sexta-feira, junho 24, 2022

É para a liberdade

(Reflexões baseadas em: 1Reis 19,16b.19-21; Gálatas 5,1.13-18; Lucas 9,51-62)




Como responder ao chamado de Deus?

Pode ser como o fizeram Eliseu ( 1Reis 19,16b.19-21) e os jovens que se aproximaram de Jesus (Lucas 9,51-62). Nas duas situações os interpelados estabeleceram condições: “Deixa-me, primeiro...” (1Rs,19,20; Lc 9,59.61).

Eliseu foi convocado. Desempenhava uma importante função: era um produtor. Foi convocado por Elias, a mando do Senhor. Estabeleceu uma condição: Despedir-se de sua família. Mas não fez só isso: o que tinha repartiu com “com sua gente”. “Tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente” (1Rs 19,21).

Na condição estabelecida por Eliseu não havia interesses pessoais. Era, podemos dizer, resultado da satisfação em ter sido considerado digno do chamado divino. Comemorou a alegria do chamado e, depois da partilha, respondeu ao convite acompanhando Elias.

Os que foram chamado por Jesus também queriam ‘primeiro” fazer algo:então é Jesus quem estabelece as condições do seguimento. Condições, aliás, que podem parecer exageradas, muito “duras” ou desumanas. Não posso enterrar meu pai? Não posso me despedir da família?

Então termos que entender o que disse Jesus.

“Deixe que os mortos enterrem seus mortos”, diz Jesus. E completa: “Vai anunciar o Reino de Deus”(Lc 9,59-60). Tudo começa com o chamado. Para Eliseu, foi um chamado para a unção profética (1Rs 19,16) e, feliz, faz festa. Também Jesus convida: “segue-me”. E já define o objetivo: Anunciar o Reino, que é vida, que é dinamicidade, que é proposta de transformações, que é vida nova, que é superação dos sinais de morte, que é libertação do mundo que produz a morte.

Pode parecer o contrário, mas Jesus não diz para se desvincular da família. Diz para não se prender àquilo que leva à morte, não se prender às amarras do dia a dia.

Essas amarras são“os mortos” que devem “enterrar seus mortos”. Ou seja, tudo que não adere à proposta do Reino é morte, produz morte, conduz à morte. Então, aqueles que não se aliam à proposta do Reino estão mortos e não conseguem conviver com a vida: a antiga lei não liberta; os antigos costumes não geram vida; a falsa profecia não gera esperança…

Mortos a enterrar mortos é a ausência da vida nova proposta pelo Reino. Os mortos(ausência de vida), enterram os mortos, ou seja aqueles que não aderem a novidade do Reino.

Por isso, também, a figura do arado.O agricultor que conduz o animal arrastando o arado, não pode dar atenção aos sulcos deixados para trás. Deve estar atento em conduzir seu instrumento de trabalho a fim de bem preparar a terra para o plantio. Olhando para frente. Por isso, aquele que “põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,61-62). Não está livre, como indica Paulo (Gálatas5,1.13-18).

A proposta, portanto, é olhar para o horizonte que se oferece à frente.É ser livre para optar. A proposta do Reino não é uma imposição – por isso não tem sentido ficar preso aos sinais de morte; a proposta do Reino é liberdade – por isso olhar para a frente, projetando uma nova sociedade baseada no amor, solidariedade, caridade… (Gl 5,13). A liberdade, portanto, é um dom de Cristo. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

O fato é que o mundo presente tem propostas tentadoras e, por isso mesmo, aprisionantes.O desejo de ficar com os “mortos” é uma forma de prisão e, por isso mesmo, produtora de morte. Os mortos ficam e enterram seus mortos porque não se preparam para uma caminhada em direção à vida. Lembrando que somente é capaz de fazer a caminhada em direção à vida, no Reino, quem se desapegou do mundo. Ou aquele que sabe utilizar os valores do mundo como ferramenta para instalar as novidade do Reino que cobra desapego.

“Eu te seguirei para onde quer que fores”, diz aquele que deseja se engajar na implantação do Reino. E Jesus responde: Pode vir. Seja bem vindo. Mas não se esqueça que “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9, 57-58).

Aqui está, portanto, é a proposta, se nada nos aprisiona, somos livres para a liberdade do Reino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, junho 17, 2022

Tome sua cruz

(Reflexões baseadas em: Zacarias 12,10-11;13,1. Gálatas 3,26-29. Lucas 9,18-24)




Voltar-se para Deus; encontrar-se com Deus; reconhecer-se em Deus; saber quem é Deus…. Onde nos situamos? Ou, para nós, Deus é apenas mais uma palavra sem maiores preocupações ou compromisso? Qual o sentido de nossa cruz de cada dia?

É fato que, para a muitas pessoas, Deus não passa de uma palavra meio sem sentido. Ou um ser ao qual se recorre nos momentos de dificuldade. Quando pesa a cruz!

De acordo com o profeta Zacarias (12,10-11;13,1), por saber dessa característica do ser humano, o Senhor Deus derramará uma chuva de bençãos (graça e oração) sobre o povo. Isso fará com que todos reconheçam suas faltas. E, então, haverá arrependimento e as pessoas se voltarão para Deus. Desejarão encontrá-lo pois terão consciência de que Dele e Nele se originam todas as bençãos. E, diz o profeta, “naquele dia, haverá uma fonte acessível à casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém, para ablução e purificação” (Zc 13,1).

E todos os purificados poderão, não só voltar-se para Deus, não só encontrar-se com Ele, não só reconhecer-se em Deus, mas principalmente saber-se acolhidos pelo Senhor.

E por que isso? Somos obras de suas mãos. “Herdeiros de sua promessa” (Gl 3,29).

Mas se, por acaso, alguém ainda não se encontrou com Deus, não se reconheceu em Deus ou ainda está em dúvida se vale ou não a pena entregar-se em suas mãos… tem que atentar para as palavras e Paulo (Gálatas 3,26-29).

O apóstolo das gentes afirma, com todas as letras, a nossa filiação divina. Afirma com toda segurança e certeza: mesmo que não o reconheçamos, mesmo que sejamos indiferentes, mesmo que não tenhamos nos dado conta ou reconhecido… Deus tem uma atenção especial para cada um de nós.

Não importa a origem, cor, raça... Não importa ser possuidor de muitos bens materiais ou alguém que vive na extrema pobreza… não importa. A ação gratuita de Deus destina-se a todos, indistintamente. “O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só, em Jesus Cristo” (Gl 3,28). O olhar amoroso do Senhor Deus não vê as distinções, os rótulos… Não olha para as pessoas com os critérios e valores humanos. Só o que vê é a resposta que cada um dá ao seu convite!

Por isso é que Jesus indaga aos discípulos sobre a opinião das pessoas a seu respeito (Lc 9,18-24). E, também, é compreensível a resposta das pessoas. Mesmo convivendo entre elas, as pessoas ficam em dúvida a respeito daquele que lhes apresenta uma proposta radical: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou” (Lc 9,19).

Percebendo que a indagação não tem um resposta clara, o Senhor indaga diretamente aos seus discípulos: quem sou eu, para vocês? “O cristo de Deus” responde Pedro (Lc 9,20). Mas hoje a pergunta é dirigida a nós. Jesus se dirige a cada um de nós, individualmente… quem sou eu, para você?

E,então, para que não reste dúvidas ou para que não se dê uma resposta apressada, Jesus explica seu programa de vida. Programa que é extensivo a cada um dos que pretendem reconhecê-lo como Senhor. Seu programa de vida, é muito semelhante à vida cotidiana de cada um de nós: carregar uma cruz. No caso dele, além da cruz cotidiana, carregou também aquela pesada, de madeira, sobre a qual estavam nossas vida. Por isso ele explica: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22).

Mas não para nisso. Explica que aqueles que desejarem segui-lo devem assumir a cruz. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23). Jesus vai adiante e explica o sentido da cruz. Explica que todos aqueles que fizerem isso serão recompensados. Deve-se notar, entretanto, que a recompensa não virá por carregar a cruz do dia a dia, mas por aderir ao seu projeto de vida. “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24).

E assim voltamos à indagação inicial: Voltar-se para Deus; encontrar-se com Deus; reconhecer-se em Deus; saber quem é Deus…. Onde nos situamos? Mais ainda, como encaramos nossa cruz de cada dia?

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, junho 16, 2022

Corpo e Sangue de Cristo: cinco pães e dois peixes

(Reflexões baseadas em: Gênesis 14,18-20; 1 Coríntios 11,23-26; Lucas 9,11b-17)




Você já se perguntou qual é o grande milagre realizado por Jesus na narrativa sobre a multiplicação dos pães (Lucas 9,11b-17)? Em que consiste esse milagre? Ou não se trata de um Milagre?

Outra pergunta,nesta celebração do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo é sobre a benção de Melquisedec a Abraão: quem seriam os inimigos de Abraão? (Gênesis 14,18-20). Se Abraão era escolhido pelo Deus Altíssimo, seus inimigos seriam aqueles que não creem no Deus Altíssimo? Se é assim, atualmente ainda existem muitos inimigos, pois são muitos que não caminham na direção do Reino de Deus e se opõem à sua instalação.

Mais uma indagação que pode ser feita na festa do Corpo e Sangue de Cristo refere-se à fé na presença real de Jesus, naquilo que a Igreja chama de Eucaristia. Uma ação de graças, um agradecimento por Jesus ter se dado como alimento para nossas vidas. Isso é o que nos ensina Paulo, ao escrever para os coríntios (1Cor 11,23-26).

O livro do Gênesis nos coloca diante de Melquisedec, que ao reconhecer a sintonia de Abraão com o Senhor invoca sobre ele as bençãos de Deus. E assim os dois personagens oferecem aquilos que possuem, numa relação de amizade para glorificar Senhor. Ou seja, ambos não pedem algo para si; eles intercedem em favor do povo. As pessoas são os destinatários das preocupações dos seus líderes. Com isso mostrando a grandeza da liderança: Melquisedec pede a benção em favor de Abraão e seu povo e por seu lado Abraão oferece o dízimo dos seus bens. Ambos autênticos representantes do povo.

Isso monstra que muitos que se apresentam como líderes do povo, são falsos! São enganadores do povo! Mesmo usando o nome de Deus, agem contra o bem popular! Sendo assim podemos apresentar esta lição para nossas lideranças políticas e religiosas: pensar no bem do povo e não alimentar as ambições e ampliar os saques àquilo que pertence ao povo!

A postura destes personagens nos leva ao ensinamento de Paulo. O apóstolo nos apresenta Jesus, não como grande pregador, mas como aquele que se compadece dos seus e se dá como alimento. Um alimento que não se destina apenas ao corpo, mas nutre para a vida eterna. Jesus se oferece como pão e vinho de forma inequívoca. Sobre o pão, afirma: “Isto é o meu corpo que é dado por vós”; e sobre o vinho, afirma: esta é uma “nova aliança, em meu sangue” (1Cor, 11,24-25). Ou seja, o pão e o vinho não são símbolos, nem representam… mas são o próprio Jesus que se dá como alimento. E não se trata de uma refeição qualquer. Trata-se de um ponto de transição: Uma refeição para o corpo e para a vida. “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha”(1 Cor 11,26). E esta é uma verdade “de fato”!

Por sua vez, Jesus mostra a diferença entre o pensamento mesquinho do ser humano e a proposta de Deus. Diante da multidão, o pensamente humano: “A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos aproximaram-se de Jesus e disseram: Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto" (Lc 9,12). a postura humana: cada um que se vire!

Outra é a postura de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”(Lc 9,13). Ou seja, a responsabilidade sobre o ser humano é do próprio ser humano. Não cabe a Deus fazer aquilo que as pessoas tem as condições e os meios de realizar: a partilha! Se fome existe não é por falta de comida, mas por falta de partilha. O que comer existe, mas a fome aumenta porque existe concentração dos bens. E Jesus se dirige a nós: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. E aqui acontece, não o milagre de fazer brotar comida do nada. Ocorre o milagre de tocar o ser humano para desenvolver o sentimento de solidariedade. "Só temos cinco pães e dois peixes”.

E aqui vale a lógica do comportamento humano.

Se os discípulos, seres humanos que são, haviam se precavido, levando seu lanche, com certeza outros também o faziam. E se Jesus mostrou que os seus cinco pães e os dois peixes estavam à disposição de todos, todos também se sentiram tocados a partilhar o que estavam levando. “Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão” (Lc 9,16).

Então qual é o grande milagre? Não é fazer surgir do nada, na aparência de um truque de mágica. Não é multiplicar indefinidamente como uma fonte de água límpida. Neste caso, o milagre não foi feito por Deus, mas pelas pessoas que se sentiram tocadas e promoveram a partilha. Deus não faz o que nós podemos fazer. Alimentar as pessoas, promover a partilha, esse é o milagre que Deus quer que realizemos. Isso está ao nosso alcance! Cinco pães e dois peixes podem mobilizar o milagre da partilha!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

sexta-feira, junho 10, 2022

Santíssima Trindade: A melhor comunidade

(Reflexões baseadas em: Pr 8,22-31; Rm 5,1-5; Jo 16,12-15)




Já parou para pensar em qual é o modelo para as nossas comunidades cristãs? Onde nossas comunidades devem se espelhar, para viver a plenitude do ensinamento de Jesus de Nazaré?

A resposta nos é oferecida pela Palavra Sagrada. Uma face na qual podemos nos espelhar é a própria Sabedoria de Deus, como ela se apresenta no livro dos Provérbios (8,22-31). Outra é a face do próprio Jesus de Nazaré, como nos ensina Paulo, escrevendo aos Romanos (5,1-5). Uma terceira face é Jesus quem nos apresenta ao falar de seu Espírito de Verdade e Santidade (João 16,12-15).

E as três faces, emoldurando o modelo de comunidade, perfazem o próprio Deus que é Trindade. Ou seja, como o afirmam os teólogos, mostram que a Santíssima Trindade é a melhor comunidade e, portanto, qualquer comunidade cristã que deseje mostrar seu caráter cristão tem que se modelar nessa Comunidade de amor que se constitui justamente por ser uma comunidade de amor.

O livro dos Provérbios dá testemunho disso, não só porque apresenta lições de sabedoria para a vida cotidiana, mas porque mostra que a Sabedoria é um dos principais atributos da Trindade. Sendo assim numa comunidade cristã, não devem faltar decisões sábias. As decisões da comunidade cristã, devem ter por base o projeto criador do Pai. E assim como a Sabedoria estava junto ao Pai, desde antes do ato da criação, a comunidade cristã pode ser criativa por inspiração divina e, dessa forma, ser uma comunidade servidora.

Assim a Sabedoria divina se apresenta: “O Senhor me possuiu como primícia de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas;desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra.” (Pv 8,22-23). Por que a comunidade cristã deve espelhar-se nesse dom da Trindade? Porque é a Sabedoria quem orienta as ações divinas. Na aurora do mundo a Sabedoria orientava os atos da criação. “Quando fixava ao mar os seus limites - de modo que as águas não ultrapassassem suas bordas - e lançava os fundamentos da terra, eu estava ao seu lado como mestre de obras” (Pv 8,29-30).

A comunidade cristã tem mais um fundamento para suas ações: a Fé.

Este ensinamento nos é oferecido por Paulo, ao dizer que a fé nos coloca na paz de Deus; nos concede a graça da esperança de participar da glória divina (Rm 5,1-2).

O dom da esperança tem consequências para a vida da comunidade e para a vida dos indivíduos, na condução do dia a dia. A comunidade movida por esperança lança sementes que fazem germinar as flores de novos e melhores dias. Mas quem lança as sementes são os indivíduos da comunidade esperançosa. Portanto, não basta a comunidade falar em esperança. É necessários que os indivíduos sejam movidos pela fé que alimenta a esperança.

A fé, geradora de esperança, confere a capacidade de vencer as tribulações e as dificuldades; condições para superar as dores e vislumbrar a plenitude da vida e os caminhos do Reino. “E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Em terceiro lugar,Jesus, orientando seus discípulos, mostra outra face da comunidade cristã: a Verdade.

Ao prometer e conceder o Espírito da Verdade, Jesus ensina aos seus que a verdade, além de ser libertadora, é um dom do Espírito de Deus. Assim, Jesus de Nazaré ensina que entrega o “Espirito da Verdade ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16,13).

Na comunidade cristã, portanto, não deve faltar a verdade, pois, sendo libertadora, ela se manifesta como elemento aglutinador. Note-se que, se por um lado a mentira gera divisão, que é a essência do Inimigo, a verdade conduz à união. E a união move o amor que é a essência da comunidade divina e, por extensão, a essência da comunidade cristã.

Assim, se por um lado aqueles que espalham mentiras são promotores de tudo que é diabólico, quem semeia a verdade é conduzido pelo Espírito de Verdade, que é a face do próprio Deus.

Ese nos perguntássemos como se deve constituir e agir a comunidade cristã, teríamos como resposta a afirmação de que ela deve se pautar pela sabedoria criadora, pela fé esperançosa e pela verdade libertadora. Esse é o retrato da comunidade cristã, reflexo da comunidade da Trindade Santa que é a melhor comunidade.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, junho 02, 2022

Pentecostes: Recebei o Espírito Santo



(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1 Coríntios 12, 3b-7.12-13; João 20, 19-23)




Quando lemos a passagem do livro dos Atos dos Apóstolos que menciona o dia de Pentecostes (At 2,1-11), certamente ficamos admirados com tantos fenômenos e, com certeza, nos fazemos algumas indagações, querendo entender aquelas maravilhas.

Se Jesus tinha atribuído a missão de sair pregando, porque os discípulos ainda estavam reunidos em Jerusalém? Eles ouviram um barulho “como se fosse uma forte ventania”. Os discípulos viram “línguas como de fogo”. Se é “como se fosse”, então não ocorreu ventania nem fogo? Cheios do Espírito, os discípulos começaram a falar em outras línguas, isso ocorreu como um milagre ou já conheciam essas outras línguas? Eram, de fato, muitas línguas ou uma só? Afinal, que língua era essa?

Entretanto, será que estamos fazendo a pergunta correta? O que Deus está querendo nos dizer no dia de Pentecostes? Será que, no dia de Pentecostes, em vez dos fenômenos, não devêssemos olhar para o gesto de Jesus? (Jo 20,19-23).

Pra começar, nossa fé nos ensina que a celebração do Pentecostes (ou seja, cinquenta dias após a Páscoa) quer chamar nossa atenção para um fato: estamos celebrando o que se pode chamar de manifestação sensível da ação do Espírito de Deus. Não que o Santo Espírito não estivesse agindo; nem que nunca tivesse se manifestado na história sagrada. Pelo contrário, o Espírito sempre agiu ao longo da história. Acompanhou o plano divino desde sempre e, no ato da criação, pairava sobre as águas junto com o Verbo Divino.

Ocorre que a ação criadora, no início, foi um ato do Pai. Na comunhão com o Filho e o Espírito, o Pai fez com que tudo passasse a existir. A ação salvadora coube ao Filho. O Verbo divino, pela ação do Espírito de Vida, encarnou-se no ventre de Maria, fez-se humano e habitou entre nós, nascido da mulher Maria. E em sua pregação Jesus estabeleceu as bases da Igreja, a comunidade do Povo de Deus.

Cabe, portanto, ao Espírito de Luz, guiar as ações da Igreja para que a Igreja continue colaborando na obra criadora de Deus. Por isso os discípulos estavam reunidos, esperando a manifestação do Espírito a fim de serem revestidos pela força do Senhor. E eis que vem o Espírito de todas as Graças e concede a cada um aquilo que é o seu dom. Ou seja, a cada indivíduo o Espírito concede o dom com o qual ele pode fazer a Igreja de Cristo crescer e o mundo ser melhor. E isso nos leva ao ensinamento de Paulo (1Cor 12, 3b-7.12-13): há diversidade de dons, diversidade de ministérios, diversidade de atividades… mas é o mesmo Espírito que age em todos.

O Espírito de unidade concede o dom com o qual cada indivíduo pode colaborar para o bem de todos os demais indivíduos e crescimento da Igreja, a comunidade dos que acreditam. “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,7). E, para que não restem dúvidas o apóstolo explica novamente, reafirmando: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12,13).

Essas palavras do apóstolo nos ajudam entender: não importa se houve ou não línguas de fogo. Não importa se houve ou não um vento forte ou só uma brisa suave. Não importa se os discípulos falaram usando esta ou aquela língua… não importam os sinais externos, nem se foram coisas simples ou eventos maravilhosos .

O que é realmente importa?

Que o Espírito de Amor, de união, de sabedoria, de coragem; o Espírito eclesial, de comunidade solidária… Esse Espírito foi dado, não como um presente, mas como um companheiro, um amigo que estimula para a realização de coisas grandiosas… para o bem de todos, para o bem comum, para o bem da comunidade…

Notemos que quando Jesus, fazendo-se presente no grupo reunido, concede o Espírito Santo, não o faz de forma suntuosa, mas com um sopro de amizade, com um gesto de carinho, com uma demonstração de amor. Primeiro dá a paz. Depois dá a missão. Só então, para firmar o compromisso e fortalecer a missão de servir é que sopra o Espírito Santo. “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). E o Espírito é dado em vista do bem comum.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, maio 27, 2022

Ascensão: Testemunhas de Cristo

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Lucas 24,46-53)




Os mistérios do céu podem gerar em nós inquietação ou esperança.

Inquietação porque o espírito humano busca certezas e nem sempre se dá conta de que o ato de fé exige mais do que certeza, exige compromisso com algo que não pode ser demonstrado. E esperança porque, mesmo parecendo absurdo, somente o ato de fé pode impulsionar a vida e propor novos caminhos.

E não precisa ser fé religiosa, pode ser fé num sonho… tudo é conduzido pela esperança… caso contrário a inquietação leva ao desespero! Mas a fé abre caminhos!

A inquietação pode levar ao desespero ou a um ato de fé. O desespero decorre da incapacidade de perceber possibilidades; de uma incerteza que não admite imprecisões, sem se dar conta de que é justamente a imprecisão que impulsiona o viver. Mas para isso é necessário um ato de fé. E o ato de fé faz mergulhar na esperança que abre caminhos e horizontes!

A inquietação estava presente entre os apóstolos (At 1,1-11). Na ceia ainda estavam confusos, mesmo depois de terem convivido com o Senhor e dele terem ouvido inúmeras explicações e exemplos de vida. Apesar disso ainda se perguntavam e indagavam ao Mestre: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (At 1,6). Não haviam compreendido a mensagem nem a proposta. Não haviam entendido que o Reino vai além de Israel!

Que lhes faltava? O ato de fé.

Como ainda não estavam amadurecidos na fé, Jesus precisou dar novos detalhes. E explicou: Não cabe a vocês saberem das coisas de Deus (At 1,7). Mesmo contemplando a ascensão ainda se postavam na inquietação. Permaneceram “olhando para o céu” (At 1,10) esperando uma resposta… que estava nas nuvens, mas na caminhada...

Nãose tinham dado conta de que o ato de fé, não é algo que vem do céu, mas é uma atitude pessoal. Por isso a interpelação que lhes é dirigida pelos mensageiros: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (At 1,11). Ou seja, ponham-se a caminho. A inquietação desaparece quando se faz um mergulho no processo da caminhada, num ato de fé.

Ea orientação para isso é dada por Paulo, quando escreve aos efésios (1,17-23).

O apóstolo, como que em uma oração, pede ao Pai que a comunidade receba um “espírito de sabedoria”e a luz da esperança (Ef 1,17-18). Sabedoria para entender que só o ressuscitado pode oferecer certezas; e esperança para se por na caminhada da vida.

Eisso também vale para nós. Para entendermos, num ato de fé, que toda esperança, toda riqueza do ser humano, consiste na glória junto aqueles que nos precederam. Nossa riqueza é uma “herança com os santos” de Deus. Ou seja, o ato de fé impulsiona para algo que está além de toda inquietação; algo que só pode ser percebido exatamente pelo ato de fé.

Mas para entender tudo isso e ser fiel à mensagem e proposta de Jesus é necessário aprender com ele (Lucas 24,46-53). E se prestarmos atenção às suas palavras e gestos notaremos que ele age como um pedagogo. Não um pedagogo dos dias atuais que se preocupa com regras e normas sem atentar para a essência da caminhada. Jesus encarna a postura original do pedagogo, aquele que conduz no caminho da aprendizagem e para a aprendizagem: visando o pleno desenvolvimento da pessoa; visando a plena sintonia com o plano do Pai; visando e estimulando a convivência com as demais pessoas.

ÉJesus quem mostra o caminho e faz isso ao longo de sua vida; é ele quem conduz nos e para os caminhos do Reino. Ele ensina isso mostrando que as Escrituras Sagradas não só prefiguram sua vinda e sua permanência na história humana, mas principalmente ensinam que cabe aos seus seguidores levar adiante as propostas de esperança. Eis suas palavras: “Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24,46-47). Ou seja, algo novo pode se desenvolver na vida de quem faz o ato de fé e deposita sua esperança naquele que ressuscitou.

Nisso consiste o Ser Testemunha: aprender com esse mestre que sabe conduzir não para seguir regras e normas que dificultam a vida, mas alimentando a esperança de uma vida plena na sintonia com o Espírito que o Pai prometeu! Essa é a esperança dos que se fazem Testemunhas de Cristo!







Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, maio 20, 2022

Páscoa 6: Brilhando com a glória de Deus

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29; Apocalipse 21,10-14.22-23; João 14,23-29)




As novidades sempre criam embaraço, por serem um ponto de interrogação: nunca sabemos onde podem nos levar. Se não isso, pelo menos apresentam novos desafios, geram novas inquietações e necessidades de novas respostas.

Essa situação, a novidade da mensagem do Ressuscitado (At 15,1-2.22-29), provocou esse desconforto entre os primeiros cristãos. Como agir se a novidade exige novas posturas? Como entender as antigas tradições, se a proposta do Ressuscitado cobra novas convicções?Afinal a quem dirigir a mensagem salvadora: à comunidade tradicional ou àqueles que não conhecem a proposta de Jesus? Quem tem uma palavra de conforto e orientação?

Eram tempos de dúvidas. Tempos difíceis. Mas o Espírito de Verdade ensinou o caminho(Jo 14,23-29). A visão da Cidade Santa (Ap 21,10-14.22-23) apresentou-se como uma resposta.

Mas antes disso e para não impor uma verdade absoluta, sem base numa tradição, sem consultar aqueles que haviam convivido com o Senhor… a sensatez mandou pedir ajuda e orientação: “Decidiram que Paulo, Barnabé e alguns outros fossem a Jerusalém, para tratar dessa questão com os apóstolos e os anciãos” (At 15,2). E a resposta veio na forma de uma mensagem universalizante: evitar a idolatria e seguir os passos de Jesus. Como ensinaram os apóstolos que haviam convivido com o Senhor: “Decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis” (At 15,21). E essa passou a ser uma resposta valida para todos, em todos os tempos!

E, caso ainda houvesse dúvidas… e elas existiam, o autor do livro do Apocalipse esclarece: Ninguém fica de fora. Na Cidade Santa, figura da Igreja; na habitação do próprio Deus, tem espaço e acolhida para todos. O convite não é apenas para um pequeno grupo, mas estendido a todos. Em todos os tempos e lugares!

Na imagem da Cidade Santa, sobre suas portas estavam escritos os nomes das tribos da Antiga Aliança: “Estava cercada por uma muralha maciça e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel. (Ap 21,12). Ou seja, o ponto de partida e a vinda do Senhor, dependeu da porta de entrada que foi o antigo povo de Deus: os nomes da “doze trios de Israel” escritos sobre as partas.

Entretanto o fundamento da Cidade, figurando a Igreja e a habitação do Senhor, eram os apóstolos. A base da Igreja não está nas portas, e sim no alicerce. E este alicerce não é outro senão os apóstolos. Aqueles que conviveram com Jesus, o Cordeiro. “A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” (Ap 21,14).

Sabendo que os apóstolos são o fundamento da Igreja a comunidade que se deparava com um problema, procurou-os em busca de orientação (At 15,1-2). Sabendo que o verdadeiro templo e a verdadeira luz para as comunidades é o próprio Cordeiro, o autor do Apocalipse orienta: tendo o Senhor por guia, dispensam-se os demais preceitos. Sabendo que as normas antigas estavam ultrapassadas, que cedem lugar para aquele que estabeleceu as normas, afirma: “Não vi templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol, nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro.” (Ap 21,22-23).

Então, em que se baseia a vida da Igreja? Qual é a novidade da mensagem de Jesus de Nazaré? Qual é a novidade que não deixa ninguém em dúvida?

A resposta é uma só: a luz que vem da Cidade Santa. E essa luz é o próprio Jesus, aquele que concede o Espirito de Amor, que vem do Pai.

E se os apóstolos são o fundamento e alicerce sobre o qual nasce e cresce a Igreja, o impulso para esse crescimento é o próprio amor de Cristo para com a Igreja, a comunidade dos que aderem à sua proposta de amor: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” ensina Jesus (Jo 14,23). E para assegurar a verdade dessa mensagem de amor, Jesus dá uma garantia: “o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26).

Resta saber se nós vamos nos deixar iluminar e guiar pela luz da glória que é o próprio Deus…




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, maio 12, 2022

Páscoa 5: Aberta a porta da fé

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35)




O que é o novo céu e a nova terra? Por que o mar já não existe?

Estas perguntas surgem quando lemos o livro do Apocalipse (21,1-5a). Mas a leitura dos Atos dos Apóstolos (14,21b-27) nos apresenta uma resposta: a boa nova está se espalhando e se fazendo presente entre as pessoas com uma mensagem de amor que se expressa num novo mandamento, ensinado por Jesus (Jo 13,31-33a.34-35). Um mandamento que vê o bem estar da pessoa como um valor supremo, por isso é chamado de mandamento do amor.

Acontece que nos primeiros tempos do cristianismo, a vida não era fácil para os seguidores de Jesus.

As perseguições, as dificuldades, os confrontos com sacerdotes de outras crenças…. Eram inúmeras as situações que podiam levar ao desânimo. Situações que podiam levar ao abandono da fé. Afinal de contas permanecer no tradicional, no culto dos antigos deuses, na dependência dos deuses das autoridades… era mais fácil do que assumir novas posturas de paz, de justiça, de fraternidade, de amor, como era a proposta do cristianismo.

Viver essa novidades não era fácil quando as facilidades do tradicional era comodo. Diante desse quadro Paulo e Barnabé apresentavam-se como apoiadores e incentivadores da nova fé, abrindo as portas para a nova fé. Eram bases para apoiar e enfrentar as dores. Por isso eles encorajavam os discípulos. “Eles os exortavam a permanecerem firmes na fé”. E diziam mais! Ensinavam que os sofrimentos podem ser caminho seguro para entrar no reino de Deus “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 14,22).

Avida cotidiana dos discípulos e dos apóstolos, mesmo não sendo algo fácil, apresentava um vislumbre de superação, de vitória. Apresentava-se como algo de muito bom e estava por acontecer. E, diante dessa nova realidade, tudo que era velho, tudo que eram dores, ganharia uma nova configuração: Oreino do amor está para se instalar!

Essa nova condição levou o autor do Apocalipse a dizer, olhando para a promessa de Jesus: “Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para o seu marido” (Ap 21,2).

Trata-se de algo maravilhoso, que ainda não está instalado, mas que já se anuncia. Já se prenuncia. Já acena como recompensa não pelos sofrimentos superados, mas pela dedicação à causa, mesmo em situação adversa.

E aqui está a grande novidade do cristianismo. O significado dos sofrimentos cotidianos em nome de Cristo: a vitória. O sentido das dores é uma nova vida em pleno gozo de alegrias e realizações. Mas isso não será concedido como recompensa por ter sofrido, mas pela dedicação a uma causa que tem por objetivo, além do anúncio do amor divino, a plenitude do amor entre as pessoas. Ou seja, Deus não quer que soframos para merecer o céu. Quer que nos dediquemos, que usemos nossa vida, que destinemos nossas energias… ao anúncio de seu amor e à preparação de um mundo em que as pessoas sejam respeitadas, onde o bem se instale, onde as pessoas dedicam-se a ajudar aos outros. Ajuda que consiste em evidenciar o valor da pessoa fazendo com que cada um se encontre consigo e com o sentido de suas vidas.

Não se trata de dizer: minha vida é muito sofrida, então na outra vida vou para o céu pois já sofri demais. O raciocínio e o processo é diferente: passei minha vida fazendo de tudo para que as pessoas com as quais convivi tivessem uma vida melhor porque esse é o plano de Deus. Como consequência dessa minha dedicação ao bem, eu sofri…. Essa será uma vida recompensada com a plenitude da vida em Deus.

Essa é a essência do ensinamento de Jesus: O amor. Esse é o sentido das dores: a doação ao outro. Esse é o caminho que se abre com o anúncio da fé: ser pelo e para o outro. “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.” (Jo 13,34-35).

E assim o mar das dores deixará de existir. Um novo céu e uma nova terra se instalarão, pois esse céu e essa terra novos representam a instalação do amor pleno, presentes na vida de todos aqueles que se dedicarem a abrir novas portas para a fé no ressuscitado.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:



sexta-feira, maio 06, 2022

Páscoa 4: Luz para as nações

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 13,14.43-52; Apocalipse 7,9.14b-17; João 10,27-30)




As portas para o mundo se abriram!

Os caminhos preparados!

Os planos de Deus se concretizando!

A Luz ressurgindo para a vida!

As nações sendo acolhidas!

E, nisso tudo, os primeiros instantes de medo, incerteza, insegurança, ansiedade, apreensão… sendo superados. Novas perspectivas...

Pedro e alguns companheiros já estavam levando adiante a mensagem do Ressuscitado. As dores e prisões também estavam acontecendo. Mas nem por isso o anúncio da ressurreição havia parado. Pelo contrário, as dificuldades estavam conferindo mais vigor às pregações.

Assim éque vamos encontrar Paulo e Barnabé (At 13,14.43-52) em sua ação missionária. Sua atuação também não foi só de sucessos e flores, mas apesar das dores, muitos ouviam e aceitavam sua proposta “Muitos judeus e pessoas piedosas convertidas ao judaísmo seguiram Paulo e Barnabé. Conversando com eles, os dois insistiam para que continuassem fiéis à graça de Deus” (At 13,43).

Mas,por outro lado, outros tantos, mobilizados pelos judeus incrédulos na radicalidade da nova mensagem, não aceitavam a pregação e, pelo contrário, geravam todo tipo de dificuldades e perseguições. “Os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, assim como os homens influentes da cidade, provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território.” (At 13,50).

Essa postura dos judeus pode ser vista como um grande divisor de águas. E, principalmente como ponto de partida para a universalização da mensagem cristã. A afirmação de Paulo não deixa dúvidas: devido à rejeição, por parte dos judeus, a proposta do Senhor abre-se, definitivamente, para todos. E essa abertura se faz mediante a ação de Paulo: “como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos. Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: 'Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra’ ” (At 13,46-47).

Essa luz atraiu milhares e milhares. Muitos milhões, como diz o Apocalipse (7,9.14b-17). A presença dessa multidão, do Apocalipse, tem a ver com o discurso de Paulo. “Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap. 7,9.14b-17).

A multidão, com as flores brancas nas mãos (palmas), havia vencido as dificuldades. Juntamente com Paulo e Barnabé, formava um grupo capaz de iluminar os caminhos. Grupo que, como luz, indicava a esperança: pode haver sofrimento, sim. Mas a sintonia com o Ressuscitado abre as portas para a glória definitiva, permite vislumbrar, mesmo no dia a dia turbulento, aquilo que nos espera na eternidade.

Assim entendemos as palavras de Jesus, aquele que ressurgiu dos mortos (Jo 10,27-30), afirmando que dá vida às suas ovelhas. E faz isso porque foi capaz de dar sua vida por elas. E com isso mostra que, apesar das dores e dificuldades e medos… impõe-se a esperança.

E se atentarmos para as palavras de Jesus, veremos que existe não só uma esperança, mas uma certeza: dias melhores virão! E Jesus é a luz indicando o caminho.

O que nos permite ter essa certeza?

As palavras de Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10,27). O rebanho segue esse pastor não só porque ele é fonte de vida mas principalmente porque ele não perde as ovelhas. Elas podem se afastar, se desviar do caminho… mas o pastor se apresenta como aquele que as quer de volta. E lhes oferece o que ninguém pode dar: vida eterna. “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão” (Jo 10,28).

A proposta está feita.

A promessa assegurada.

A luz para as nações está à disposição!

Resta saber quem se deixará iluminar!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, abril 29, 2022

Páscoa: Obedecer a Deus, não aos homens

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 21,1-19)



Quais as consequências daquilo que falamos ou do que fazemos?

A indagação tem razão de ser, pois tudo que dizemos ou fazemos tem repercussão: positivas ou negativas…grandes ou pequenas! Mas sempre tem consequência, reações… O que fazemos repercute de alguma forma ou em algum lugar, sobre algo ou sobre alguém!

A consequência da vida de Jesus,do que fez e ensinou, foi sua morte na cruz (At 5,27b-32.40b-41); a consequência ou o resultado de sua morte foi nos mostrar o caminho da ressurreição além de receber todas as honrarias na corte celeste (Ap 5,11-14). A consequência da pregação dos apóstolos foram as perseguições e dores que sofreram, mas graças a isso também puderam contemplar o Ressuscitado (Jo 21,1-19) e aprender dele a última lição da partilha.

Os apóstolos, ao anunciar que o crucificado ressuscitou, foram perseguidos, presos e torturados (At 5,40). Mas seu anúncio resultou na adesão de muitas pessoas que passaram a acreditar na afirmação de que por trás daquele nome estava uma mensagem salvadora. Uma mensagem redentora. Uma mensagem que conduzia a uma nova vida. Uma mensagem capaz de curar o corpo e a alma. Ou seja, a consequência da pregação dos apóstolos produziu um redirecionamento na vida de muitas pessoas.

E isso foi possível porque os apóstolos optaram por Jesus e preferiram ouvir não aos homens, não aos sacerdotes assassinos, mas a Deus que ressuscitou Jesus, o Deus da vida! “Então Pedro e os outros apóstolos responderam: É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens” (At 5,29). Atender ao apelo daqueles que representavam o poder estabelecido, implicaria em seguir os caminhos da morte; os caminhos da tortura. Implicava em apoiar aqueles que torturaram e mataram Jesus. Os caminhos daqueles que assassinaram Jesus e não atendiam aos apelos, anseios e necessidades do povo.

E, ainda hoje, seguir a Jesus implica não só renunciar aos disseminadores de maldade e falsos pregadores que denigrem a imagem de Jesus, mas também denunciá-los como representantes das forças do mal, da morte. Qualquer líder (religioso ou político…) que valoriza mais o dinheiro, as aparências, o poder, o status… em detrimento das pessoas e suas vidas, efetivamente representa as forças que mataram Jesus; essa pessoa está usurpando o lugar de Deus. E se existe quem mereça louvor, honra, glória… é Deus. Se existe quem realmente é poderoso, esse é o Senhor que concede a vida. “Ouvi também todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe, e diziam: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre” (Ap 5,13).

E isso podemos comprovar observando a atitude de Jesus. Passou a vida mostrando que só Deus é o centro de tudo. Morreu por testemunhar que Deus opta pelos excluídos.Passou a vida mostrando que as ações de Deus ocorrem como amparo aos pequeninos. E depois, quando ressuscitado, não se apresentou com pompa nem com alarde. Pelo contrário, deu-se no pão e no vinho. Entregou a força do Espírito de Vida. Compartilhou pão e peixe, na beira do mar…. “Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. Jesus disse-lhes: Trazei alguns dos peixes que apanhastes (Jo 21, 9-10).

Observando tudo isso somos levados a entender que Jesus alimenta um prazer que lhe confere alegria: seu prazer é receber a oferta e a vida das pessoas. As pessoas podem oferecer a Deus sua própria vida. E isso gera sua alegria que é vivenciar e incentivar a partilha… Ele poderia dar pão e peixe aos pescadores, mas preferiu dar do que tinha e, ao mesmo tempo, receber o que os pescadores podiam oferecer!

E isso nos leva de volta à afirmação de Pedro, diante dos sacerdotes que entregaram Jesus à morte. Os mesmos que agora estavam perseguindo os seguidores de Jesus; os mesmos que tentaram impedir que a mensagem salvadora se propagasse. Diante desses falsos pregadores Pedro não teve dúvidas em fazer a denúncia e estabelecer os critérios a partir dos quais se pode observar as consequências: “Pedro e os outros apóstolos responderam: 'É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados.” (At 5,29-31)

Então, a quem ouviremos? E é importante saber a resposta, pois dela nascem consequências. O que falaremos? Também a isto temos que dar uma respostas que seja expressão de nossa vida. Mas o fato é que a Palavra Santa nos orienta, pelas palavras de Pedro: É preciso obedecer a Deus e não aos homens… e, fazendo isso, teremos consequências que abrem caminhos para a vida!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Os africanos no Brasil

A partir do descobrimento, os portugueses iniciaram o processo de ocupação do Brasil. Entretanto a colonização efetiva começou com as capitanias hereditárias e o cultivo da cana na região do atual Pernambuco.

Para esse processo colonizador, os portugueses apelaram, inicialmente, para a mão de obra indígena. Mas por várias circunstâncias tiveram que mudar a estratégia.

Começou uma das mais tristes e sombrias paginas de nossa história: o tráfico negreiro.

Os portugueses que já exploravam regiões da África passaram a trazer para o brasil pessoas capturadas naquele continente. Da mesma forma que já faziam em Açores e Cabo Verde, por exemplo.

Desde o início da colonização os portugueses valeram-se da exploração coercitiva da mão de obra. Dessa forma os africanos trazidos para o Brasil não tiveram outro destino: foram feitos escravos. Mas isso somente foi possível porque africanos e portugueses já conheciam a prática escravocrata. De seu lado os lusitanos já escravizavam africanos em suas colonias nas ilhas atlânticas. Os africanos, por sua vez, praticavam a escravidão em diferentes situações. Os portugueses se aproveitaram disso, incentivaram e tiraram proveito dessa característica da cultura africana, radicalizando-a

Prisioneiros de guerra, endividados, condenados pela justiça, entre outras eram algumas das condições pelas quais os povos africanos escravizavam concidadãos. Explorando essas condições, principalmente estimulando a guerra entre povos e nações africanas, os portugueses mantiveram uma fonte inesgotável de pessoas a serem escravizadas.

Não só a prática da escravidão, mas todo o processo era altamente desumano. Não só o trabalho forçado, mas os castigos físicos; não só as condições de transporte, nos navios negreiros, eram desumanas como a alimentação era escassa. O fato é que todos esses maus tratos provocavam muitas mortes na captura, no transporte e nas condições de trabalho dos escravizados.

O fato é que, ainda nos dias atuais, a mancha da escravidão encobre a possibilidade do brilho de nossa história, feita de lutas, dificuldades e vitórias.......

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, abril 22, 2022

Páscoa: Muitos sinais e maravilhas

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19-31)




O livro dos Atos dos Apóstolos (5,12-16) nos informa que “Muitos sinais e maravilhas eram realizados entre o povo pelas mãos dos apóstolos”.Ou seja a fé no Ressuscitado estava em expansão e isso oferecia aos apóstolos oportunidade para demonstrar a força da fé.

A fé que levou o autor do apocalipse (1,9-11a.12-13.17-19) a redigir a mensagem do Ressuscitado. Mensagem pela qual aquele que é o Primeiro e o Último afirma ser o Senhor da vida e da morte. Aquele que pode dizer: “Estive morto, mas agora estou vivo para sempre”. E está vivo para mostrar o caminho da vida para aqueles que acreditam no Senhor Jesus.

Por sua vez, o Senhor Jesus manifesta-se aos seus para lhes dar o poder do Espírito (João 20,19-31). E, ao fazer isso ensina que a fé não pode se basear nos sinais, mas que deve ser desenvolvida em vista do testemunho. Por isso recrimina quem pede provas para crer: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” O que implica dizer que toda crença que se baseia nos milagres não é fé, pois bem aventurado são os que acreditam sem ver! Além disso, os sinais falam por si mesmos, sendo desnecessária a fé.

Tudo isso nos permite concluir que o tempo pascal nos coloca diante de uma indagação: somos pessoas de fé? E, se temos fé, em que ela se baseia?

Ofato é que os apóstolos, anunciando a mensagem do Ressuscitado atraiam a atenção de tantos que os ouviam. Esse era o principal sinal e a maior maravilha realizada pelos apóstolos. Suas palavras, anunciando a vida, fazia com que crescesse “o número dos que aderiam ao Senhor pela fé; era uma multidão de homens e mulheres” (At 5,14). Uma multidão que encontrava nessas palavras de vida a única esperança que ainda lhes restava. Por isso traziam seus enfermos: para o último alento. E isso não era negado pelos apóstolos… pelo contrário, era oferecido sem custos, diferente do que fazia a religião oficial e diferente do que fazem muitos credos atuais. As maravilhas do Senhor eram dons da pura Graça do Senhor e eram concedidas pelas mãos dos apóstolos não em troca de algum pagamento ou benefício, mas em resposta à um ato de fé!

Mas essa adesão à fé e pela fé, gerava desconforto. Gerava inveja. Gerava perseguição. Gerava dor e sofrimento.

Quanto maior era a adesão à nova fé, mais a religião oficial, que buscava recompensa financeira e defendia o poder estabelecido, promovia resistência e tribulações aos seguidores daquele que oferecia um novo e definitivo caminho. Para manter a alimentar a foi que o autor do apocalipse se apresenta como “companheiro na tribulação”.Apresenta-se como alguém que, em meio aos sofrimentos, foi arrebatado “por causa da Palavra de Deus e do testemunho que eu dava de Jesus” (Ap 1,9). Um arrebatamento que teve uma finalidade, estabelecida pela voz que lhe dizia: “O que vais ver, escreve-o num livro” (Ap 1,11).

Qual era a finalidade desse livro? Alimentar, ao mesmo tempo, a fé e a Esperança. Por isso que aquele que é o Primeiro e o Último diz: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos” (Ap 1,18). Então a mensagem é simples e definitiva: Aquele que está vivo tem as chaves para a vida. Só ele pode abrir as portas da vida. E fará isso para todos aqueles que acreditam não por que viram algo maravilhoso, mas mediante um ato de fé!

Vale ressaltar que o ato de fé não supõe os sinais e maravilhas, mas o contrário: os sinais são resultantes do ato de fé. A fé opera milagres e não o milagre gera fé. A fé que nasce do milagre, tem vida curta, pois termina com o fim do sinal.

Aqui é que entendemos o diálogo de Jesus e Tomé, o que diz só acreditar se puder ver. Mas aquele que acredita porque vê, não tem fé. O fato de ver, a presença da evidência, dispensa a fé. Por isso Jesus, além de lhe mostrar as mãos e pés trespassados, lhe diz quem são os bem aventurados: os que não precisam de sinais para crer. Esses que creem sem ter visto são capazes de realizar muitos sinais e maravilhas, pois são movidos pela fé.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:



sábado, abril 16, 2022

Sábado da Luz: Aquele que está vivo

(Reflexões baseadas em: Gênesis 1,1–2,2; Êxodo 14,15–15,1; Lucas 24,1-12)



A conclusão da Semana Santa ocorre num ambiente de Luz. E não podia ser diferente!

Depois de celebrar a completa entrega de Jesus, estamos celebrando as consequências ou o prêmio por tamanha doação: a Luz da Restauração da Vida.

A celebração da luz começa com o próprio ato criador, no livro do Gênesis (1,1–2,2), pois ao criar o céu e a terra, a primeira Palavra Criadora diz: “Faça-se a luz! E a luz se fez” (Gn 1,3).

Mas não só fez a luz, o Senhor, também entregou ao mundo algo que era bom, pois separava as trevas da luz. A luz, dom de Deus, é entregue para permitir ao ser humano construir coisas boas. Deus deu a luz como dom do Espírito iluminando as tomadas de decisões.

Mas também acompanhamos a Luz Protetora na cena do Êxodo (14,15–15,1), na caminhada para a Libertação.

A Páscoa dos Judeus se conclui com a travessia do Mar. Com a caminhada pelo deserto protegidos por uma nuvem que, para os hebreus era proteção e para os egípcios era assustadora.Posicionada entre os hebreus e seus perseguidores a nuvem divina tinha duas funções: “Para aqueles a nuvem era tenebrosa, para estes, iluminava a noite. Assim, durante a noite inteira, uns não puderam aproximar-se dos outros” (Ex 14,20).

Por meio dessa nuvem protetora o Senhor se posicionava em favor dos seus escolhidos. “O Senhor lançou um olhar, desde a coluna de fogo e da nuvem, sobre as tropas egípcias e as pôs em pânico” (Ex 14,24). Ou seja, a proteção divina se dá de forma luminosa. E, ao mesmo tempo, quando invocada pelo justo, a luz divina põe a perder as armadilhas dos maldosos, como o fez com os carros e soldados do Faraó. A luz divina “Livrou Israel da mão dos egípcios”. A luz do Senhor ao proteger seu povo alimentou a fé desse povo (Ex 14,30-31)

É assim a celebração da luz no sábado em que comemoramos a Ressurreição de Jesus: Deus dando seu Filho para redimir sua criação e mostrando o caminho da redenção por meio do ato da Ressurreição (Lucas 24,1-12).

As trevas cobriram o mundo quando as ações humanas proliferaram na geração da maldade. As nuvens tenebrosas afastaram as pessoas da prática do bem. As trevas estavam embaçando os olhos dos promotores do bem. As nuvens da maldade estavam se instalando entre as pessoas… e tudo isso estava afastando as pessoas do convívio divino. Toda a maldade humana estava afastando o ser humano de seu destino, que repousar no colo do Criador.

Por isso Jesus se fez Luz para todos. Para iluminar novos caminhos, Jesus recupera a vida e faz de sua vida Plena Luz para cada ser humano que o procura.

De dentro da escuridão do sepulcro, a Luz divina se reapresenta como plenitude de vida, re-entregando a vida ao autor da vida. E Jesus sai do túmulo não como um derrotado, mas como aquele que indica o caminho da vitória. O caminho da vitória da vida sobre a morte.

O caminho da vitória da vida começa a ser indicado com as mulheres chegando ao túmulo e o encontrando aberto.Elas “não encontraram o corpo do Senhor Jesus” (Lc 24,2-30. Não o encontraram porque ele estava vivo!

Em seguida elas viram a Luz divina na “roupa brilhante” dos dois homens que lhes comunicaram: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou” (Lc 24, 4-6).

E a indicação do caminho da Luz prossegue na postura das mulheres. Mesmo com medo elas se fazem mensageiras da vida. Mesmo sabendo-se fracas, levam a mensagem de vida. Mesmo estando mergulhadas na dor, recordam o que ouviram e se fazem as primeiras a anunciar que a nova vida é possível. Tão possível que Jesus as precedeu. Tão possível que Jesus está mostrando o caminho: “Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus. Voltaram do túmulo e anunciaram tudo isso aos Onze e a todos os outros (Lc 24, 8-9).

O caminho da nova vida, o caminho da luz, o caminho da redenção é esse percorrido pelas mulheres assustadas: anunciar que a morte foi derrotada. Anunciar que Jesus venceu a morte. Anunciar que Jesus está vivo.

Jesus é aquele que está vivo e mostra o caminho da vida para a Luz.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:



sexta-feira, abril 15, 2022

Paixão do Senhor: Tomou nossas enfermidades e sofreu nossas dores

(Reflexões baseadas em: Isaías 52,13–53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1-19,42)




Sabemos que a Semana Santa: a quinta, a sexta e o sábados perfazem o grande momento da vida de Jesus, no qual ele faz o coroamento de sua missão no mundo humano.

Por esse motivo, é claro que a Semana Santa é um tempo de recolhimento. É evidente que na Sexta Feira Santa somos convidados a intensificar o Jejum, a oração, a caridade… e todas as virtudes cristãs.

Pensando na concretização desse projeto foi que a Igreja assumiu a narrativa de Isaías (52,13–53,12), sobre o Servo Sofredor. E a Igreja faz isso justamente para mostrar que, se Jesus “entregou seu corpo à morte” não foi por ter fracassado em sua missão. Pelo contrário, ao fazer isso “ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores” (Is 53,12).

E, podemos dizer, Jesus é identificado com o Servo Sofredor não porque sofreu todas as humilhações e dores e castigos e foi abandonado pelos discípulos…. Claro que tudo isso produziu dores e ele sofreu por causa delas. Entretanto o Servo do Senhor é sofredor, antes disso, porque viu seu povo se afastando do Pai. É sofredor porque sofreu sabendo que as pessoas tinham tudo para viver em um mundo de paz, alegria e justiça… mas afastaram-se desse projeto e, ao se engajarem num projeto de morte, começaram a matar a santidade, ameaçaram a paz, destruíram a justiça, implantaram o pecado… e tudo isso faz o Servo sofrer.

Então o sofrimento do Servo, tem um significado. Ele sofreu porque “tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores”. O Servo sofreu “por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,4-5).

Assim sendo, se para nos resgatar, esse foi o preço pago pelo Servo Sofredor torturado pelos poderosos de seu tempo e na cruz, cabe a nós a postura de quem aceita essa redenção. Mas não um aceitar com palavras e orações vazias. Não com a ostentação da opulência e da riqueza. Não com a busca de privilégios e troca de favores, como é comum no jogo político, como narra João (18,1–19,42), na cena da condenação de Jesus.

Cena na qual Jesus foi condenado não por ser culpado de algo, mas por conta dos interesses políticos de seus acusadores: “Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam: 'Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César'. Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado 'Pavimento', em hebraico 'Gábata'. Era o dia da preparação da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: 'Eis o vosso rei!' Eles, porém, gritavam: 'Fora! Fora! Crucifica-o!' Pilatos disse: 'Hei de crucificar o vosso rei?' Os sumos sacerdotes responderam:'Não temos outro rei senão César'. Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.” (Jo 19, 12-16).

Olhando para tudo isso, para os jogos de interesses em nossa sociedade e para o desejo de Deus em nos purificar, cabe a nós corresponder sendo parceiros do Servo Ressuscitado na construção do mundo novo onde impera não não a maldade e exclusão mas a partilha solidária. Não os privilégios dos poderosos, mas justiça dos preferidos de Deus. Não os interesses dos torturadores que provocaram as dores do Servo Sofredor, mas a paz de quem sabe em quem confiar.

Isso porque, para nós, Jesus não é só o Servo Sofredor, mas é também o único mediador (Hebreus 4,14-16; 5,7-9) entre nosso mudo de maldades e o Reino definitivo. Esse mediador, que também nos representa é o próprio Filho que conheceu as dores humanas ao ser torturado. E por tê-las conhecido, as redimiu.

Isso nos diz a carta aos Hebreus: “Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” ( Hb 4,14-15).

Jesus, o Servo de Deus, continua sendo vítima dos torturadores atuais. Mas de uma vez por todas e definitivamente “tomou nossas dores” e assim “a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). Resta saber se vamos colaborar na obra da redenção e se estamos merecendo essa redenção mediante nossa e colaborando com a obra da salvação.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...