(Reflexões a partir de: At 4,8-12; 1Jo 3,1-2; Jo 10,11-18)
O sentimento de um Pai em relação aos filhos quase sempre é mais facilmente perceptível do que dos filhos em relação ao Pai. Em diferentes oportunidades os filhos questionam e, por vezes, se rebelam em relação a orientações dos pais. Os pais, quase sempre, amam aos filhos de forma paciente procurando entender os motivos dos comportamentos dos filhos. Cabe aos pais, a missão de, além de gerar, também orientar a vida dos filhos. E, de fato, na maioria das vezes a relação pai-filho ocorre de forma amorosa e harmoniosa.
Essa é uma afirmação verdadeira em nossas relações cotidianas e muito mais verdadeira na relação com o Pai celeste. Na liturgia deste quarto domingo da Páscoa a Igreja nos mostra isso de forma muito transparente e nos convida a refletir sobre as atitudes condizentes à vida do cristão.
Na primeira leitura (At 4,8-12) em resposta aos questionamentos que lhes são feitos por terem feito o bem, Pedro explica o porquê de estarem curando o enfermo. Quase que completando a explicação de Pedro, na segunda leitura (1Jo 3,1-2) João afirma nossa filiação divina e as consequências disso. E, no trecho do Evangelho (Jo 10,11-18), Jesus apresenta-se como o Bom Pastor, levando-nos à conclusão de que ao cristão não resta alternativa: o amor do Pai por nós é tão intenso que nossa única opção é procurar fazer o que o Pai nos orienta, mediante a ação do Filho.
Sendo assim, da mesma forma que Pedro, deveríamos poder dizer, em todas as nossas atitudes e em relação a cada um dos nossos atos: isso que estamos realizando “é pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré” (At 4,10). Esse deveria ser nosso comportamento, mas eu nem me atrevo a indagar aos cristãos: tudo que estamos fazemos tem sido realizado em nome de nosso Senhor?
Sei que se perguntasse, muitos de nós, se fossemos dizer a verdade, não poderíamos afirmar que sim. Mas, já que a indagação nos deixaria embaraçados, vamos permitir que a pergunta permaneça em nossa consciência. Como naquela orientação dos moralistas: aquilo que não posso fazer diante das pessoas, também não me é licito fazer sozinho e tudo que posso fazer sozinho não preciso ter receio de dizer ou realizar diante das pessoas.
Noutras palavras: por adoção divina e pelos méritos do sangue de Jesus, recebemos uma dádiva que dos dá o direito “de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1 Jo 3,1). Isso significa que, sendo filhos de Deus, cabe a nós trilharmos os caminhos do Pai e realizarmos as obras de Jesus. Por que? Porque somos filhos daqueles que nos indica o melhor caminho: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1 Jo 3,2).
Deus nos oferece a graça de o contemplarmos, mas cabe a nós optarmos pelo encontro. E a trilha segura para esse encontro é realizarmos as obras que Ele nos ensinou a fazer. Desenvolver nossas atividades “pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré” é optar por aquele que foi rejeitado. “Jesus é a pedra, que vós, os construtores, desprezastes, e que se tornou a pedra angular” (At 4,11).
Talvez por isso tão poucos, dos que se fazem chamar de cristãos, realmente agem como tal. Ou seja, realizar as obras de Jesus, fazer tudo em seu nome … tem consequências: os adversários do Reino costumam perseguir aqueles que se doam em nome do Senhor. Mas, por outro lado, aqueles que seguem os passos do Mestre podem viver com esta certeza: “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12).
Isso é o que nos possibilita entender o porquê de Jesus se apresentar como Bom Pastor. Qualquer um pode pastorear o rebanho. Qualquer um pode repetir o nome do Senhor. Qualquer um pode alardear que está fazendo isso e aquilo em nome do Senhor. Qualquer um pode dizer que faz milagres em nome do Senhor … e dizendo isso podem enganar a muitos. Mas se qualquer um desses não mostrarem, por atos no dia a dia, os comportamentos do Bom Pastor… esses podem ser tudo, menos obreiros do Senhor.
Não importa nossa confissão religiosa. Não importam nossas opções políticas. Não importa a quem dedicamos nossas predileções, em relação aos líderes que nos querem representar. Se eles não passarem no teste do Bom Pastor, podem ser representantes do anticristo, mas não são enviados do Senhor. E o teste é simples: os enviados do Pai podem dizer com seus atos: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas.” (Jo 10,11). Aqueles a quem admiramos, são capazes de dar a vida por nós ou só querem nos explorar? Se este for o caso, esse farsante é um “ mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas.” (Jo 10,12).
Somente o Bom Pastor nos ajuda a seguir o caminho seguro para nos reconfortarmos nos braços daquele nos adotou como filhos. Só o bom Pastor nos transforma em filhos de Deus.
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.
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