(Reflexões baseadas em: 2Cr 36,14-16.19-23; Ef 2,4-10; Jo 3,14-21)
As celebrações do período quaresmal nos mostram a grandeza do amor divino. Mas, ao mesmo tempo, mostra que até a paciência de Deus tem limites.
É claro que o amor de Deus pela humanidade é infinitamente maior do que sua ira, mas isso não significa que, como um pai bondoso, ele não estabeleça algumas condições a serem seguidas pelas pessoas. Não como punição, mas como medida corretiva. Se é verdade que toda ação tem uma reação, todas as nossas atitudes têm consequências.
No segundo livro das crônicas (2Cr 36,14-16.19-23) podemos ver uma demonstração disso: a denúncia dos pecados, uma vez que “todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades” (2Cr 36,14). Devido a isso Deus chama a atenção dos infiéis, cobrando mudança nos comportamentos “o Senhor Deus de seus pais, dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão do seu povo” (2Cr 36,15). Como se vê, é a compaixão que move a ação divina.
Porém, como os infiéis não mudavam as atitudes concretizou-se a lição ensinada pelo Senhor: “O furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio. Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém” (2 Cr 36,18-19). E, após os anos de punição, acontece a restauração, pelas mão de Ciro, um rei estrangeiro (para mostrar que o amor de Deus não tem fronteiras, vai além de um povo). E o rei decreta: “O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho” (2 Cr 36,23). E assim voltaram os exilados, redimidos, prontos para recomeçar uma nova sociedade que deveria ser gerida pela caridade!
Deus é amoroso. É supremo amor. É pleno em misericórdia… e isso quem nos ensina é Paulo, escrevendo aos Efésios (Ef 2,4-10). O apóstolo afirma expressamente: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2,4-5). Deus é, também, justo, pois oferece oportunidade para que o pecador se converta… Deus quer a vida e quer que a defendamos acima de tudo, em favor de todos.
O fato é que por seu amor é justo e misericordioso. Da mesma forma que um pai, estabelece limites para o filho rebelde não se destrua e possa rever seus comportamentos. É necessário que as pessoas tomem consciência de que estão cometendo faltas contra a bondade divina, contra a vida humana e da natureza. Ocorrendo essa consciência de defesa, manutenção e restauração da vida, Deus concede a graça do perdão. O apóstolo é claro ao dizer que “é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus!” (Ef 2,9).
O dom da graça, entretanto, é consequência do bem que realizamos. “Obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Ef 2,10). A graça é dom de Deus, mas exige o comprometimento humano! Sem o nosso comprometimento individual, pessoal e definitivo, não tem como a graça agir em nós.
Isso é o que ensina Jesus, na conversa com Nicodemos (Jo 3,14-21). Deus age esperando nossa resposta. Uma resposta que consiste num ato de fé; um ato de fé que conduz à vida eterna: “todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,15). A vida terrena, portanto, é o passaporte para a vida eterna. As atitudes neste mundo passageiro abrem as portas para o Reino definitivo
E Jesus insiste na afirmação central dirigida a todos que desejam segui-lo. “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17). Feita essa afirmação, Jesus se apresenta como divisor de águas.
É a partir da fé em Jesus, da adesão ao seu projeto que se dá a divisão: “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18).
O critério de Deus, ou seja a sua justiça, coloca nas mão de cada um de nós a responsabilidade pelos atos praticados. São esses atos que iluminam o caminho humano ou o escurecem. As pessoas aderem à luz divina ou afastam-se dela, num ato de fé ou de incredulidade. E Jesus explica isso da forma muito transparente: “O julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3, 18-21).
E isso nos leva de volta ao ponto inicial: o amor misericordioso de Deus é infinito, mas ele também é infinitamente justo. Concede o perdão e a vida àqueles que o procuram, mas quem não crê e pratica o mal, já está condenado! Não está condenado por Deus, que é amor e perdão, mas pelos seus próprios atos que o afastam de Deus.
Neri de Paula Carneiro
Outros textos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro
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