sexta-feira, novembro 18, 2022

Cristo Rei: Lembra-te de mim, quando vieres em teu reino

(Reflexões baseadas em: 2 Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43)




Quer aprender com a sabedoria da Igreja? Uma das maneiras é acompanhar o ciclo das celebrações ao longo do “Ano Litúrgico”.

A Igreja tem uma proposta muito sábia, em relação à liturgia. Ela distribui os principais fatos da vida de Jesus de Nazaré ao longo de um ano. Essa é a ideia do Ano Litúrgico, ou seja, a contemplação da vida de Jesus ao longo dos doze meses. E, com isso, faz uma catequese, uma apresentação, uma explicação dos mistérios divinos, manifestados por Jesus de Nazaré.

Há, entretanto, uma diferença em relação ao nosso ano civil que começa em janeiro e termina em dezembro. O Ano Litúrgico começa com o Advento (período de preparação para o Natal) e termina com a celebração Jesus Cristo, Rei do Universo.

Por que comemoramos a realeza de Jesus? Primeiro porque em sua convivência humana mostrou que o sentido da vida é a VALORIZAÇÃO DA VIDA. Para mostrar esse valor curou pessoas enfermas; ensinou o significado do respeito à pessoa humilhada e marginalizada; alimentou as pessoas famintas; mostrou que a pessoa vale mais que as coisas; defendeu a paz; condenou a violência e, principalmente, manteve-se fiel ao Plano que o Pai lhe tinha reservado: dar sua vida em favor da vida de todos.

Em segundo lugar porque o Senhor da Vida, também é Senhor da morte. Ele entregou sua vida e a resgatou. Venceu a morte, mostrando o caminho da Ressurreição. E tudo isso numa caminhada de paz, harmonia, identificação com os sofredores e marginalizados.

Alguém poderia perguntar com base em quê afirmamos a realeza de Jesus? Em que nos baseamos para refletirmos a respeito da solenidade em que celebramos Jesus como Rei do Universo? Em que podemos nos basear para nos aproximarmos desse homem magnífico, o Filho de Deus que se apresentou como Senhor absoluto da Vida e da Morte?

Podemos entender a realeza de Jesus da mesma forma que Davi (2 Samuel 5,1-3) foi aclamado depois foi ungido pelo povo como rei e fez com eles uma aliança, a fim de os conduzir. Assim também o Senhor Jesus, foi ungido pelo Espírito e em seu sangue vertido na cruz, fez uma aliança definitiva, unindo o povo fiel ao Deus da Vida.

Além disso, com Paulo (Col 1,12-20) aprendemos que sua ressurreição o torna Senhor da Morte. Um senhorio que não se limita à sua passagem pela terra, mas que sua vida terrena o capacita a se apresentar como caminho, como inspiração para a caminhada e como meta definitiva para a vida vindoura.

Graças a isso a morte deixa de ser um ponto final para ser percebida como uma porta de entrada na participação “da luz que é a herança dos Santos” (Col 1,12). Sendo luz a guiar os povos Jesus é também “a Cabeça do corpo, isto é, da Igreja. Ele é o Princípio, o Primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo ele tem a primazia,” (Col 1,18). Além disso, Jesus é Rei do universo porque “Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Col 1,19-20).

Ou seja, nada do que existe, existe sem a intervenção divina. Graças a isso, toda a existência é redimida pelo amor que motivou a entrega na cruz e, ao mesmo tempo presenteou o mundo com o dom da ressurreição. Ao ressuscitar, vencendo a morte, Jesus redime tudo e todos, pois só ele tem o poder de dominar as forças da morte.

É fato, entretanto, que nem todos entendem ou aceitam a realeza de Jesus. Por isso a zombaria durante o supremo ato da cruz (Lucas 23,35-43).

Nesse momento redentor assistimos a uma cena em que as garras do mal se apresentam ameaçadoras sobre o Senhor da Vida. As forças da morte zombam da fragilidade da vida. Ridicularizam o único que lhes pode salvar. São vários a zombar e várias as zombarias, manifestando uma profunda incredulidade.Chefes do povo, soldados e malfeitores zombam: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”, diziam os chefes do povo. E os soldados: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”. Os malfeitores com ironia: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,35-39).

Por outro lado, aqueles que acreditam a se entregam nas mãos do Senhor da vida e Rei do Universo imploram, como o outro condenado: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino”. Como ele, todos que aderem à proposta de vida poderão ouvir a promessa, e experimentar a redenção: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 42-43).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, novembro 10, 2022

Não ficará pedra sobre pedra

(Reflexões baseadas em: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19)



Diversos trechos da bíblia nos informam que se aproxima um fim catastrófico, para as pessoas e o mudo.

Podemos mencionar, entre esses trechos podemos, as palavras de Malaquias (3,19-20), anunciando um fogo abrasador sobre os ímpios. Com isso o profeta indica que a ação de Deus colocará um ponto final sobre a maldade humana.

Por sua vez, Paulo, escreve aos tessalonicenses (2 Ts 3,7-12) que esperavam um fim iminente, representado pelo retorno escatológico de Jesus.

Nessa carta o apóstolo procura corrigir a compreensão equivocada de alguns membros da comunidade. Chama a atenção para a necessidade de se viver às custas do próprio trabalho, pois isso, além de ser mais honroso, promove a independência e liberdade das pessoas; sem contar que pelo trabalho as pessoas dão continuidade à obra da criação.

Diante dessas trechos falando do fim podem surgir indagações. Uma delas: Essas cenas, mencionando a consumação dos tempos, pretendem nos assustar com o anúncio do fim ou querem nos alertar e indicar um caminho a seguir?

Evidentemente que não se pretende negar que haverá um fim. Ele virá, pois foi afirmado pelo próprio Senhor. Mas, assim nos parece, antes de ser um anúncio do fim, essas narrativas são um convite para que as pessoas revejam seus comportamentos. Redirecionem seus passos. Aproximem-se da proposta divina. “Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas” (Ml 3,20). Ou seja, no ponto final, o amor prevalece.

O mal será vencido.Porém aqueles que não seguem os preceitos divinos de humildade, da bondade, do amor, esses sim receberão o destino dos “soberbos e ímpios”: queimarão como palha. Deles não sobrará “raiz nem ramo” (Ml 3,19).

Falando aos discípulos, Jesus(Lc 25,5-19) mostra o poder da maldade e confirma seu impulso destrutivo. O mal é destrutivo: quer destruir o bem, mas também destrói a si mesmo.

A maldade humana, na medida em que se afasta do plano amoroso de Deus, gera mais maldade. Entra numa espiral crescente de maldade fazendo com que pessoas e instituições maldosas se agridam mutuamente. Partindo disso podemos dizer que não será Deus a provocar o fim de todas as coisas, mas o próprio mal promove seu fim. “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país” (Lc 21,10). Dessa forma o mal se alastra e produz as condições para se extinguir. Antes, evidentemente, crescerá de forma avassaladora, como uma tempestade, a assustar muita gente. Mas após a tempestade, o sol volta a brilhar.

A outra forma de vencer o mal, ao contrário disso, é atender ao convite divino para a prática do amor solidário. Diante do apelo divino as pessoas podem responder com a pronta adesão. E assim, como num círculo virtuoso, o mal pode ser extinto numa sucessão de atos amorosos.

Então voltemos à nossa indagação: Na bíblia, os tantos anúncios do fim dos tempos pretendem nos assustar ou nos convidar a trilhar os caminhos do Senhor?

É fato que Jesus anuncia o fim. Mas também orienta aos discípulos: diante das notícias de “guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim” (Lc 21,9). Aumentará o sofrimento das pessoas por causa das reações da natureza e da mesquinharia humana na forma de “terremotos, fomes e pestes”. Mas, antes disso, aqueles que são de Cristo serão “presos e perseguidos” (Lc 21,11-12). Há, ainda, o risco de ser ludibriado pelos falsos messias. Mas Jesus é taxativo: “Não sigais essa gente!” (Lc 21,8), pois representam as forças do mal, da mentira, da enganação…

Mas tudo isso é necessário ocorrer, pois antecede o fim. As forças do mal irão se impor, enganando as pessoas, criando divisão e ampliando o terror. A maldade se infiltrará até no coração das famílias, gerando discórdia e divisão. “Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos” (Lc 21,16). Enfim, o mal se espalhará e as pessoas pensarão que ele venceu.

Entretanto, a verdade é outra. As forças do mal somente estarão fazendo com que os corações se manifestem em suas verdadeiras intenções. Os bons ampliarão sua rede do bem, aproximando-se do Senhor; os maus, ao ampliar a maldade, estarão dando passos definitivos para seu próprio fim. “Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,18-19).





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, novembro 04, 2022

Todos os santos: Bem aventurados!

(Reflexões baseadas em: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1 jo 3,1-3; Mateus 5,1-12)




Quem são os santos? De onde vieram os santos? O que os torna santos?

Estas – e possivelmente outras – indagações podem surgir quando a Igreja nos propõe celebrar o “Dia de Todos os Santos”. Celebração essa que encontra uma de suas bases no livro do Apocalipse (Apocalipse 7,2-4.9-14).

Para entender, observamos o anjo de Deus em ação.

Na atuação do anjo que “trazia a marca do Deus vivo” podemos encontrar uma resposta. Ela aparece quando grita aos outros quatro anjos para conter os danos que deviam provocar sobre a terra o mar e as árvores. Seu grito era para conter a danação “até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap 7,2-3).

Com isso somos informados que são Santos os assinalados como servos de Deus. Mas a visão joanina diz mais. Ela parte da afirmação de que a terra, o mar e as árvores passarão por uma grande devastação. Como consequência disso, as pessoas serão atingidas. Por isso é que, antes da grande catástrofe, os santos devem ser assinalados a fim de serem poupados.

Assistindo a tudo isso, João vê três grupos de pessoas. No primeiro estão os filhos de Israel, já separados. Ao seu lado estão os cristãos. Formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7,4.9). E eles distinguiam-se dos demais por que “trajavam vestes brancas”. Estes afirmam com segurança: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. Essa multidão é formada por todos os que “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,10.14).

O terceiro grupo, não está bem definido, mas são aqueles que não receberam o sinal de Deus. Mas, pior do que isso, ainda estão colaborando para a devastação da terra, das águas e das florestas (as árvores). Não serão assinalados, pois seus atos cotidianos, lhes impede de pertencer ao grupo dos seguidores do cordeiro.

Os três grupos formam uma multidão, mas só mereceram a atenção do anjo de Deus aqueles os assinalados e os que receberiam o sinal divino. O terceiro grupo optou por se distanciar do Plano de Deus pois colaborou com os males do mundo e do ambiente. E sofrerá as consequências da devastação do mundo e a ser provocada pelos quatro anjos.

Entretanto, diz João para os Santos, em sua primeira carta (3,1-3). Estão reservadas as maravilhas do Reino. Àqueles que superarem as tribulações, está reservado um “presente” de Deus: neste mundo serão “chamados filhos de Deus”. (1Jo 3,1)

Em seguida João explica: os que receberam o sinal de Deus, pelas águas do Batismo, e se portaram como cristãos ao longo da vida são os “filho de Deus”. E diz, ainda “nem sequer se manifestou o que seremos”. Os santos, os que seguirem os passos do Ressuscitado “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2).

O modelo de santidade não são os outros santos, mas o próprio Jesus Ressuscitado. Esse é o modelo e caminho a trilhar: “purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1Jo 3,3).

Assim chegamos ao ponto de nos indagarmos: como entrar no caminho da santidade? Como entrar nesse processo de purificação, que nos assemelha a Jesus? Qual o caminho para atingir a santidade? É Jesus quem oferece a resposta, conforme ensina Mateus (5,1-12).

O manual de santidade está no chamado “Sermão do monte” ou da montanha. Numa série de nove afirmações que se popularizaram como as “bem aventuranças”. Nesse, que podemos chamar de poema, estão algumas situações desafiadoras. Cada bem aventurança faz uma denúncia. Denuncia uma situação a ser superada a fim de que se realize a promessa.

Denuncia o orgulho e a soberba com a proposta da mansidão; denuncia as situações que geram angústia para anunciar o consolo; denuncia a maldade dos agressores para anunciar a mansidão; denuncia as injustiças para que haja espaço para a transformação social; denuncia os que almejam maldade e vingança para plantar misericórdia; denuncia as situações de pecado pessoal e social como impedimento para ver a Deus; denuncia a violência e a guerra para construir a filiação divina. E, acima de tudo, quem lutar para a concretização destes anúncios vai sofrer perseguições, vai perder a vida, vai ser injuriado...mas estes verão a Deus. Terão uma grande “recompensa nos céus”.

O caminho da santidade, o mérito de ser assinalado com a marca de Deus, não são os santos, mas o seguimento do manual de Jesus Cristo. Quem trilhar esse caminho será bem aventurado.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, novembro 02, 2022

Finados: Deus, tudo em todos

(Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27; 1 Coríntios 15,20-28; Lucas 12,35-40)




Raramente, numa conversa com as pessoas, encontramos alguém que não fique perturbado diante do único fato indiscutivelmente presente na vida de todas as pessoas: a Morte que, como cantou Raul Seixas, “talvez seja o segredo desta vida”.

Sendo assim, o chamado “Dia de Finados” se presta a fazermos algumas considerações.

Aquele que se popularizou como “Dia de Finados” é o dia em que a Igreja celebra “Todos os fiéis defuntos”.

Primeiro, por que “fiéis defunto”?

Porque a Igreja entende que após esta vida terena, aqueles que confessaram a fé cristã, recebem nossas orações, nossas lembranças, nossa sintonia com eles e com o Pai. Ou seja, no pós morte a vida continua...

Em segundo lugar, por que, dizemos que nossos mortos são “finados” e a Igreja fala em “defunto”?

Na realidade a duas palavras querem dizer a mesma coisa. Referem-se a uma pessoa que findou (Finados) ou cumpriu sua jornada neste mundo terreno e entrou numa outra esfera da realidade, juntamente com todas as demais pessoas que já terminaram sua jornada na terra. O defunto é aquela pessoa que está fora desta realidade, também porque concluiu sua tarefa no mundo terreno, em nosso cotidiano.

Mas, do ponto de vista cristão, nenhum dos termos, a rigor, contrapõe os vivos, referindo-se a todas as pessoas que permanecem nas realizações terrenas; e os mortos, referindo-se àqueles que deixaram de existir neste mundo. Isso porque os vivos, na terra, após sua morte, ou seja ao se finarem ou tornarem-se defuntos, permanecem vivos para o convívio definitivo com Deus ou numa outra vida, eternamente afastada dos dons divinos. A vida, portanto, continua sendo vida, após a morte!

Essa certeza nos é apresentada por Jó (19,1.23-27) e também por Paulo, escrevendo à comunidade da cidade de Corinto (1Cor 15,20-28).

O sábio e sofredor Jó fala sobre essa esperança da vida depois da vida: “meu redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó” (Jó 19,25). Assinala aqui, não só a fé na vida depois da vida terrestre, mas também indica os fundamentos de um princípio da fé cristã: o redentor que se levanta do pó é uma referência à ressurreição de Cristo, nosso modelo.

Jó não se limita a anunciar que Deus retorna à vida. Ele acredita na sua própria restauração pois, o Deus que retorna do pó também o tirará das mãos da morte. “Depois do meu despertar, levantar-me-á junto dele, e em minha carne verei a Deus” (Jó 19,26).

Por sua vez, Paulo explica em que consiste essa vida após a morte: trata-se de uma vida em Cristo,contemplando o Pai. Trata-se de ressuscitar para uma nova vida, como Cristo ressuscitou. Trata-se de ser vivificado em Cristo, uma vez que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados” (1Cor 15,20-22).

Além disso, o apóstolo indica que a morte não é o fim. Ela também será derrotada pela vida em Cristo. “Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,25-26). Ao instalar o Reino definitivo, cessarão todas as dores, inclusive aquilo que sentimos como a dor da separação, causada pela morte. Também por isso a morte acaba sendo vista como uma inimiga a ser vencida pela vida definitiva no Reino.

Mas a lição definitiva é ensinada pelo próprio Jesus (Lucas 12,35-40), o enviado do Pai para ser o primeiro vencedor da Morte. Ele ensina que ao ser humano cabe viver em seu cotidiano. Esse viver, entretanto, tem que ser atento: a qualquer momento será interrompido pela morte. E, não custa nada repetir, contra ela não existem alternativas. Ela se instala na vida de todos, como ponte para outra vida: com ou sem Deus, depende de cada um!

Daí a necessidade de viver com intensidade,sim, mas em sintonia com o Senhor da vida. Com alegria e sem medo, sim, mas tendo o cuidado de não desprezar os preceitos divinos; com desprendimento de tudo e de todos, sim, mas em perfeita união com o Pai, pois dele vem a definição para a consumação da vida de cada um e dos tempos.

Por isso sua recomendação,dirigida aos discípulos e a cada um de nós: “Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). E por ocasião desse retorno, a morte será derrotada e a vida será plena e, como diz Paulo, Deus será tudo, em todos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, outubro 27, 2022

Hoje a salvação entrou nesta casa

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 11,22-12,2; 1 Tessalonicenses 1,11-2,2; Lc 19,1-10)



Como nós reagiríamos se Jesus (Lc 19,1-10), dirigindo-nos a palavra, dissesse o que falou a Zaqueu: “Hoje devo ficar em tua casa”?

Mais do que isso, como reagiríamos se, no momento em que estivesse entrando em nossa casa, Jesus nos dissesse o que falou ao entrar na casa de Zaqueu: “Hoje a salvação entrou nesta casa!” (Lc 19,9)?

Caso estivesse acontecendo conosco a mesma situação vivida por Zaqueu, de Jesus ter decidido nos fazer uma visita, qual teria sido o motivo que o teria movido a nos visitar?

Certamente, cada um de nós que hoje sabemos quem é Jesus, vibraríamos de alegria. Afinal, o Filho de Deus escolheu e se decidiu nos fazer companhia;decidiu entrar em nossa casa; mostrou que tem consideração para conosco! Certamente nos sentiríamos movidos por um sentimento que misturaria alegria, euforia, um certo orgulho...

Entretanto, será que temos consciência do motivo que levou Jesus a se decidir pela casa de Zaqueu? Será que pagaríamos o preço que esse senhor pagou? Não em dinheiro, mas porque se viu movido a admitir, publicamente, sua condição. Será que temos consciência de nossa condição, que teria feito Jesus tomar a decisão de nos honrar com sua visita?

Por que Jesus escolheu e entrou na casa desse homem?

Muitos de nós diríamos que Jesus entrou na casa de Zaqueu porque o recompensou pelo esforço em querer vê-lo. Afinal, era baixinho e havia passado pelo vexame de ter que subir numa árvore para poder ver o Senhor passando (Lc 19,3-4). Também não foi uma recompensa pelo vexame em ouvir Jesus dizendo: “Zaqueu, desce depressa!” (Lc 19,5).

Na realidade toda a cena tem um objetivo que é mostrar a todos a realidade de Zaqueu. E não se trata de uma situação exterior, que todos já sabiam: Zaqueu “era chefe dos cobradores de impostos e muito rico” Lc 19,2). As palavras de Jesus, expressam uma outra realidade: Zaqueu é um pecador!

Mas Jesus não mobilizou toda a situação para expor Zaqueu ao vexame. Sua condição de pecador manifestou-se apenas no julgamento das pessoas. Quando viram a postura de Jesus, as pessoas “começaram a murmurar, dizendo: ‘Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!’” (Lc 19,7). O julgamento de Jesus caminhou em outra direção. Caminhou na direção da conversão; da mudança de postura; na tomada de uma decisão radical, completamente diferente do comportamento dos que acompanhavam Jesus. Ao ser interpelado por Jesus “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais’” (Lc 19,8).

Jesus se decidiu pela casa de Zaqueu por causa dessa atitude. Essa atitude mereceu o perdão dos pecados. O pecador não pediu perdão, mas, consciente de sua situação agiu para merecer o perdão: restituiu o que havia roubado e distribuiu os bens entre os que precisavam.

Com certeza gostaríamos que Jesus nos visitasse. Mas será que pagaríamos o preço de sua visita?Qual é esse preço? Primeiramente admitir, publicamente, que somos pecadores; em seguida, fazer uma confissão pública de nossos infrações e por fim fazer a correção dos erros cometidos. Como? Sanar os pecados consiste em restituir o que ao outro pertence… e não se trata, apenas, de pedir perdão, pois Zaqueu não pediu. Ele corrigiu e se corrigiu!

Como isso exige uma mudança de postura, alguém pode se perguntar e nos indagar: por que devo fazer isso?

Porque Jesus quer fazer essa visita. Aliás, como o afirma Paulo, à comunidade da cidade de Tessalônica(1 Tessalonicenses 1,11-2,2): Ele está para fazer essa visita. Ele está para voltar. Entretanto, afirma o apóstolo, o cristão não deve se deixar enganar pelos que disseminam falsas notícias a respeito desse retorno. Ele virá, sim, mas “no que se refere à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com ele, nós vos pedimos, irmãos: não deixeis tão facilmente transtornar a vossa cabeça, nem vos alarmeis por causa de alguma revelação, ou carta atribuída a nós, afirmando que o Dia do Senhor está próximo” (1 Ts 2,1-2). Noutras palavras, diz o apóstolo, cuidado com as Fake News!

Também o Livro da Sabedoria (Sabedoria 11,22-12,2) nos orienta. O Senhor quer nos fazer uma visita. Não por nossos méritos, mas por seu infinito amor. E por nos amar nos quer puros de toda maldade. Por isso, diz a Sabedoria: O Senhor abomina a violência, a falsidade, a maldade e tudo que conduz a morte, pois o “Senhor é amigo da vida”. Por esse motivo, quando erramos age como agiu com Zaqueu. E faz o mesmo conosco: “É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor” (Sab 12,2).

Por causa desse amor, disse a Zaqueu, quer dizer a nós:Hoje a salvação entrou nesta casa. Resta saber se o queremos receber.


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, outubro 21, 2022

Deus é imparcial… mas tem preferências!

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2 Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14)




Será que você já se deu conta de como é difícil dizer quem é Deus, para nós?

O autor do livro do Eclesiástico (Eclo 35,15b-17.20-22a) propõe uma resposta. Diz que Deus merece confiança, pois atende às preces dos humildes. Também Paulo, escrevendo a Timóteo (2Tm 4,6-8.16-18), mostra uma face do Senhor. Afirma que por seu Reino vale a pena entregar a vida. Prestes a ser martirizado, sabe de que está falando: “Está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4,8).

Jesus de Nazaré, de acordo com a narrativa de Lucas (18,9-14), mostra que Deus tem uma profunda preocupação com as pessoas, ouve suas preces. Mas o Filho de Deus explica que o Pai tem critérios para ouvir a prece dos orantes, para lhes conceder aquilo de que precisam. E o critério é a humildade e não a postura arrogante.

Mas e nós, você e eu, qual é a nossa percepção de Deus?Quem é Deus, para nós? Como nos relacionamos com Ele? Nós o concebemos como um ponto de apoio ao qual nos escoramos nos momentos de dificuldades ou entendemos que o Senhor é a razão de nossa existência e, por isso, vivemos para agradecer os dons recebidos, reconhecendo nossa insignificância diante de sua infinita bondade?

O autor do livro do Eclesiástico nos faz ver que Deus é um juiz; é justo; atende o pobre e oprimido; atende aos marginalizados (órfãos e viúvas); enfim, o Senhor é um juiz imparcial… mas tem preferências!

Como assim?

Deus é o mesmo para todos, mas nem todos o recebem da mesma forma. Por isso ele tem preferências: prefere o excluído, marginalizado, pobre, oprimido…pois se eles existem é porque alguém os empobreceu, excluiu, marginalizou, oprimiu. Ninguém opta por ocupar uma condição marginal. Todos querem o melhor para si e esse é o plano de Deus, para todos.

Entretanto aqueles que concentram mais do que precisam em bens, riquezas, privilégios e poder sócio-político… não agradam a Deus. Todos que possuem além de suas necessidades estão gerando a inferiorização dos que são privados disso. O fato do Senhor querer tudo de melhor para todos, implica dizer que os que provocam as dores dos outros não estão cumprindo os desígnios do projeto do Reino. Então, se não cumprem os desígnios de Deus, não estão merecendo o mesmo dom divino. Por outro lado “Quem serve a Deus como ele o quer, será bem acolhido e suas súplicas subirão até as nuvens” (Eclo 35,20). Essa prece “atravessa as nuvens”, chega ao Senhor e Ele intervem e faz acontecer a justiça (Eclo 35,22).

Exemplo disso foi a atuação de Paulo. Entre dores e perseguições afirmou: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4,7). Sentia-se confortado nas dores do anúncio do Reino: “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente” (2Tm 4,17). E diz isso como quem cumpre uma missão e não por vangloria e ostentação.

Por fim, Lucas nos mostra a face de Jesus. Mostra que o Filho de Deus explica o porquê de Deus ter seus preferidos.

O evangelista deixa clara as razões. Não porque exclua alguém. Não porque tenha projetos e propostas diferentes para uns e para outros. Não porque deseje a exclusão de alguém. Não! Deus tem preferências porque estabelece critérios para que as pessoas se aproximem de sua proposta e projeto de salvação. Quer todos salvos, mas estabelece as condições para isso. Cabe ao cristão fazer a opção. E o modelo ou os critérios estão na postura dos dois homens rezando no templo.

O primeiro, um fariseu, fazia uma oração de agradecimento. Entretanto, agradecia por se considerar melhor que as demais pessoas. Fazia seus próprios elogios. Vangloriava-se diante de Deus. Colocava-se acima dos demais. “Eu te agradeço, Deus, por não ser como os outros homens” (Lc 18,11).O segundo, sabendo-se fraco e pecador, “nem se atrevia a levantar os olhos para o céu”. E, contrito, pedia piedade: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18 13).

Deus é imparcial: oferece a todos os caminhos para a salvação. Entretanto, tem preferências: prefere que as pessoas alimentem o espírito da humildade. É isso que Jesus nos ensina: “Este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, outubro 13, 2022

Toda a Escritura é inspirada por Deus

(Reflexões baseadas em: Êxodo 17,8-13; 2Timóteo 3,14-4,2; Lucas 18,1-8)




Qual é o valor e a força da Palavra de Deus? E a oração, tem poder ou somos nós que lhe atribuímos força, de acordo com nossas necessidades? Será que Deus atende nossa prece?

A Palavra Santa nos apresenta a narrativa da batalha contra os amalecitas (Êxodo 17,8-13). Nessa cena vemos Josué vencendo a batalha enquanto Moisés está em oração; e o seu exército sofrendo derrotas nos intervalos da oração de Moisés.

As mãos estendidas de Moisés, gesto de oração, imprimia força ao exército de Josué. Os outros patriarcas se puseram ao seu lado para segurar suas mãos erguidas a fim de que sua prece não fosse interrompida pelo cansaço. “Aarão e Ur, um de cada lado sustentavam as mãos de Moisés. Assim, suas mãos não se fatigaram até ao pôr do sol” (Ex 17,12). Dessa forma Josué venceu a batalha; seu exército foi mobilizado pela oração de Moisés

Considerando essa cena, somos levados a concluir que a Palavra de Deus nos ensina uma lição: a oração tem uma força especial. Coloca-nos em sintonia com Deus; é capaz de nos levar à presença de Deus e, de acordo com nosso mérito e os méritos das nossas intenções, o Senhor nos concede, talvez não o que pedimos, mas o que estamos precisando.

Em sua carta a Timóteo (2Tm 3,14-4,2), Paulo nos orienta, e ao seu discípulo, a respeito da importância da Palavra Santa. Orientando seu discípulo o apóstolo mostra que as Escrituras indicam o caminho da oração que conduz as pessoas na trilha da perfeição.

A oração e a Palavra fazem com que o ser humano seja “perfeito e qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,17). E nisso está a importância da Palavra de Deus: ela pode “comunicar a sabedoria”. Uma sabedoria tal que, por ser “inspirada por Deus” torna-se um caminho que “conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3,15).

E, para aquele que ainda estiver em dúvida, o apóstolo complementa a importância das escrituras: é uma Palavra Santa pois quem a inspirou é Santo e nos concede as escrituras como ferramenta “útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça” (2Tm 3,16). Ou seja, toda Palavra de Deus tem como objetivo alimentar o espirito orante que é a base a partir de onde se constrói a justiça; a Palavra corrige os desvios e educa na justiça. E esse é o caminho para o encontro com Deus.

Mas então, por qual motivo ainda vivemos numa sociedade que se diz cristã, mas na qual a maldade continua crescendo entre as pessoas?

São vários motivos.Primeiro porque a justiça plena se instalará quando se manifestar a glória do Reino de Deus. Depois porque a orientação de Paulo não está sendo executada por inteiro, no cotidiano dos cristãos: “Proclama a Palavra, insiste oportuna ou inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda a paciência e com a preocupação de ensinar” (2 Tm 4,2). Em terceiro lugar, quando a proclamação e o ensino são apresentados, muitas pessoas recusam-se a aprender ou negam a validade do enino e a capacidade do pregador (e não estamos falando só dos falsos profetas que preferem o dinheiro e as vantagens pessoais!!!).

E isso nos coloca diante do ensino do próprio Mestre (Lucas 18,1-8).

Jesus, a própria Palavra de Deus encarnada, mostra o valor da oração. Compara o supremo bem que é Deus com o comportamento de um juiz maldoso. Daqueles que fazem fortuna vendendo sentenças, manipulando o direito em benefício próprio e em prejuízo da lei.

Jesus mostra que a insistência dessa vítima mobilizou o juiz malvado a lhe resolver a questão. Não porque o juiz acreditasse na justiça, mas para se ver livre da insistência da vítima. Com esse exemplo, de um juiz maldoso que acaba cumprindo a lei, Jesus chama a atenção para o supremo amor do Pai. “Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18, 6-8).

Então, mais uma vez, porque ainda vivemos numa sociedade em que prevalece o mal? Talvez porque ainda nos falte a insistência na oração. Talvez porque não estejamos sendo capazes de reconhecer a resposta que Deus nos oferece, uma vez que ele “fará justiça bem depressa”. E, talvez, o mal esteja crescendo também porque o volume da fé esteja decrescendo… ao ponto de Jesus perguntar: “quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”

A Sagrada Palavra, ensina a nos mantermos em clima de oração. E isso não é uma afirmação do ser humano limitado, mas ensinamento dessa Palavra que é inspirada.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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segunda-feira, outubro 10, 2022

Padroeira do Brasil: seus discípulos creram nele.

(Reflexões baseadas em: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11)




Na celebração da Padroeira do Brasil, somos convidados a uma reflexão sobre o lugar da mulher, na história.

A história da humanidade apresenta-se a nós pelo menos com duas características: quase a totalidade dos grandes personagens, dos governantes, dos monarcas… foram homens, comandando soldados. Confirma essa verdade o fato de não termos dificuldades para fazer uma lista de homens famosos. A segunda característica é que, ao longo dos milênios, a história nos apresenta uma sucessão de guerras, de mortes, de dominação do mais forte sobre o mais fraco, muitas dores… provocadas pelos grandes homens e seus exércitos!

Como justificamos a predominância masculina dizendo que é um elemento cultural, quase não estranhamos que mesmo na bíblia não aparecem muitas mulheres, em posições de destaque. Mesmo no cristianismo prevalecem os personagens masculinos.

Entretanto, todos sabemos disso, a história do cristianismo tem uma outra característica: a presença feminina não é apenas de figuração. Em diferentes períodos grandes mulheres ajudaram a concretizar grandes obras… Procure saber como foram as atuações de Clara de Assis, Tereza de Ávila, Terezinha do Menino Jesus; Irmã Dulce; Madre Tereza de Calcutá… e Maria, a mãe de Jesus!

Mas, antes de Maria e para não cairmos no equívoco de dizer que a bíblia não deu muito destaque às mulheres, entre várias outras, observemos a atuação de Ester (5,1b-2; 7,2b-3), atuando pela libertação do seu povo.

Desviando das artimanhas, armadilhas e conflitos próprios do ego masculino, causador de medo, sofrimento e morte, Ester usou apenas o dom divino da inteligência para sanar as dores de seu povo, evitar a morte do oprimido e libertar injustiçado. Sem buscar glória pessoal e sem derramar sangue, intercedeu pelos sofredores. Diante do Rei, com poderes de vida e de morte, seu pedido foi simples: a vida. “Se encontrei graça a teus olhos, ó rei, e se te agrada, concede-me a vida, pela qual suplico, e a vida do meu povo, pelo qual te peço” (Es 7,3).

Em tempos de cristianismo no confronto apocalíptico (12,1.5.13a.15-16a) a serpente do mal é vencida pela mulher vestida de sol: Seu filho nasce. A serpente da morte é derrotada.

Claro que a simbologia do apocalipse, nos quer mostrar a vitória do Cristo. A vitória da vida sobre a morte. A vitória da Igreja perseguida. A vitória do bem sobre o mal, mesmo quando o mal parece ter vencido. “A serpente, então, vomitou como um rio de água atrás da mulher, a fim de a submergir. A terra, porém, veio em socorro da mulher”(Ap 12,15-16). Por isso que a mulher (que simboliza a Igreja e também a mãe de Jesus) aparece vestida com a luz do sol: a vida brilha sobre todas as dores e mortes!

Essa é a vitória do bem sobre o mal. Uma vitória que ocorre não pela força do músculo masculino, mas pela força, graça, delicadeza, coragem que emergem da fragilidade feminina.

Isso nos leva a contemplar a firme delicadeza da mãe de Jesus entre os convidados (João 2,1-11). Ela, com certeza, circulava graciosamente e, dessa forma, aproxima-se do filho após ouvir o burburinho entre os garçons. Acabara o vinho! E festa sem vinho não tem graça!

Dá pra imaginara segurança de sua voz meiga dirigindo-se com firmeza e carinho ao filho: “Eles não têm mais vinho!” (Jo 12,3). Dá pra imaginar seu olhar compreensivo, para com a resposta do filho, mas também dá para entender a segurança com a qual orientou os serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 12,5).

Eles fizeram. Não porque acreditavam em um milagre, mas porque uma mulher se ofereceu para ajudar. E nisso se fundamenta a fé cristã, quando pede a intercessão de Maria. O cristão sabe que ela não é uma deusa, mas também sabe que ela é a mãe do Filho de Deus. E se nós sabemos o poder positivo das nossas mães sobre nós, dá pra imaginar a capacidade intercessora da mãe de Jesus em relação ao Filho de Deus.

“Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4), diz Jesus. Mas o olhar carinhoso da mãe, atenta às dores do outro, mobiliza o dom divino e Jesus se antecipa. Entrega o melhor vinho, da mesma forma que depois dará o próprio sangue. O novo vinho manteve a alegria da festa; o sangue oferecido na cruz alimenta o cristão, introduzindo-o na festa definitiva do céu.

Tudo é ação de Deus, mas a Mãe de Deus pode interceder pelo bem dos filhos de Deus,a caminho. Observando isso, notamos que podem não se ter registrado muitas mulheres na história da humanidade. Mas da mesma forma que a Mãe de Deus o estimulou a salvar uma festa, anunciando a festa definitiva, outros grandes homens também tiveram grandes mulheres estimulando-os.

E, melhor ainda, poderíamos até repensar as relações de poder,olhando para a ação das mulheres que a história registra e que marcaram as narrativas da bíblia e o cristianismo. Elas não agiram movidas por exércitos. Pelo contrário, agiram em defesa da paz. Então, nesta comemoração da padroeira do Brasil, peçamos que ela nos ajude a ajudar aqueles que de nós precisam. Que a mãe de Jesus nos ensine a caminhar e construir a paz. Que a mãe de Deus nos ensine o caminho para Jesus, afinal, graças a ela, seus discípulos creram nele!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, outubro 06, 2022

Tua fé te salvou!

(Reflexões baseadas em: II Reis 5,14-17; 2Timóteo 2,8-13; Lucas 17,11-19)




Qual é a nossa atitude, quando Deus nos concede uma graça?

O segundo livro dos Reis (II Rs 5,14-17) nos informa como agiu o estrangeiro Naamã.

Enfermo, pediu ajuda ao profeta Eliseu. Foi atendido em sua necessidade: a cura de uma enfermidade. Agradecido, voltou ao homem de Deus dizendo que, estando curado,pretendia presenteá-lo em agradecimento a Deus pelo dom da cura.

Evidentemente o profeta recusou os presentes, afirmando que a ação libertadora é de Deus e não de seu profeta. E essa ação salvadora depende da fé e da vontade de se entregar ao plano de Deus. Mesmo que inicialmente estivesse em dúvida, o estrangeiro faz um ato de fé: “Agora estou convencido de que não há outro Deus em toda a terra, senão o que há em Israel! Por favor, aceita um presente de mim, teu servo”. Valorizando o ato de fé do estrangeiro, o profeta reusa os presentes. “Pela vida do Senhor, a quem sirvo, nada aceitarei” (2 Rs 5,15-16).

O Deus de Israel, atende à necessidade de um estrangeiro. E este rende graças ao Senhor. Recebeu a graça e ficou agradecido! “Pois teu servo já não oferecerá holocausto ou sacrifício a outros deuses, mas somente ao Senhor” (2 Rs 5,17). O ato de fé manifesta-se em gestos de fidelidade. Impede que se preste culto a outros deuses, pois um só é o Senhor.

Além disso o dom de Deus é gratuito. É diferente do que fazem muitos dos que alardeiam sua boas obras. O bem realizado em favor de outro, se não for gratuito e desinteressado, não vem de Deus. Quando alguém cobra retribuição em bens ou aplausos, não age em nome de Deus!

Mas por ouro lado, como reagimos quando Deus nos concede uma graça?

A narrativa de Lucas (Lc 17,11-19) mostra algo semelhante ao episódio de Naamã e Eliseu. Dez leprosos pediram ajuda e foram curados, mas apenas um estrangeiro voltou até Jesus agradecendo o dom do corpo purificado da enfermidade.

Todos haviam gritado: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 17,13). E todos receberam a mesma resposta de Jesus: apresentem-se aos sacerdotes! E eles foram. Foram e ficaram curados… e desapareceram da cena… apenas um, estrangeiro, voltou para agradecer.

A ação de Jesus foi gratuita. Mas percebeu, em relação aos enfermos, foi que a gratuidade do dom nem sempre produz uma igual atitude de agradecimento. Por isso faz o questionamento: “Não foram dez os curados? E os outro nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” (Lc 17,17-18).

Evidentemente nem Jesus nem o Pai precisam da gratidão humana para dispensar as graças que as pessoas recebem. Mas o Senhor espera que o ser humano agraciado, também seja um distribuidor de graças. Para isso tem que desenvolver a capacidade de agradecer. Não tem como as pessoas serem portadoras da graça divina se são se fazem pessoas agradecidas. E somente o estrangeiro foi capaz dese gesto…

Nunca é demais recordar que para a fé judaica o estrangeiro não faz parte do povo de Deus nem participa de sua promessa. E aqui temos dois estrangeiros, Naamã e esse samaritano: ambos retornam àquele que lhes concedeu a graça da cura para agradecer. Onde estão os outros? Onde estaríamos nós?

Por isso, podemos indagar: como reagimos quando Deus no concede uma graça?

Tudo isso nos leva a Paulo e Timóteo (2Timóteo 2,8-13). O apóstolo não difundiu o cristianismo entre seus concidadãos judeus, mas dirigiu-se às nações estrangeiras. Para isso, toma como discípulo o filho de uma judia e de um estrangeiro grego: Timóteo.

Oque moveu Paulo a afastar-se dos Judeus fazendo-se auxiliar pelo filho de um estrangeiro? Entre outros motivos o fato que Jesus, embora tenha se dirigido aos judeus, trouxe uma mensagem universal. Além disso, os judeus rejeitaram a Jesus. O apóstolo percebeu que entre os estrangeiros, havia mais retribuição de fé. Havia mais adesão à proposta de Jesus. Havia menos agressão e perseguição à mensagem salvadora. Mesmo assim, os judeus o perseguiram, fizeram com que fosse preso. É da prisão que exorta o discípulo com seu exemplo de firmeza na fé. “Estou sofrendo até às algemas, como se eu fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada” (2Tm 2,9).

Tudo isso nos leva a perceber que nos dias atuais é a nós que Jesus lança a indagação: Onde estão os outros para quem realizei prodígios? Daí a indagação que devemos nos fazer:estamos entre aqueles que desapareceram da cena ou a nós Jesus vai dizer: “Levanta-te! tua fé te salvou!”

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, setembro 29, 2022

O justo viverá pela fé

(Reflexões baseadas em: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2 Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10)




As pessoas justas e sensatas, dos dias atuais lançam a Deus o mesmo grito de indignação, do profeta Habacuc (1,2-3; 2,2-4). Com certeza, as pessoas justas e sensatas, ao se depararam com os desmandos na política; a injusta distribuição de rendas; as condições impostas ao trabalhador, às mulheres agredidas; ao verem a falta de perspectivas de futuro para a infância marginalizada… bradam a Deus: até quando o pobre será vitima da ganância?

Esse foi o grito do profeta: “Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,3). O profeta lança esse brado em busca de uma resposta de Deus.

Por qual motivo o profeta está assim preocupado, em busca de uma resposta de Deus?

Porque ele vê, como nós vemos hoje, a maldade humana se impondo sobre a vida sofrida dos pobres, dos marginalizados, dos sem casa, sem comida, desempregados, sem assistência de saúde, abandonados pelo poder público. Vê a maldade humana crescendo, mas não vê aquelas pessoas que se dizem crentes combatendo essa maldade. Pelo contrário, as vê coniventes com os poderosos da terra. Por isso o profeta interpela a Deus: “Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres?”

E Deus responde!

Mas, antes e pensando bem, podemos notar que a consequência do crescimento da maldade humana, impondo-se sobre o pobres da terra, que são os santos de Deus, tendem a se deixar abater pelo desânimo. Por isso é que vamos encontrar Paulo exortando Timóteo (2Tm 1,6-8.13-14) a não deixar que se extinga a chama do Espírito de Fortaleza.O apóstolo insiste: “Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (2Tm 1,7).

Hoje, certamente diria: É preciso que o crente se apoie na força do Espírito para não cair no desânimo. É preciso alimentar o amor para que a marginalização não se amplie. É preciso ser solidário para não compactuar com o acúmulo de bens que gera exclusão social, econômica, humana, pois o que Deus ama não são os bens nem as aparência que a riqueza pode comprar, mas o amor solidário que impulsiona a coragem de lutar pelo bem estar das pessoas. Só assim, diz o apóstolo, será possível “reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1,6).

Mas como reavivar a chama do dom do amor de Deus em nós?

Pedindo que Deus nos conceda um dom a mais: o dom da fé! (Lc 17,5-10). Mas não se trata de uma fé vazia, na forma de grandes, longas e fervorosas orações, mas vazias de ação. Trata-se de uma fé que gera resultados,como ensinou Jesus: Uma fé que não se mede pelo volume de preces repetidas, de orações gritadas ao vento; nem pelos joelho inchados e garganta seca por horas de penitência e jejum… mas uma fé que se expressa em ações em favor de quem precisa. Uma fé que mobiliza o crente a promover as transformações e revoluções que a sociedade precisa.

Portanto, se nossa fé não produz resultados na meio social em que vivemos, é porque não atingiu os moldes ensinados por Jesus “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6).

Vale dizer que Jesus não está falando de forma alegórica. Ele, realmente, dá uma lição em resposta à indagação dos discípulos: “Aumenta nossa fé” (Lc 17,5).

Os discípulos eram pessoas de fé. Mas duma fé que ainda se concentrava nas preces infrutíferas. Naquele palavreado de quem não tem compromisso com o meio social. Ou, quando se envolvia com uma ação, a executava não em favor de quem precisava, mas em busca do aplauso. Por isso Jesus, ao falar da intensidade da fé, também insiste no sentido da gratuidade do serviço: “fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Ou seja, nada foi feito pelo aplauso, mas porque isso era a única coisa a ser feita. Nisso se manifesta a fé.

A ausência de fé e de ações transformadoras levam ao grito do profeta: “Até quando?” E trazem a resposta do Senhor, dizendo para anotar e transmitir a visão que diz: tudo tem “prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, setembro 22, 2022

Tu que és um homem de Deus

(Reflexões baseadas em: Amós 6,1-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31)




Muito interessante e chamam nossa atenção as recomendações de Paulo ao companheiro Timóteo (1Tm 6,11-16). Não menos interessante são as palavras do profeta Amós (Am 6,1-7), aos ricaços de Sião. O mesmo se pode dizer a respeito da situação do pobre Lázaro e o homem rico, além da cena diante do pai Abraão, no texto de Lucas (Lc 16,19-31).

O que há de interessante e em comum nestas leituras?

A constância de um alerta contra: o mau uso dos bens terrestres, o desprezo aos marginalizados, a falta de integridade na marcha para Deus; contra aqueles que não se compadecem do sofrimento das pessoas e a indiferença ao plano de Deus…. “Ai de vós que viveis despreocupadamente” (Am 6,1), diz o profeta; “Foge das coisas perversas” (1Tm 6,11), recomenda Paulo. Mas é de Jesus que vem a afirmação mais radical, alertando aqueles que não se preocupam com a condição de vida dos que sofrem: “Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,31).

E o que isso tem a ver conosco? alguém pode perguntar.

Tem tudo a ver! Tem o fato de que as palavras bíblicas não são literatura para nossas horas de lazer, nem foram produzidas apenas para retratar estranhos costumes de povos antigos. Pelo contrário, são palavras de vida.

São radicais as palavras do profeta. Demonstram a ira de quem vê a injustiça, conhece o opressor e, justamente por isso, faz o alerta: “Aí de vós!”Aí dos que comem, bebem e dormem, sem se preocupar com as estruturas que produzem as dores e sofrimentos do povo. Aí dos que são alheios às necessidades dos excluídos e estão “comendo cordeiros do rebanho”, enquanto “bebem canecões de vinho” e tranquilamente “dormem em camas de marfim”. Aí dos que não se preocupam com o dia a dia sofrido do povo, “não se preocupam com o sofrimento de José” (Am 6,4-6)…. Todos estão condenados: irão acorrentados para o desterro. Ou seja, serão afastados da suntuosidade que lhes dá prazer e do convívio com Deus.

Como evitar a perdição? É a pergunta de quem deseja a paz, a justiça a equidade… de quem deseja se converter ao projeto de Deus… e depois de tudo herdar a vida plena e eterna.

A resposta vem de Paulo. Quem não quer a perdição eterna deve seguir as orientações que o apóstolo dá a Timóteo: “Foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé” (1Tm 6,11-12).

Essa postura deve ser mantida até que aconteça a “manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo”.Diz Paulo a Timóteo, na função de líder de uma comunidade: Para ser digno da recompensa definitiva, “guarda o teu mandato íntegro e sem mancha” (1 Tm 6,14).

E hoje podemos dizer que essas mesmas recomendações do apóstolo valem para nós e nossas lideranças religiosas e políticas: mantenha íntegro o teu mandato! E, poderíamos dizer mais: promova a equidade!

Mas, pode-se perguntar, qual a consequência de não promovermos uma revolução nas relações humanas, nas relações de poder, nas relações econômicas…?

As consequências nos são apresentadas nas palavras de Jesus:

O sofrimento, constante, na vida dos marginalizados;o sofrimento dos pobres provocado pela concentração das riquezas; a fome e o abandono produzido pelos que pensam só em si e em suas riquezas… são situações, provocadas pela vontade dos que desejam sempre acumular mais, provocadas pelos que acumulam riquezas que ultrapassam as necessidades pessoais e familiares. E tudo isso gera, de um lado a condição do marginalizado, representado pelo “pobre Lazaro” e do outro, a existência do “homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas” e não partilhava com o sofredor (Lc 16,19-20).

A consequência é que ambos se encontrarão com a morte. Na outra vida o “pobre Lázaro” terá uma boa recompensa: “os anjos levaram-no para junto de Abraão”. Mas por seu lado o homem rico foi para a “região dos mortos, no meio dos tormentos”(Lc 16,22-23).

E o fato é que: há um abismo intransponível entre ambos; ambos ganharam a recompensa pela condução de suas vidas e isso se refletiu no pós vida; ambos levaram o que construíram ao longo de seus dias na terra. E nós podemos escolher, ser como o homem rico mantendo as estruturas de sofrimento ou promovermos condições para que as pessoas melhorem suas vidas aqui e agora.

Resta saber se aquilo que levarmos permitirá que Deus diga a nosso respeito: “ai de vós” ou se dirá : “Tu que és um homem de Deus” vai para junto do Pai.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 16, 2022

Preces e orações sem ira e sem discussões.

(Reflexões baseadas em: Amós 8,4-7; 1 Tm 2,1-8; Lucas 16,1-13)




Até parece que as palavras do apóstolo Paulo (1 Tm 2,1-8) foram escritas especialmente em resposta ao que acontece nos dias que nos cabe viver: o alerta sobre a importância da oração e a necessidade de superar os atritos para evitar as discussões.

Mas não só em relação aos dias atuais! Vai além!

Ao longo dos dois mil anos de cristianismo os seguidores do Senhor tiveram que enfrentar sérias provações:as perseguições aos santos de Deus e as heresias estiveram a serviço do anticristo ao longo do tempo… e deram muitos frutos contra o Reino!

As maledicências dos ímpios só não deram mais frutos porque o Senhor deseja que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2,4). Justamente por que deseja a salvação de todos é que nos orienta a orar pelas pessoas que agem como víboras: os que “governam e por todos que ocupam altos cargos”. Talvez pela nossa oração, eles se convertam e então poderemos “levar uma vida tranquila e serena, com toda piedade e dignidade” (1 Tm 2,2).

Retrocedendo um pouco mais, veremos que os profetas também faziam o mesmo alerta do apóstolo: a maldade humana tende a se impor sobre as pessoas. Como o profeta Amós (8,4-7) condenando a atitude dos ricos, causando o sofrimento dos “pobres da terra”.

Na realidade todo o discurso do profeta é um alerta contra “vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra” (Am 8,4).São eles que promovem muitas fraudes a fim de lesar os pobres e os humildes. Nem dormem direito esperando o dia amanhecer “para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias”(Am 8,5-6).

Assim como o apóstolo, Amós faz um alerta, dizendo que por causa de sua ambição, de sua maldade, de sua ganância… “Por causa da soberba”, esses que geram o sofrimento do povo estão a caminho de serem apartados do Rebanho do Senhor. Pois assim “jurou o Senhor: ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram’” (Am 8,7).

Portanto, não é de hoje que a situação se impõe. Não é só nos dias de hoje que os promotores da maldade tiram proveito da dor dos pequeninos. Mostra isso a ironia de Jesus elogiando os filhos das trevas (Lucas 16,1-13). Estes, “filhos do mundo”, em seus negócios escusos, são mais espertos que “os filhos da luz” (Lc 16,8) e por isso os enganam.

Em sintonia com o profeta Amós, Jesus confirma a desonestidade de muitos daqueles a quem cabe a gestão de bens e de atividades políticas: adulteram, trapaceiam, enganam a todos. Oferecem privilégios aos pobre em troca de favores pessoais. Mas não estão preocupados com o bem estar de ninguém além de si mesmos.Querem apenas tirar proveito das situações.

Bem o demonstra o Senhor Jesus, ao falar a respeito do administrador espertalhão. Ao ser desmascarado mostra sua verdadeira índole, sua predisposição para a maldade, sua capacidade para enganar. Incapaz de trabalhar honestamente, tenta ludibriar a todos e lesar o patrão: “O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’” (Lc 16,3-4). Sua preocupação era encontrar uma forma de “se dar bem” ao perder o emprego.

A postura honesta e em defesa da honestidade não é só uma coisa esperada, por imperativo ético. Do ponto de vista ético a honestidade faz parte do rol de virtudes a serem preservadas, defendidas e praticadas pelas pessoas. Entretanto, mais do que isso, a honestidade,para o cristão, é um principio de vida. Nisso consiste o ensinamento de Jesus: a fidelidade ao Reino é uma consequência da fidelidade aos princípios norteadores da vida. Isso é o que ensina Jesus ao dizer que: “Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10).

E isso nos leva ao comentário de Paulo, quando escreve ao companheiro Timóteo: cabe ao seguidor de Cristo usar sua fé para difundir os princípios do Reino: a paz é uma estratégia para a defesa da vida; a oração é um caminho para a paz. O problema é que as pessoas afastaram-se da paz, por isso deixaram de lado a oração. Portanto é urgente voltar ao caminho da oração. Não a oração pela qual se falam belas palavras ou se recitam fórmulas prontas, mas a oração que nasce das atitudes justas.

Em síntese:Tudo que não conduz à paz e à harmonia entre as pessoas não vem de Cristo. Só a adesão a Cristo e ao seu projeto de sociedade justa pode diminuir a violência: “Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões” (1Tm 2,8).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, setembro 09, 2022

Prodígio do filho pródigo

(Reflexões baseadas em: Êxodo 32,7-11.13-14; 1 Tm 1,12-17; Lucas 15,1-32)




A respeito de Jesus podemos dizer muitas coisas, mas hoje nos basta dizer que foi um sábio e ensinou sua sabedoria.

Em que consiste essa sabedoria? Em desmascarar as armadilhas do inimigo e, ao mesmo tempo, evidenciar a predileção de Deus para com os pequeninos, marginalizados, excluídos.... Como ensinou esse saber? Mostrando aos discípulos o comportamento das pessoas.

Na narrativa dos dois filhos(Lucas 15,1-32), conhecida como parábola do filho pródigo, Jesus está diante de dois grupos de pessoas.

Um grupo é formado por publicanos e pecadores. Estes procuram-no para ouvir sua mensagem de vida, esperança e perdão. “Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar (Lc 15,1). A estes falava de esperança, mostrando os caminhos do reino.

No outro temos fariseus e mestres da lei. Grupo que o persegue e critica, buscando falhas em sua prática ou discurso. Querem acusá-lo. “Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles’ ” (Lc 15,1-2).

Aqueles que o querem acusar consideram-se perfeitos, santos, os preferidos de Deus. Consideram-se escolhidos por Deus e olham para os demais como perdidos, portadores de algum pecado imperdoável. Esses que se acham escolhidos consideram os outros como um grupo que não merece as graças divinas. E por isso os marginalizam!

Aqui é que se manifesta a sabedoria de Jesus, mostrando aos oponentes seu equivoco. Para isso a comparação da ovelha e da moeda perdidas (Lc 15,4-10). Mostra que Deus acolhe quem cumpre seus preceitos. Mas Ele vibra mesmo é quando aquele que se desviou, havia se perdido, estava ausente… volta para o aconchego. Mostra o contentamento do Senhor na alegria do pastor que recupera a ovelha: Ele a carrega nos braços e “chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’” (Lc 15,6). E da mulher que encontra sua moeda. Radiante de alegria “reúne as amigas e vizinhas, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!” (Lc 15,9).

O grupo dos que perseguem Jesus apresentam o comportamento do antigo povo, recriminado pelo Senhor (Êxodo 32,7-11.13-14). Aquele grupo que abandona o Deus libertador para adorar “um bezerro de metal fundido”. Esses enganam ao povo. Em vez de mostrar a maravilhas da libertação, levam o povo a outras crenças, dizendo que essa escultura, esses deuses fabricados pela mão humana, teriam tirado o povo da escravidão: “Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!” (Ex 32,8).

Esse povo, disseminador da mentira atraiu a ira divina. Lá no deserto Moisés intercedeu por ele. Em sua trajetória, Jesus mostrou-se como caminho redentor. Mas, nos dias atuais, o deus da mentira estende suas garras, disseminando ódio, armas e notícias falsas. Dizem falar ao povo em nome de Deus, mas o que fazem é disseminar a discórdia aumentado a pobreza. Seu deus de mentira produz divisão entre as pessoas.

Olhando para esses disseminadores do mal e da violência podemos entender a parábola dos dois filhos (Lc 15, 11-32). O que partiu, provocou dor. Sofreu e fez sofrer, mas voltou. Reconheceu que a casa do Pai é o melhor lugar. “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome” (Lc 15,17). Por isso voltou e foi perdoado.

Mas o que ficou não deu valor a tudo que o Pai lhe oferecia cotidianamente. Este é o verdadeiro pecador: tendo tudo não reconhece os dons de Deus. Ofende-se com a graça divina concedida a outros. “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29).

Mostrando essa ingratidão (nunca me deste um cabrito) o pai argumenta: você está sendo ingrato e não está dando valor ao que sempre te dei. “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado”(Lc 15, 31-32).

O apóstolo Paulo age como o filho que partiu (1 Tm 1,12-17). Confessa-se pecador e reconhece Jesus como salvador: “Encontrei misericórdia, porque agia com a ignorância de quem não tem fé” (1 Tm 1,13). Ao encontrar Cristo, muda a perspectiva, reconhece: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E eu sou o primeiro deles!” ( 1 Tm 1,15).

Quanto a nós, resta saber: estamos no grupo dos disseminadores do mal, ao lado dos mestres da lei e fariseus; ou fazemos parte do grupo que pode até errar, mas quer ouvir o convite de Cristo. Somos como o filho que partiu e voltou arrependido ou somos o prodígio de um filho pródigo que não reconhece a graça recebida?







Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 02, 2022

Conhecer os desígnios de Deus

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33)




O livro da Sabedoria (9,13-18) nos coloca diante desta indagação que é vital: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” Essa indagação nos leva a uma questão inversa: Quais os planos de Deus a nosso respeito? Em relação ao nosso futuro? O que Deus está planejando para nossa vida? E, em resposta a tudo isso, o que nós estamos planejando para responder aos desígnios do Senhor, a nosso respeito?

O fato é que não temos uma resposta! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões incertas”,diz a Sabedoria (Sb 9,14).

Apesar disso e mesmo assim ao ser humano cabe manter-se numa atitude de busca pela vontade de Deus. Procurar em sua Palavra Santa pistas que apontem o caminho a respeito dos planos divinos. E isso é sabedoria, ou, pelo menos, nisso consiste o processo de busca. Aliás isso nos ensinaram todos os filósofos, ao longo da história.

Como pessoas situadas em seu tempo e em seu lugar social,os pensadores nos ensinaram que ao ser humano cabe a busca, não a posse da sabedoria. Além disso, é uma atitude sábia a de quem se mantém buscando, pois quem busca pode encontrar; enquanto aquele que se acomoda está condenado, não só à ignorância, mas também a caminhar às cegas, sem possibilidade de alcançar os desígnios divinos para melhor viver a vida.

E tudo isso por uma só razão: os desígnios do Senhor são dons da Sabedoria divina, concedidos àqueles que, pela gratuidade da Sabedoria, recebem o dom da salvação.

Assim voltamos à indagação: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” (Sb 9,13). A resposta vem da própria Sabedoria: somente aquele que recebe de Deus esse dom. “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu Santo Espírito?” (Sb 9,17).

O desejo de cumprir o plano de Deus levou o apóstolo Paulo a dedicar sua vida à pregação da mensagem de Jesus. Em razão disso teve muitas alegrias, mas também muito sofrimento e, devido à sua pregação, foi aprisionado. Mesmo assim não deixou de se fazer discípulo da vontade divina e se manteve na busca dos desígnios divinos.

É como prisioneiro que vamos encontrá-lo escrevendo ao amigo Filêmon (9b-10.12-17) enviando de volta Onésimo, seu companheiro de prisão. A sabedoria divina, concedida ao apóstolo lhe permitiu ver que ali estava não mais um escravo, mas um irmão. E na condição de irmão é que envia ao irmão Filêmon, um novo irmão, Onésimo.

O que permitiu a Paulo perceber um irmão, nesse companheiro de prisão? Não foi apenas sua conversão, mas o fato de perceber que sua conversão se deu por dom e vontade de Deus que usou essa situação para manifestar sua graça. Como a nos dizer que só a graça de Deus em nós nos permite ver nas pessoas que nos circundam a imagem de Deus, reconhecendo-os como irmãos na mesma caminhada.

Esse mesmo desígnio divino, a Sabedoria do Espírito, levou Paulo a explicar a Filêmon,a respeito de Onésimo: “Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor (Fm 15-16)”.

Tendo isso presente e ouvindo as palavras do Mestre somos levados a dizer que mesmo seguindo Jesus as multidões não estavam entendendo o apelo dos desígnios de Deus (Lucas 14,25-33). Por que dizemos isso? Por causa das palavras de Jesus, afirmando a necessidade de desapego e de assumir a própria cruz.

Mas, que significa isso? Significa que as pessoas, de antigamente e de hoje, tendem a confiar mais nos seus parentes e amigos que em Deus. Que as pessoas, de antigamente e de hoje, pensam que seus problemas são insolúveis e os únicos que existem.Que as pessoas não confiam na providência divina e não se solidarizam com as dificuldades dos irmãos.

Ou seja, não é necessário ser indiferente aos familiares nem se fazer de vítima o tempo todo. É necessário entender que em todas as situações Deus sabe o que faz. A vontade de Deus não está na família, nos problemas, ou nos planos e sonhos mirabolantes que carregamos.

Os desígnios de Deus podem ser percebidos quando entregamos ao Espírito de Sabedoria a condução de nossa vida. “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).

Como conhecer os desígnios de Deus? Deixando que por seu Espírito de Vida, Jesus conduza nosso destino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


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