas a humildade. Quem faz para ser visto, já recebeu a recompensa; quem faz na simplicidade humilde, será notado por Deus, afirma Jesus: “quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, (Mt 6,3); “quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt6 6,6); “quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto” (6,17-18). Assim procedendo, receberemos a recompensa de Deus: “o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa” (Mt 6,4.16.18).

Como estamos celebrando a quarta feira de cinzas, a Igreja também nos propõe a restauração do diálogo, como meio de estabelecer a fraternidade e, dessa forma, ampliar entre as pessoas as portas do Reino.

Ocorre que devido à intolerância, de todos os níveis e em todos os níveis, cresce a divisão, a exclusão, a marginalidade. Frutos, todos, da intolerância podem ser vencidos no processo da conversão para a vida comum e pela comunhão de vidas uma vez que havendo comunhão ocorre diálogo, e este, por sua vez facilita para o crescimento do respeito, que faz crescer a fraternidade, que faz germinar a semente da nova vida e nova sociedade.

Das cinzas brota o mundo novo. Por isso a Igreja celebra o sinal de impor cinzas sobre as cabeças, pois a cinza é sinal de transformação. Isso porque nas cinzas, sinal de penitência, conversão e transformação, está a semente do reino. Pois o que agora é cinza, passou pelo fogo purificador. E assim temos todo o período da quaresma para exercitar esse processo de conversão. Para fazer germinar a semente do reino, fertilizada pela conversão, representada pelas cinzas.


 


Quaresma 1: Jesus, a nova aliança




(Reflexões baseadas em: Gn 9,8-15; 1Pd 3,18-22; Mc 1,12-15)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/quaresma-1-jesus-nova-alianca.html




Estamos acostumados a afirmação de que a quaresma corresponde aos quarenta dias de preparação para a Páscoa. E não há erro nenhum, nisso. Mas, em que consiste essa preparação? De que outra forma podemos compreender o significado da quaresma? A Igreja nos propõe, no primeiro domingo da quaresma, algumas pistas para refletirmos… e entendermos outros alcances do significado da quaresma.

No livro do Gênesis (Gn 9,8-15), o Senhor estabelece uma aliança para a preservação da vida a qual foi purificada nas águas do dilúvio. Os que sobreviveram ao dilúvio foram aqueles que não tinham se contaminado com a maldade humana. As águas do dilúvio, para eles, foi um processo de purificação. Saíram da arca renovados, com a missão de edificar um mundo melhor.

Na primeira carta de Pedro (1Pd 3,18-22), o apóstolo afirma que as águas do dilúvio se assemelham às do batismo. E este não se destina à limpeza do corpo, mas é um meio de participar da purificação produzida pela Ressurreição de Cristo. E a Ressurreição é um anuncio daquilo que está destinado a todos os que se comprometem com a causa da edificação de um mundo melhor, no qual floresce a Justiça e a Equidade; a Fraternidade e a Solidariedade...

Por sua vez, Marcos (Mc 1,12-15), mostra Jesus vencendo o tentador e anunciando a proximidade do Reino. Mas, para que o Reino se instale, como expressão de um mundo melhor, é necessário conversão ao Evangelho.

Com isso já temos pistas para entender o significado da quaresma, para o cristão. A água do dilúvio e o batismo expressam a sua finalidade: purificar e limpar. O que é, então a quaresma? Um tempo de purificação! Um tempo em que se faz um exame de vida, tendo como critério para o exame, a proposta de Jesus Cristo, estabelecida na Boa Nova do Reino.

Mas podemos dar um passo a mais.

Quem é da roça, deve se lembrar que nossas mães e avós não tinham máquina para lavar roupa. O rio era o local para a lavagem das roupas. Então que faziam? Expunham ao sol as roupas ensaboadas, para que o calor ajudasse a “soltar a sujeira”, como dizia minha mãe. Essa era a técnica para “quarar” as roupas. Ou seja, o calor do sol provocava o “quaramento”, a limpeza. Aí, então, ao voltar para as águas, as roupas aquecidas quaravam, isto é, limpavam facilmente: água e calor do sol produzia a limpeza, daquelas roupas grosseiras do serviço da roça.

Esse é o sentido da quaresma: ajudar no processo de “quaramento” de nossas vidas. Nossas mães deixavam as roupas tomando sol por algumas horas. Nossa Igreja nos propõe deixarmos nossas vidas “quarando” durante quarenta dias. Quarenta dias, portanto, é um tempo suficiente para fazermos uma revisão de vida e, aquecidos pelo fogo do Espírito e iluminados pelo Luz do Evangelho de Cristo, nos convertermos desfazendo-nos das atitudes que sujam nossa vida.

Após ter purificado a humanidade, com o dilúvio, o Senhor firmou uma aliança com aqueles que haviam se purificado: “Deus disse: ‘Este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras. Ponho meu arco nas nuvens como sinal de aliança entre mim e a terra’” (Gn 9,12-13).

Mas o verdadeiro sinal da aliança divina foi a ressurreição de Cristo, a quem nos associamos mediante as águas do Batismo que “é um pedido a Deus para obter uma boa consciência, em virtude da ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pd 3, 21). E Jesus Cristo é o Sol que aquece nossa vida e sua Ressurreição nos conduz na direção da purificação.

A pergunta que se impõe, agora, é: de quê precisamos nos purificar? Quais as situações que nos contaminaram e que exigem que façamos, no processo quaresmal, uma limpeza em nossas vidas? Quais atitudes precisamos mudar, para efetivarmos nossa adesão à Nova Aliança, que é a própria pessoa de Jesus?

Com certeza a lista não é pequena: nossas omissões diante de um mundo em crise, no qual o ser humano está, cada vez mais, perdendo o valor. Nossas adesões a propostas sociais, políticas e/ou econômicas que não tomam o ser humano como centro, mas o lucro como bandeira. Nossa língua ferindo a integridade dos nossos conhecidos, vizinhos, parentes, colegas de trabalho… enfim, cada vez que nos posicionamos de forma a minimizar o ser humano, estamos nos afastando de Deus, estamos poluindo as relações entre as pessoas, estamos sujando o caminho da vida… disso e muito mais precisamos nos quarar, quaresmar, purificar...

A quaresma é o tempo da purificação. É o período litúrgico em que somos convidados a quararmos nossas vidas. E se todos nós fizermos isso, certamente o mundo vai se tornar um lugar melhor para se viver. Deus está nos propondo essa oportunidade. E Jesus, com sua proposta de nova vida, é a parta para a nova aliança. 



 

 

Quaresma 2 – É bom estar aqui




(Reflexões baseadas em: Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18; Rm 8,31b-34; Mc 9,2-10)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/quaresma-2-e-bom-estar-aqui.html




Se alguém te pedisse uma lista com as coisas mais preciosas que você tem em tua vida. O que encabeçaria a tua lista? O que entraria em primeiro lugar?

Claro que muitos colocariam o dinheiro, a saúde, a família, os pais… os filhos. Certamente dependeria de quem estivesse fazendo o pedido, a circunstância… Mas acredito que na lista de quase todos nós, que temos filhos, eles estariam entre os primeiros itens da lista.

Para Abraão (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18) não foi diferente. Só que Deus não lhe pediu uma lista. O senhor foi mais radical: Pediu que sacrificasse o filho amado. “Oferece-o ali em holocausto sobre um monte que eu te indicar” (Gn 22,2). E não deu mais explicações...

Sabe o que isso significa?

Pegar o filho amado, colocá-lo sobre uma pedra. Dar-lhe uma facada no coração… e depois do filho morto, estendê-lo sobre um monte de lenhas e colocar fogo. Isso é o holocausto: oferecer um sacrifício no qual a vítima é queimada. Isso porque na mentalidade da época, a fumaça daquilo que estava sendo sacrificado chegaria aos deuses…. E, neste caso, Abraão aceitou a proposta de Deus, e estava para sacrificar o filho. Por quê? Porque, para ele, cumprir a vontade de Deus era a coisa mais importante…

Agora, imagine a dor desse pai! Mas também, imagine o tamanho da fé desse homem!

E Abraão estava disposto a fazer. Estava disposto a entregar seu filho a Deus.

Em razão disso Deus lhe fez uma promessa (Notemos que muitos de nós vivemos fazendo promessas a Deus… nós as cumprimos?). O senhor lhe prometeu: a bênção, a descendência e a terra (Gn 22,17). E foi além: o gesto de Abraão, rendeu a benção, não só para seus descendentes, mas também para toda a humanidade: “Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque me obedeceste”. (Gn 22,18).

E aqui tem um detalhe muito importante: em Abraão passaram a ser abençoadas TODAS as nações da terra e não somente um povo ou um grupo de pessoas!

Mas Deus não parou por aí.

Ele é muito mais audacioso. Mais radical. Afinal, ele é Deus!

Mas antes, diga uma coisa: você seria capaz de fazer o que Abraão fez? Seria capaz de cravar uma faca no coração de seu filho, por amor a Deus?

Pois fique sabendo que Deus é, para a mentalidade moderna, meio doido. Por quê? Porque Ele fez isso com seu Filho! Não cravou uma faca no peito do Filho, mas cravou o Filho numa cruz!

Nós teríamos dificuldade em sacrificar nosso filho por amor a Deus, mas Deus sacrificou seu Filho por amor a nós!!!

Isso nós o sabemos e vamos recordar na liturgia da semana Santa. Mas hoje e aqui é Paulo, escrevendo aos romanos (Rm 8,31-34) que nos fornece esta informação: “Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32). Por que Deus faz isso? É, ainda, Paulo quem explica: Ele o fez porque nos ama e entregar o filho para à morte de cruz foi uma forma de mostrar esse amor, sem deixar dúvidas. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31).

Com isso talvez Paulo esteja nos dizendo: as dificuldades podem ser grandes. As adversidades podem ser muitas. Os sofrimentos podem parecer insuportáveis… Mas Deus é nosso amparo… e não nos abandona, como não abandonou Abraão!

Para alimentar essa certeza Jesus se mostra (Mc 9,2-10) em sua totalidade, em seu maior esplendor, em sua essência: Jesus transfigura-se diante dos apóstolos (Mc 9,2). Mostra aquilo que realmente é: plena luz para nos guiar!

A sensação deve ter sido tão intensa que, somente isso explica, os apóstolos não saberem o que fazer ou o que dizer (Mc 8,6). A postura dos apóstolos foi de usufruir ao máximo da experiência (“vamos fazer três tendas”) e de querer agradar a Jesus não só com a tenda, mas externando a sensação de agrado: “é bom estarmos aqui”, diz Pedro (Mc 9,5).

Como os apóstolos não estavam entendendo o que estava se passando, o Pai o explica para não deixar nenhuma dúvida: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7). Algo semelhante ao que disse a mãe, na festa do casamento: “fazei tudo que ele voz disser!”

Neste tempo quaresmal temos algo importante a aprender. Não só olhando para a figura de Abraão, demonstrando plenitude de fé; não só de Paulo indicando onde encontrar e conseguir amparo para enfrentar as adversidade. Mas principalmente olhando para Jesus que se mostra em sua essência. E fazendo isso nos indica o caminho. E este caminho evidencia uma exigência, anunciada pela Campanha da Fraternidade: o diálogo.

O diálogo pode ser a ponte para nos conduzir no percurso a ser feito. O diálogo nos mostra que o diferente é apenas uma amostra da grandeza de opções que Deus permite como exemplos para chegarmos a ele.

E, se temos tantos caminhos e oportunidades, podemos mais facilmente chegar ao Senhor, para podermos dizer como Pedro: é bom estar aqui!!!

 

 

Quaresma 3 – Loucura de Deus




(Reflexões baseadas em: Ex 20,1-17; 1Cor 1,22-25; Jo 2,13-25)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quaresma-3-loucura-de-deus.html




Nós já nos acostumamos a nos chamar de louco ou doido: “você é louco, por fazer isso!”. “Isso é coisa de doido! Só você mesmo!” E assim por diante, estamos acostumados a ouvir e usar essa expressão: às vezes elogiando a loucura de alguém que fez algo extraordinário; às vezes condenando a insensatez de alguém!

Loucura, insensatez… expressões que usamos para dizer que não concordamos com aquilo que o outro está pensando, dizendo, fazendo… “Isso é coisa de doido!”

Mas a respeito de Deus, somente usamos expressões edificantes: Santo, eterno, fonte da plena sabedoria, misericordioso, todo poderoso… E nunca ousaríamos dizer que um ato de Deus seja loucura ou insensatez. Se vem de Deus, aceitamos. Mesmo quando, às vezes, não entendemos. Dizemos apenas que isso é divino! só por Deus!

A questão é que, sempre que avaliamos alguma coisa: concordando ou discordando; dizendo que está certo ou errado… sempre usamos nossos valores. Usamos nossos critérios. Falamos a partir do que achamos que é certo ou errado. Mas o que é o certo e o errado? Será que já nos perguntamos o que é que Deus considera certo ou errado? E quando fazemos isso, será que não estamos querendo dizer a Deus o que Ele deveria fazer?

A liturgia do terceiro domingo da quaresma mostra uma dimensão dessa loucura/sabedoria dos homens e de Deus. No livro do Êxodo (20,1-17), podemos visualizar um desses aspectos de loucura, uma vez que estabelecer normas, sobre como deve ser o comportamento das pessoas, como é o caso deste trecho do Êxodo, não é algo agradável. Mas Deus faz isso. Loucura?

Paulo, na primeira carta aos coríntios, (1Cor 1,22-25), é mais específico em mencionar a loucura, pois cultuar um crucificado não é uma situação normal. Pelo contrário: é loucura, é escândalo!

Agora imagine a cena: Jesus, no templo! Ele, com um chicote nas mãos, derrubando tudo e expulsando os negociantes… Isso é mais do que uma doidura qualquer. Uma pessoa normal, diante de algo que desaprova, no máximo fala que aquilo não está certo. Mas Jesus não. Ele faz um tremendo “barraco”. Esse tem que ser internado, pois surtou, disseram!

Mas em tudo isso está a visão ou os critérios ou os valores ou a compreensão humana. Para tentarmos obter uma compreensão ou uma percepção mais exata, Paulo nos dá a dica: “Pois o que é dito loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” (1Cor 1,25). Ou seja, somos convidados a olhar para os eventos não com os critérios e valores humanos, mas com os olhos de Deus. O que é que Deus está vendo que o motiva a estabelecer as normas expressas no trecho do Êxodo?

Está observando que existe idolatria (Ex 20,3-4); uso indevido do nome de Deus (Ex 20,7); as pessoas não estão dedicando um tempo para Deus (Ex 20,8-11); as pessoas não estão respeitando a família, pois estão adulterando e desonrando os pais (Ex 20,12.14.17); as pessoas estão matando, roubando e mentindo...(Ex 20,13,15,16). Então tem que se estabelecer um limite!

Como sabemos que estão fazendo isso? Porque esses são os preceitos ensinados. E o argumento é simples. As normas surgem para regulamentar as condutas vigentes. Somente afirmamos a necessidade de respeito aos pais, quando percebemos que estão sendo desrespeitados pelos filhos. Deus viu que alguns estavam enriquecendo às custas dos mais pobres… por isso instituiu: não roubar! Numa palavra, Deus viu a bandidagem tomando conta e causando o sofrimento dos mais fracos, por isso estabeleceu as normas, os mandamentos.

Jesus não fez diferente (Jo 2,13-25). Diante do que estava (e ainda está!!!) acontecendo no templo, expula os infratores. E toma essa atitude ao ver a infração ocorrendo….A casa de oração transformada num centro comercial (Jo 2,14)!

Quem de nós já ficou indignado com lideranças das Igrejas (não só no mundo católico) fazendo uma pregação que privilegia mais os tijolos que a instalação do Reino. Com tantos pregadores anunciando curas milagrosas, seria interessante lançarmos um desafio: por que os tantos pregadores de tantas curas milagrosas não deram fim à pandemia do Corona Virus? Sabe por quê? Porque são charlatães da fé. Mas para eles Jesus tem preparado o chicote (Jo 2,15)?

O fato é que, do ponto de vista humano, a proposta do reino é um absurdo, pois exige a prática da justiça e da verdade. Exige solidariedade e não egoísmo; exige fraternidade e não a concentração de rendas e bens e riquezas....

Seguir a proposta de Deus é loucura, pois exige renuncias e opções em favor do outro. Aderir a Jesus Cristo, neste mundo que valoriza as coisas, os bens, a riqueza… não é prova de sensatez. Seguir a Jesus Cristo, neste mundo que não vê e despreza os valores do Reino, é prova de loucura. Seguir a Jesus Cristo implica andar pelos caminhos da partilha, da solidariedade, da cruz. Seguir a Jesus Cristo implica ser derrotado pelo mundo, mas também implica na maior prova de loucura: a certeza da ressurreição!

 

 

Quaresma 4- A Luz veio ao mundo




(Reflexões baseadas em: 2Cr 36,14-16.19-23; Ef 2,4-10; Jo 3,14-21)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quaresma-4-luz-veio-ao-mundo.html



As celebrações do período quaresmal nos mostram a grandeza do amor divino. Mas, ao mesmo tempo, mostra que até a paciência de Deus tem limites.

É claro que o amor de Deus pela humanidade é infinitamente maior do que sua ira, mas isso não significa que, como um pai bondoso, ele não estabeleça algumas condições a serem seguidas pelas pessoas. Não como punição, mas como medida corretiva. Se é verdade que toda ação tem uma reação, todas as nossas atitudes têm consequências.

No segundo livro das crônicas (2Cr 36,14-16.19-23) podemos ver uma demonstração disso: a denúncia dos pecados, uma vez que “todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades” (2Cr 36,14). Devido a isso Deus chama a atenção dos infiéis, cobrando mudança nos comportamentos “o Senhor Deus de seus pais, dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão do seu povo” (2Cr 36,15). Como se vê, é a compaixão que move a ação divina.

Porém, como os infiéis não mudavam as atitudes concretizou-se a lição ensinada pelo Senhor: “O furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio. Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém” (2 Cr 36,18-19). E, após os anos de punição, acontece a restauração, pelas mão de Ciro, um rei estrangeiro (para mostrar que o amor de Deus não tem fronteiras, vai além de um povo). E o rei decreta: “O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho” (2 Cr 36,23). E assim voltaram os exilados, redimidos, prontos para recomeçar uma nova sociedade que deveria ser gerida pela caridade!

Deus é amoroso. É supremo amor. É pleno em misericórdia… e isso quem nos ensina é Paulo, escrevendo aos Efésios (Ef 2,4-10). O apóstolo afirma expressamente: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2,4-5). Deus é, também, justo, pois oferece oportunidade para que o pecador se converta… Deus quer a vida e quer que a defendamos acima de tudo, em favor de todos.

O fato é que por seu amor é justo e misericordioso. Da mesma forma que um pai, estabelece limites para o filho rebelde não se destrua e possa rever seus comportamentos. É necessário que as pessoas tomem consciência de que estão cometendo faltas contra a bondade divina, contra a vida humana e da natureza. Ocorrendo essa consciência de defesa, manutenção e restauração da vida, Deus concede a graça do perdão. O apóstolo é claro ao dizer que “é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus!” (Ef 2,9).

O dom da graça, entretanto, é consequência do bem que realizamos. “Obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Ef 2,10). A graça é dom de Deus, mas exige o comprometimento humano! Sem o nosso comprometimento individual, pessoal e definitivo, não tem como a graça agir em nós.

Isso é o que ensina Jesus, na conversa com Nicodemos (Jo 3,14-21). Deus age esperando nossa resposta. Uma resposta que consiste num ato de fé; um ato de fé que conduz à vida eterna: “todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,15). A vida terrena, portanto, é o passaporte para a vida eterna. As atitudes neste mundo passageiro abrem as portas para o Reino definitivo

E Jesus insiste na afirmação central dirigida a todos que desejam segui-lo. “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17). Feita essa afirmação, Jesus se apresenta como divisor de águas.

É a partir da fé em Jesus, da adesão ao seu projeto que se dá a divisão: “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18).

O critério de Deus, ou seja a sua justiça, coloca nas mão de cada um de nós a responsabilidade pelos atos praticados. São esses atos que iluminam o caminho humano ou o escurecem. As pessoas aderem à luz divina ou afastam-se dela, num ato de fé ou de incredulidade. E Jesus explica isso da forma muito transparente: “O julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3, 18-21).

E isso nos leva de volta ao ponto inicial: o amor misericordioso de Deus é infinito, mas ele também é infinitamente justo. Concede o perdão e a vida àqueles que o procuram, mas quem não crê e pratica o mal, já está condenado! Não está condenado por Deus, que é amor e perdão, mas pelos seus próprios atos que o afastam de Deus.

 

 

 

Quaresma 5 - É agora o julgamento deste mundo




(Reflexões baseadas em: Jr 31,31-34; Hb 5,7-9; Jo 12,20-33)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quaresma-5-e-agora-o-julgamento-deste.html




Estamos nos encaminhando para o final da Quaresma. E, se tivermos levado a sério a proposta que a Igreja nos apresenta, durante o tempo quaresmal deveríamos estar fazendo uma revisão de vida com a finalidade de, na Páscoa, ressurgirmos para uma vida nova. Com o objetivo de inaugurarmos um mundo novo. Com o desejo de nos reconduzirmos na direção de um mundo que Deus nos está encarregando de recriar e reconstruir.

Isso nos ajuda a entender a afirmação de Jesus (Jo 12,20-33): “É agora o julgamento deste mundo” (Jo 12,31). Após ter sido julgado o mundo está apto a ser recriado. Isso, também, ajuda a entender o anúncio da promessa do Senhor, nas palavras de Jeremias (Jr 31,31-34): “Virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança” (Jr 31,31). Só é possível uma nova aliança porque a antiga foi superada, seus destinatários não a concluíra; só é possível uma nova aliança porque o mundo foi julgado e preparado para a recriação. E essa recriação pode ser concluída tendo por base a plena obediência de Jesus (Hb 5,7-9), ao Plano do Pai, como nos ensina a carta aos Hebreus. Ou seja, por ser Filho “aprendeu o que significa a obediência a Deus” (Hb 5,8).

O profeta, evidentemente, cumpre seu papel: transmite a mensagem do Senhor. Ele sabe que as pessoas caem nas tentações. Sabe que as pessoas deixam-se levar pelos momentos, sem se preocupar com o depois ou com o além. Mas também sabe que quando as pessoas deixam-se conduzir pelo Senhor, a nova aliança se concretiza e, então, passamos a ser seu povo e Ele nosso Deus. No momento em que efetivamente nos deixarmos conduzir pelo Senhor, Ele nos dirá: “imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo” (Jr 31,33). Um novo povo num mundo refeito.

E o Senhor dirá isso a nós porque o povo de Israel não entendeu a proposta. Deus os escolheu para ser o ponto de partida e difusão das propostas de seu Reino, mas eles pensaram que eram os únicos destinatários da promessa. E falharam duplamente: porque não foram fiéis à aliança e nem difundiram as sementes do Reino. A aliança definitiva e a promessa cumpriu-se em Jesus Cristo. Isso o entendemos quando, ao ser procurado pelos gregos (Jo 12,20) Jesus afirma: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (Jo 12,23-24). Os frutos de Jesus são as pessoas que se engajam na reconstrução do mundo, preparando a instalação do Reino.

Não é demais reafirmar: a Aliança, anunciada pelo profeta, concretiza-se em Jesus. Por isso ele afirma: pois “chegou a hora”.

Chegou a hora de se concretizar a Aliança definitiva, pois Jesus, mesmo em seu sofrimento, cumpre a vontade do Pai. E, assim, como diz a carta aos Hebreus, “na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem.” (Hb 5,9). A proposta, portanto, é universal.

Chegou a hora da angústia de Jesus, por ter que entregar a vida. Mesmo o Filho de Deus sente a angústia da morte. Entretanto não se recusa a cumprir sua missão “Agora sinto-me angustiado. E que direi? Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.” (Jo12,27). Por isso ele afirma e pede: Pai cumpra-se a tua vontade.

Chegou a hora do julgamento do mundo. Ou seja, nossa vida é o momento definitivo. É o instante da opção: podemos aderir ao projeto de Jesus, à proposta do Reino, e então seremos atraídos até o Senhor (Jo 12,32); ou podemos nos recusar a isso e o anticristo tomará conta de nossa vida, como ocorre constantemente, em cada ação desumana que é praticada pelas pessoas.

Mas também chegou a hora da decisão, pois “Agora o chefe deste mundo vai ser expulso” (Jo 12,31). Essa expulsão não será feita por Jesus, pessoalmente, mas por cada uma das pessoas que aderirem ao projeto de amor e solidariedade; de altruísmo e de vida, desfazendo-se dos projetos que colocam o sistema econômico acima da vida; que colocam os interesses políticos acima das pessoas. Por isso, esta é, também, a hora que que o “chefe deste mundo” vai lutar para atrair e manter um maior número de seguidores, ampliando a divisão e negando o diálogo. Nos dias atuais o anticristo, por meio de fake news, de mentira... produz e amplia atos de divisão entre as pessoas usando um “gabinete” de apoiadores.

Mas, chegou a hora! E Jesus é categórico: é a hora do julgamento deste mundo. Consequentemente, é a hora em que chefe desta mundo será expulso. Do ponto de vista litúrgico isso se dá com a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Mas do ponto de vista humano e cristão é com nossa vida que fazemos a opção: ou aderimos ao chefe deste mundo e o ajudamos a piorar todas as coisas; ou aderimos a Jesus e nos empenhamos no processo da recriação, contra esse que nega a vida.

Assumindo uma ou outra postura, “é agora o julgamento deste mundo!” A quem vamos aderir?




Ramos - Esvaziou-se a si mesmo




(Reflexões baseadas em: Mc 14,1-15,47; Is 50,4-7; Fl 2,6-11)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/ramos-esvaziou-se-si-mesmo.html







Aqueles de nós que levamos a sério o período quaresmal, possivelmente tenhamos acompanhando os passos de Jesus. E se o tivermos acompanhado, certamente teremos, em algum momento, ouvido dele a interpelação: quando você começará seu processo de conversão?

E agora estamos celebrando o domingo de Ramos, com algumas lições para aprender!

Em primeiro lugar, vamos acompanhar o cortejo no qual Jesus é o centro (Mc 14,1-15,47). Começa com uma procissão triunfante. Narra a entrada de Jesus, sendo aclamado em Jerusalém. A segunda parte dessa cena mostra Jesus em Jerusalém, agora cumprindo plenamente sua missão: prisão e morte. E o interessante dessa narrativa da entrada em Jerusalém, prisão e morte, é que ela termina num momento de suspense. A cena do sepultamento. E lá estavam: “Maria Madalena e Maria, mãe de Joset, observavam onde ele era colocado” (Mc 15,47).

Essa interrupção é proposital. É um link para o que acontecerá na celebração da Páscoa, quando veremos que, mesmo tendo sido morto e sepultado, Jesus é maior que a morte, pois as mulheres que o vão procurar encontram o túmulo vazio. E recebem o comunicado: “Ele ressuscitou!” (Mc 16,6). Mas isso será lá na celebração da Páscoa!

Aqui vamos para a segunda lição: a grande notícia do domingo de Ramos vai além.

A primeira notícia é o fato de evidenciar duas posturas da multidão, diante de Jesus. Num primeiro momento o aclamam com ramos e gritos de “Hosana”. Expressão hebraica que se popularizou como uma aclamação de louvor, mas que significa “Salva-nos”. A multidão pede: salvação contra o império dominador e a restauração do reino de Israel. “Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi!” (Mc 11,10). A segunda postura da multidão aparece quando acompanha Jesus, no seu julgamento e a caminho do calvário. Agora não é mais aclamado como rei. Embora Pilatos o chame de “Rei dos Judeus” (Mc 15,12). Agora a multidão, não lhe pede salvação, mas que Pilatos o condene: “Crucifica-o!” (Mc 15,13-14).

Essas duas posturas nos levam a uma pergunta: De qual grupo nós fazemos parte?

Evidentemente todos respondemos que somos do grupo que aclama e rende louvores a Jesus. Entretanto, nestes tempos conturbados, onde o diálogo é assassinado e o poder se sobrepõe ao amor, uma indagação se impõe: Será que cantaríamos com honestidade aquela canção: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome / E grita pela boca dos famintos / E a gente quando vê passa adiante / Às vezes pra chegar depressa a igreja”?

Além disso, a Campanha da Fraternidade nos interpela: Como anda nossa capacidade de conviver com o diferente?

O domingo de Ramos, por fim nos coloca diante do profeta Isaías (Is 50,4-7) e do apóstolo Paulo (Fl 2,6-11).

O profeta mostra um personagem que nasceu para falar coisas boas “O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto” (Is 50,4). Mesmo sendo uma “pessoa do bem” esse personagem é agredido, esbofeteado e cuspido (Is 50,6). E, apesar de todo sofrimento, o personagem continua sua missão. Ele sabe que não está só, uma vez que “o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo”

Diante desse trecho da profecia de Isaías, de imediato identificamos esse personagem com Jesus. Mas não seria também um convite para revermos nossas posturas? Como reagimos quando somos mal interpretados ou agredidos por fazermos algo bom? Nunca nos agrediram? Isso significa que convivemos com anjos ou que nunca fizemos algo de bom?

Vamos agora atentar para o que Paulo nos apresenta, de Jesus. Inegavelmente era Deus e convivia com o Pai (Fl 2,6). Mas essa condição divina não o afastou da nossa humanidade. Pelo contrário. O fato de ser Deus foi a causa de se fazer humano: esvaziou-se da condição divina (Fl 2,7); humilhou-se, entregando-se à morte, como um cordeiro, entregue ao sacrifício (Fl 2,7).

Notemos que sua entrega, ou seja, seu “esvaziamento” e sua humilhação, não foram causa de vergonha. Pelo contrário, foram a condição para a exaltação.

Dessa forma é que se apresenta a nós a grande mensagem do domingo de Ramos: Deus se esvaziou de sua divindade para vir ao nosso encontro. E nós, de que vamos abrir mão para mais nos aproximarmos de Deus? Ou ainda precisamos encontrar a Jesus Cristo? Se for esse o caso, lembremo-nos onde podemos encontrá-lo: “Seu nome é Jesus Cristo e está banido / Das rodas sociais e das igrejas / Porque d'Ele fizeram um Rei potente /Enquanto Ele vive como um pobre”.

E tem aquela outra: “as pessoas entram nas igrejas querendo encontrar Jesus no sacrário; mas ele teima em se esconder debaixo do viaduto, nas beiras das calçadas…”

Talvez por isso muitas pessoas estejam sentindo dificuldade para encontrar Jesus. Isso talvez ocorra porque muitas vezes nos esquecemos de que ele se “esvaziou de sua condição divina” para conviver conosco. Plenamente Deus, viveu entre nós como um ser plenamente humano, uma pessoa normal. E fez isso para mostrar como é possível ao ser humano chegar a Deus...

 

 

Quinta Feira Santa - Dei-vos o exemplo

(O Lava-pés)




(Reflexões baseadas em: Ex 12,1-8.11-14; 1Cor 11,23-26; Jo 13, 1-15)

https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/03/quinta-feira-santa-dei-vos-o-exemplo.html



Estamos em plena Semana Santa. Nesta semana, ao mesmo tempo que podemos e devemos refletir as leituras que a Igreja nos propõe, também podemos e devemos refletir o significado destas celebrações que estão no coração da fé cristã. De modo especial, a celebração da Quinta Feira Santa, o dia no qual a Igreja celebra a instituição dos sacramentos da Eucaristia e da Ordem.

A leitura, extraída do livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), é uma narrativa da Páscoa judaica. Nela podemos destacar: a) a partilha do cordeiro (Ex 12,4) que não deve ser consumido isoladamente, mas em comunidade. É uma celebração em família, com o direito de convidar a família do vizinho. Esse cordeiro nos remete a Jesus o Cordeiro de Deus. b) a unção das portas com o sangue do cordeiro (Ex 12,7), indica, ao mesmo tempo, o caminho por onde passará o anjo exterminador e a entrega de Jesus, que verterá sangue na cruz. c) a refeição feita às pressas (Ex 12,11), indicando que não se trata de uma festa, mas de uma celebração em vista de uma missão. Mais uma ligação com a entrega do Senhor, na eucaristia. A comunhão não se destina ao deleite espiritual, mas ao fortalecimento para a caminhada. d) uma festa memorável (12,14), ou seja, algo a se repetir perpetuamente, da mesma forma que celebramos a Eucaristia, indicando a presença do Senhor, na história do povo sofredor, alimentando-o na busca da libertação.

Isso nos permite dizer que a Páscoa Judaica, efetivamente é um anúncio da Páscoa que se concretiza em Jesus Cristo de forma definitiva e universal. Lá era um cordeiro a ser partilhado; aqui o Cristo Cordeiro de Deus se oferece como alimento para a vida pessoal, alimentado a cada um, mas principalmente vida eclesial, alimentando a participação na vida da comunidade.

E também nos remete às orientação de Paulo à comunidade de Corinto (1Cor 11,23-26). Um texto muito próprio para este momento litúrgico. O apóstolo narra os passos do Senhor entregando-se na eucaristia. O apóstolo, repete as mesmas palavras de Jesus: “Isto é meu corpo que é dado por vós” (1Cor 11,24). O pão, portanto, passa a ser o próprio corpo do Senhor. E está sendo “dado” na forma de uma oferenda. Mas o detalhe é que não é um sacerdote que oferece o sacrifício, mas Jesus, o próprio Cordeiro, que celebra o ritual oferecendo e entregando-se. A mesma afirmação vale para o vinho: que passa a ser o sangue de Jesus; que passa ser a nova aliança. “Este cálice é a nova aliança, em meu sangue” (1 Cor 11,25). Comer e beber o pão/corpo e o vinho/sangue tem tripla finalidade: proclamar a morte de Jesus; esperar o retorno de Jesus e dar sentido à nossa esperança na medida em que nos alimentamos cotidianamente com seu corpo e sangue.

E, como sempre, Jesus radicaliza. No trecho de João (Jo 13, 1-15), que estamos lendo hoje, é evidente essa radicalização: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mas, neste caso, em que consiste a radicalidade de Jesus? Em oferecer-se para nos dar as chaves de seu Reino, pagando o preço dessa entrega. Sendo o exemplo para os seguidores!

Na ceia, prenúncio da Eucaristia, o Senhor se depara com duas situações: de um lado, ceder a tentação de fugir ao seu propósito, uma vez que já sabia que seria traído por Judas (Jo 13,2). Como tudo estava em suas mãos (Jo 13,3), poderia ter fugido ao martírio. Afinal, quem estava agindo nesse sentido era o gerador de divisões (diabo) (Jo, 13,2) que estava no coração de Judas. E hoje devemos nos precaver ainda mais em relação a cada pessoa ou grupo que gera divisão… e são muitos!

Por outro lado, a opção era assumir a conclusão do Plano. Daí sua decisão: despir-se do manto, tomar a toalha e lavar os pés dos discípulos (Jo 13,4-5). Gesto que caracteriza o sacramento da ordem. Talvez por isso, um gesto, em si mesmo, incompreensível para algumas pessoas, mas pleno de significados: a) o mestre não é superior aos discípulos, apenas tem função diferente; b) o mestre não tira proveito pessoal dos discípulos, mas lhes ensina como se colocar à disposição para servir; c) o mestre ensina a partir de gestos que só serão compreensíveis quando o discípulo se entregar completamente ao plano de doação, de acordo com o modelo do mestre (Jo 13,7); d) o mestre que serve não perde a dignidade, mas usa seus gestos para ensinar e orientar os discípulos, como fez o Senhor após lavar os pés dos discípulos: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,13-15).

“Dei-vos o exemplo”, afirma o Senhor. Nisso está um dos pontos centrais da missão de Jesus. E a Quinta Feira Santa se caracteriza por nos colocar esse desafio. Não basta dizermos que somos cristãos. Importa assumir a postura de quem pretende dar prosseguimento à missão de fazer o que fez o mestre: oferecer a vida para servir e produzir transformações no mundo.

Aliás essa é uma característica essencial do cristianismo: não é uma religião que tem por objetivo apenas produzir deleite espiritual, para satisfação individual. É sim a religião em função da ação dentro da sociedade. O cristianismo cobra do crente uma profunda inserção na sociedade com a finalidade de transformá-la, extirpando todos os valores contrários à vida. Quem ensina isso? O próprio Senhor: “Dei-vos o exemplo!”

 

 

Sexta feira santa - Será bem sucedido




(Reflexões baseadas em: Is 52,13 – 53,12; Hb 4,14-16; 5,7-9; Jo 18,1 – 19,42)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/04/sexta-feira-santa.html




A Sexta Feira Santa é um daqueles dias sobre o qual há pouco que falar. O significado desta celebração fala por si mesmo. É um dia propício ao silêncio interior, a fim de nos colocarmos diante do espelho da nossa vida. É um bom momento para reconfigurar nossa vida e nossas ações.

A Sexta Feira Santa é o dia em que se celebra a completa entrega de vida, a completa doação, a maior prova de amor e que traz, como consequência, o maior milagre: o ressurgimento da vida enterrando os domínios da morte; é a vida se dando para a plenitude da existência. E isso tudo para dar sentido à existência humana.

A Sexta Feira Santa nos leva a ler Isaías (Is 52,13 – 53,12) e a descrição do Servo Sofredor, como uma prefiguração das dores de Jesus. As dores do Servo acontecem para resgate de muitos, uma vez que seu sofrimento possibilita a salvação de todos. Ele foi ferido, esmagado, punido...para curar o mundo, diz o profeta (Is 53,5): “Mas ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura.” As dores do servo são o preço do nosso resgate!

A Sexta Feira Santa é, sem a menor dúvida, a celebração da morte. Mas uma morte que produz vida. É a celebração da semente prenhe de vida depositada no útero da terra (Jo 19,42), ventre fértil formado por Deus, renascendo em vida plena. A semente, por si mesma é só semente, mas semeada, enterrada… é promessa de vida. Assim é a Sexta Feira Santa: celebração que fundamenta a fé num porvir de felicidades.

A Sexta Feira Santa é o dia do resgate, conforme as palavras de Isaías (53,12): “Por isso, compartilharei com ele multidões e ele repartirá suas riquezas com os valentes seguidores, pois entregou o corpo à morte, sendo contado como um malfeitor; ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores.” Essa descrição do Servo, se concretiza em Jesus Cristo, na celebração desta Sexta Feira, igual a todas as outras, mas essencialmente diferente, pois aqui, numa cena de morte, se celebra a vida!

A Sexta Feira Santa, de acordo com a carta aos Hebreus (4,14-16; 5,7-9) é um momento decisivo: para Jesus é “ consumação de sua vida”; e para nós é “causa de salvação eterna” (Hb 5,9). É uma celebração sem pompas, sem brilho de adereços. Mas isso porque na simplicidade e singeleza da celebração está o dom da grandeza do gesto salvador.

A Sexta Feira Santa é a memória que fazemos da agonia de Jesus que “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte” (Hb 5,7). E, apesar dessa agonia não deixou de se entregar ao seu propósito, com o objetivo de nos ensinar o caminho: a glória não é dom gratuito, mas uma conquista das lágrimas: chorou a mãe, choraram os amigos, choramos nós… mas essas lágrimas regam a semente da vida ressurgida da morte!

A Sexta Feira Santa é a outra face do Natal. Como qualquer ser humano, Jesus nasceu para morrer, mas como Cristo de Deus, morreu para dar via. Para nos mostrar o caminho da vida. Por participar de nossa humanidade é o único “capaz de se compadecer de nossas fraquezas” (Hb 4,15)

A Sexta Feira Santa, acima de tudo, é o dia em que celebramos a fidelidade de Deus, na forma humana, ao acompanharmos a narrativa de seus últimos passos (Jo 18,1 – 19,42). Uma fidelidade acima de todos os nossos medos e mesquinhez, pois mesmo diante da negação de Pedro (Jo 18, 17.25.27), foi capaz de interceder pela liberdade dos seus: “Se é a mim que procurais, então deixai que estes se retirem” (Jo 18,8).

A Sexta Feira Santa, por ser o dia da entrega definitiva, despojando-se da vida, Jesus nos dá até mesmo sua mãe, que passa a ser nossa mãe. “Depois disse ao discípulo: 'Esta é a tua mãe'. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.” (Jo 19,27). E, dessa forma, passamos a fazer parte da família de Deus, pois fomos adotados pela mãe de Deus no altar da cruz!

A Sexta Feira Santa, é uma celebração de poucos cantos, de compenetração, de reflexão, de revisão de conduta, de exame de consciência, de entrega… mas é, também, celebração de agradecimento: Jesus de Nazaré, é o Servo Sofredor que se oferece como o Cristo de Deus; celebração de penitência: nas dores de Jesus podemos lavar nossa maldade para alvejar nossa vida convertida a Deus e aos irmãos; celebração do silêncio: depois de passar a noite em oração, Jesus é aprisionado nas cadeias de nossa omissão ao seu Projeto; celebração da tomada de consciência: nossos erros pessoais e sociais continuam sendo grilhões e cravos no corpo de Jesus Cristo pobre e marginalizado em nossa sociedade...

Por fim e por tudo isso, a Sexta Feira Santa nos coloca diante de necessidade de uma tomada de decisão: agirmos como Pedro, negando ao Senhor; ou agirmos como o discípulo amado, acolhendo a mãe, e com ela seu Filho que se dá por nós. É a decisão que nos cobra a celebração da Sexta Feira Santa.

 

 

Vigília Pascal - Ide depressa




(Reflexões baseadas em: Gn 1,1-2,2; Êx 14,15-15,1; Rm 6,3-11; Mc 16,1-7)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/04/vigilia-pascal-ide-depressa.html



A celebração da Páscoa pode ser feita a partir de diferentes olhares e significados.

Primeiro porque nesta noite de luz, a Igreja nos convida à mais longa lista de leituras. Ao todo são nove leituras: desde o Gênesis até o trecho do Evangelho. É a celebração mais solene e vibrante. Apesar de, do ponto de vista popular, a celebração do Natal envolver mais popularidade, a celebração da Vigília Pascal é aquela que dá sentido ao ano litúrgico; dá sentido à quaresma; dá sentido ao advento e ao Natal. Tudo porque é nesta noite que celebramos a Ressurreição.

Para os hebreus, a Páscoa foi a saída da escravidão para a liberdade. Foi, ao mesmo tempo, um projeto social, político e religioso. Talvez por esse motivo textos do livro do Êxodo, narrando os preparativos para comer o cordeiro e a saída para o deserto; narrando a travessia do Mar Vermelho, continuem motivando as comunidades cristãs a clamarem por libertação. A liturgia da vigília nos apresenta: Êxodo 14,15-15,1

Para Jesus, a Páscoa foi o coroamento de suas pregações e a superação do martírio, das dores e da morte ressignificando a Páscoa hebraica evidenciando não só o amor divino para com seu Filho mas também para mostrar aos cristãos o verdadeiro sentido da vida (Mc 16,1-7). A vida que se encaminha para a morte, tem na Páscoa de Jesus, um significado pleno de ressurreição. Jesus foi o primeiro, para nos indicar o caminho, dizendo-nos com sua vida, paixão e morte, que seu seguidor não terá apenas alegrias, mas que as dores serão superadas pois a cruz é a chave para a ressurreição.

Para a Igreja, a Páscoa é um momento litúrgico que tem na celebração da Paixão do Senhor o ponto de partida para a celebração da vida que teima em ressurgir. Por isso, a Igreja, no Brasil, utiliza a campanha da Fraternidade para dizer aos fiéis que não basta ajoelhar, rezar e voltar para casa como se nada estivesse acontecendo na sociedade. A Igreja nos afirma e cobra de nós que nos convertamos durante a quaresma, nos purifiquemos na Semana Santa e reassumamos novos projetos de sociedade, com justiça, paz e novas relações amorosas entre as pessoas. A Igreja ressurge na Páscoa com o objetivo de ser auxilio para os fiéis interferirem na sociedade a fim de que “todos tenham vida”. Por isso é que ouvimos, de Paulo (Rm 6,4-11), está admoestação: “Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova. 5 Pois, se fomos de certo modo identificados a Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, seremos semelhantes a ele também pela ressurreição” (Rm 6,4-5)

Para os cristãos a Páscoa é a celebração da vida nova em Cristo Ressuscitado e, ao mesmo tempo, a esperança de superação das dores do dia a dia, enquanto se caminha para a morada definitiva. A celebração da Páscoa cristã, não se limita a ouvir e meditar as leituras proferidas durante a celebração. Não se esgota na confraternização familiar… Como membro da Igreja, corpo de Cristo, o cristão é aquele que faz acontecer, em seu dia a dia, em seu ambiente de trabalho, em suas relações familiares e sociais o projeto de vida nova ressuscitada dos túmulos das injustiças produzidas por todos os que continuam matando o Cristo-presente-em-nós. A Páscoa, para o cristãos, é a atualização da ressurreição de Cristo e da missão da Igreja na sociedade, pois o cristão é a face da Igreja na sociedade.

Por tudo isso, quando celebramos a Páscoa estamos mostrando ao mundo que, muito mais do que dizer que cremos na vida superando a morte, nós queremos valorizar a vida a ser edificada ao longo dos dias que antecedem a morte. Estamos querendo dizer que os sistemas de morte que se instalaram na vida das pessoas e na sociedade em que vivemos podem e devem ser superados, com planos de equidade e participação. Sem que isso ocorra, mesmo que façamos belas celebrações continuaremos crucificando Jesus. Por isso é necessária a transformação dos comportamentos, pois Cristo ressuscitou para nos oferecer vida nova!

E, talvez, pelo fato de os cristãos ainda não acreditarem no potencial transformador da mensagem cristã. Talvez, por não vivenciarem a mensagem que dizem acreditar. Talvez, por se aliarem mais aos difusores da morte, a partidos e sistemas que não valorizam a vida… talvez por tudo isso é que acaba prevalecendo a páscoa do mercado. Mas é necessário insistir: aquela do mercado, NÃO É PÁSCOA! É só comércio!

Por esse motivo é que, para o mercado, a páscoa é somente um dia a mais a ser explorado, ao mesmo tempo que se exploram as pessoas.

Então a Páscoa, em seu sentido mais cristão, eclesial, bíblico e em sintonia com Jesus Ressuscitado, ainda está para acontecer em sua plenitude.

A ressurreição de Cristo já aconteceu, mas ainda falta produzirmos sua ressurreição na sociedade. Essa é a nossa missão no mudo: anunciar a vida nova que está por vir. Hoje é a nós que Jesus ressuscitado está enviando, mediante as palavras do anjo às mulheres: “Ide depressa contar aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente” (Mt 28,7).

Por esse motivo, para dar testemunho da vida ressurgindo da morte, é que as mulheres ouvem estas palavras: "Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito." (Mc 16,6-7).




Páscoa - Viu e acreditou




(Reflexões baseadas em: At 10,34a. 37-43; Cl 3,1-4; Jo 20,1-9)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/04/pascoa-viu-e-acreditou.html



Será que nós já nos demos conta do que aconteceu nestes dias? Será que, realmente, compreendemos o que ocorreu não só nas celebrações da Semana Santa, mas com aqueles que viveram os eventos que deram origem às nossas celebrações?

A indagação tem sentido, porque uma coisa é celebrarmos a Paixão de Cristo, sua ressurreição, sua Páscoa. Outra coisa é entendermos e assumirmos em nossa vida aqueles acontecimentos, para que eles alimentem nossa fé.

Ocorre que nem sempre celebramos com base na fé. Aliás, creio que podemos dizer que na maioria dos casos, as pessoas “vão na onda”… fazem por que esse é o costume…

Você sabe que isto é verdade: As celebrações da Semana Santa passam pela vida de muitos, mas nem todos celebram a Semana Santa. Você sabe, assim como eu, que as celebrações podem ocorrer porque aprendemos com nossos pais; porque é tradição; porque “todo mundo faz”... Elas podem representar uma conveniência e convenção social… afinal de contas não fica bem um comportamento diferente do que todo mundo faz… Já pensou uma Páscoa sem comprar e dar presentes? Sem aquelas mensagens de felicitações que compartilhamos, às vezes sem entender direito? Já pensou numa Páscoa sem os coelhinhos e os chocolates?… Já se deu conta de que isso, por vezes ou na maioria das vezes, tem mais a ver com os apelos comerciais do que com celebração da vida que brota da terra na forma de Jesus, o Cristo de Deus mostrando o caminho da ressurreição pascal?

Entretanto, apesar de tudo isso, a celebração da Semana Santa e da Pascoa tem sentido de ser porque nos apresenta um convite para a eternidade.

Sabemos desse convite e o recebemos, porque alimentamos uma fé que nasce das escrituras. No livro dos Atos dos Apóstolos, temos uma prova disso (At 10,34a. 37-43). Pedro comenta o fato e sua origem: “aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia” (At 10,37). E o que foi que lá aconteceu? A manifestação da graça divina, na pessoa de Jesus de Nazaré. Ele que foi “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38). E, por ter feito o bem, foi assassinado, pregado na cruz (At 10,39).

Entretanto, essa foi só a face humana e histórica daquilo que fundamenta nossa fé. Isso representa um fato que, por si mesmo, dispensa a fé, pois pode ser comprovado. A sequência dos fatos, isso sim é elemento de fé. Isso realmente representa algo grandioso. Isso merece ser celebrado, pois indica a grandiosidade da proposta que Deus mantém. O que vem depois da cruz é o verdadeiro sentido da fé, pois depois da morte na cruz, Jesus não permaneceu na morte. Depois da cruz “Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se” (At 10,40). A ressurreição e suas manifestações, isso sim é objeto de fé. Em quem? No Senhor que realizou essas coisas, nos indicando o que nos espera; e fé no testemunho daqueles que vivenciaram os fatos.

Nossa fé tem por base a certeza do que nos afirmaram aqueles que receberam a missão de divulgar o que Deus fez. E a missão foi confiada pelo próprio Jesus, o Cristo ressuscitado, como nos informa Pedro: “E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu juiz dos vivos e dos mortos.” (At 10,42).

A ressurreição de Jesus tem muito mais a nos dizer. E a nos mostrar: o caminho para a eternidade. O caminho foi aberto pela ressurreição de Cristo, mas trilhá-lo depende de nós, dos nossos comportamentos e atitudes. E Paulo, na carta aos colossenses (Cl 3,1-4), insiste nesse ponto. A vida eterna nos é oferecida e está à nossa disposição. Entretanto, precisamos desejá-la e lutar por ela. “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto”, diz Paulo. E insiste: “aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres.” (Cl 3,1-2). É como se o apóstolo dissesse: “de que adianta existir água fresquinha na geladeira, se eu não me dirijo a ela para matar minha sede?”

Para isso acontecer temos que nos espelhar na Páscoa de Jesus. Sua Páscoa não foi somente a passagem, da morte para a vida, mas foi, também sua passagem pela história dos homens. Ele passou pela vida, como qualquer um de nós e, por isso e pelo que realizou nessa passagem – sua Páscoa entre nós – pode viver a Páscoa definitiva, passando da morte para a vida. Quando chegar nossa vez, caso tenhamos trilhados os passos do mestre, passaremos a viver com Ele “revestidos de glória” (Cl 3,4) para sempre.

Nisso reside o sentido da celebração e o motivo de celebrarmos a Páscoa com Jesus: em nossa vida refazermos os passos do Senhor, com a fé de que também trilharemos seus passos na direção da morada definitiva.

É claro que podemos continuar dando e recebendo presentes; comprando e dando chocolate; distribuindo coelhinhos e mensagens otimistas e belas… mas temos que entender: tudo isso tem a ver com o comércio, com convenções sociais… mas só isso não é celebração de Páscoa. É só comércio. A Páscoa tem a ver com reconstrução da vida nos moldes do que fez e ensinou Jesus!

A Páscoa, de Jesus e a nossa com o Cristo ressuscitado, exige o compromisso da fé, conforme a proposta que podemos ler em João 20,1-9. Não basta apenas sermos anunciadores com a angústia da incerteza da Madalena (Jo 20, 1-2): “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o puseram”. É necessária, também a postura do discípulo amado que, ao ver a cena, compreende e acredita: “Ele viu, e acreditou. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 8-9) abrindo caminhos para a vida…




Neri de Paula Carneiro

Filósofo, teólogo, historiador, mestre em educação

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

TEMPO COMUM? O Tempo de Deus nos tempos de Jesus de Nazaré


Quando falamos em Tempo do Natal ou Tempo da Páscoa, não nos parecem coisas estranhas. Mas Tempo Comum? O que é isso?

Nada mais do que um dos períodos do Tempo Litúrgico que corresponde à forma como a sabedoria da Igreja organiza a celebração da Eucaristia ao longo de um ano.

Mas, atenção! O Tempo Litúrgico ou o Ano Litúrgico não segue o mesmo encadeamento de dias e semanas e meses como estamos acostumados em nosso dia a dia nas relações sociais e comerciais, ao longo do ano civil.

A Liturgia da Igreja Católica organiza o ano ao redor de dois grandes eventos salvíficos formando dois ciclos celebrativos: o Ciclo de Natal (dentro do qual está o tempo do Natal) e o Ciclo Pascal (dentro do qual se insere o tempo da Páscoa). Esses dois ciclos estão interligados por dois períodos de Tempo Comum, formando os três grandes períodos do Ano Litúrgico.

Em sua sabedoria a Igreja nos mostra que esses três “momentos” litúrgicos convergem para um único motivo: celebrar a memória de Cristo, o Cordeiro imolado que nasceu, viveu entre nós e deu sua vida para resgatar os fiéis em sua Ressurreição.

Devemos notar, entretanto, que não estamos falando de uma comemoração ou celebração nos moldes das festas pelas quais comemoramos nossas alegrias do dia a dia. Aqui estamos falando, sim, de celebrar a vida, mas fazemos isso por mandato divino, ou seja, foi o próprio Senhor Jesus quem realizou primeiro, mostrando como deveria ser feita a celebração da memória: celebrar não só para recordar, mas para reviver e atualizar. Assim nos fala o próprio Senhor, conforme podemos ler nos evangelhos narrados por Marcos, 14,22-25; por Mateus, Mt 26,26-29 e por Lucas, Lc 22,14-20. E antes deles, o Apóstolo Paulo, orienta a comunidade de Corinto, conforme o ensinamento que recebeu do Senhor:

“De fato, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que transmiti para vocês. Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: “Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim.” Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim.” Portanto, todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que ele venha.” (1Cor 11,23-26).

Portanto, a celebração da Eucaristia (a missa) não é apenas uma celebração a mais. Ou uma celebração que se repete dodos os dias. O que fazemos, nos diferentes tempos litúrgicos, é a mesma celebração da memória do Senhor. Por meio dessa memória o motivo da celebração não é só um evento ou fato do passado, mas uma realização atual. O ponto de partida aconteceu, sim, num dado momento histórico, mas é um fato histórico que não se esgotou ao se concluir. Ele torna-se atual todos os dias, por todo o sempre: é um anúncio da morte de Jesus, mas, acima de tudo, uma atualização de sua ressurreição que abre o caminho para nosso mergulho no absoluto de Deus, uno e trino.

Por isso, em sua catequese a Igreja nos ensina a celebrar a encarnação do Senhor, no Ciclo do Natal e sua Páscoa no Ciclo Pascal. E, entre esses dois ciclos, a Igreja inseriu fatos do cotidiano da vida de Jesus de Nazaré, os quais são celebrados ao longo do Tempo Comum.

Isso implica dizer que a vida litúrgica vai além do Natal e da Páscoa. A sabedoria da Igreja, além de celebrar atualizando o sacrifício do Cordeiro imolado, nos apresenta, de forma catequética, os diversos momentos do cotidiano de Jesus. Uma catequese pela qual a Igreja mostra os caminhos por onde passaram os passos e a vida de Jesus de Nazaré. Uma catequese que mostra o Deus Menino, crescendo e ensinando os caminhos do Reino. O Reino que nos é apresentado em sua Páscoa de Redenção. E, principalmente, uma catequese que nos convida a seguir os passos de Jesus, assumindo a missão de anunciar o Reino e ensinar o caminho para a Redenção. Uma porta que se abre quando Jesus de Nazaré abre seus braços na cruz.

Fazendo da liturgia uma longa catequese, a sabedoria da Igreja nos mostra que aos períodos posteriores ao Ciclo do Natal e que vem após o Ciclo da Páscoa intercalam-se as duas partes do Tempo Comum. Justamente com esses dois períodos é que a sabedoria da Igreja nos convida a seguir os passos e contemplar o cotidiano da vida de Jesus de Nazaré.

Então, o que é o Tempo Comum? É o período litúrgico que se segue ao Ciclo do Natal. Inicia-se, numa sequência lógica e cronológica, com o Advento, prossegue com o Natal e tempo do Natal. A sequência das celebrações pós natalinas prolongam-se até a celebração da Epifania e o Batismo do Senhor. Depois desse Ciclo de Natal iniciam-se as primeiras semanas ou os primeiros “domingos do Tempo Comum”.

Essa sequência de “domingos do tempo comum” é interrompida com as celebrações do Ciclo da Páscoa: quaresma, semana santa, Páscoa e os domingos do tempo pascal. Ao final desse ciclo, com a celebração de Pentecostes, reinicia-se o Tempo Comum. Período mais longo e que vai até a celebração do Cristo Rei do Universo, normalmente no final de novembro. O domingo seguinte será o primeiro domingo do advento. Ou seja, começamos o ano litúrgico com o Advento, quando nos preparamos para receber o Deus menino, e o concluímos contemplando Jesus, Rei do Universo.

Os dois períodos do Tempo Comum normalmente é formado por 34 semanas. Ao longo dessas semanas, a sabedoria da Igreja nos apresenta os diversos momentos da vida de Jesus. Nesse processo podemos: acompanhá-lo enquanto anda com os seus discípulos, anunciando o Reino; ouvi-lo pregando os valores do Reino aos discípulos e às multidões; aprender quem são os primeiros destinatários do Reino, acompanhando seus gestos de caridade e dedicação para com os mais necessitados; sofrer com ele quando sua proposta de paz, amor e solidariedade é rejeitada, e isso ocorre porque as pessoas não compreenderam as exigências e a radicalidade do Reino. E ao longo de todo esse processo catequético podemos seguir, com Jesus em sua caminhada em direção a Jerusalém, onde celebrará sua Pascoa.

Além disso, ao longo do Ano Litúrgico, e particularmente do Tempo Comum, também somos convidados a nos preparamos para a nova vinda de Cristo, na consumação da história.

Na realidade toda a estrutura da liturgia, ao longo do Ano Litúrgico, está organizada com os olhos voltados para estes dois movimentos e momentos: contemplar o cotidiano e os passos de Jesus, aprendendo com ele a desenvolver em nós os valores do Reino. E, ao mesmo tempo, como continuadores de sua obra, somos convidados a anunciar os valores do Reino, convidar mais pessoas para aderir à sua proposta e, fazendo isso, aguardar sua volta gloriosa. Essa é a dinâmica presente no Tempo Comum.

Na realidade e, como não podia deixar de ser, a caminhada histórica de Jesus de Nazaré teve um começo e um ponto final. Começou com seu Natal Glorioso e terminou com sua Páscoa Redentora. O que a sabedoria da Igreja faz é inserir no contexto litúrgico e ao longo de um ano os constantes convites para que façamos a memória do gesto de Jesus: desde seu nascimento, acompanhando seu cotidiano, seu ensinamento e sua proposta do Reino até coroar-se com a ressurreição, mostrando de como será o destino dos fiéis aos seus passos. E, ao mesmo tempo, essa memória do fato histórico, é uma proposta e anúncio do Reino e do retorno do Senhor, celebrado ao longo do Tempo Litúrgico e em cada celebração eucarística.

A liturgia, portanto, nada mais é do que a apresentação celebrativa dessas duas dimensões: olhar para Jesus de Nazaré e seu cotidiano e, ao mesmo tempo, aguardar seu retorno glorioso. E em ambos a liturgia nos apresenta um só objetivo: seguir os passos de Jesus, realizando o que nos ensinou. E isso desdobra-se em duas atitudes que devemos desenvolver: uma vida de oração, estreitando as relações com o Senhor e, ao mesmo tempo, usando nossa vida, nossos esforços e todos os nossos dons para que o mandamento do amor seja uma realidade; as relações entre as pessoas sejam fraternas; a solidariedade seja o parâmetro da vida. Para que não haja alguns com fortunas incontáveis produzindo milhões de famintos ao redor do mundo… tudo para que, em nosso mundo, sejam verdadeiras as palavrado Mestre: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10,10).

O que ensinou em sua vida humana, nos caminhos da Palestina, torna-se para nós um programa de vida, sintetizado em Mt 25,31-46 e que se expressa em duas frases a respeito de nossas ações. Afirmação da solidariedade: “foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). E negação do ato solidário: “Foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45).

O Ano Litúrgico e especificamente o Tempo Comum, refletem este convite: realizar entre nós o programa de Jesus como quem segue seus passos e como quem espera seu retorno. Mas a proposta é fazer isso, não por medo de Julgamento, e sim por convicção amorosa: amor ao irmão e amor ao Senhor da vida, sabendo que o amor ao Senhor manifesta-se no gesto de amor ao irmão, pois este é o mandamento: amar a Deus e ao irmão (Mt 22,36-39).

A tudo isso nos leva o Tempo Comum: aos ensinamentos de Jesus, apresentados ao longo de sua vida: em suas palavras; em seus gestos; em seu acolhimento ao pecador; em sua postura intransigente de afirmar que o amor é mais importante que a letra da Lei; ao perdoar antes de perguntar “quem é”; em seu abraço carinhoso às crianças, afirmando que delas é o Reino; em sua postura acolhendo a todos, sem discriminação; em seu amor aos pobre e pequeninos… ao ensinar a orar uma oração de partilha, chamando a Deus de Pai. Suas palavras não deixam dúvidas: “toda a Lei e os Profetas dependem destes dois mandamentos” (Mt 22,40).

O Tempo Comum, portanto, é tempo de aprender com Jesus. Aprendizado que nos leva a entender o tempo da Igreja, nosso tempo atual, nosso cotidiano, nossa vida... na perspectiva do Reino: “já” e “ainda não”. O Reino já apresentado, e presente na vida e nos atos amorosos de cada batizado; mas ainda não instalado definitivamente pois os anunciadores do Reino de amor, sofrem com a perseguição dos representantes do antirreino. Já presente, porque a Igreja, e cada um dos fiéis que seguem os passos de Jesus, assumem essa proposta de vida plena e libertadora; mas ainda não porque o Reino só será definitivo com a vitória da vida sobre os sinais de morte, pois “o último inimigo a ser vencido será a morte” (1Cor 15,26).

Além dessa dimensão teológica, é ao longo do Tempo Comum que a Igreja celebra as principais festas do calendário litúrgico: festas dedicadas à Mãe de Jesus; festas dedicadas aos santos e mártires; momentos nos quais celebra pontos fortes da fé eclesial: mês de oração pelas vocações, pelas missões; mês da Bíblia...

Também é ao longo do Tempo Comum que aprendemos um dos principais ensinamentos de Jesus: o seguimento do Senhor se dá em comunidade. Não se concebe vida cristã e eclesial se não for inserida numa comunidade. Quando acompanhamos Jesus, sempre o encontramos ao lado dos discípulos, realizando ações em favor de pessoas: curando e perdoando; enviando os discípulos em grupos para anunciar o Reino... e isso por quê? Porque ninguém constrói o Reino sozinho, mas em comunidade. O Reino não é uma proposta individual, mas para ser vivido em Igreja, procurando seguir os passos de Jesus de Nazaré, o Cristo que nos quer acolher no coração da comunidade da Trindade Santa.





2º Domingo do Tempo Comum



Mestre, onde moras?



(Reflexões baseadas em: 1Sm 3,3b-10.19; 1Cor 6,13c-15a.17-20; Jo 1,35-42)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/onde-moras.html.








Aqui estão algumas indagações que a Santa Palavra nos apresenta. Qual será nossa resposta?

O que nós faríamos, como reagiríamos se, no meio da noite, ouvíssemos uma voz chamando nosso nome? Com certeza essa foi a sensação de Samuel (1 Sm 3,3b-10.19) ao ouvir um chamado, sem saber quem o chamava nem de onde vinha a voz.

Que significa pra nós, saber que nosso corpo é membro de Cristo? Essa foi a indagação de Paulo aos membros da comunidade de Corinto (1 Cor 6,13c-15a.17-20), afirmando-lhes ser membros do corpo de Cristo.

Quantas vezes nos interessamos em saber do Senhor onde é sua morada, como fizeram os discípulos de João (Jo 1,35-42)?

Três vezes o jovem Samuel foi interpelado por uma voz que imaginava ser de seu mestre Eli (Sm 3,4.6.8). Inicialmente nenhum dos dois se deu conta de que era o Senhor a chamar. Nem a experiencia de Eli, nem a inocência de Samuel. Ao jovem, coube a justificativa de que “ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado” (1Sm 3,7).

Mas é um fato: o Senhor Chama! A vida repleta de experiências, como o caso de Eli, pode retardar a compreensão. Mas Ele não deixa de interpelar. É necessário que se tenha alto desprendimento, grande capacidade de doação, muita vontade de encontrar o Senhor … para responder como o jovem Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10).

O fato de Samuel não conhecer o Senhor, de não tê-lo compreendido desde o início, não o impediu de acatar as orientações de seu mestre e se deixar conduzir pelo Senhor. Essa pode ser a primeira grande lição da Palavra Sagrada, para hoje: ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor.

E se essa é uma lição, para hoje, devemos compreender sua complementação. Ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor, parte do pressuposto de que devemos conhecê-lo. E uma das formas de o conhecermos é alguém no-lo apresentar. Foi o que fez o Batista: apresentou Jesus aos seus discípulos: “Eis o cordeiro de Deus” (Jo 1,36).

Tendo sido apresentados, os discípulos de João começam a seguir Jesus. (Jo 1,37). E aqui se dá o diálogo mais importante de suas vidas. Jesus os interpela (Jo 1,38), como quem pergunta: “O que é que vocês querem para suas vidas?” Como ambos estavam sedentos de um sentido maior para sua existência, quiseram saber de sua morada: “Mestre, onde moras?”. Só então Jesus os convida (Jo 1,39): “Venham comigo. Venham ver onde é minha morada. Acompanhem-me e saberão onde poderão me encontrar”. Eles foram, viram, e gostaram. Descobriram que a morada de Jesus é ao lado do seu povo!

Notemos que Jesus convida, mas não indica o endereço. Para saber de sua morada é necessário acompanhá-lo. Segui-lo. Trilhar seus passos… e os discípulos foram e viram e gostaram e voltaram para chamar aos outros. Estavam começando a conhecê-lo e Ele os guiava.

Essa pode ser uma segunda lição que a Palavra de Deus nos está ensinando: para ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor é necessário encontrá-lo e saber onde é sua morada. Mas isso tem implicações. Implica em voltar-se para o outro, em chamar o outro para que também conheça a morada do Senhor.

Mas onde está o Senhor? Onde o Senhor reside? Onde se localiza a morada do Senhor?

A resposta nos é apresentada no discurso paulino. Embora as palavras do apóstolo tragam um tom de sexualidade, pois fala contra a imoralidade e a fornicação, na realidade não está condenando o sexo mas o mau uso do corpo. Compreenderemos melhor isso se prestarmos atenção às palavras de Paulo.

O apóstolo faz algumas indagações à comunidade de Corinto. Em sua pergunta existe uma afirmação: “Porventura ignorais que vossos corpos são membros de Cristo?” (1 Cor 6,15). Nessa indagação está a primeira afirmação: “respeitem vossos corpos, pois eles são membros de Cristo”. Mas nossos corpos não são somente membros de Cristo, são também um espaço em que reside o Espírito. Portanto, desrespeitar o próprio corpo ou o corpo de um irmão, é desrespeitar ao Senhor.

O apóstolo afirma isso em outra indagação: “Ou ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus?” (1 Cor 6,19). Embora a indagação seja formulada em outros termos, a afirmação é a mesma: “respeitem vossos corpos pois além de membros de Cristo, eles são templo do Espírito concedido por Deus.”

Esta, portanto, pode ser entendida como a terceira lição: O corpo, do homem e da mulher, deve ser respeitado, não em função de sua sexualidade, mas como membro de Cristo e templo do Espírito, dado por Deus. Ou seja, o respeito ao corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano. Respeitar o corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano em sua plenitude. E o ser humano pleno é aquele que ora, trabalha, alimenta-se, relaciona-se com outros seres humanos e com a natureza; o ser humano, em sua plenitude manifesta a presença do Senhor.

Todas as vezes que o ser humano é minimizado, não importa se por si mesmo ou por outro, nesse momento se está desrespeitando o corpo de Cristo. Nesse momento se está deixando de ouvir e seguir o Senhor, pois se está negando sua morada que é o santuário de nosso corpo.

O respeito ao ser humano é um ato de fé, pois quem o respeita é porque sabe onde mora o Senhor.




3º Domingo do Tempo Comum



Põe-te a caminho



(Reflexões baseadas em: Jn 3,1-5.10; 1Cor 7,29-31; Mc 1,14-20)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/poe-te-caminho_21.html








Tudo que vemos acontecer nos tempos em que vivemos nos aguçam a curiosidade: Onde iremos com tudo isso? Alguns ficam apreensivos em relação aos destinos do mundo: serão prenúncios apocalípticos? Muitos dizem ter certeza de que o fim está próximo. Qual será nosso destino nesse mundo alucinado?

Uma breve reflexão lançada pela Palavra de Deus talvez possa nos sugir uma pista a respeito de tudo isso. Jonas (3,1-5.10), alerta os habitantes da cidade de Nínive, dizendo que eles têm quarenta dias para se converter e mudar seus comportamentos. Paulo (1 Cor 7,29-31), dirigindo-se à comunidade de Corinto, alerta que o tempo será abreviado. E, na narrativa de Marcos (1,14-20), o próprio Jesus afirma que o reino de Deus está próximo. E nós, observando nosso cotidiano, somos tentados a dizer: é o final dos tempos!

Mas, e isso podemos nos indagar sempre, será que todas as tragédias que andam ocorrendo em nosso mundo e os textos da liturgia de hoje, são indícios do fim dos tempos?

A primeira vista, a perícope de Jonas pode nos indicar isso. O profeta foi encarregado de ir até a grande cidade de Nínive e ali anunciar um alerta divino: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). E o profeta cumpriu sua missão: levantou-se, pôs-se a caminho e andou por um dia inteiro pela cidade anunciando a destruição que seria evitada pela conversão.

E o inesperado ocorreu: os ninivitas mudaram seus comportamentos e o Senhor poupou a cidade. Atitude bem diferente daquela em que Abraão intercedeu por Sodoma (Gn 18,32), alegando que ali poderia haver ao menos dez pessoas honestas. E o Senhor lhe assegurou que se assim fosse a cidade seria poupada. Mas ela foi destruída.

O que diferencia Nínive de Sodoma? O anúncio de Jonas e a atitude de arrependimento dos seus moradores, coisa que não ocorreu em Sodoma.

E o que isso nos sugere? Que o Senhor concede oportunidades. Concede condições para que as pessoas mudem seus comportamentos. Ao ser humano cabe tomar a decisão. Deus age em resposta ao comportamento humano. Por isso, vendo como agiram os ninivitas “compadeceu-se e suspendeu o mal que tinha ameaçado fazer-lhes” (Jn 3,10). Isso nos indica que a primeira intenção de Deus não é a destruição, mas a oferta de oportunidades para a reformulação das atitudes.

Com isso chegamos à mensagem paulina. O apóstolo não está, pessoalmente, em Corinto, mas sabe de tudo que ali acontece: cidade grande; cidade portuária; cidade na qual existem muitos cultos pagãos e, também, comportamentos inoportunos, pelos quais a pessoa humana explorada em suas fragilidades. Ali havia muitas situações degradantes nas quais a pessoa não era valorizada.

Para contrastar com essa situação, na comunidade de Corinto Paulo faz o alerta: “O tempo está abreviado” (1Cor 7,29). E o mesmo alerta vale para nós: indaguemo-nos sobre o valor que atribuímos a cada coisa.

Essa perspectiva nos permite entender a série de recomendações pelas quais o apóstolo sugere a transitoriedade daquilo que nos circunda: tanto faz chorar ou estar alegre; usar ou não as coisas do mundo; estar casado ou não… ou seja, nada do que está no mundo ou em nossas vidas é definitivo. Não importa se o momento presente é trágico ou maravilhoso: esse momento é transitório, como a figura do mundo ou a representação que se faz do mundo: “Pois a figura deste mundo passa” (1 Cor 7,31). Assim, se tudo é transitório, devemos buscar o que é definitivo!

E aqui vem a indagação mais importante: se tudo é transitório, ou se nada é definitivo, existe algo que realmente vale a pena? Sim, a adesão ao Reino de Deus!

Isso é o que explica a afirmação de Jesus, dizendo que o Reino está próximo. Está próximo porque está à disposição de quem quer aderir. Está próximo porque cobra uma tomada de decisão: ou se adere ao projeto do Reino, que é definitivo, ou se permanece no mundo, que é passageiro. Simão e André, assim como Tiago e João, deixaram tudo e seguiram Jesus (Mc 1,18.20).

Mas em que consiste o “seguir Jesus”?

Consiste em dar um novo significado a cada coisa que temos ou fazemos. Não se trata de abandonar tudo, mas de ressignificar tudo. Trata-se de se manter em constante conversão, como ocorreu com os ninivitas. Trata-se de tomar consciência de que as coisas que nos cercam são passageiras, conforme a orientação de Paulo. Trata-se de perceber que a proposta do Reino é definitiva. Trata-se de aprender que não dá para aderir ao Reino quando aquilo a que damos valor, aquilo que buscamos acima de tudo são as coisas do mundo.

O Senhor manda Jonas por-se a caminho e ele consegue a conversão dos moradores de Nínive. Jesus chama os discípulos que se põem a caminho para continuar sua obra, como pescadores de homens. E nós, estamos nos colocando a caminho? O reino está próximo, mas é necessário aderir a ele. Importa por-se a caminho… e, para quem se põe a caminho, não importa se o fim está próximo ou não. Importa saber que se o tempo está abreviado ainda é possível aderir ao projeto do Reino…





4º Domingo do Tempo Comum



Com autoridade



(Reflexões baseadas em: Dt 18,15-20; 1Cor 7,32-35; Mc 1,21-28)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/com-autoridade.html





A quem nós queremos ouvir? É a pergunta que o livro do Deuteronômio (18,15-20) nos sugere. A quem nós queremos servir? Esta indagação nasce da primeira carta de Paulo aos Coríntios (1 Cor 7,32-35). Qual é a autoridade que percebemos em Jesus? É a questão colocada pelo trecho que lemos em Marcos (Mc 1,21-28).

No deserto, o povo de Deus teve medo de ouvir a voz do Senhor e de ver o fogo que o representava (Dt 18,16). Mas nós podemos indagar: esse povo teve medo do ouvir e ver ou teve medo de não ser capaz de realizar aquilo que o Senhor queria? Parece que seu medo estava no fato de não conseguir mudar os comportamentos e atitudes. Então, pra não se comprometer, preferiram não ouvir nem ver o Senhor… Não ouvindo poderiam continuar com suas atitudes pecaminosas e alegar desconhecer o projeto de Deus...

Podemos até dizer: o povo sabia que o Senhor é exigente e quer um comprometimento completo. Por esse motivo pediu alguém que falasse em nome de Deus. Pois, assim o povo imaginava, as palavras de um representante de Deus seriam menos comprometedoras. E eles poderiam continuar sem se converter ao Senhor!

Sabendo das intenções dessas pessoas o Senhor estabeleceu os critérios: mandaria seu mensageiro, sim, mas esse profeta falará em nome de Deus, com a autoridade do Senhor.

Por isso é que explica os termos do acordo: “pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome” (Dt 18,19). Ou seja, o povo pode até não querer o contato imediato com o Senhor, mas não pode deixar de cumprir com seus preceitos, sob pena de ser, definitivamente afastado do projeto de Deus. Pode até tentar se esquivar, mas não poderá deixar de tomar uma posição: adere ao Senhor ou afasta-se dele. O que determina a proximidade ou distanciamento são as atitudes, como ensinou Jesus: “Pelos frutos conhecereis a árvore” (Mt 12,33).

Mas o interessante é que a exigência não é feita somente para o povo. O profeta também tem obrigações: ser fiel à palavra de Deus, caso contrário “esse profeta deverá morrer” (Dt 18,20).

Em nossos dias poderíamos nos perguntar quantos desses tantos que dizem falar em nome de Deus realmente trazem a mensagem divina e quantos são charlatões e enganadores do povo? Quantos são os que estão impondo ao povo sua vontade e interesses pessoais e não a palavra libertadora do Senhor? Quantos estão usando “o Nome do Senhor” para se autopromover às custas da fé sincera do povo?

Sabemos que aquele que fala em nome do Senhor anuncia o bem estar das pessoas ao mesmo tempo que denuncia as estruturas e condições de sofrimento em que o povo se encontra. O profeta de Deus, de ontem e de hoje, não compactua com as condições de miséria nem com as dores impostas ao povo enquanto alguns privilegiados levam vantagem em tudo. E levam vantagens às custas do sofrimento do povo. E isso não vale apenas para o mundo da política, mas também para o mundo dos negócios e das práticas religiosas!

Ao ser humano cabe escolher a quem vai servir. Cabe escolher, também, como vai se comportar ou em que condições vai dedicar sua vida a Deus, como sugere Paulo: as pessoas podem escolher casar-se e nessa condição apoiar-se mutuamente, ao mesmo tempo em que sevem ao Senhor. Ou podem permanecer solteiros e, também assim, fazer de sua vida um serviço ao Senhor. De uma ou de outra forma, acrescenta o apóstolo: “O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações” (1 Cor 7,35).

Por seu turno, vemos Jesus às voltas com uma situação muito particular. Ele é interpelado não por alguém que deseja um milagre, que deseja saúde ou alimento. É interpelado por alguém que põe em dúvida sua missão; que não aceita sua missão salvadora; que não quer perder os privilégios. E grita: “Que queres de nós, Jesus nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és” (Mc 1, 24).

Quem se instala no poder não quer dele abrir mão. Não importa se exerce poder sobre o mundo, uma nação, uma cidade ou uma pessoa. O dominador sempre vê no outro um oponente que o quer “destruir”. Esse jogo de poder e de alianças escusas para mantê-lo é uma constante na política. Muitas vezes o candidato abomina um determinado grupo ou prática de um grupo adversário. Mas sendo eleito, esse que antes combatia o “centrão de maldades” ou outros adversários, alia-se a eles fim de se manter e se assegurar no poder. O antigo adversário é “comprado” para virar aliado.

No caso de Jesus a verdade é outra: Ele não faz alianças nem concessões ao disseminadores do mal. Pelo contrário, Ele efetivamente veio para destruir as forças do mal. Para isso tem autoridade; age com autoridade e fala com autoridade. É contra as forças do mal, que escravizam, que maltratam, que exploram as pessoas, que Jesus se posiciona. Com essa finalidade enfrenta aquele que domina o homem sofredor: “Cala-te e sai!” (Mc 1,25). Liberta o sofredor das garras do poder demoníaco que o aprisiona.

As pessoas não estão acostumadas a ver o mal sendo enfrentado e expulso da convivência social e por isso nem sempre percebem que as forças do anticristo se instalaram no centro do poder. Entretanto Jesus, cumprindo definitivamente a promessa de Deus, envia seus discípulos. E hoje envia a nós, para combater as forças do mal que enganam e exploram o povo.

Portanto, em nossos dias, somos nós que devemos, não só falar, mas principalmente agir com autoridade a fim de combatermos as forças do anticristo instaladas no centro do poder. Do poder corrompido que explora o povo e o condena à miséria...




5º Domingo do Tempo Comum



A vida do homem ou o sentido da vida





(Reflexões baseadas em: Jó 7,1-4.6-7; 1Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/a-vida-do-homem.html








Como nós reagimos diante dos sofrimentos e dores do dia a dia? Como nos comportamos quando temos que enfrentar as dificuldades e empecilhos de nossa vida? Podemos dizer que na maioria das vezes em que enfrentamos dificuldades ou sofrimentos, nossa principal reação é a lamentação: Por que, justamente comigo? Ou conseguimos dizer: cumpra-se a vontade do Senhor?

No caso de Jó (Jó 7,1-4.6-7) essa lamentação ganha os contornos de uma análise sobre o sentido da existência. Ao se colocar a indagação a respeito da vida, percebe-a, como uma luta: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?” (Jó 7,1). Mas, ao mesmo tempo, ela é muito curta e passa muito rapidamente. Mal nos damos conta de que existimos e a vida chega ao fim: “Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear” ou, mais ainda, “minha vida é apenas um sopro” (Jó, 7,6-7).

Constatada a brevidade da vida; constatada a constância das dores e sofrimentos; constatada a sucessão de decepções, faz-se necessário um outro olhar sobre a vida a fim de buscar o sentido do existir, quase sempre somos levados a afirmar que nada disso tem sentido. Feitas essas constatações, aparece a necessidade de uma nova perspectiva para a vida.

Diante do sem sentido da vida, é necessário criar, perceber ou eleger um sentido. E esse sentido é a esperança, pois ela permite que o ser humano se lance em direção ao seu futuro. E essa esperança, na linguagem de Jó, é semelhante à sombra para aquele que trabalha de sol a sol ou o pagamento no final da jornada de trabalho. “Como um escravo suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga” (Jó 7,2).

Então o que Jó nos ensina? Qual a mensagem de Deus, que nos vem pelas palavras de Jó? Que as lamúrias, diante das dores, são um mecanismo que nos fazem esquecer de olhar a vida pela ótica da esperança. As dores existem, sim. É inegável. Mas todas as dificuldades nos fazem lembrar que a esperança nos move na direção da superação. Entretanto, não se trata de uma esperança pela qual nos acomodamos, esperando que, como se fosse mágica, tudo mude ao nosso favor. Trata-se de uma esperança que nos faz lutar para construirmos a superação das dores e dificuldades.

Aliás, essa é a sugestão feita por Paulo, dirigindo-se à comunidade de Corinto (1Cor 9,16-19.22-23). O apóstolo, como em várias outras passagens e noutras cartas, insiste na afirmação de que nada se faz sem dificuldades.

Aqui ele insiste na afirmação de que sua atividade apostólica e missionária não é obra sua. “A iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado” (1 Cor 9,17). E recebeu esse encargo, não por mérito seu, mas por atribuição divina. Por esse motivo, ele afirma, sua pregação não é motivo de autoengrandecimento, mas uma imposição. Daí uma de suas frases mais usadas pelos evangelizadores atuais: “Ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9,16).

Quer dizer: Jesus o escolheu e lhe confiou a missão. E a ele, apóstolo das nações, cabe executá-la. Paulo poderia agir como muitas pessoas: Por-se a reclamar contra as dificuldades, lamuriar-se e pedir que Deus lhe aliviasse as dores, as dificuldades, os sofrimentos, os contratempos e tudo que se interpõe à pregação da mensagem … mas não foi isso que fez o apóstolo. Enumera, sim, as dificuldades, mas não para, em virtude delas. Basta lermos o conjunto de suas catas para percebermos como e quantas foram as dificuldades por ele enfrentadas. Entretanto, e apesar de todos os contratempos, nunca deixou de anunciar o Cristo ressuscitado. Qual é seu pagamento para isso? Ele responde: “Pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá” (1 Cor 9,18).

Sua lição poderia ser expressa da seguinte forma: as dificuldades funcionam como um ponto de apoio e de partida para continuar a obra de Cristo. As dificuldades existem, não para impedir a ação e sim para impulsionar a vida. A dificuldade é ponto de lamentação para os fracos e trampolim para os fortes. A dificuldade é um teste, quem é fiel ao Senhor supera a dificuldade os que se sentem derrotados e vivem de lamentações, esses já estão derrotados!

Que dizer, então, da postura de Jesus, de casa em casa, de cidade em cidade curando a todos que o procuravam? (Mc 1,29-39)

A postura de Jesus está em consonância com as dores do povo. Age para aliviar essas dores. Aliviou as dores da sogra de Simão (Mc 1,31), curou vários doentes (Mc 1,34) e “andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.” (Mc 1,39). Para todos os necessitados, doentes ou aflitos, sempre teve uma palavra de esperança, de cura e de alento. Frente às dores do mundo, que tendem a fazer com que as pessoas percam o brilho da vida, Jesus reacende a esperança. Dá saúde, oferece um motivo para viver. Exemplo disso foi a sogra de Simão que se levanta de sua enfermidade e se põe a servir.

E assim podemos voltar ao sentido da vida. As dores, os sofrimentos, as dificuldades… tudo que impede a plenitude do ser humano, em sua breve existência sobre a terra, tende a reforçar a ausência de sentido para a vida. Mas aí aparece Jó acenando para a esperança. Aparece Paulo lembrando da gratuidade. E Jesus se revela como aquele que além de ser o sentido, dá sentido para as vidas sofridas.

Que é a vida do ser humano? Sucessão de dores ou um caminho para a superação. Depende de nossas escolhas.




6º Domingo do Tempo Comum




Tu tens o poder



(Reflexões baseadas em: Lv 13,1-2.44-46; 1Cor 10,31-11,1; Mc 1,40-45)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/tens-o-poder.html





Em diferentes oportunidades temos dito que Deus age a partir das condições que o ser humano oferece. Ou, dizendo de outra forma: Deus não age se o ser humano não fizer a sua parte.

E podemos dizer mais, não existe milagre se o ser humano não oferecer as condições para Deus operar. Ou seja, Deus respeita o principal milagre com o qual nos presenteou: a liberdade.

Somos livres para fazer o certo e o errado; para fazer o bem, para negligenciá-lo ou para fazer o mal. Somos livres para colaborar com a obra do Senhor ou com a obra do adversário. Com a liberdade – livre arbítrio que nos foi presenteada por Deus – podemos decidir sobre tudo que nos diz respeito e também aquilo que fazemos e interfere ou repercute na vida dos outros. Somos senhores de nossas vidas. E Deus está junto a nós para assegurar que o bem que escolhemos fazer repercuta sobre as pessoas.

Isso pode ser comprovado a partir do que a Santa Palavra nos ensina. O trecho do Evangelho segundo Marcos (Mc 1,40-45), demonstra isso de forma muito clara. Mas o trecho de Marcos tem que ser lido à luz da passagem do livro do Levítico (Lv 13,1-2.44-46), no qual o Senhor estabelece as normas do puro e do impuro. E no trecho em questão não sobra dúvidas “Se o homem estiver leproso é impuro, e como tal o sacerdote o deve declarar” (Lv 13,44).

O leproso, portanto, é impuro. E não deve aproximar-se das demais pessoas, segundo o Levítico. Mas o que faz o leproso, mencionado no trecho narrado por Marcos? Faz exatamente o oposto. Procura a multidão dos seguidores de Jesus e interpela o Mestre. O leprozo, impuro, busca sua purificação!

Em lugar de gritar, como indica o Levítico: “impuro, impuro” (Lv 13,45) e afastar-se das demais pessoas, o homem, movido pelo desespero e pela sua liberdade, ao aproximar-se de Jesus porta-se com humildade. Ajoelha-se e implora. “Um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me’” (Mc 1,40). Jesus o curou, mas não foi o Mestre que o procurou para lhe ofereceu a cura, foi ele que tomou a iniciativa de pedir a recuperação.

Aqui, o mais importante não foi a cura operada por Jesus, mas a iniciativa do leproso, o homem impuro, marginalizado, excluído. Mesmo sabendo que todos o excluíam, por causa de sua condição, ele tomou a iniciativa e procurou Jesus. E apelou para o poder do Mestre. E o Mestre não se negou a interferir em seu favor.

Para melhor visualizar esta situação, imaginemos dois estudantes em véspera de prova. Ambos apelam para a ajuda de Deus e fazem, inclusive, a mesma prece: “Senhor, ajuda-me a fazer uma boa prova amanhã. Que eu saiba as respostas de todas as questões”. Depois da prova veremos que o primeiro estudante, que havia prestado atenção às aulas, feito todas as tarefas e estudado em preparação, efetivamente tirou boa nota. Ele faz nova prece: “Senhor obrigado por ter me ajudado a lembrar as respostas das questões”. O segundo, que foi relapso durante as aulas, não fez as tarefas e nem se preparou, ficou com nota baixa. Em vez de uma prece de agradecimento, faz uma lamentação: “Senhor, por que me abandonaste? Por que não me ajudaste e não me iluminaste para saber as respostas?” Ele foi negligente e ainda culpou a Deus pelo seu fracasso.

Ambos fizeram o mesmo pedido, mas somente um ofereceu as condições para Deus agir. O Espírito Santo, realmente iluminou o primeiro estudante, pois havia condições para isso. Mas não teve como realizar a obra de “dar sabedoria” para aquele que fez uso equivocado de sua liberdade.

Com isso podemos entender o motivo pelo qual Jesus pede ao leproso curado que não faça alarde de sua cura, mas apresente-se ao sacerdote para que ele cumpra o ritual estabelecido pelo Levítico. “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato” (Mc 1,45). Caso ele não cumprisse todos os preceitos, poderia passar a informação de que Jesus era apenas um mago. Mas cumprindo os preceitos divinos demonstrou que efetivamente fez de sua vida um ato de amor a Deus.

Esse personagem curado, escolheu cumprir a vontade de Deus antes da cura e depois da cura. E, também escolheu pedir a ajuda divina durante sua enfermidade. Neste ponto seria interessante fazermos o nosso exame de vida. Como a temos conduzido? Com quais pré requisitos nos apresentamos a Deus para lhe pedirmos suas graças? Vivemos para satisfazer nossas vontades esperando que o Senhor cuide de nós? Ou procuramos fazer aquilo que é certo, e pedimos a ajuda de Deus para continuarmos acertando?

Aqui vale seguir o conselho paulino(1Cor 10,31-33.11,1). Notemos que o apóstolo não aconselha a comunidade a fazer o que achar conveniente para que Deus esteja entre eles. Pelo contrário, afirma categoricamente: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31). E, sendo assim, Deus se faz presente e oferece sua graça para edificar a vida.








Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/03/ciclo-da-pascoa-celebrar-vida.html; https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de...