quarta-feira, 14 de abril de 2021

O Filósofo é um amante

Entre as diferentes formas pelas quais se pode conceber a filosofia, uma delas é a afirmação de que ela pode ser apresentada como amor pelo conhecimento. Sendo assim o Filósofo é um amante! E, como atitude, ela não se limita a uma área do conhecimento. Ela, em sua atitude de busca, se envolve com todas as realidades a fim de lhes descobrir o significado.

Agora precisamos saber em que consiste a atitude filosófica?

Iniciamos entendendo o próprio processo do conhecimento. Trata-se de um movimento do intelecto. A realidade a ser conhecida é a mesma, mas os olhares sobre ela se diferenciam e se ampliam. Esses olhares produzem novos saberes. Portanto o conhecimento não se manifesta como algo estanque, parado, pronto e acabado. Ele é dinâmico e acontece no processo, justamente na medida em que o pensante se relaciona com o pensado.

Esse mesmo movimento podemos observar no amor, na amizade, na postura do amante. Uma relação amorosa, para ser saudável e duradoura, precisa renovar-se. Se um amigo não questiona os erros ou equívocos do outro, pode ser tudo menos amigo.

A dinamicidade do amor e o movimento caracterizam a filosofia como busca. Esse processo em busca do conhecimento assemelha-se à atitude dos amantes que se procuram e ao se encontrarem se renovam, fazendo com que o amor seja sempre juvenil e o saber sempre inovador. Daí que o processo é infindo (está em movimento, é dinâmico) pois todo fim acaba sendo um novo começo. Cada novo saber, cada nova descoberta, cada nova invenção, cada novidade (que é um ponto de chegada) lança o desafio sobre o que fazer em seguida, com aquele resultado... e isso é um novo começo.

E assim, se fossemos falar sobre o que é filosofia, poderíamos dizer que ela não é, como algo que já chegou ao ponto final, mas ela é o processo. Acontece no devir, no movimento do intelecto que se mantém em atitude de busca pela respostas às perguntas filosóficas. Isso é o que nos sugere J. Gaarder no livro “O Mundo de Sofia”, do qual tomamos emprestado o seguinte trecho:

"A melhor maneira de nos iniciarmos na Filosofia é colocar perguntas filosóficas:

Como se formou o mundo? Haverá uma vontade ou um sentido por detrás daquilo que acontece? Haverá vida depois da morte? Como podemos encontrar resposta para estas perguntas? E, acima de tudo, como deveríamos viver? Estas perguntas foram colocadas desde sempre pelos homens. Não conhecemos nenhuma cultura que não tenha perguntado quem são os homens e de onde vem o mundo. As perguntas filosóficas que podemos colocar não são muitas mais. Já colocamos algumas das mais importantes.

A história oferece-nos muitas respostas diferentes para cada uma destas perguntas. Por isso, é mais fácil formular perguntas filosóficas do que encontrar a sua resposta.

Mesmo hoje, cada um deve encontrar as suas respostas para estas perguntas. Não podemos saber se Deus existe ou se há vida depois da morte, consultando a enciclopédia. A enciclopédia não nos diz como devemos viver. Mas ler o que outros homens pensaram pode, no entanto, ser uma ajuda, se quisermos formar a nossa própria concepção da vida e do mundo.

Segundo um filósofo grego que viveu há mais de dois mil anos, a Filosofia surgiu da capacidade que os homens têm de se surpreender. O homem acha tão estranho viver, que as perguntas filosóficas surgem por si mesmas.

Pensa no que sucede quando observamos um truque de magia: não conseguimos perceber como é possível aquilo que estamos a ver. E perguntamo-nos: como é que o ilusionista conseguiu transformar dois lenços brancos de seda num coelho vivo?

Para muitos homens, o mundo parece tão inexplicável como o coelho que um ilusionista retira subitamente de uma cartola até então vazia. No que diz respeito ao coelho, percebemos claramente que o ilusionista nos enganou. O que pretendemos descobrir é como nos enganou.

Quando falamos sobre o mundo, a situação é diferente. Sabemos que o mundo não é pura mentira, uma vez que nós estamos na Terra e somos uma parte do universo. Na verdade, somos o coelho branco que é retirado da cartola. A diferença entre nós e o coelho branco é apenas o fato de o coelho não saber que participa num truque de magia. Conosco passa-se de modo diferente. Sentimos que tomamos parte em algo misterioso, e gostaríamos de esclarecer de que modo tudo está relacionado ( J.GAARDER).

Com isso voltamos à afirmação inicial: o filósofo é um amante. Arrisca-se em busca do saber porque o objeto de sua paixão é o desconhecido e o desconhecido não oferece segurança. E a filosofia encara o desconhecido ou o cotidiano com a mesma perspectiva: um olhar crítico. Sobre o desconhecido para dominá-lo; sobre o cotidiano para inová-lo. E faz isso a partir da observação e da reflexão: observando e refletindo o real.

Neri de Paula Carnero 
Mestre em educação; Filósofo; Teólogo; Historiador
Rolim de Moura - RO

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