Reflexões a partir de:
Números 21,4b-9; Filipenses 2,6-11; João 3,13-17.
Números 21,4b-9; Filipenses 2,6-11; João 3,13-17.
Quem lê a bíblia com honestidade percebe que ela desmistifica muitas afirmações equivocadas ou tendenciosas. E ler a bíblia com honestidade significa lê-la a partir de seu contexto e da intenção do autor inspirado por Deus.
Quando o mundo católico festeja a Exaltação da Cruz, alguns podem ver idolatria nisso. Outros podem dizer que estamos distorcendo a fé, enaltecendo o símbolo do suplício de Jesus.
Muito diferente disso é o sentido da festa a Exaltação da Cruz.
Para entendê-la é necessário observar a teologia que o Autor Sagrado imprimiu em seu texto.
Embora, neste momento, a liturgia não esteja utilizando a perícope do Gênesis em que a serpente é expulsa do paraíso, para bem entendermos a pequena passagem do livro dos Números (21,4b-9) precisamos ter presente aquela simbologia da serpente.
Da mesma forma, para bem entendermos o discurso do evangelista João (3,13-17), no qual Jesus afirma ter vindo ao mundo para salvar, precisamos ter presente o texto de Números. Além disso, para entendermos a belíssima descrição que o apóstolo Paulo faz de Jesus (Fl 2,6-11), precisamos ter presente não só o primeiro capítulo do evangelho de João como os demais textos sobre a atuação de Jesus e, entre eles, este em que ele afirma ter descido e que será levantado.
Isso posto, indaguemo-nos: o cristão pode ao não usar imagens em sua casa ou em seu templo, como sinais de algo muito superior, algo para o que a imagem remete e do que ela é só um pequeno lembrete?
Se olharmos apenas a letra do mandamento divino, “Não farás imagens…”, a resposta é NÃO. Se considerarmos os textos aqui mencionados, a resposta é: DEPENDE da situação. Depende do que desejamos com aquilo que fazemos.
Se estacionamos no gesto, no símbolo ou na imagem, significa que estamos precisando repensar nossa postura. Buscar mais entendimento. Amadurecer nossa fé. Olhar para além das aparências. Levantar o véu para ver o que está por trás das palavras.
Precisamos fazer isso para entendermos o significado da festa da exaltação da cruz. Não se olha para a cruz, porque ela é uma cruz, mas porque foi nela que Cristo nos redimiu. Não se olha para a cruz, como um amuleto, que muitos ostentam como adereço, mas como o fardo que cada um de nós deposita sobre os ombros do Senhor, no caminho do calvário. Não se olha para a cruz como um sinal de castigo ou punição exemplar, (era esse o objetivo nos tempos antigos), mas porque foi essa uma condição e caminho assumido por Jesus a fim de demonstrar ser ele o Cristo.
Com isso, podemos olhar para a narrativa do livro dos Números. Aqui está escrito que “o povo começou a impacientar-se, e se pôs a falar contra Deus e contra Moisés” (Nm 21,4-5). Em razão dessas reclamações morria quando atacado por inimigos venenosos, as serpentes do deserto (que também devem ser vista como símbolo). Porém, dando-se conta de seu pecado, o povo pede a intercessão de Moisés a quem Deus atende, dizendo: faça “uma serpente de bronze e coloca-a como sinal sobre uma haste; aquele que for mordido e olhar para ela viverá" (Nm 21,8).
Lá no livro do Gênesis, ao reprimir o casal infrator que queria “ser como Deus”, o Criador afirma a inimizade entre seus descendentes. Aqui, em Números, essa inimizade está explicita. Qual é, então o gesto redentor de Deus? Construir um sinal: uma serpente de bronze. Para quê? Para que as pessoas, ao serem atacadas pelo inimigo, olhem para o sinal e se recordem da grandeza de Deus. Percebam que o animal maldito foi transformado em símbolo da salvação tanto no deserto como em nosso cotidiano. Entretanto, não é o símbolo, serpente, que salva, mas o próprio Deus. Não é a cruz, condenação dos malditos, que salva, mas é mediante a cruz que Jesus se entrega por nós! É Deus que nos salva pela cruz!
E quem é esse Deus que salva? E salva até aquele pecador que reclama contra Deus, e depois de se arrepender, pede perdão!
Esse Deus é aquele apresentado por Paulo. Aquele que “existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,6-8). Ou seja, assumiu a morte reservada aos malditos porque nos quer abençoar em seu amor. Por ter se esvaziado da divindade, fazendo-se humano e condenado à cruz, “Deus o exaltou”, não como ostentação, não como vingança, não como demonstração de poder, mas como convite a que todos dobrem seus joelhos. Dobrem-se e o reconheçam e assim “toda língua proclame: Jesus Cristo é o Senhor’” (Fl 2,11).
Com isso, somos convidados a ouvir o próprio Jesus afirmando: da mesma forma que no deserto, quem olhava para a imagem da serpente de bonze ficava livre do veneno do inimigo, agora, quem olha para a cruz e nela reconhece em Jesus, o Cristo, esse tem “a vida eterna”.
Da mesma forma que no Gênesis, Deus não mandou a serpente para ser sinal de perdição, mas para cobrar fidelidade, também no deserto Deus não mandou a serpente para matar os blasfemos, mas para cobrar arrependimento. Da mesma forma que Deus não concedeu ao Filho o esvaziamento da divindade, encarnando-se como homem, apenas como um capricho divino, mas o fez para bem manifestar-se. Da mesma forma Deus não permitiu que Jesus assumisse a cruz como a punição de um maldito, mas o fez “para que todos aqueles que nele crerem tenham a vida eterna”.
Em Jesus, a cruz foi assumida, não mais como desgraça, mas como chave para o céu. Por isso o convite, olhar para a cruz para e nela ver o cristo salvador, como no deserto se olhava para a serpente para manter a vida… só que agora, vida eterna.
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro;
E.Books: https://www.calameo.com/accounts/7438195.
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