quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Finados: Deus, tudo em todos

(Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27; 1 Coríntios 15,20-28; Lucas 12,35-40)




Raramente, numa conversa com as pessoas, encontramos alguém que não fique perturbado diante do único fato indiscutivelmente presente na vida de todas as pessoas: a Morte que, como cantou Raul Seixas, “talvez seja o segredo desta vida”.

Sendo assim, o chamado “Dia de Finados” se presta a fazermos algumas considerações.

Aquele que se popularizou como “Dia de Finados” é o dia em que a Igreja celebra “Todos os fiéis defuntos”.

Primeiro, por que “fiéis defunto”?

Porque a Igreja entende que após esta vida terena, aqueles que confessaram a fé cristã, recebem nossas orações, nossas lembranças, nossa sintonia com eles e com o Pai. Ou seja, no pós morte a vida continua...

Em segundo lugar, por que, dizemos que nossos mortos são “finados” e a Igreja fala em “defunto”?

Na realidade a duas palavras querem dizer a mesma coisa. Referem-se a uma pessoa que findou (Finados) ou cumpriu sua jornada neste mundo terreno e entrou numa outra esfera da realidade, juntamente com todas as demais pessoas que já terminaram sua jornada na terra. O defunto é aquela pessoa que está fora desta realidade, também porque concluiu sua tarefa no mundo terreno, em nosso cotidiano.

Mas, do ponto de vista cristão, nenhum dos termos, a rigor, contrapõe os vivos, referindo-se a todas as pessoas que permanecem nas realizações terrenas; e os mortos, referindo-se àqueles que deixaram de existir neste mundo. Isso porque os vivos, na terra, após sua morte, ou seja ao se finarem ou tornarem-se defuntos, permanecem vivos para o convívio definitivo com Deus ou numa outra vida, eternamente afastada dos dons divinos. A vida, portanto, continua sendo vida, após a morte!

Essa certeza nos é apresentada por Jó (19,1.23-27) e também por Paulo, escrevendo à comunidade da cidade de Corinto (1Cor 15,20-28).

O sábio e sofredor Jó fala sobre essa esperança da vida depois da vida: “meu redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó” (Jó 19,25). Assinala aqui, não só a fé na vida depois da vida terrestre, mas também indica os fundamentos de um princípio da fé cristã: o redentor que se levanta do pó é uma referência à ressurreição de Cristo, nosso modelo.

Jó não se limita a anunciar que Deus retorna à vida. Ele acredita na sua própria restauração pois, o Deus que retorna do pó também o tirará das mãos da morte. “Depois do meu despertar, levantar-me-á junto dele, e em minha carne verei a Deus” (Jó 19,26).

Por sua vez, Paulo explica em que consiste essa vida após a morte: trata-se de uma vida em Cristo,contemplando o Pai. Trata-se de ressuscitar para uma nova vida, como Cristo ressuscitou. Trata-se de ser vivificado em Cristo, uma vez que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados” (1Cor 15,20-22).

Além disso, o apóstolo indica que a morte não é o fim. Ela também será derrotada pela vida em Cristo. “Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,25-26). Ao instalar o Reino definitivo, cessarão todas as dores, inclusive aquilo que sentimos como a dor da separação, causada pela morte. Também por isso a morte acaba sendo vista como uma inimiga a ser vencida pela vida definitiva no Reino.

Mas a lição definitiva é ensinada pelo próprio Jesus (Lucas 12,35-40), o enviado do Pai para ser o primeiro vencedor da Morte. Ele ensina que ao ser humano cabe viver em seu cotidiano. Esse viver, entretanto, tem que ser atento: a qualquer momento será interrompido pela morte. E, não custa nada repetir, contra ela não existem alternativas. Ela se instala na vida de todos, como ponte para outra vida: com ou sem Deus, depende de cada um!

Daí a necessidade de viver com intensidade,sim, mas em sintonia com o Senhor da vida. Com alegria e sem medo, sim, mas tendo o cuidado de não desprezar os preceitos divinos; com desprendimento de tudo e de todos, sim, mas em perfeita união com o Pai, pois dele vem a definição para a consumação da vida de cada um e dos tempos.

Por isso sua recomendação,dirigida aos discípulos e a cada um de nós: “Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). E por ocasião desse retorno, a morte será derrotada e a vida será plena e, como diz Paulo, Deus será tudo, em todos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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