quinta-feira, fevereiro 04, 2021
A vida do homem ou o sentido da vida
Reflexões baseadas em: Jó 7,1-4.6-7; 1Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39)
Como nós reagimos diante dos sofrimentos e dores do dia a dia? Como nos comportamos quando temos que enfrentar as dificuldades e empecilhos de nossa vida? Podemos dizer que na maioria das vezes em que enfrentamos dificuldades ou sofrimentos, nossa principal reação é a lamentação: Por que, justamente comigo? Ou conseguimos dizer: cumpra-se a vontade do Senhor?
No caso de Jó (Jó 7,1-4.6-7) essa lamentação ganha os contornos de uma análise sobre o sentido da existência. Ao se colocar a indagação a respeito da vida, percebe-a, como uma luta: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?” (Jó 7,1). Mas, ao mesmo tempo, ela é muito curta e passa muito rapidamente. Mal nos damos conta de que existimos e a vida chega ao fim: “Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear” ou, mais ainda, “minha vida é apenas um sopro” (Jó, 7,6-7).
Constatada a brevidade da vida; constatada a constância das dores e sofrimentos; constatada a sucessão de decepções, faz-se necessário um outro olhar sobre a vida a fim de buscar o sentido do existir, quase sempre somos levados a afirmar que nada disso tem sentido. Feitas essas constatações, aparece a necessidade de uma nova perspectiva para a vida.
Diante do sem sentido da vida, é necessário criar, perceber ou eleger um sentido. E esse sentido é a esperança, pois ela permite que o ser humano se lance em direção ao seu futuro. E essa esperança, na linguagem de Jó, é semelhante à sombra para aquele que trabalha de sol a sol ou o pagamento no final da jornada de trabalho. “Como um escravo suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga” (Jó 7,2).
Então o que Jó nos ensina? Qual a mensagem de Deus, que nos vem pelas palavras de Jó? Que as lamúrias, diante das dores, são um mecanismo que nos fazem esquecer de olhar a vida pela ótica da esperança. As dores existem, sim. É inegável. Mas todas as dificuldades nos fazem lembrar que a esperança nos move na direção da superação. Entretanto, não se trata de uma esperança pela qual nos acomodamos, esperando que, como se fosse mágica, tudo mude ao nosso favor. Trata-se de uma esperança que nos faz lutar para construirmos a superação das dores e dificuldades.
Aliás, essa é a sugestão feita por Paulo, dirigindo-se à comunidade de Corinto (1Cor 9,16-19.22-23). O apóstolo, como em várias outras passagens e noutras cartas, insiste na afirmação de que nada se faz sem dificuldades.
Aqui ele insiste na afirmação de que sua atividade apostólica e missionária não é obra sua. “A iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado” (1 Cor 9,17). E recebeu esse encargo, não por mérito seu, mas por atribuição divina. Por esse motivo, ele afirma, sua pregação não é motivo de autoengrandecimento, mas uma imposição. Daí uma de suas frases mais usadas pelos evangelizadores atuais: “Ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9,16).
Quer dizer: Jesus o escolheu e lhe confiou a missão. E a ele, apóstolo das nações, cabe executá-la. Paulo poderia agir como muitas pessoas: Por-se a reclamar contra as dificuldades, lamuriar-se e pedir que Deus lhe aliviasse as dores, as dificuldades, os sofrimentos, os contratempos e tudo que se interpõe à pregação da mensagem … mas não foi isso que fez o apóstolo. Enumera, sim, as dificuldades, mas não para, em virtude delas. Basta lermos o conjunto de suas catas para percebermos como e quantas foram as dificuldades por ele enfrentadas. Entretanto, e apesar de todos os contratempos, nunca deixou de anunciar o Cristo ressuscitado. Qual é seu pagamento para isso? Ele responde: “Pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá” (1 Cor 9,18).
Sua lição poderia ser expressa da seguinte forma: as dificuldades funcionam como um ponto de apoio e de partida para continuar a obra de Cristo. As dificuldades existem, não para impedir a ação e sim para impulsionar a vida. A dificuldade é ponto de lamentação para os fracos e trampolim para os fortes. A dificuldade é um teste, quem é fiel ao Senhor supera a dificuldade os que se sentem derrotados e vivem de lamentações, esses já estão derrotados!
Que dizer, então, da postura de Jesus, de casa em casa, de cidade em cidade curando a todos que o procuravam? (Mc 1,29-39)
A postura de Jesus está em consonância com as dores do povo. Age para aliviar essas dores. Aliviou as dores da sogra de Simão (Mc 1,31), curou vários doentes (Mc 1,34) e “andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.” (Mc 1,39). Para todos os necessitados, doentes ou aflitos, sempre teve uma palavra de esperança, de cura e de alento. Frente às dores do mundo, que tendem a fazer com que as pessoas percam o brilho da vida, Jesus reacende a esperança. Dá saúde, oferece um motivo para viver. Exemplo disso foi a sogra de Simão que se levanta de sua enfermidade e se põe a servir.
E assim podemos voltar ao sentido da vida. As dores, os sofrimentos, as dificuldades… tudo que impede a plenitude do ser humano, em sua breve existência sobre a terra, tende a reforçar a ausência de sentido para a vida. Mas aí aparece Jó acenando para a esperança. Aparece Paulo lembrando da gratuidade. E Jesus se revela como aquele que além de ser o sentido, dá sentido para as vidas sofridas.
Que é a vida do ser humano? Sucessão de dores ou um caminho para a superação. Depende de nossas escolhas.
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
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