(Reflexões baseadas em: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11)
Na celebração da Padroeira do Brasil, somos convidados a uma reflexão sobre o lugar da mulher, na história.
A história da humanidade apresenta-se a nós pelo menos com duas características: quase a totalidade dos grandes personagens, dos governantes, dos monarcas… foram homens, comandando soldados. Confirma essa verdade o fato de não termos dificuldades para fazer uma lista de homens famosos. A segunda característica é que, ao longo dos milênios, a história nos apresenta uma sucessão de guerras, de mortes, de dominação do mais forte sobre o mais fraco, muitas dores… provocadas pelos grandes homens e seus exércitos!
Como justificamos a predominância masculina dizendo que é um elemento cultural, quase não estranhamos que mesmo na bíblia não aparecem muitas mulheres, em posições de destaque. Mesmo no cristianismo prevalecem os personagens masculinos.
Entretanto, todos sabemos disso, a história do cristianismo tem uma outra característica: a presença feminina não é apenas de figuração. Em diferentes períodos grandes mulheres ajudaram a concretizar grandes obras… Procure saber como foram as atuações de Clara de Assis, Tereza de Ávila, Terezinha do Menino Jesus; Irmã Dulce; Madre Tereza de Calcutá… e Maria, a mãe de Jesus!
Mas, antes de Maria e para não cairmos no equívoco de dizer que a bíblia não deu muito destaque às mulheres, entre várias outras, observemos a atuação de Ester (5,1b-2; 7,2b-3), atuando pela libertação do seu povo.
Desviando das artimanhas, armadilhas e conflitos próprios do ego masculino, causador de medo, sofrimento e morte, Ester usou apenas o dom divino da inteligência para sanar as dores de seu povo, evitar a morte do oprimido e libertar injustiçado. Sem buscar glória pessoal e sem derramar sangue, intercedeu pelos sofredores. Diante do Rei, com poderes de vida e de morte, seu pedido foi simples: a vida. “Se encontrei graça a teus olhos, ó rei, e se te agrada, concede-me a vida, pela qual suplico, e a vida do meu povo, pelo qual te peço” (Es 7,3).
Em tempos de cristianismo no confronto apocalíptico (12,1.5.13a.15-16a) a serpente do mal é vencida pela mulher vestida de sol: Seu filho nasce. A serpente da morte é derrotada.
Claro que a simbologia do apocalipse, nos quer mostrar a vitória do Cristo. A vitória da vida sobre a morte. A vitória da Igreja perseguida. A vitória do bem sobre o mal, mesmo quando o mal parece ter vencido. “A serpente, então, vomitou como um rio de água atrás da mulher, a fim de a submergir. A terra, porém, veio em socorro da mulher”(Ap 12,15-16). Por isso que a mulher (que simboliza a Igreja e também a mãe de Jesus) aparece vestida com a luz do sol: a vida brilha sobre todas as dores e mortes!
Essa é a vitória do bem sobre o mal. Uma vitória que ocorre não pela força do músculo masculino, mas pela força, graça, delicadeza, coragem que emergem da fragilidade feminina.
Isso nos leva a contemplar a firme delicadeza da mãe de Jesus entre os convidados (João 2,1-11). Ela, com certeza, circulava graciosamente e, dessa forma, aproxima-se do filho após ouvir o burburinho entre os garçons. Acabara o vinho! E festa sem vinho não tem graça!
Dá pra imaginara segurança de sua voz meiga dirigindo-se com firmeza e carinho ao filho: “Eles não têm mais vinho!” (Jo 12,3). Dá pra imaginar seu olhar compreensivo, para com a resposta do filho, mas também dá para entender a segurança com a qual orientou os serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 12,5).
Eles fizeram. Não porque acreditavam em um milagre, mas porque uma mulher se ofereceu para ajudar. E nisso se fundamenta a fé cristã, quando pede a intercessão de Maria. O cristão sabe que ela não é uma deusa, mas também sabe que ela é a mãe do Filho de Deus. E se nós sabemos o poder positivo das nossas mães sobre nós, dá pra imaginar a capacidade intercessora da mãe de Jesus em relação ao Filho de Deus.
“Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4), diz Jesus. Mas o olhar carinhoso da mãe, atenta às dores do outro, mobiliza o dom divino e Jesus se antecipa. Entrega o melhor vinho, da mesma forma que depois dará o próprio sangue. O novo vinho manteve a alegria da festa; o sangue oferecido na cruz alimenta o cristão, introduzindo-o na festa definitiva do céu.
Tudo é ação de Deus, mas a Mãe de Deus pode interceder pelo bem dos filhos de Deus,a caminho. Observando isso, notamos que podem não se ter registrado muitas mulheres na história da humanidade. Mas da mesma forma que a Mãe de Deus o estimulou a salvar uma festa, anunciando a festa definitiva, outros grandes homens também tiveram grandes mulheres estimulando-os.
E, melhor ainda, poderíamos até repensar as relações de poder,olhando para a ação das mulheres que a história registra e que marcaram as narrativas da bíblia e o cristianismo. Elas não agiram movidas por exércitos. Pelo contrário, agiram em defesa da paz. Então, nesta comemoração da padroeira do Brasil, peçamos que ela nos ajude a ajudar aqueles que de nós precisam. Que a mãe de Jesus nos ensine a caminhar e construir a paz. Que a mãe de Deus nos ensine o caminho para Jesus, afinal, graças a ela, seus discípulos creram nele!
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
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