quinta-feira, 4 de março de 2021

Quaresma 3 – Loucura de Deus


(Reflexões baseadas em: Ex 20,1-17; 1Cor 1,22-25; Jo 2,13-25)






Nós já nos acostumamos a nos chamar de louco ou doido: “você é louco, por fazer isso!”. “Isso é coisa de doido! Só você mesmo!” E assim por diante, estamos acostumados a ouvir e usar essa expressão: às vezes elogiando a loucura de alguém que fez algo extraordinário; às vezes condenando a insensatez de alguém!

Loucura, insensatez… expressões que usamos para dizer que não concordamos com aquilo que o outro está pensando, dizendo, fazendo… “Isso é coisa de doido!”

Mas a respeito de Deus, somente usamos expressões edificantes: Santo, eterno, fonte da plena sabedoria, misericordioso, todo poderoso… E nunca ousaríamos dizer que um ato de Deus seja loucura ou insensatez. Se vem de Deus, aceitamos. Mesmo quando, às vezes, não entendemos. Dizemos apenas que isso é divino! só por Deus!

A questão é que, sempre que avaliamos alguma coisa: concordando ou discordando; dizendo que está certo ou errado… sempre usamos nossos valores. Usamos nossos critérios. Falamos a partir do que achamos que é certo ou errado. Mas o que é o certo e o errado? Será que já nos perguntamos o que é que Deus considera certo ou errado? E quando fazemos isso, será que não estamos querendo dizer a Deus o que Ele deveria fazer?

A liturgia do terceiro domingo da quaresma mostra uma dimensão dessa loucura/sabedoria dos homens e de Deus. No livro do Êxodo (20,1-17), podemos visualizar um desses aspectos de loucura, uma vez que estabelecer normas, sobre como deve ser o comportamento das pessoas, como é o caso deste trecho do Êxodo, não é algo agradável. Mas Deus faz isso. Loucura?

Paulo, na primeira carta aos coríntios, (1Cor 1,22-25), é mais específico em mencionar a loucura, pois cultuar um crucificado não é uma situação normal. Pelo contrário: é loucura, é escândalo!

Agora imagine a cena: Jesus, no templo! Ele, com um chicote nas mãos, derrubando tudo e expulsando os negociantes… Isso é mais do que uma doidura qualquer. Uma pessoa normal, diante de algo que desaprova, no máximo fala que aquilo não está certo. Mas Jesus não. Ele faz um tremendo “barraco”. Esse tem que ser internado, pois surtou, disseram!

Mas em tudo isso está a visão ou os critérios ou os valores ou a compreensão humana. Para tentarmos obter uma compreensão ou uma percepção mais exata, Paulo nos dá a dica: “Pois o que é dito loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” (1Cor 1,25). Ou seja, somos convidados a olhar para os eventos não com os critérios e valores humanos, mas com os olhos de Deus. O que é que Deus está vendo que o motiva a estabelecer as normas expressas no trecho do Êxodo?

Está observando que existe idolatria (Ex 20,3-4); uso indevido do nome de Deus (Ex 20,7); as pessoas não estão dedicando um tempo para Deus (Ex 20,8-11); as pessoas não estão respeitando a família, pois estão adulterando e desonrando os pais (Ex 20,12.14.17); as pessoas estão matando, roubando e mentindo...(Ex 20,13,15,16). Então tem que se estabelecer um limite!

Como sabemos que estão fazendo isso? Porque esses são os preceitos ensinados. E o argumento é simples. As normas surgem para regulamentar as condutas vigentes. Somente afirmamos a necessidade de respeito aos pais, quando percebemos que estão sendo desrespeitados pelos filhos. Deus viu que alguns estavam enriquecendo às custas dos mais pobres… por isso instituiu: não roubar! Numa palavra, Deus viu a bandidagem tomando conta e causando o sofrimento dos mais fracos, por isso estabeleceu as normas, os mandamentos.

Jesus não fez diferente (Jo 2,13-25). Diante do que estava (e ainda está!!!) acontecendo no templo, expula os infratores. E toma essa atitude ao ver a infração ocorrendo….A casa de oração transformada num centro comercial (Jo 2,14)!

Quem de nós já ficou indignado com lideranças das Igrejas (não só no mundo católico) fazendo uma pregação que privilegia mais os tijolos que a instalação do Reino. Com tantos pregadores anunciando curas milagrosas, seria interessante lançarmos um desafio: por que os tantos pregadores de tantas curas milagrosas não deram fim à pandemia do Corona Virus? Sabe por quê? Porque são charlatães da fé. Mas para eles Jesus tem preparado o chicote (Jo 2,15)?

O fato é que, do ponto de vista humano, a proposta do reino é um absurdo, pois exige a prática da justiça e da verdade. Exige solidariedade e não egoísmo; exige fraternidade e não a concentração de rendas e bens e riquezas....

Seguir a proposta de Deus é loucura, pois exige renuncias e opções em favor do outro. Aderir a Jesus Cristo, neste mundo que valoriza as coisas, os bens, a riqueza… não é prova de sensatez. Seguir a Jesus Cristo, neste mundo que não vê e despreza os valores do Reino, é prova de loucura. Seguir a Jesus Cristo implica andar pelos caminhos da partilha, da solidariedade, da cruz. Seguir a Jesus Cristo implica ser derrotado pelo mundo, mas também implica na maior prova de loucura: a certeza da ressurreição!





Neri de Paula Carneiro

Filósofo, teólogo, historiador, mestre e educação.

Outros textos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro


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