sexta-feira, 9 de junho de 2023

Quero misericórdia

(Reflexão baseada em: Oseias 6,3-6; Romanos 4,18-25; Mateus 9,9-13)




“Quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos”. A maioria de nós imagina que estas são palavras de Jesus. Mas não. São do profeta Oseias (6,3-6). Jesus apenas atualizou a afirmação do profeta: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mateus 9,9-13).

Mas, qual a diferença, pode alguém perguntar? Em resposta pode-se dizer: Será que se fossem palavras originais de Jesus, nós as levaríamos mais a sério?

Não!

Não importa quem diga as palavras. Não importa a profundidade do que é dito. Não importa se é palavra de Deus…

Tanto isso é verdade que muitos de nós já ouvimos ou lemos a afirmação de Jesus: “Quero misericórdia e não sacrifício” e continuamos com nosso ritmo e estilo de vida, sem mudar nada! Pior: muitas pessoas, em relação a estas e a outras palavras pelas quais Jesus assume uma postura social, dizem que isso é “comunismo” (sem ao menos sonhar com o que significa isso!).

E se a Igreja faz uma pregação mais incisiva, cobrando novas posturas em relação às injustiças sociais, em relação à corrupção política; em relação às religiosidade de fachada; em relação à injusta distribuição das riquezas… essas pessoas dizem que a Igreja é “comunista” (mas não têm ideia do que isso significa!).

Se um padre, um bispo ou o Papa, com base nas palavras de Jesus, afirma a necessidade de justiça social, de partilha, de solidariedade; afirma que a riqueza de alguns é causa da pobreza de muitos; afirma que o sistema sócio-político em que vivemos é causador da fome, da exploração de uns poucos sobre muitos; afirma que é necessário repensarmos nossas práticas religiosas de forma que a fé e as orações passem pelas mão e pelas atitudes e se convertam em busca pela equidade… se isso ocorre, essa pessoa vai ser chamada de “comunista” (mas quem os acusa, em geral, desconhece Marx e outros autores que escreveram sobre comunismo e socialismo!)

Então, mais uma vez: Jesus afirmou, repetindo o que dissera Oseias: quero as atitudes e os gestos de misericórdia e não a religião de fachada, a oração pública para aparecer bem na foto… gestos bem estudados para ganhar votos; palavras bem escolhidas para impressionar… mas gestos vazios de amor, de verdade, de solidariedade, de justiça...e, pior do que tudo isso: palavras maldosas contra a Igreja que denuncia essas falsas posturas, propondo novas atitudes pelas quais se exerçam atos de misericórdia, anunciando a real vontade do Senhor. Jesus defendeu quem precisava e não apoiou os opulentos.

Contra esses que teatralizam a religiosidade e não praticam a religião do amor, vem o profeta para os desmascarar: vossa fé, vossa piedade, vossas orações e “o vosso amor é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz”: é só um verniz; não tem raiz; não germina e nem produz os frutos de santidade.

Com isso encontramos o apóstolo Paulo (Romanos 4,18-25) fazendo elogios a Abraão. Mas não elogia seus bens, nem seus bois, nem as tendas… elogia sua postura que nasce da fé. E “esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça”. Sua atitude, e não seu discurso! Suas preces foram ouvidas, mas porque suas atitudes não eram mesquinhas…

Por que Jesus chamou Mateus, o pecador, e não os fariseus cumpridores da lei? Por que Jesus se dedicou aos pobre e não aos mestres da lei, nem aos sacerdotes, nem aos rico? Por que Jesus foi questionado quando fez uma refeição na casa de Mateus pecador?…

Não precisa da resposta da Igreja nem dos padres e bispos ou pastores… a resposta vem de Jesus: “Aprendei, pois, o que significa: Quero misericórdia e não sacrifício. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”. Mas os pecadores que mudam de vida!

Talvez se nós entendermos isso: que Jesus quer a misericórdia. Que ele veio para os pecadores. Que ele prefere as “ovelhas desgarradas”… Talvez, se entendêssemos isso, teríamos maior oportunidade de desenvolver uma fé equilibrada. Uma fé operosa. Uma fé que valoriza a vida e não as aparências…

Nestas alturas, alguém pode estar se perguntando: “Pra que tudo isso?” ou então: “O importante não é a fé?” Evidentemente que a fé é importante. Essa foi a atitude que Paulo elogiou em Abraão. Mas uma fé que nasceu de uma atitude. E o para quê: para estarmos em sintonia com a proposta do profeta. Oseias afirma a necessidade de seguir “para reconhecer o Senhor”. E para que reconhecê-lo? Para o acolher em seu retorno. E como vamos acolhê-lo? Com nossas obras, com nossas atitudes…

E ele voltará. “Certa como a aurora é a sua vinda, ele virá até nós como as primeiras chuvas”, diz o profeta. E, certamente, irá nos indagar: como você se comportou diante de minha recomendação dizendo que quero a misericórdia e não os sacrifícios?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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