domingo, janeiro 02, 2022

Epifania: vimos sua estrela.

(Reflexões baseadas em: saías 60, 1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Já parou pra pensar quantas vezes você venceu dificuldades? Pequenas ou grandes, mas venceu! Houve tropeços…. Mas você levantou… já fez as contas? Já parou pra pensar como foi tua reação depois de cada vitória?

É isso que Isaías (60,1-6) está nos propondo. Após um grande problema, o Exílio babilônico, o povo está regressando para sua terra. Nesse contexto o profeta convida o povo para rever o caminho percorrido; analisar o que está acontecendo; rever as causas das dores e entender o significado de sua vitória. Então o profeta afirma: “acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti” (Is 60,1-2).

Para nós, um novo ano se inicia, então as palavras do profeta também nos alertam: Também para nós chegou a luz do Senhor; também para nós está destinada a glória do Senhor… Mas, também a nós é dada a oportunidade de fazer brilhar uma luz divina e preparar o espaço para a permanência da glória!

O problema é que nem sempre estamos abertos a essa proposta do Senhor. Na maioria das vezes em que Deus tenta nos visitar ou nos oferecer oportunidades e pequenas amostras de sua glória, nos preferimos as amarras do mundo. Em vez da solidariedade, preferimos o egoísmo; em vez do amor, preferimos a divisão individualista; em vez das coisas do alto optamos pelas coisas rasteiras, pelos prazeres cotidianos… e, dessa forma, nos afastamos da proposta gloriosa.

Não damos ouvidos ao profeta.

E, por esse motivo, Paulo (Ef. 3,2-3a.5-6) nos vem alertar: existem detalhes do plano de Deus a nosso respeito. Claro que inicialmente mensagem foi para sua comunidade de Éfeso. Mas como a palavra de Deus não se prende ao tempo, também é dirigida a nós. Por isso é a nós que o apóstolo fala: “Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito” (Ef 3,2).

E o apóstolo começa a explicar em que consiste o plano de Deus a nosso respeito. Tem a ver com o próprio mistério de Deus, mas esse mistério o Senhor reservou para revelar por meio de Jesus e não aos povos antigos.

E nem poderia ser diferente, pois o dom de Deus a nosso respeito consiste em sermos associados à herança divina. Uma associação que nos torna membros do corpo do Senhor Jesus. Diz o apóstolo: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6).

Ser merecedor da luz; ser incorporado à glória celeste; ser feito herdeiro da promessa; ser associado ao corpo de Cristo… tudo isso pode ser resumido numa só palavra: a Epifania. Deus que se manifesta à comunidade humana. E faz isso na pessoa de Jesus.

Jesus é quem nos incorpora ao Pai, nos torna herdeiros da promessa do Senhor. É ele que revela o plano de Deus e o faz anunciando e mostrando os caminhos do Reino. E um Reino que não se limita a um povo, como o acreditavam os hebreus, mas é aberto a todos os povos, como o ensina Paulo e o demonstra Mateus (2,1-12), com a narrativa da visita “dos magos do oriente”.

Chama a atenção o fato de que o Messias era esperado pelos hebreus. Isso o sabiam “todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei” (Mt 2,4), mas não viram a estrela do menino de Belém. Ficou sabendo o rei Herodes, mas com intenções assassinas. No entanto já haviam reconhecido a luz do Deus que se manifestava: os pastores e agora estavam seguindo sua estrela “os magos do oriente.”Tudo isso para demonstrar que Deus não se dá a conhecer entre os poderosos e seus palácios, mas entre os mais humildes e estrangeiros.

Isso, também, nos mostra que Jesus se manifesta. Ele se dá a conhecer. Mas são necessárias algumas condições para reconhecê-lo: buscar com fervor sua ajuda para a solução dos problemas de nossa vida, mas, ao mesmo tempo fazer nossa parte para encontrar as soluções; não dá para procurá-lo nos locais de ostentação de poder, mas entre as pessoas simples. Ele não nega sua glória nem sua luz… mas prefere que nós o procuremos, pois respeita nossas escolhas.

Os magos disseram: “Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Procuraram no centro do poder, mas o encontraram na periferia. Cabe nos perguntarmos: qual a estrela que estamos procurando. E se queremos, de fato, encontrar o Senhor também temos que sair em busca de sua estrela que nos espera para nos guiar na busca de soluções para nós e nosso país… então, onde está nossa estrela?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

quinta-feira, dezembro 30, 2021

O Senhor te abençoe

(Reflexões baseadas em: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21)




Quantas vezes nós já usamos ou ouvimos as expressões: Deus te abençoe! Deus te ajude! Vai com Deus! Deus te acompanhe! Deus te ilumine! Deus te guie!…Com certeza gostamos de ouvir essas bençãos. E quando a dizemos ou desejamos a alguém, queremos que realmente Deus realize aquilo que desejamos

Qual o significado disso?

Por que dizemos essas palavras?

Todas essas expressões são formas de Bençãos. E benção é dizer e desejar o bem sobre a pessoa. E essas palavras são formas de dizer que desejamos aquilo que Deus tem de melhor para essa pessoa a quem nos dirigimos. Desejamos o bem de Deus para as pessoas!

Nestes tempos em que contamos as horas para o fim de ano e plantamos as sementes do começo de novo ano; tempos no qual as pessoas estão fazendo balanços do que passou ou projetos para os tempos que virão…. Também é tempo de pensar nas bençãos: nas que recebemos de Deus; nas que nos foram desejadas pelos que gostam de nós; naquelas que desejamos a outras pessoas… naquelas que sentimos que Deus concedeu àqueles que nos circundam. Na verdade é um tempo para perceber que o mundo é uma benção…. Nós é que, às vezes, atrapalhamos...

Nestes tempos de fim de ano, podemos nos lembrar das palavras que o Senhor nos dirige. São palavras de bençãos.

Podemos começar lembrando o que Paulo, escreveu aos Gálatas (4,4-7). Veja o que ele nos faz recordar: “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher” (Gl 4,4). E diz isso como a dizer: “Deus quis depender de uma mulher para se dar ao mundo”. Portanto, não desconsidere essa mulher, pois ela teve um papel fundamental no plano de Deus. Não menospreze essa mulher, pois ela é grande, como grande é seu filho. Não a ignore, pois ela tem importantes lições a oferecer. E, principalmente, lembre-se: foi o filho dessa mulher que nos permitiu sairmos da situação de escravidão para a condição de filhos e herdeiros da graça divina “Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro” (Gl 4,7).

Portanto, se ainda não tens um carinho todo especial por essa mulher, Maria de Nazaré, reveja teus conceitos! Da mesma forma que você quer que tua mãe seja bem lembrada… lembre-se que Maria é mãe de alguém muito mais importante que você. Mãe de um cara que fez de sua vida uma doação completa em favor da tua vida… lembre-se que Deus te escolheu, mas quer saber como você se comporta em relação à mãe Dele!

E isso é uma benção: sermos acolhidos ao seio divino pelos méritos de Jesus. Mas esse acolhimento também se dá pela intercessão da mãe de Jesus.

Também foi uma benção aos pastores (Lc 2,16-21) terem sido escolhidos para serem os primeiros visitantes e protetores do menino do Natal. Menino que nasceu pobre entre os pobres para dizer que Deus os protege. Para dizer que Deus está do lado dos marginalizados. Para dizer que Deus faz opção de classe. Para dizer que a condição de sofrimento das pessoas não é vontade de Deus, mas resultado das escolhas humanas. Ninguém sofre porque quer sofrer. Sofre em decorrência de algo. Algo feito por alguém….

Por serem portadores de bençãos, os pastores “foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura” (Lc 2,16) e lá contaram das bençãos recebidas e todos os admiravam. E Maria?

Quietinha em seu canto. Sabia que sua tarefa só havia começado. Sabia que ainda teria muito a fazer pelo seu filho. Sabia que sua história ao lado do filho estava apenas começando.Sabia que devia guardar tudo no coração e realmente mantinha “todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Sabia que sua benção se estendia a toda a humanidade.

E hoje, no final do ano, cabe a nós fazermos nossa ação de graças pelo ano que findou. Com problemas, dores, tristezas…, sim!!! Mas também com realizações, com projetos e sonhos realizados… outros iniciados… outros ainda no sonho…

Por isso e pelo que sonhamos para o novo ano, não é demais invocar a benção de Deus, em favor do todo o povo que luta e sofre para sobreviver contra esse mundo que os donos dos poderes corrompidos levantaram contra ele. Uma benção conforme nos ensina o livro dos Números (6,22-27). Então, que a benção do Senhor se realize:

“O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,22-26). Seja, então, a benção de Deus para todos que cruzarem teu caminho!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, dezembro 25, 2021

Sagrada família: Era-lhes obediente

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 3,3-7.14-17; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,41-52)




Quando falamos em Sagrada Família, de imediato nos lembramos de Jesus, Maria e José, a família de Nazaré. E não está errado. Mas também não é só isso. Não é sagrada só a de Jesus, Maria e José; nossas famílias também o são; ou, no mínimo, podem ser.

O livro do Eclesiástico (3,3-7.14-17) demonstra isso, falando da necessidade do filho honrar, respeitar, amparar seu pai em todos os momentos da vida. E, ao fazer isso pelo pai, promove a alegria da mãe. Ou seja, a relação pela qual o filho dedica sua vida ao pai, é uma forma de edificar e exaltar sua mãe. Tudo que o filho realiza pelos seus pais, amplia o sentimento da paternidade. Mas, ao mesmo tempo, edifica o ser filho. Em razão dessa interatividade edificante permite suas orações são atendidas. “Quem honra o seu pai, terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido” (Eclo 3,6). E isso é santificador. Esse viver pela família santifica a família.

Atríplice relação: pai, mãe, filho, a exemplo da família de Nazaré, santifica a família humana. E isso não só porque a família humana representa e repercute a família de Nazaré, mas também porque colabora com Deus na obra da criação. Também por isso e na medida que efetivamente promove e criação a família humana é uma família sagrada.

Não só o Eclesiástico mostra a santidade da família humana. Paulo, o apóstolo, falando aos Colossenses (3,12-21) também o afirma. “Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência”(Col 3,12). A vida santa, nas palavras do apóstolo, é aquela que está voltada para o outro. A vida santa não é aquela que se concentra em em si, mas age pensando no outro. Por isso é misericordiosa, humilde…. Características de uma vida em família.

Como a relação familiar, só é uma relação de família se estiver baseada no amor, o apóstolo orienta as pessoaspara que alimentem esse vínculo: “o amor é o vínculo da perfeição” (Col 3,14). nenhuma família nasce perfeita, mas a interação amorosa, misericordiosa… leva os membros da família a crescerem aperfeiçoando-se. E isso ocorre quando os interesses da família se sobrepõem a outros interesses mesquinhos.

O aperfeiçoamento se completa e amplia na medida em que a relação tríplice: pai, mãe, filhos, se completa e se amplia. E a relação se completa na medida em que a esposa vivencia a solicitude para com se marido; na medida em que o marido torna vivo seu amor para com sua mulher; na medida em que os filhos seguem as orientações dos pais. Esse círculo amoroso nada mais é do que a explicitação da santidade da vida familiar.

Notando que o circulo amoroso que alimenta a famíliaimpulsiona seus membros a se espelharem no amor de Deus para com a humanidade. O amor que nutre a Trindade Santa tem um reflexo na Sagrada Família de Nazaré: uma trindade humana; e esta, por sua vez, acaba sendo um modelo para a santificação das nossas famílias: pais, mães, filhos: uma trindade familiar. Nossas famílias se santificam na mesma proporção em que tem um olhar altruísta e se espelha no modelo da família de Nazaré. A família de Nazaré é um modelo a ser seguido, pois representa e concretiza o amor da Trindade Santa.

Afamília sagrada, de Nazaré, demonstra o que é esse estar voltado para a família quando deixa a segurança da caravana e volta em busca de Jesus. Era mais seguro viajar em caravana, mas não tendo o filho presente, José e Maria, deixam essa segurança. Voltam ao ponto de partida. Procuram e encontram o filho: “estávamos angustiados a tua procura!” (Lc 2, 48). E Jesus responde que também estava cuidando dos interesses da família: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49).

E a família volta para Nazaré: Jesus, obediente, “crescia em sabedoria, estatura e graça”. José em seus afazeres. Maria “conservava no coração todas estas coisas” (Lc 2,51-52).Era, apesar dos percalços cotidianos, uma família crescendo em harmonia. Modelo para nossas famílias, pois também nós, queremos crescer no amor. E, na medida em que obedecemos ao Senhor podemos crescer em “sabedoria, estatura e graça”.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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terça-feira, dezembro 21, 2021

Natal – Uma Luz surgiu

(Reflexões baseadas em:Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14)



Cada um de nós já deve ter passado pela experiência do medo e da da escuridão. Muitos ainda têm medo do escuro. O escuro, com toda certeza, é uma das piores sensações; a sensação de uma quase completa impotência, insegurança... Daí o medo! Mas o natal é luz e a luz ilumina as trevas e dissipa a escuridão.

A liturgia do Natal nos vem alentar: “Uma luz resplandeceu”,diz Isaías (9,1-16) e ela pode mudar tudo. Uma luz que orienta todo o povo que está “aguardando a feliz esperança”, diz Paulo, escrevendo a Tito (2,11-14). Assim é o Natal: os que andam nas trevas do medo e alimentam a esperança “a glória do Senhor os envolveu em luz”, como aos pastores, nos informa Lucas (2,1-14).

Então, se durante o advento os cristãos fazem o propósito de se reconhecer pecadores, causadores de sofrimentos, geradores de exclusão…. As luzes do Natal são o último convite para abandonar a escuridão da maldade e abraçar a luz de uma nova sociedade.

Entretanto, se pra nós o Natal se resume a troca de presentes, comilanças e bebedeiras, compra e venda… é porque ainda não entendemos o espírito do Natal. E, nesse caso, mesmo diante da luz de Jesus, ainda estaremos andando nas trevas.

Então vamos olhar com um pouco mais de atenção a cena do Natal. Quem são os personagens aí estão presentes?

O personagem central é o recém-nascido. Ao redor dele gravitam os demais. Os anjos, evidentemente, pois são eles que anunciam o nascimento. Os pastores, pobres e marginalizados, para os quais não há lugar nem na estrebaria, junto aos animais e por isso pernoitam no campo, ao lado do rebanho. Como a cena é de um nascimento, o José e Maria também são personagens e também marginalizados, pois tiveram que colocar o recém-nascido a dormir num cocho. (As pessoas se acostumaram a dizer manjedoura, mas uma manjedoura é o objeto no qual os animais comem, é o prato dos animais. O prato dos animais, portanto, é o cocho).

Devemos notar que os pais do recém nascido são vítimas do sistema e não da falta de hospedagem. Estão nessa localidade, fora de sua morada, não por vontade própria, mas por exigência do sistema. A exigência do recenseamento foi que atraiu muita gente à cidade e por isso faltou alojamento. José é Maria não foram rejeitados por maldade dos hoteleiros, mas porque o sistema obrigou muita gente a se deslocar. Como “Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal” (Lc 2,3), José e Maria, da mesma forma que muitos outros, chegaram a Belém. Por esse motivo “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,8). O sistema romano, portanto, é outro personagem, não presente no local, mas o verdadeiro causador da situação de desconforto de toda a população e da família sagrada em particular.

Quando analisamos os personagens envolvidos na cena do Natal, percebemos: com exceção do anjo, todos os outros são vítimas do sistema romano. Não vemos nessa cena nenhum rico. Nenhum político. Nenhum dos sacerdotes do templo… só os marginalizados e vítimas do sistema.

Para essas vítimas nasceu o Salvador. Em favor das vítimas do sistema, “o povo, que andava na escuridão”; os “que habitavam nas sombras da morte”; aqueles sobre os quais pesava “o jugo que oprimia o povo”… todas essas vítimas viram “uma grande luz”; sobre eles “uma luz resplandeceu”. Para realimentar a esperança “nasceu para nós um menino, um filho nos foi dado”.

Então o que é o Natal?

Com certeza não são as festas, as comilanças, as bebedeiras; nem são os presentes, menos ainda as luzes pisca-piscando nas lojas… não é o comércio… tudo isso, faz parte do sistema: hoje o sistema econômico que produziu e continua produzindo as famílias desalojadas, dor e fome.

Natal tem a ver com o começo de um novo tempo. Uma nova vida. Uma nova sociedade em que as relações acontecem não para privilegiar o sistema, mas para dar vida e luz aos marginalizados. Tem a ver com uma criança que nasceu há 2000 anos, mas que é um sonho criança, nascendo ainda hoje. Não para gerar riquezas e privilégios, mas para valorizar os que são desvalorizados. Tem a ver com a consolidação da justiça em favor dos desvalidos. Tem a ver com o anúncio do anjo: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,10-11).

Temos que nos perguntar: que é, para mim, o Natal? Troca de presentes ou compromisso em transformar a sociedade que produz e mantém os marginalizados?Uma Luz iluminando uma nova vida ou um reforço para que eu continue alimentando as trevas e ampliando a escuridão?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, dezembro 18, 2021

Advento: Bendita és tu e bendito é o fruto

Reflexões baseadas em:

Miqueias 5,1-4a; Hebreus 10,5-10; Lucas 1,39-45




Você já experimentou visitar um parente ou um amigo com o qual não se encontra há muito tempo? Como são as reações?

O coração acelera! Só um abraço parece pouco! A voz fica enroscada em um nó na garganta. Você quer falar mas a voz fica teimosa pra não sair! Os olhos não sabem se olham para a pessoa ou se mergulham nas lágrimas...

Emoções de um reencontro!!!

Podemos dizer que algo parecido aconteceu com aquela senhora, dona Isabel, quando recebeu a visita da menina Maria. Reveja a cena relendo a narrativa de Lucas (1,39-45).

Aquela senhora, certamente cuidando de seus afazeres domésticos, numa vila distante, recebe uma visita inesperada: Maria, uma jovenzinha. Na verdade uma adolescente! Muito prestativa, por sinal! Ao saber da gravidez de sua prima, já com uma certa idade, corre para visitá-la: alegria pela nova vida; certeza da presença de Deus!

É nessa cena que vemos os corações externando as emoções. Nessa cena a saudação de Maria, a menina-moça, mexe com as emoções da dona Isabel. Nessa cena João, ainda no útero materno, dá o primeiro sinal de que será o precursor, anunciando a breve chegada do Senhor. Nessa cena a dona Isabel recita a segunda parte da oração que a Igreja consagrou como “Ave Maria”. Uma cena muito marcante! Tudo resumido numa visita.

Mas a cena retrata muito mais do que isso. Vai além da alegria de um encontro entre duas pessoas que se gostam.

A cena também nos mostra: Maria, a menina mãe, solidarizando-se com uma outra pessoa que talvez estivesse precisando de sua ajuda ou sua companhia; Isabel anunciando que Maria é bem-aventurada, ou seja, alguém que mereceu uma atenção especial de Deus, afinal ela aceitou ser a ponte pela qual Deus chegou ao mundo; também é Isabel quem, em primeiro lugar, deu testemunho de que Maria dará ao mundo aquele que Deus havia prometido.

E, acima de tudo, Isabel mostra a gratuidade do dom de Deus: mesmo admitindo, por si mesma, não ser merecedora, recebeu uma visita do próprio Senhor, que ainda estava no útero de Maria, quase criança! “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc 1,43).

Quando olhamos para essa cena, doméstica, humilde, numa localidade longínqua, recebemos a luz para entender as falas de Miqueias (5,1-4) e de Hebreus (10,5-10).

O profeta Miqueias, mostra a grandeza daquilo que é pequeno. Belém “pequenina entre mil povoados” (Mq 5,1), na realidade é a porta de entrada pela algo fenomenal; lá onde “ao seu tempo uma mãe dará a luz” (Mq 5,2) é a pequenina cidade que se converte no ponto de partida para a “majestade do nome do Senhor Deus”; de lá é que o Senhor fará com que os homens vivam em paz: “os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até aos confins da terra, e ele mesmo será a Paz.” (Mq 5,3-4)

Tudo isso, anunciado pelo profeta, terá inicio nessa pequena cidade e poderá acontecer porque Maria-menina disse sim; e em consequência desse sim pôs-se a cainho para amparar a mãe do precursor. O pequeno lugarejo; a pequena Maria; as duas crianças, tão pequenas que ainda estão no aconchego do útero… tudo minúsculo para que Deus possa mostrar a grandeza que vem dos pequenos...como Davi enfrentando Golias, como a brisa conduzindo o veleiro… tudo para mostrar que Deus não age na ostentação, no luxo… Deus só se manifesta na simplicidade, como no arbusto que queimava, na frente de Moisés e não na montanha imponente…. E com isso nos mostra as opções do Senhor e como serão os passos do Senhor que nasceu pobre na gruta/presépio, com os animais.

Aquela cena doméstica e familiar, também nos convida a ouvir o ensinamento de Hebreus (10,5-6). Nos ensina que Deus não se interessa pelos sacrifícios, pelos holocaustos, pelos gestos exteriores. O Senhor Deus quer saber daquilo que nove as ações; quer saber das intenções que produzem as atitudes. Não quer saber da lei que obriga às posturas exteriores… O que o Senhor deseja é o que se oferece com a vida e em defesa da vida. Por esse motivo é que o Cristo, que se manifestou na gruta de Belém, não nasceu num ritual de sacrifício, mas no mais profundo e sublime ato de humanidade: a fragilidade do gesto de uma mãe que dá à luz a um filho… entre os animais…

O supremo ato e gesto de vida é o gesto de gerar uma vida e fazê-la nascer.

Por isso, Cristo, ao entrar no mundo, o fez mediante uma mulher que o gerou e o fez nascer; por isso, Cristo, ao entrar no mundo, não o fez por meio do sacrifício, mas formando-se num corpo humano: dentro de Maria, a menina: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo” (Hb 10,5).

E porque Maria-menina-mulher aceitou essa missão, na cena da visita foi reconhecida como bendita, pois conduzia um fruto bendito, no ventre!






Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


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Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;


Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sábado, dezembro 11, 2021

Advento: Que devemos fazer?

Reflexões baseadas em:

Sofonias 3,14-18a; Filipenses 4,4-7; Lucas 3,10-18)





Cantai de alegria!

Alegrai-vos!

Que devemos fazer?

Notemos que as palavras do profeta Sofonias (3,14-18) e da carta aos filipenses (4,4-7) são orientações. E nos são dirigidas com um objetivo muito claro e específico. São como se alguém estivesse nos dando um comando. Um comando para executar uma ordem. Mas não uma ordem de natureza autoritária, contra nossa vontade ou nossa liberdade. Pelo contrário: é uma ordem para a felicidade!

Uma ordem simples. É como se nos dissessem: seja feliz!

Já o texto de Lucas (3,10-18) poderia ser quase como uma resposta de nossa parte.

É como se não estivéssemos entendendo a orientação que nos foi dirigida. É como se estivéssemos a indagar. É como se nós estivéssemos reagindo ao comando da alegria com a indagação: Que devemos fazer? Ou porque não entendemos a orientação e desejássemos uma confirmação: O que é mesmo que devemos fazer? Ou talvez porque não nos sentimos seguros, sem saber como agir, e perguntamos, como a pedir ajuda: que devemos fazer?

Mas é, também, como se Deus nos estivesse dizendo: seja feliz!

É como se nós indagássemos: O que devemos fazer para alcançar a felicidade?

Tanto o apóstolo como o profeta explicam o motivo pelo qual orientam para a alegria: o profeta afirma que o motivo da alegria é o fato de que o Senhor Deus “está no meio de ti, nunca mais temerás o mal”. E o apóstolo também dá uma explicação: seja feliz porque “o Senhor está próximo!”

Então, se o Senhor está próximo ou em nosso meio, só temos uma alternativa: a alegria!

E não poderia ser diferente. Perto do Senhor não há tristeza, não há dor, não existem necessidades… a presença do Senhor é plenitude. Só Deus se basta e somente Ele nos basta…. Mas nós continuamos dependendo dele para nos completarmos. Então, o que fazer para merecer o estar com Ele e provar da alegria que nos é oferecida.

Voltamos nossos olhos para o texto de Lucas.

E Lucas nos apresenta João, o Batista, preparando os caminhos do Senhor. Ele está diante de uma multidão que deseja as alegrias da convivência com o Senhor. Essa multidão pergunta: que devemos fazer? Mas não só a multidão. Também os cobradores de impostos. Eles também queriam saber: que devemos fazer?

Mas além da multidão e dos coletores, também os soldados queriam saber: que devemos fazer?

O que faz a multidão? O que fazem os cobradores de impostos? O que fazem os soldados? Todos fazem algo indevido. E suas ações causam algum mal, alguma dor para alguém. Na multidão existem aqueles que concentram mais do que precisam. Os cobradores de impostos (hoje os fiscais e outros mantenedores da burocracia) usam dessa burocracia para infernizar vida do povo. E os soldados… por suas mãos deveria se popularizar a justiça e o bem estar da população…. Mas o que se vê? A morte sendo cultuada em seus atos. E nestes três seguimentos, o bem estar que deveria ser a mola propulsora de seus atos, acaba sendo a causa de sofrimento.

Mas isso não impede o Batista de dizer a todos: preparem-se! A festa está para começar! E se tem festa, tem alegria! Preparem-se, portanto, para participar da festa da alegria, que está para começar!

Vai nascer um menino e o mundo vai mudar. Vai aparecer um jovem pregador anunciando novos rumos para a vida e o mundo vai mudar. Vão perseguir o pregador, pregando-o numa cruz, mas o mundo vai mudar. As pessoas ouvirão, falarão, viverão os ensinamentos desse revolucionário e farão o mundo mudar.

Cantai de alegria! Alegrai-vos! Sim, tudo isso. Mas, o que fazer para merecer e participar disso?

Não precisa de muita coisa. Basta seguir os passos do mestre! Isso é o que devemos fazer! É assim que devemos agir: olhando e orando a Deus e estendendo a mão a quem está próximo de nós!





Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


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Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;


Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

domingo, dezembro 05, 2021

Advento: A voz que grita no deserto

Reflexões baseadas em:

Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6






No tempo do advento tudo gira ao redor de algo de bom que vai acontecer e alguém especial que está por vir.

Até parece que tudo esta querendo dizer: “tenha esperança, as coisas vão melhorar”. Tudo indica que as dificuldades presentes estão com os dias contados. Virá alguém muito maior que todos os problemas…. Vejamos alguns exemplos:

Baruc (5,1-9) menciona algo que está por acontecer. Uma libertação! E não se trata de pouca coisa. Trata-se de trocar as cores do luto por “adornos” de glória. “Despe ó Jerusalém, a veste de luto e de aflição, e reveste, para sempre, os adornos da glória vinda de Deus” (Br 5,1). E isso tem um significado muito importante: tirar as vestes de luto implica em retomar as vestes da vida nova. Não mais a morte, mas a vida é o que importa.

Lucas (3,1-6), apresenta João Batista gritando um aviso, no deserto: o Senhor está chegando! Ele anuncia “a voz daquele que grita no deserto: 'preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’” (Lc 3,4). E, preparar os caminhos do Senhor é o mesmo que preparar uma vida nova. Uma vida nova que está se preparando para conviver com nossa vida já cansada, mas que ainda alimenta alguma esperança.

O apóstolo Paulo, falando aos filipenses (1,4-6.8-11), demonstra seu carinho para com a comunidade: “Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus” (Fl 1,8). E o apóstolo insiste na orientação pelos caminhos da santidade: é necessário “que o amor cresça”; a comunidade deve permanecer “sem defeito para o dia de Cristo”. E o que é mais importante: a comunidade pode colher os frutos da justiça “que nos vem por Jesus Cristo” (Fl 1,8-11). São, também, sinais de vida nova. São sinais de esperança. Sinais de que algo grandioso está por acontecer. E não só lá no mundo do povo da bíblia, mas também, e principalmente aqui entre nós. Algo de bom nos aguarda… para breve! No Natal e além dele!

Então o tempo do advento é isso: tempo de esperança; tempo de preparação; tempo de olhar para aquele que vem… e, de nossa parte, criar a pré-disposição para acolher não só Jesus que se manifesta no Natal, mas os frutos daquilo que é a sua promessa.

Em Baruc o povo é convidado a retornar de um tempo de exílio. E esse regresso ocorre na alegria não só de quem volta para casa, mas de quem volta a se encontrar com o Senhor. E o convite, feito ao povo, repercute em nosso cotidiano: também somos convidados a olhar para nosso cotidiano e repensar nosso futuro; ainda dá tempo de redescobrir os caminhos que levam aos dias de restauração.

Com Lucas aprendemos que não tem como aderir ao projeto de Jesus, sem aderir ao projeto de dias melhores. E essa adesão somente ocorre se aprendermos a pensar no bem de todos. Endireitar os caminhos, rebaixar as colinas, aterrar os vales (Lc 3,5-6).… Ou seja, preparar o percurso é facilitar os caminhos também para os outros… é o mesmo que dizer: pode ir em frente, lá adiante alguém que te quer muito está te esperando….

E fazer isso, facilitar os caminhos, é pensar no outro; é ser capaz de mostrar Jesus àquele que está em dificuldade e lhe dizer: apesar de tudo, a esperança não morreu. Os governantes nos enganam, nos oprimem, nos roubam… oferecem armas em vez de paz. Dão corrupção no lugar da justiça…. Mas a esperança é teimosa…

Os engôdos da propaganda tentam nos ludibriar… o comércio apela para comprarmos o que não precisamos… o salário é mais curto que o mês… as dívidas aumentam… Mas a esperança é teimosa!

Os problemas na família…. Os problemas no trabalho…. As dificuldades com os vizinhos…. As dores plantadas pelos vícios…. Tudo parece estar desmoronando…. Mas a esperança é teimosa….

Os políticos nos enganam… a vida em comunidade é difícil… as amizades rareiam e se tornam escassas… Mas a esperança é teimosa...

De fato, uma voz grita no deserto…. Que são as dificuldades nossas do dia-a-dia?

Mas esse grito já não é mais de desespero…. Já se pode gritar, avisando que os caminhos do Senhor estão preparados. Já entendemos que é tempo de ficarmos “puros e sem defeitos para o dia de Cristo, cheios dos frutos da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus” (Fl 1,10-11).

De fato, uma voz grita no deserto, mas é uma voz que grita anunciando a esperança!

 

 

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sábado, novembro 27, 2021

Advento: Virão dias

(Reflexões baseadas em:Jr 33,14-16; 1Ts 3,12-4,2; Lc 21,25-28.34-36)






É o Senhor Deus quem manda o recado: chegará o dia em que as promessas se cumprirão!

Você duvida?

Você não acredita?

Pois leia o que Ele disse, pelas palavras de Jeremias (Jr 33,14-16). A afirmação é clara e categórica: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei cumprir a promessa de bens futuros” (Jr 33,14).

Certo, alguns poderão dizer: “Ora, mas a bíblia foi escrita por gente como a gente!” Ou então: “Mas não foi Deus quem pegou papel e tinta para escrever…” e assim por diante!

De fato, mas com um detalhe a mais: não foi Deus quem manuseou os instrumentos, mas ensinou a fazer. Foi gente como a gente que escreveu, mas o fez agindo sob a inspiração divina. A diferença entre eles e os que atualmente falam inspiradas por Deus é que aqueles disseram o que está na Bíblia e, por isso falaram a nós, através dos milênios de história.

Por sua vez, os profetas atuais nos transmitem a mensagem divina diretamente: a viva vós, pelas mídias sociais, pelo rádio ou pela TV; nas nossas celebrações, nos cursos de formação, nos encontros de catequese… o tempo e os meios são diferentes, mas é o mesmo Deus que está falando… em defesa da vida!

… e Ele continua dizendo, como falou pelas palavras de Jesus (Lc 21,25-36): “Ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21,36).

Entendeu?

A promessa está mantida!

Não estão excluídos os sofrimentos e as dores e as tristezas e o medo e as incertezas e as angústias … E todos os contratempos! Mas, a promessa se cumprirá!

Talvez, alguém pode perguntar: essa promessa é para todos!

Sim, com certeza. A promessa ou a proposta divina é aberta a todos. Ninguém está, de antemão, excluído dela. Evidentemente, também é verdade, ninguém, de antemão, está plenamente incluído. A promessa de Deus é plena e para todos. Mas a resposta é pessoal. Deve ser vivida em comunidade, na relação afetuosa, na defesa da vida, na defesa dos fracos, oprimidos, marginalizados… No serviço fraterno. Na solidariedade desinteressada. No amor incondicional. No altruísmo autêntico…. Enfim, tudo isso e cada uma de nossas obras, contarão no momento do encontro.

É como ensina o apóstolo Paulo: os dons são presentes de Deus: “O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós.” (1 Ts 3,12). O amor, a graça são dons de Deus, entretanto, o merecimento é nosso!

Pode-se entender, também, um outro lado da mesma afirmação: a promessa e a proposta são eternas e para todos, mas nós a aceitamos ou rejeitamos em nosso tempo histórico.

O fato é que, como sabemos, nem todos vivem a experiência de amar aos outros; nem todos fazem de sua vida um serviço a quem precisa… Existem aqueles que são os causadores dos males e sofrimentos e dores que afligem muita gente. Existem aqueles que, em lugar de luz, promovem as trevas para o povo...

Para esses, também é valido o anúncio dos dias de angústia e medo. “Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas. Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo” (Lc 21,25-26).

Para esse grupo de pessoas, que são os promotores das dores do povo, também se cumprirão as promessas. Mas esses, ao se olharem no espelho de suas vidas, não terão coragem de se aproximar do Senhor da Vida. Ver-se-ão no seu espelho de vida saberão as consequências do que fizeram, ao longo de suas vidas. Verão que foram promotores de dor e morte.

E, como fizeram de sua vida uma constante irradiação de trevas e morte, não terão olhos para ver a luz e a vida que vem do Senhor. Sua vida de maldade não lhes terá fortalecido a vida para ficarem “em pé diante do Filho do Homem!”

E então, nesse dia da promessa, os promotores das trevas e de morte, tremerão!

Por sua vez, os filhos da luz; os que promoveram a paz, o entendimento, a amizade, a justiça, o amor…. Ou aqueles que são as vítimas das tribulações produzidas não pelos demônios apocalípticos, mas por pessoas no transcurso cotidiano… esses receberão os frutos da promessa, junto com o Senhor da vida.

Mas para todos, valem os alertas das palavras paulinas: “Enfim, meus irmãos, eis o que vos pedimos e exortamos no Senhor Jesus: Aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus” (1 Ts 4,1).

Que nos resta, então?

Viver intensamente nossa fé, pois virá o dia em que nossas obras serão nossa chave para a vida!




Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


Outros escritos do autor:


Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;


Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

domingo, novembro 21, 2021

ENEM

“O ENEM chegou…

e nem sei se estou preparado”

- Nem me diga isso: Você estudou!

- Nem sempre, sei, foram aulas brilhantes!

- E nem por isso deixamos de crer em ti!

“Nem sempre prestei atenção às aulas”

“E nem sempre meu esforço foi isso e nem aquilo!”

- E nem por isso deixamos de apostar em ti!


O ENEM chegou...

Nem que tenha vindo desfigurado!

Nem que tenha vindo vazado!

Nem que tenha vindo adulterado!

Nem que tenha vindo viciado!

Nem que tenha vindo vitimizado!

E nem que tenha sido estuprado…

O ENEM chegou!


O ENEM chegou, mas nem sempre foi assim!

E nem todos chegaram a ele ou por ele!

E nem todos chegarão a ele…

E nem todos chegarão por ele…

E nem todos passarão por ele…

E nem todos vencerão com ele

E nem todos triunfarão, graças a ele.

E nem todos creram nele!

E nem todos crerão nele!

E nem todos apostaram nele, antes desfiguraram-no!


Mas o ENEM chegou

E nem chegue atrasado

E nem fique “estressado”

E nem o faça apressado


E nem fique ai parado…

E nem pare no passado!

E nem que esteja desacreditado,

O ENEM é uma porta para o outro lado!!!


Neri de Paula Carneiro

professor

sábado, novembro 20, 2021

Cristo Rei: O rei do reino eterno.

(Reflexões baseadas em: Daniel 7,13-14; Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37

A literatura apocalíptica não se resume ao livro do Apocalipse. Esse gênero literário nasceu no Antigo Testamento. Está presente nos profetas, como Daniel. Mas também existem trechos apocalípticos nos evangelhos, como em Mateus e em trechos das cartas, como as de Paulo.

Quando lemos um trecho apocalíptico, a primeira imagem que nos vem é o que popularmente chamamos de “fim do mundo”. Isso se deve à natureza simbólica desses escritos, descrevendo cenas, aparentemente assustadoras, como estes dois versículos de Daniel (7,13-14).

Quando lidos isoladamente ou sem olharmos para o conjunto de onde eles foram retirados, podem parecer estranhas expressões como: “visão noturna”; filho de homem entre nuvens do céu; “ancião de muitos dias”; “poder eterno”, “reino que não se dissolverá”… Mas isso não deve ser causa de medo e sim de esperança.

Esperança?

Sim. Pode parecer estranho, mas as cenas de Daniel nos falam de esperança!

Este trecho de Daniel está inserido num contexto em que o profeta fala ao seu povo sofredor…. E pecador! Nos versículos anteriores aparecem sinais do sofrimento: a descrição de alguns monstros que massacram ao povo. São os reis e reinos inimigos. Entretanto, o incrível é que, em meio a todos os sofrimentos aparece não um monstro a mais, mas um “Filho de Homem”.

E não se trata de uma pessoa qualquer. É alguém poderoso. Ele tem “poder, glória e realeza”. Ele domina “todos os povos, nações e línguas”. E o melhor de tudo: seu “reino não se dissolverá”. Estamos diante, portanto, de um personagem poderoso cujo reino será eterno!

Então, se num primeiro momento temos a impressão de catástrofe, prestando atenção nesse “Filho de Homem” veremos que ele representa o oposto ao sofrimento: ele traz a vitória sobre as dores! A superação dos sofrimentos! Ele representa a esperança! Uma alternativa aos pecados do povo e a vitória contra os opressores do povo!

A questão é saber: quem é esse Filho de Homem com poderes definitivos, absolutos, eternos?

Por tradição sabemos a resposta: é Jesus.

O livro do apocalipse (1,5-8) o apresenta como “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra”. E diz mais: “Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão”, pois ele é o “Todo Poderoso”. Ele é o Rei do Universo! Ele veio para dar início a um tempo de paz, justiça, fraternidade, respeito e amor entre as pessoas…

Então, se Jesus, aquele em quem dizemos acreditar, é todo poderoso e tem poderes até mesmo sobre a morte, o que pode nos assustar? O que temos a temer? Se cremos nele e se sabemos que nos ama, qual a causa do medo se “por seu sangue nos libertou”…?

O tal medo do “fim do mundo” só se justifica se não estivermos conduzindo nossa vida em sintonia com o projeto desse Filho de Homem, de Jesus, Rei da esperança! Rei da Salvação! Rei do Universo!

E isso, quem afirma, não são outros quaisquer, mas o próprio Jesus. Dialogando com Pilatos (Jo 18,33-37), faz-se reconhecer como rei. Ou seja, deixa-se reconhecer como Senhor do mundo.

Jesus é claro e definitivo: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.

Para sabermos a respeito de quê Jesus está falando, basta olharmos sua trajetória de vida. Em todos os seus passos posicionou-se em defesa da vida, dos fracos, dos desamparados, dos excluídos, dos doentes… dos sem voz e sem vez…. e disse a seus seguidores que o caminho para seu reino é seguir seus passos. E seguir seus passos ou “escutar sua voz” é, também, fazer uma opção de classe. Seguir a Jesus é saber que a vitória final está garantida, mas ela passa pela cruz!

Mais ainda, seguir os passos de Jesus, “ouvir sua voz” não é algo que depende dos outros. Pilatos quis saber se Jesus era Rei, mas foi questionado por Jesus: quer saber isso por si mesmo ou por outros? Se nosso interesse por Jesus é obra de outros, deve-se ao que “se fala por aí”, ele pode até atrair nossa admiração. Podemos até vê-lo como uma pessoa interessante. Mas isso não leva a optar pelo seu seguimento, tendo-o como Mestre.

Daí a importância de nossa opção. Daí a necessidade de nos questionarmos: aderimos a Jesus e sua proposta do Reino porque acreditamos nisso? ou porque aprendemos na catequese? ou porque é tradição em nossa família … indaguemos de nós mesmos: “frequento a comunidade, vou à missa, às celebrações...por que realmente tenho fé ou por que tenho medo da danação eterna? Para respondermos com mais propriedade, temos que saber o que realmente é o seguimento e o quais são as artimanhas do “outro”.

Portanto, temos que saber: seguir os passos de Jesus não é apoiar a maldade. Não é apoiar quem explora os mais fracos. Não é apoiar o armamentismo ou ostentar a posse de armas. Não é zombar das dores do povo. Não é explorar os trabalhadores nem criar leis que os prejudicam. Não é usar a religião, ou qualquer outro poder para auferir vantagens pessoais … essas, entre outras, são posturas do adversário!

Mas se nossa fé, nossa esperança, nosso compromisso comunitário... brotam de uma adesão pessoal, então Jesus não é nem inimigo nem adversário, é nosso Rei. Se o que ele realizou em favor dos excluídos, nos encanta, então ele é o salvador, motivo de esperança. Se ele é o centro de nossa fé, então ele é alguém a ser seguido, embora seja um seguimento que estabelece condições: ajudar no testemunho da verdade. Desmascarar aqueles que desejam se passar por messias atuais, pois eles sim são causadores de morte e sofrimento.

Seguir o Cristo Rei é, também, dar testemunho da verdade, na esperança de instalar o reino que não se dissolverá. O reino da vida!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, novembro 19, 2021

Tempo de todos ou sobre o dia da consciência negra

Em novembro, como nos demais meses, existem datas importantes e outras nem tanto. É tempo propício a algumas considerações, não porque no mês seguinte tem Natal, mas porque neste se comemoram algumas datas cívicas. E uma delas vem ganhando realce. Note que não estou me referindo ao dia 15 nem 19, que andam meio esquecidas, mas ao dia 20. E o destaque crescente não se deve ao aniversário do assassinato de Zumbi, mas àquilo que vem sendo chamada do Dia Nacional da Consciência Negra.

É verdade que todos os tempos são favoráveis àquilo que queremos realizar. Em qualquer tempo podemos desenvolver a cultura da paz ou provocar situações de violência – principalmente sabendo que a violência é mais lucrativa que a paz! Em qualquer tempo podemos realizar grandes obras ou simplesmente esperar o tempo passar, como se no transcurso do tempo estivesse a solução de todos os problemas; como a negar o fato de que a solução de problemas se dá pelo trabalho e não pela acomodação. E, sendo assim, o dia 20 de novembro é uma data com essa característica ascendente. Mas, apesar de ser prenhe de significados, permanece uma data a ser construída pelo que pode produzir e não só pelo que já passou.

O dia da consciência negra, na realidade é um tempo de todos.

Tempo de todos porque todos pertencemos à mesma sociedade brasileira que se desenvolveu não a partir de brancos ou negros, mas por mãos de brancos, negros, índios e outros tantos; ou seja, uma história de misturas. Dia 20, portanto, não é apenas o dia da consciência negra, mas um tempo de e para todos. Inclusive tempo de refletir até mesmo sobre a denominação “Consciência Negra” que, embora produzida para dar voz ao movimento negro e como meio de resgate de nossa africanidade, pode soar com carga preconceituosa: a consciência negra se contrapõe à consciência branca?

Além disso, não podemos negar que houve, sim, um tempo em que os brancos eram donos de negros e os tratavam como coisas ou como animais: trabalho forçado, agressão física e outros maus tratos... Tempo em que ser dono de um negro era sinal de opulência e status... mas nesse mesmo tempo houve negros que se rebelaram, fugiram e organizaram quilombos, assinalando para a história que a liberdade não tem cor, mas tem personalidade. Um tempo em que a atitude de corajosos visionários ameaçou aquela estrutura escravocrata.

Entretanto, no transcorrer dos anos e séculos muita mistura se deu. Negros, índios e brancos formaram um Brasil de muitas faces e cores: Branco, amarelo, vermelho, pardo, mulato, sarará, crioulo, moreno, branquelo, negão... e mais outras faces foram formando o Brasil de todos, que não é nem branco, nem negro, nem índio, mas mestiço. A mestiçagem produziu a mistura que nos nutre a todos, ao ponto de dizermos com Jorge Amado que o brasileiro puro é o mestiço. Mérito nosso? Não, de nossa história!

E então, consciência negra? Só se for uma consciência de pertencimento em que todos são responsáveis por erros e acertos; responsáveis por uma sociedade de mestiços que tem problemas, mas que busca soluções para todos e não para alguns. Sabendo que ao negar nossa africanidade negamos parte de nos mesmos, mas, por outro lado, supervalorizar apenas um aspecto pode hiperbolizar outro equivoco, produzindo justamente o que queremos evitar!

Tempo de consciência negra? Mas também branca, mestiça, índia... e com isso ampliar nossa consciência de um pertencimento; para ampliar nossa consciência de que formamos uma sociedade feita de diferentes; para reforçarmos a consciência de que o diferente do que sou é justamente o que não sou e, portanto, o que me falta. Custa-nos admitir que os diferentes se completam e complementam,

Dia Nacional da Consciência Negra! Por que não dizer dia de valorização das diferenças culturais? Por que não dizer dia de todos? E, pior ainda, por que só um dia? O que fazer com os outros dias? Embotar a consciência? Comemorar o 20 de novembro, mas o que fazer nos demais dias?

Dia Nacional da consciência Negra! Por que não dizer dia de superar as diferenças? Pois se há diferenças que nos unem, existem situações em que o fato de sermos diferentes nos degrada a todos. Portanto existem diferenças a serem superadas.

Quais as diferenças a serem superadas?

Não se trata da cor da pele, mas da conta bancária, pois o que alguns tem de mais é o que falta para a maioria; não se trata da diferença de alguns fazerem um coisa e outros tantos se dedicarem a outras atividades, mas das condições de trabalho, de acesso ao trabalho, pois é pelo trabalho que o homem se constrói; não se trata da diferença de escolarização, mas de possibilitar a todos o acesso e permanência no ambiente escolar, pois a escolarização é um caminho para ampliação dos horizontes... os bancos escolares são degraus que nos elevam para enxergarmos mais longe...

Novembro. Dia 20. Dia de um pertencimento. Dia Nacional da Consciência Negra, na realidade dia de sabermos que brasileiros somos todos e estamos num tempo de reconstrução da consciência nacional.

(Publicado inicialmente em 11/2009 Jornal Folha da mata e também disponivel em: https://www.webartigos.com/artigos/tempo-de-todos-ou-sobre-o-dia-da-consciencia-negra/28174)

Neri de Paula Carneiro 

Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

sexta-feira, novembro 12, 2021

Depois da grande tribulação

(Reflexões baseadas em: Daniel 12,1-3; Hebreus 10,11-14.18; Marcos 13,24-32)




Tribulações são as dificuldades, as dores e sofrimentos que atingem as pessoas, as famílias ou a sociedade. E a gente acredita que depois dela virão dias melhores. Virá, depois do sofrimento, a vitória sobre as dores: a alegria pela vitória; a felicidade pela fertilidade da união e a colheita dos frutos que cresceram da união que deu suporte à superação. Já a “grande tribulação” diz respeito à narrativa apocalíptica, pela qual nos são apresentadas pistas para o encontro definitivo com Deus.

Num ou noutro caso, apesar de haver referência a situações catastróficas, a tribulação ou a grande tribulação são indicativos de esperança. O fato ou o momento pode até ser terrível, mas ele acena para o que vem depois. Essa é a característica da esperança: no exato momento da dor, ter a capacidade de olhar para além. Não que isso alivie ou elimine a situação de sofrimento, mas oferece a força necessária para buscar a superação das dores no momento presente… não se trata de uma fuga do problema, mas de força para enfrentá-lo!

Essa perspectiva pode ser encontrada na narrativa apocalíptica de Daniel (12,1-3). Ele afirma que num “tempo de angústia como nunca houve até então”, aparecerá um grande “defensor dos filhos do povo”. E, pela ação desse defensor, “povo será salvo” (Dn 12,1). Mais ainda, até aqueles que já tiverem experimentado a morte serão chamados à vida. Aqueles que “dormem no pó da terra, despertarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbrio eterno.” (Dn 12,2)

Mas, se o profeta fala da possibilidade de perdição eterna, onde está a esperança?

O próprio Daniel responde. Quem ensinar a sabedoria; quem ensinar “os caminhos das virtudes”… estes “brilharão como as estrelas, por toda a eternidade.” Dessa forma indica que, por maior que seja, o sofrimento não é definitivo; ele perpassa as dificuldades, mas não é o ponto final. A sabedoria, consiste em ser capaz de ajudar ao outro a encontrar o caminho da virtude… na esperança de que mestre e aprendiz recebam o benefício de ser luz no firmamento (Dn 12,3).

Não é só Daniel quem propõe a esperança. Ela também está presente nas palavras de Jesus.

Ele não nega a existência das dificuldades. Não exclui os problemas. Não extermina os sofrimentos. Pelo contrário: afirma a tribulação. E mesmo depois dela, ainda não dá a certeza do fim das dores. Por quê?

Porque a fragilidade das convicções e a fraqueza humana podem produzir, além da dúvida, reações irritadas. O fato do sofrimento, leva muitos à incredulidade ou à indagação: “Porque eu?”; “O que fiz para merecer isso?” Essa angústia e incerteza, beirando o desespero, em muitos casos, em vez de aproximar de Deus, gera o afastamento. Esse afastamento manifesta-se como escuridão, estrelas que caem; enfim, pelos astros em decadência, como o descreve Marcos 13,24-25: “depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas”. Ou seja, depois da tribulação, vem a desolação; depois das dores, vem a sensação de abandono… e o olhar desesperançado….

Mas o fato é um só. Não se trata de um abandono por parte de Deus. As contingências, as dores, os sofrimentos, os problemas… são parte da vida. A fraqueza humana leva a pessoa a dizer que se sente abandonada por Deus (o sol escureceu). Mas a fé, movida pela esperança, olha para um pouco mais além. E então verá Jesus, estendendo a mão e enviando seus anjos para reunir os perseverantes da esperança: “Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra” (Mc 13,27).

Isso nos leva a indagar: onde encontrar os motivos para ter esperança?

Certamente ela não se encontra no plano humano. Mesmo que algumas pessoas amigos nos confortem e sejam motivos de ânimo e esperança definitiva não nos vem do que nos proporcionam as pessoas, mas somente da ação de Jesus Cristo. As ações das pessoas, por mais que sejam edificantes, dependem da graça divina para, efetivamente, surtirem efeito.

A ação humana, é como o sacerdote que “se apresenta diariamente para celebrar o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios” (Hb 10,11). Mas essa ação não é suficiente por si mesma; por isso se repete; por isso, muitas vezes recaímos nos mesmos erros... Por isso, a necessidade de se apoiar na oferenda do próprio Jesus que “com esta única oferenda, levou à perfeição definitiva os que ele santifica. Ora, onde existe o perdão, já não se faz oferenda pelo pecado” (Hb 10,18).

Que nos resta, então?

Fazer tudo que estiver ao nosso alcance, mas, ao mesmo tempo, confiar pois “depois da grande tribulação”, ainda não é o fim. Depois da grande tribulação, temos que continuar alimentando a esperança, pois “o Filho do Homem está próximo” (Mc 13, 26). E é ele quem nos oferece a mão para superar e sair das dificuldades; somente nele que reside a grande esperança depois da grande tribulação!







Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

quinta-feira, novembro 11, 2021

O Cristianismo nascente e a filosofia

As filosofias do helenismo fizeram contato e, de alguma forma influenciaram o cristianismo nascente. Ao ponto de podermos dizer que, do ponto de vista filosófico, o cristianismo também é uma corrente de pensamento helenista. Essa influência pode ser observada na literatura neotestamentária e na patrística. Mas também é verdade que, posteriormente, a filosofia medieval recebeu grande carga de influências do cristianismo. Talvez por esse motivo se cunhou a afirmação de que a “filosofia é serva da teologia”

O fato é que as dessas correntes filosóficas e dentro desse mesmo período nasceu o cristianismo. E várias das correntes helenistas influenciaram no desenvolvimento dessa nova mística. O cristianismo, portanto é uma religião que se fez por ecletismo, tendo por base o judaísmo, os ensinamentos de Jesus e os diferentes elementos culturais dos povos do oriente médio dominados pelos romanos e pela língua grega.

Pode-se dizer mais: sem entrar na discussão do significado e do alcance religioso, mas apenas do ponto de vista filosófico, o cristianismo nasceu não de Jesus, o jovem de Nazaré ou do grupo inicial de discípulos, e sim a partir do sincretismo de elementos helênicos que se misturaram com traços do judaísmo, das culturas orientais e romanas.




O cristianismo e o Helenismo


A partir do quê se pode afirmar isso?

Jesus era um judeu e praticante do judaísmo. As narrativas dos evangelhos o colocam em várias oportunidades nas sinagogas, o que sugere que era um praticante de sua religião. Apesar e além disso, podemos identificar em sua postura e atitudes características de algumas das correntes do pensamento helenista.

Cinismo: Desenvolvia uma prática de solidariedade aos marginalizados, aos pobres, às mulheres e prostitutas. Andava com pescadores e curava os enfermos (lembrando que estes eram considerados como “possuídos” pelo demônio). Valorizava a simplicidade. Não ostentava o luxo de uma morada, mas afirmava que “as aves do céu tem seus ninhos, as raposas suas tocas, mas o filho do homem não tem nem onde reclinar a cabeça”.

Epicurismo: Valorizava a vida e a alegria de viver. Isso se pode perceber, pelas inúmeras curas realizadas e porque seu primeiro milagre foi realizado para dar continuidade a uma festa, transformando água em vinho. O casamento é uma celebração à vida e o vinho pode ser visto como um simbolo da alegria de viver.

Ceticismo: os inúmeros embates com os sacerdotes e doutores da lei, mostram que não só era profundo conhecedor de sua crença judaica, como também colocava em questão os dogmas do judaísmo, os costumes e tudo aquilo que não representasse um valor em favor do ser humano.

Cultura e língua: Posteriormente à sua execução, seus discípulos continuaram sua obra e difundiram seus ideais. Para isso os discípulos contaram e usaram as estruturas do império romano. Moveram-se usando as estradas e caravanas que circulavam pelos caminhos do império. E, com isso, a essência dos ensinamentos do jovem de Nazaré, foi fazendo contato com as culturas dos diferentes povos.

Além do anúncio oral, nas diferentes cidades, os discípulos também difundiram sua fé por meio dos escritos neotestamentários: os evangelhos, as cartas, o apocalipse. Tudo isso produzido escrito e difundido na língua grega, com visíveis sinais de uma estrutura argumentativa e lógica que lembra a filosofia grega.

Estoicismo: após alguns anos, já se estruturando como uma instituição com ritos e normas próprias, o cristianismo assume uma outra característica: o estoicismo o qual pode ser representado pela valorização das posturas e práticas penitenciais e o cumprimento de regras sedimentadas nos procedimentos litúrgicos.

Dessa forma, pode-se dizer que os valores adotados por Jesus (cinismo, ceticismo e epicuristas), foram abandonados em favor de uma postura estoica. Em “O mundo de Sofia”, eis o que diz J. Gaarder, a respeito de Jesus: “Jesus foi um homem único. De um modo genial, ele usa a linguagem do seu tempo e dá simultaneamente às ideias antigas um conteúdo completamente novo e mais vasto. Não admira que ele tenha sido crucificado. A sua radical mensagem de salvação punha a nu tantos interesses e jogos de poder que tinha de ser afastado”. E o pensador norueguês vai além. Afirma a profundidade da exigência ética no ensinamento de Jesus: “No caso de Jesus vemos como pode ser perigoso pedir um amor incondicional pelo próximo e um perdão igualmente incondicional. Ainda hoje vemos como Estados poderosos vacilam se são postos perante pedidos simples de paz, amor e alimento para os pobres e perdão para os inimigos do Estado.”




Paulo e as missões aos gentios

Como sabemos, Jesus não criou o cristianismo. Como Sócrates, foi um mestre que não deixou escritos de próprio punho. O que sabemos nos chegou a partir do que disseram dele seus discípulos… e alguns adversários. Os ensinamentos dos discípulos é a doutrina cristã.

O grande criador-divulgador do cristianismo foi o apóstolo tardio, Paulo de Tarso. Após sua conversão levou os ensinamentos de Jesus para além do mundo judeu. A mensagem cristã demorou a ser aceita por alguns judeus, mas se desenvolveu rapidamente entre os gentios, os povos de outras culturas, fora dos círculos da religião de Moisés.

O que teria sido a proposta de Jesus Cristo passa a ser reinterpretada de acordo com categorias greco-romanas. Isso, entretanto, só foi possível porque Paulo era não só um judeu esclarecido, conhecedor de sua religião, como também um conhecedor da língua e filosofia gregas. E tinha facilidade de locomoção dentro do império, pelo fato de ser cidadão romano.

Para percebermos a influência grega sobre o cristianismo primitivo podemos ler as cartas de Paulo, um primor de argumentação e retórica grega; também pode ser tomado como exemplo disso o discurso de Paulo aos Atenienses, narrado no livro dos Atos dos Apóstolos, 17,16-32. Eles o ouvem embevecidos, embora não se convertam por considerarem absurda a pregação sobre a Ressurreição.

O mesmo Paulo, na carta aos colossenses, utiliza elementos platônicos e estoicos contrapostos a elementos dos epicuristas. Paulo exorta seus leitores para que não sejam julgados pela “comida e bebida”, a respeito de “festas anuais ou da lua nova ou de sábado porque são apenas sombra” (Col, 2,16-23). Notemos o tom irônico de Paulo, condenando o que poderia ser uma postura de alguns cínicos na comunidade de Tessalônica: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer. Ora ouvimos dizer que alguns entre vós levais a vida à-toa, muito atarefados sem fazer nada” (2Ts 3,7-8).

Tudo isso nos permite dizer que, vasculhando os escritos neotestamentários, podemos encontrar inúmeras referências às escolas helenistas. Por vezes algumas são condenadas, outras vezes são apenas mencionadas e por vezes são assumidas na redação, como é o caso da postura estoica, presente em inúmeros trechos dos escritos paulinos.




Da Patrística à Idade Média

Terminada a primeira geração de seguidores de Jesus, começa uma nova etapa no cristianismo. Período esse chamado de Patrística (do sec. I ao V, aproximadamente). Trata-se da produção filosófico-teológico daqueles que são chamados de “Pais da Igreja” ou os “Santos Padres”. Nesses escritos podem ser encontrados elementos de filosofia para falar e expor a doutrina cristã. Eles podem ser agrupados em dois blocos: os textos dos apologistas e os textos contra as heresias.

As apologias surgiram por que os cristãos precisavam mostrar às autoridades romanas uma defesa de sua fé. Entre os apologistas podemos mencionar dois deles: Clemente de Alexandria e seu discípulo Orígenes.

Apareceram, também, algumas distorções (as heresias ou doutrinas falsas) sobre como entender os ensinamentos de Jesus ou como falar sobre sua divindade. Contra essas distorções forma produzidos inúmeros argumentos com a intenção de as corrigir essas doutrinas erradas. Entre os inúmeros autores que escreveram contra as heresias podemos destacar Santo Irineu de Lion e seu livro Contra Hereges.

Tanto a defesa da fé como o combate às heresias foram trabalhos que precisaram ser desenvolvidos com uma boa argumentação baseados nos ensinamentos de Jesus e na tradição Judaica. Isso tudo apresentado de forma clara, para que a argumentação fosse convincente. Essa clareza veio dos elementos e argumentação lógico, aprendida da filosofia grega.

Além disso, também serviu de suporte elementos que vieram do Neoplatonismo. Assim cada vez mais se cristalizava a visão platônica de que este mundo é onde reside o pecado e a maldade, mas o homem, criatura divina, tende ao céu, onde todas as dores, tristezas e imperfeições são sanadas. Uma típica argumentação platônica. Um bom exemplo da filosofia platônica aplicada à teologia é a obra “Cidade de Deus” de Santo Agostinho.

O neoplatonismo serviu de suporte aos autores cristãos por vários séculos. Em suas produções esteve presente a afirmação platônica de que o ser humano deve se purificar de seus pecados a fim de chegar ao céu, o espaço da perfeição, ao lado de Deus.

O suporte platônico permaneceu sendo utilizado pela Igreja e seus teólogos ao longo dos séculos. Já em plena Idade Média com Santo Tomás de Aquino, também Aristóteles passou a ser uma presença constante nos discurso teológicos. Cabe destaque para sua monumental de Suma Teológica

Em síntese, podemos dizer que o cristianismo desenvolveu-se, inicialmente, ao desvincular-se do judaísmo assumindo uma conotação greco-romana. Com isso conseguiu se expandir dentro do Império Romano, uma vez que era assumido por diferentes grupos sociais dentro do Império. Depois, com uma estrutura romana e com roupagens gregas, durante a Idade Média, o cristianismo, já como instituição forte, assumiu o aristotelismo como instrumento de manutenção do poder e para melhor apresentar seu discurso. Ou seja, o cristianismo sobreviveu por saber trocar de "roupa" em momentos determinantes da história, sabendo fazer a releitura da proposta de Jesus Cristo dentro de cada contexto. Isso pode ser exemplificado na Idade Média quando Tomás de Aquino fez uma adequação do cristianismo com o aristotelismo. Nascia, assim a escolástica.

Graças a isso é que a partir do século III o cristianismo passou a exercer domínio não só sobre o pensamento, mas também sobre o mundo político dos romanos. A influência do cristianismo se tornou cada vez maior e permaneceu até o fim da Idade Média. Com o Renascimento, com o advento da Reforma Protestante e o desenvolvimento das bases do capitalismo, o cristianismo católico perdeu espaço quando se desenvolveram os tempos modernos produzindo um vasto leque de correntes religiosas, filosóficas, políticas e econômicas. Mas, ao mesmo tempo, a filosofia continua sendo o ponto de partida para o desenvolvimento dos novos saberes...




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação. Filósofo, Teólogo, Historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, novembro 05, 2021

Todos os santos: grande recompensa

(Reflexões baseadas em: Ap 7,2-4.9-14; 1Jo 3,1-3; Mt 5,1-12a)




Vivemos tempos apocalípticos!

Vivemos tempos apocalípticos?

Tanto a afirmação como a pergunta tem sua razão de ser.

A afirmação nasce porque, na visão de muita gente, nosso mundo parece que beira o caos. Olha-se para a sucessão de catástrofes naturais. E, na maioria das vezes nem se percebe que várias delas são resultado da ação humana. Além disso, há uma enorme lista: a maldade humana presente na corrupção política; o sofrimento dos pobres e marginalizados, vítimas da concentração de renda; a percepção de que as pessoas estão cada vez mais longe da proposta divina e muito próximas do dinheiro e de várias outras maravilhas mundanas… tudo isso desenha e apresenta sinais apocalípticos! Isso numa visão popular e simplificada dos problemas.

Ver o mundo mergulhado nesse oceano de tragédias e afogado no mar de lama, por outro lado, leva algumas pessoas a se perguntar se isso corresponde aos sinais apocalípticos. Estes ainda argumentam: A bíblia não fala disso?

Não nos cabe, aqui, dizer sim ou não, pois celebrar o dia de Todos os Santos implica, ao mesmo tempo, olhar para o cotidiano e para fim dos tempos. Mas isso não significa dizer que vivemos tempos diferentes de outras épocas. Significa, sim olhar, olhar para o comportamento das pessoas à luz do que ensina a Palavra de Santa.

E aqui, sim, nos encontramos com o livro do apocalipse. Mas não para falar que este ou aquele sinal é sinal do fim dos tempos. Aliás, não é essa a finalidade do livro do Apocalipse. Pelo contrário. Ele nos quer falar de esperança! E é sobre esperança que nos fala a celebração do dia de todos os santos!

A cena pode parecer aterradora, mas a palavra é de esperança. O anjo da destruição para ao ouvir: “Não faça mal à terra...” (Ap 7,3). Aí vem o número dos que foram marcados com o selo do cordeiro. Junta-se a eles “uma multidão imensa …. que ninguém podia contar” (Ap 7,9). E todos afirmam: "A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro" (Ap 7,10).

A intenção, portanto, não é evidenciar as dores, mas mostrar o poder salvador de Deus acolhendo seus santos. E a acolhida dos santos implica na interrupção ou fim das dores!

Mas a Palavra Santa não para aí. A primeira carta de João também acena para a esperança e não para a destruição. E aqui a proposta é ainda mais convidativa. Trata-se de um convite para a filiação divina: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos! Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai.” (1Jo 3,1).

Aqui, talvez, esteja a razão de se ver o mundo caótico e catastrófico como que se encaminhando para o fim. Mas não se trata de fim, e sim de adoção divina. É claro que para isso ocorrer, haverá um processo de purificação, pois nisso consiste a santidade. Mas é uma purificação que se dá na sintonia com a santidade divina. “Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo, como também ele é puro” (1Jo 3,3). Nisso consiste a celebração de Todos os Santos: mergulhar em Deus para renascermos purificados, santificados, fazendo parte do time divino.

Como Deus não é bobo nem nada, ao mesmo tempo que convida a todos a participar de sua santidade, estabelece os critérios para essa participação. Serão bem aventurados os que valorizarem alguns dons pessoais: a pobreza, que implica em desprendimento; a mansidão, que leva à não violência. Não é só isso. Também é necessário desenvolver alguns dons em favor dos outros: ter fome e sede de justiça, ser misericordioso e ser capaz de promover a paz. Tem mais: os que desejarem encontrar-se com Deus, terão que assumir, as consequências de sua opção: sofrer perseguição e injurias tão somente por causa da opção em auxiliar na construção de um mundo melhor. (Mt 5,1-12)

É claro que as forças do mal e anticristãs tentarão prevalecer. Em vez da paz, promoverão o armamento e a violência. Em lugar de misericórdia estimularão a competição e exploração de uns pelos outros. E serão esses representantes do anticristo que perseguirão, difamarão e matarão os promotores da paz. Mas tudo isso já estava anunciado no pacote: quem faz a opção pelos valores do Reino, invariavelmente sofrerá as consequências dessa opção, pois os adoradores do anti-reino são numerosos e sua ferramenta é a mentira. Serão bem-aventurados, sem dúvida, mas, no processo de plantio das sementes do Reino, sofrerão as perseguições do adversário, difamador!

O sonho esperançoso é poder construir o Reino já em nosso cotidiano histórico. Mas sabemos que aqui apenas lançamos as sementes. E, para quem faz e cumpre esta jornada, Jesus anuncia: “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12).

Então, como responder:

Vivemos tempos apocalípticos!

Vivemos tempos apocalípticos?

Vivemos tempos difíceis, mas o cristão vive de esperança!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...