quinta-feira, 29 de junho de 2023

Pedro e Paulo: As chaves do Reino dos Céus

(Baseado em: Atos dos Apóstolos 12,1-11; II Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19)




Festa de São Pedro e São Paulo! Aqui tem algo que vai além dos festejos juninos! É que estes dois personagens, podemos dizer, foram “escolhidos a dedo” por Jesus.

O primeiro, Pedro, a pedra que se tornou fundamental para a Igreja. É o homem da iniciativa. Aquele que sem pensar muito sabia, pois era guiado pela fé, que Jesus era muito mais do que só mestre. Ele era “o Messias, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16).

A mando de Herodes Pedro foi preso. Mas não se desesperou. Sabia que outros irmãos foram torturados e mortos (At 12,2). Sabia que podia ser executado depois da festa, mas tranquilamente, “dormia entre dois soldados, preso com duas correntes” (At 12,6).

A serenidade de Pedro contrasta com a reação de muitos de nós. Em uma situação extrema, muitos de nós entraríamos em desespero. Ele permaneceu sereno. Sabia que em razão da oração da Igreja (At 12,5), o Senhor não o abandonaria. E o anjo libertador veio para colocá-lo em pé: “Levanta-te depressa!” (At. 12, 7), Para o revestir: "Coloca o cinto e calça tuas sandálias!" e para clocá-lo a caminho: "Põe tua capa e vem comigo!"( At 12, 8).

Pedro sabia que o Senhor não o abandonaria, mas também sabia que a liberdade não é um milagre. Sabia que esse processo que depende de sua resposta. Deus o liberta, mas ele tem que caminhar. A superação da dificuldade depende, sim da oração e do apoio do Senhor, mas é resultado da ação humana. Deus não realiza milagre contra a ou independentemente da vontade humana, pelo contrário, Ele vem para responder ao esforço humano.

O outro personagem é Paulo. Aquele que, sem medo de não ser modesto, é capaz de afirmar: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé.” (2Tm 4,7).

Paulo deve ter sido um personagem admirável. Entre outras coisas pela sua dedicação apaixonada a Jesus. A julgar pelo vigor dos seus escritos, deve ter sido um pregador brilhante e incansável; certamente cativava pelos seus discursos.

Podemos, inclusive, dizer que, junto com Pedro, Paulo é cofundador da Igreja. Foi missionário. O ardor missionário de Paulo plantou sementes da Igreja ramificada pelo mundo.

Mas Paulo também passou por dificuldades e, nem por isso perdeu a esperança. Pelo contrário, sabia-se amparado pelo Senhor. Tinha certeza de que em suas dores o Senhor: “esteve a meu lado e me deu forças” (2Tm 4,17).

Paulo, também prisioneiro, sabia que estava em risco: “estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida” (2Tm 4,6). Mas, não perde o ardor: continua a obra missionária por meio das cartas. Sabe que a vitória sobre as dores está reservada “não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor” (2 Tm 4,8).

A mensagem paulina, portanto, além de ser otimista, é uma demonstração de que, apesar das dificuldades, existe a possibilidade da superação. Ele ensina que a superação das dores não é um dom gratuito. Pelo contrário, depende do engajamento, da ação; depende daquilo que nós realizamos. A superação dos sofrimentos é consequência daquilo que fazemos para superá-lo. E, mais uma vez, a graça de Deus vem como resposta ao nosso esforço. Àquele que se esforça, dedica-se à causa do reino, pode dizer, como Paulo que “Agora está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Tm 4,8).

Por que é necessário esse engajamento, por parte do cristão? Para ajudar na instalação do reino de paz e justiça. É a ação do cristão que realiza e faz acontecer as transformações necessárias ao mundo corrompido. A ação do cristão não se resume à oração para que o mundo seja melhor. A ação do cristão supõe, ao lado e como consequência da oração, a ação.

Sem a ação do cristão o mundo continuará sem conhecer Jesus e se não o conhecem, dirão, a respeito de Jesus aquilo que disseram os que com Ele conviveram: "Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas" (Mt 16,14). Dirão isso e muito mais, sem realmente conhecê-lo.

Ao cristão cabe esse anúncio. Esse esclarecimento. Se o cristão não o disser e não o demonstrar, o mundo continuará sem saber quem é e como realizar as obras de Jesus. As obras de salvação, as obras de transformação. Isso implica dizer que se o cristão não apresentar Jesus ao mundo, o mundo não o conhecerá.

Essa é a função da chave, “dada” a Pedro (Mt 16,19). A “chave do céu” é entregue a Pedro para conduzir a Igreja: os cristãos que reconhecem em Jesus o Messias. Mas não se trata de conhecer, por saber quem é Ele, mas em agir como Ele ensinou. Se o cristão não faz isso é porque ainda não O conhece, mesmo que frequente a casa de oração ou a comunidade.

O poder a chave é da Igreja, do povo de Deus. O povo de Deus, ao realizar as obras do Senhor, liga a terra e o céu. Por isso a afirmação paulina: “não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor” (2 Tm 4,8). Por isso, a pergunta de Jesus, continua sendo dirigida a nós: "E vós, quem dizeis que eu sou?"




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 22 de junho de 2023

Vale mais que um pardal

(Jeremias 20,10-13; Romanos 5,12-15; Mateus 10,26-33)



Muitas vezes ouvimos dizer que Jeremias é um profeta que gosta de reclamar. Tanto que lhe é atribuída a autoria do livro das Lamentações. Mas, de que Jeremias reclama? (Jr 20,10-13).

Entre outras coisas, das “injúrias” e do “medo” espalhado por “tantos homens” (Jr 20,10). Mas, alguém pode dizer, só isso não é motivo suficiente para passar a vida se lamuriando.

Isso é verdade. Mas também é verdade que não é só disso que o profeta está falando. Está se referindo àqueles que o cercam. Na realidade está se referindo a todos aqueles que se fazem de amigos, mas, como acontece em nossos dias, permanecem torcendo para que a gente cometa uma falha; torcendo para que a gente “cometa um engano”. Torcendo para ver nosso fracasso! Com gente assim ao nosso redor – e essa era a situação de Jeremias – “não dá pra ser feliz!”

E por que Jeremias se lamenta?

Porque está diante da infidelidade dos dirigentes do povo. Aqueles que, ao invés de os conduzir para dias melhores, são agentes da exploração; guiam o povo por caminhos que não levam ao Senhor. Para confirmar isso basta ler os versículos iniciais desse capítulo e do capítulo seguinte: os dirigentes são a causa do sofrimento vivido pelo povo. E isso gera a dor do profeta.

Certo de que sua causa, denúncia contra os dirigentes, é a causa de Deus, Jeremias sente-se à vontade para dizer que o Senhor está com ele. E, por ser fiel a Deus, sabe que seus inimigos, que são os inimigos de Deus embora até invoquem seu nome, serão humilhados. Jeremias afirma: esses opressores do povo fracassarão completamente, nada conseguirão “a não ser uma vergonha eterna, que jamais será esquecida” (Jr 20,11). Vergonha que, historicamente se concretizou no chamado “cativeiro na Babilônia”. A situação de Jeremias é parecida com a nossa: queremos ver a punição daqueles que durante anos enganaram o povo… mas parece que isso está demorando muito!

Essa aflição do profeta encontra eco nas palavras de Paulo, ao escrever aos Romanos (5,12-15). As maledicências, de que fala o profeta, são o reflexo do pecado, “que entrou no mundo por um só homem” (Rm 12) trazendo, com ele, a morte… para todos os homens. E a perdição para os que se afastam dos caminhos do Senhor.

Da mesma forma que, o profeta afirma: Senhor “salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus (Jr 20,13), Paulo afirma que a “graça de Deus”, como um “dom gratuito”, é dada a todos “através de um só homem, Jesus Cristo”. Essa graça, esse dom, essa salvação é derramada “em abundância sobre todos” (Rm 5,15). E por ser graça, por ser um dom, por ser gratuidade divina a salvação é a alternativa à morte. Mas isso somente para os que escolhem se afastar do caminho da perdição que é o caminho de quem prejudica os outros.

O mesmo pode-se dizer em relação ao evangelho (Mt, 10,26-33). Perseguido, agredido e injuriado, Jeremias se dá conta de que “o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro” (Jr 20,12); em Mateus, Jesus afirma aos apóstolos que não devem ter medo. Toda maldade será desmascarada: “nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido” (Mt 10,26). Mesmo que esse, ou esses, que escondem o mal vivam invocando o nome de Deus!

Jesus insiste na necessidade da coragem para enfrentar os representantes do mal, que se revestem com aparências de pessoas de bem: “Não tenhais medo dos homens” (Mt 10,26). Eles são falsos, sua mentira e falsidade será descoberta. E Jesus vai além: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma!” (Mt 10,28).

Notemos que Jesus afirma por três vezes: “Não tenhais medo” (Mt 10, 26; 28; 31).

Mas, por que Jesus insiste, dizendo para não ter medo?

Porque ele sabe que o sofrimento, provocado pelos homens maus, não tem alcance definitivo. Ele sabe, e o demonstra com a própria vida, que acreditar e realizar as obras do bem é o único caminho para superar, para se preservar e para vencer as obras do mal. Porque sabe o valor de cada pessoa: cada um de nós tem o valor da sua vida oferecida na cruz!

Jesus sabe nosso valor. Por isso oferece a oportunidade da escolha. Oportunidade de autodeclaração. E declarar-se contra ou a favor de Jesus, não é algo que se pode expressar com palavras: isso só é possível de se fazer com os gestos, com as atitudes, com a vida.

Assim sendo, declarar-se a favor de Jesus, é realizar obras de salvação, contra as “injúrias de tantos homens”. E quem faz isso, concorda e se posiciona como Jeremias, dizendo: “Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus.” E por que o Senhor fez isso? Porque você vale mais que um pardal!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 16 de junho de 2023

O Reino dos Céus está próximo

(Reflexão baseada em: Êxodo 19,2-6a; Romanos 5,6-11; Mateus 9,36-10,8)




O que tem levado o ser humano a se afastar de Deus?

A partir da fé, sabemos que Deus é o criador e como tal deseja que o ser humano não o abandone. Sabemos, também, que Deus não depende nem precisa de nós, mas, mesmo assim, deseja que nos mantenhamos fiéis aos seus ensinamentos e princípios. Sabemos, além disso, que seus ensinamentos e princípios chegaram a nós a partir de um povo escolhido... Ocorre que esse povo também cometeu inúmeros deslizes, afastando-se do Senhor.

E nisso já se nos apresenta um princípio importantíssimo: Deus nos quer, mas respeita nossa decisão e escolhas. Respeita, inclusive nossa decisão de não o seguirmos.

Em razão dos tropeços daquele povo infiel – e hoje também os da nosso sociedade – vem a orientação de Deus a Moisés descrita em Êxodo 19,2-6.

A cena é interessante: O povo está acampado ao pé da montanha. Moisés sobe para o encontro com Deus. Dele ouve uma promessa condicionada: Deus lembra o episódio do Êxodo, a libertação pascal. Com isso referenda sua proposta, que deve ser transmitida ao povo por Moisés, o mediador. Diz o Senhor, após mencionar sua mão libertadora: “Portanto, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim a porção escolhida dentre todos os povos, porque minha é toda a terra. E vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa.” Ex 19,5-6).

A promessa divina é eterna, concedendo alto privilégio: ser a nação escolhida. Mas isso somente SE, ou seja, tem uma condição. Se o povo for fiel, manterá a escolha; caso não o seja, não é Deus, mas o povo que terá prejuízos…

Essa proposta de Deus, ao povo eleito, vale para a nossa sociedade: a partir de Jesus Cristo, a promessa ultrapassa as fronteiras. Destina-se a todos os povos. Mas permanece a condição: ouvir e por em prática os ensinamentos do Senhor!

Observando o transcurso da história da humanidade, descobrimos: o povo não foi fiel. Essa infidelidade propiciou a vinda de Cristo que, de acordo com o apóstolo Paulo (Romanos 5,6-11), veio reforçar a proposta do Pai e em resposta à nossa fraqueza, “morreu pelos ímpios” (Rm 5,6).

Então, por qual motivo o Filho veio ao mundo e, na condição humana, morreu? Isso ocorreu porque o povo foi infiel e desviou-se do Deus da Aliança. Entretanto Deus, que é Pai, mesmo sabendo da infidelidade de seu povo, não o abandonou. E Paulo apresenta o argumento pelo qual demonstra o amor de Deus: “a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores”.

Assim sendo, se por um lado a morte de Cristo foi um ato de rebeldia do povo escolhido e por extensão, também nosso, por outro lado os pecados do mundo foram redimidos por sua morte. Por esse motivo é que Paulo afirma: com sua morte Cristo redime ao mundo e com sua ressurreição nos assegura a vida. Assim, o ato supremo de Jesus, na cruz, repete a proposta que Deus fez ao povo, pela mediação de Moisés. O povo escolhido havia sido escolhido não por seus méritos, mas por predileção divina. E não foi sem motivo: ocorre que por meio desse povo, o Senhor Deus quis alcançar todos os povos. E confirmou essa proposta em Jesus de Nazaré, o Cristo.

Entretanto, segundo Mateus (9,36-10,8), Jesus constata o abandono em que se encontra seu povo. Por um lado o povo afastando-se de Deus (como o está fazendo nossa sociedade) e por outro lado, os líderes do povo, que têm a função de alimentar a fé e a proximidade com o Senhor, afasta-se e leva o povo a se afastar de Deus. Assim sendo, Jesus, olhando para a multidão, vê sua condição de abandono. O povo que deveria ser luz não estava cumprindo com essa missão.

A situação de abandono, constatada por Jesus, moveu sua compaixão: viu que as multidões “estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). Dessa forma, querendo sanar a situação de abandono, envia seus discípulos para tentar reacender o espírito da Aliança. “Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt 10,6)

Naquele contexto de renovação da Aliança, as ovelhas perdidas eram os membros do povo abandonando ao Senhor: eram as ovelhas abandonando o pastor. Em nossos dias a palavra do evangelho é dirigida não em primeiro lugar ao povo hebreu mas aos seguidores de Jesus, com a mesma mensagem: um convite à conversão, pois “o Reino dos Céus está próximo!” (Mt 10,7). E, para que ninguém mais se perca, o próprio Senhor Jesus faz o apelo aos seus discípulos: Peçam ao “dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita” (Mt 9,38)

Deus desejou que um povo fosse luz para os povos. Mas essa luz não foi luminosa o suficiente para atrair a todos. Então veio o Filho o qual nos envia a todas as ovelhas perdidas. Ovelhas que se afastaram por conta da liberdade de escolha. Somo enviados, portanto, para reconvocar todas as ovelhas perdidas, não as que não têm religião, mas às que não têm amor. A elas devemos lembrar: O Reino está próximo!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 9 de junho de 2023

Quero misericórdia

(Reflexão baseada em: Oseias 6,3-6; Romanos 4,18-25; Mateus 9,9-13)




“Quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos”. A maioria de nós imagina que estas são palavras de Jesus. Mas não. São do profeta Oseias (6,3-6). Jesus apenas atualizou a afirmação do profeta: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mateus 9,9-13).

Mas, qual a diferença, pode alguém perguntar? Em resposta pode-se dizer: Será que se fossem palavras originais de Jesus, nós as levaríamos mais a sério?

Não!

Não importa quem diga as palavras. Não importa a profundidade do que é dito. Não importa se é palavra de Deus…

Tanto isso é verdade que muitos de nós já ouvimos ou lemos a afirmação de Jesus: “Quero misericórdia e não sacrifício” e continuamos com nosso ritmo e estilo de vida, sem mudar nada! Pior: muitas pessoas, em relação a estas e a outras palavras pelas quais Jesus assume uma postura social, dizem que isso é “comunismo” (sem ao menos sonhar com o que significa isso!).

E se a Igreja faz uma pregação mais incisiva, cobrando novas posturas em relação às injustiças sociais, em relação à corrupção política; em relação às religiosidade de fachada; em relação à injusta distribuição das riquezas… essas pessoas dizem que a Igreja é “comunista” (mas não têm ideia do que isso significa!).

Se um padre, um bispo ou o Papa, com base nas palavras de Jesus, afirma a necessidade de justiça social, de partilha, de solidariedade; afirma que a riqueza de alguns é causa da pobreza de muitos; afirma que o sistema sócio-político em que vivemos é causador da fome, da exploração de uns poucos sobre muitos; afirma que é necessário repensarmos nossas práticas religiosas de forma que a fé e as orações passem pelas mão e pelas atitudes e se convertam em busca pela equidade… se isso ocorre, essa pessoa vai ser chamada de “comunista” (mas quem os acusa, em geral, desconhece Marx e outros autores que escreveram sobre comunismo e socialismo!)

Então, mais uma vez: Jesus afirmou, repetindo o que dissera Oseias: quero as atitudes e os gestos de misericórdia e não a religião de fachada, a oração pública para aparecer bem na foto… gestos bem estudados para ganhar votos; palavras bem escolhidas para impressionar… mas gestos vazios de amor, de verdade, de solidariedade, de justiça...e, pior do que tudo isso: palavras maldosas contra a Igreja que denuncia essas falsas posturas, propondo novas atitudes pelas quais se exerçam atos de misericórdia, anunciando a real vontade do Senhor. Jesus defendeu quem precisava e não apoiou os opulentos.

Contra esses que teatralizam a religiosidade e não praticam a religião do amor, vem o profeta para os desmascarar: vossa fé, vossa piedade, vossas orações e “o vosso amor é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz”: é só um verniz; não tem raiz; não germina e nem produz os frutos de santidade.

Com isso encontramos o apóstolo Paulo (Romanos 4,18-25) fazendo elogios a Abraão. Mas não elogia seus bens, nem seus bois, nem as tendas… elogia sua postura que nasce da fé. E “esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça”. Sua atitude, e não seu discurso! Suas preces foram ouvidas, mas porque suas atitudes não eram mesquinhas…

Por que Jesus chamou Mateus, o pecador, e não os fariseus cumpridores da lei? Por que Jesus se dedicou aos pobre e não aos mestres da lei, nem aos sacerdotes, nem aos rico? Por que Jesus foi questionado quando fez uma refeição na casa de Mateus pecador?…

Não precisa da resposta da Igreja nem dos padres e bispos ou pastores… a resposta vem de Jesus: “Aprendei, pois, o que significa: Quero misericórdia e não sacrifício. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”. Mas os pecadores que mudam de vida!

Talvez se nós entendermos isso: que Jesus quer a misericórdia. Que ele veio para os pecadores. Que ele prefere as “ovelhas desgarradas”… Talvez, se entendêssemos isso, teríamos maior oportunidade de desenvolver uma fé equilibrada. Uma fé operosa. Uma fé que valoriza a vida e não as aparências…

Nestas alturas, alguém pode estar se perguntando: “Pra que tudo isso?” ou então: “O importante não é a fé?” Evidentemente que a fé é importante. Essa foi a atitude que Paulo elogiou em Abraão. Mas uma fé que nasceu de uma atitude. E o para quê: para estarmos em sintonia com a proposta do profeta. Oseias afirma a necessidade de seguir “para reconhecer o Senhor”. E para que reconhecê-lo? Para o acolher em seu retorno. E como vamos acolhê-lo? Com nossas obras, com nossas atitudes…

E ele voltará. “Certa como a aurora é a sua vinda, ele virá até nós como as primeiras chuvas”, diz o profeta. E, certamente, irá nos indagar: como você se comportou diante de minha recomendação dizendo que quero a misericórdia e não os sacrifícios?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


terça-feira, 6 de junho de 2023

Corpo e Sangue: para a vida do mundo

(Reflexão baseada em: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1 Coríntios 10,16-17; João 6,51-58)




Para os irmãos das outras denominações cristãs ou que professam outras crenças, a celebração do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo pode parecer algo de menor importância. Para o cristão católico, entretanto, trata-se de celebrar um dos elementos centrais de sua fé.

A solene festa do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor é uma das poucas que não nasceu com a Igreja primitiva. Ou seja, não vem do período apostólico, mas isso não diminui seu valor.

Trata-se de uma celebração que tem sua história na história da Igreja. Além da fé popular, segundo os registros do Vaticano, a festa tem suas origens nas visões de uma monja, Juliana Cornillon, da Bélgica e em resposta às dúvidas do padre Pedro de Praga. Este durante a celebração da missa, em Bolsena (Itália), em 1263, viu a hóstia ser transformada em carne viva, pingando sangue. Esse sangue manchou as toalhas, o corporal e o sanguíneo (pequenas toalhas usadas na celebração) que estavam sobre o altar durante a celebração eucarística. Sabendo do episódio o Papa Urbano IV solicitou que essas alfaias e a hóstia fossem levadas dali para Orviedo. Essa teria sido a primeira grande procissão do Corpo e Sangue de Cristo.

No ano seguinte, 1264, o Papa lançou o preceito, que seguimos até hoje: celebrar solenemente a devoção ao Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor. De acordo com o preceito do documento papal (bula) a festa deve ser celebrada na primeira quinta feira depois da solenidade da Santíssima Trindade, que ocorre no domingo seguinte ao dia de Pentecostes.

Essa celebração, para os católicos é uma das festas mais importantes, pois faz lembrar o alimento do céu dado ao povo, no deserto (Dt. 8,2-3.14b-16a). Alimento que permitiu ao povo manter sua caminhada em busca da terra prometida e que, na compreensão da Igreja atual, lembra nossa caminhada e busca do Reino definitivo.

É uma forma pela qual a Igreja retoma as palavras do apóstolo Paulo (1Cor 10,16-17) lembrando à comunidade de Corinto a importância de participar do mesmo cálice e do mesmo pão uma vez que esse é o meio pelo qual a comunidade comunga com o próprio Senhor, pois “há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão.”

Caso isso não baste, ouçamos as palavras do próprio Senhor Jesus que se apresenta como pão da vida (João 6,51-58). E afirma isso com a autoridade do Filho de Deus, por isso diz claramente “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.

Diante da incredulidade dos Judeus, Jesus é ainda mais categórico. E essa afirmação do Senhor, como é Palavra de Deus, tem valor eterno e por isso a Igreja faz questão de relembrar “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.” (Jo 6,54-56).

Este é o fundamento para a Igreja celebrar a festa de Corpus Christi. Com isso, quer iluminar a caminhada de fé das pessoas de boa vontade. Abraçar as pessoas que se alimentam de esperança, porque almejam uma vida melhor; que alimentam a fé, pois relembram as palavras sagradas; que alimentam a solidariedade, como o Senhor que deu sua vida “pela vida do mundo”.

E o que é necessário para a “vida do mundo”? Dois elementos são mencionados por Moisés: a água e o Maná. A água para nos lembrar a importância da natureza, pois sem ela não existem condições para a vida humana no planeta. A água que jorrou da pedra, saciou o povo, transformando-se em sinal de esperança e alimenta a vida. Além disso, o maná, um alimento misterioso, como é o mistério do Corpo de Cristo presente na hóstia consagrada: alimento sagrado para uma vida santa. O maná que alimenta mas que não pode ser acumulado, como os dons de Deus que são suficientes mas nunca supérfluos.

Com a experiência no deserto o povo pode entender que “nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8,3). E coroando a caminhada o Senhor se encarnou e se entregou, um presente para os que acreditam, na forma de pão e vinho. Deu-se como presente para lembrar a importância da doação; para convidar as pessoas a realizar um ato de fé; para mostrar a importância de distribuir o pão. E, neste caso, além de distribuir o pão que alimenta o corpo, também o pão que alimenta para a eternidade: “Quem comer deste pão viverá eternamente”.

Água e maná prefiguram o corpo e sangue, na comunhão do Senhor. O corpo e o sangue, abençoados, partidos e comungados, transformados em corpo e sangue de Cristo, formam a unidade que é a Igreja: um só corpo. E entregando-se, Jesus afirma: “Sou o pão vivo”; “quem comer desse pão terá vida eterna”; o pão “é minha carne”; quem não comer esta carne e este sangue não terá vida e quem como e bebe “tem vida eterna”; quem come e bebe será ressuscitado “no último dia”; quem como e bebe, “permanece em mim e eu nele”; quem comer “viverá por causa de mim”.

Mas não se pode perder de vista a afirmação final: o pão (o maná) era um alimento divino, mas “vossos pais comeram e morreram”. Por isso a importância do pão e do vinho, que passam a ser alimento de vida: “minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida”. O pão e o vinho da comunhão é que dão a vida, pois “aquele que come este pão viverá para sempre.” Este pão e sangue são diferentes daquele do deserto, este é o pão da vida.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quarta-feira, 31 de maio de 2023

Santíssima Trindade: Caminha conosco

(Reflexões baseadas em:Êxodo 34,4b-6.8-9; 2 Cor 13,11-13; João 3,16-18)




A solenidade da Santíssima Trindade, é a celebração pela qual a Igreja retoma a caminhada do tempo comum. Trata-se de um momento litúrgico pelo qual somos interpelados pelo gesto do amor do Deus Comunidade Trina: um Deus que nos acolhe na criação; que nos salva pela encarnação e que nos santifica pelo Espírito de Vida.

A interpelação que começa com o Êxodo (34,4b-6.8-9). Entretanto, para melhor compreender precisamos situá-lo em seu contexto. Ou seja, precisamos lembrar de que num capítulo anterior o Povo de Deus havia quebrado a fidelidade, cultuando outras divindades. Em razão disso, Moisés quebra as tábuas da Lei. Mas Deus decide dar nova chance ao povo. isso por causa de seu amor e porque mesmo sendo “um povo de cabeça dura” Moisés suplica ao Senhor: “caminha conosco” (Ex 34,9).

Diante da infidelidade o Senhor, por ser “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (
Ex 34,6), decide dar nova oportunidade ao povo infiel. Por isso ordena a Moisés que entalhe novas tábuas e depois suba ao monte para um novo encontro. E assim, diante do Senhor, Moisés intercede em favor do povo. O representante do povo infiel intercede ao Deus fiel. E como intercessor, Moisés faz dois pedidos importantes: primeiro pede ao Senhor: “caminha conosco”, pois as outras divindades, por serem falsos deuses, eram estáticos, fixos… Só o Deus da vida poderia acompanhar ao povo pecador. Por isso o segundo pedido de Moisés: “perdoa nossas culpas” (Ex 34,9).

Mas a súplica de Moisés só é compreensível se for colocada não na perspectiva humana, mas numa perspectiva divina. A perspectiva humana diz respeito ao fato atual, ao momento presente. É limitada e se insere apenas na história. Mas a perspectiva divina, que concede nova oportunidade, insere-se na perspectiva do amor eterno. Por isso foi que o Senhor “desceu na nuvem e permaneceu com Moisés”.

Descer e permanecer com seu povo é uma ação constante do Pai. Diferente das pseudo divindades, o livro do Êxodo mostra a extensão da fidelidade do Senhor que “ouve”, “vê”, desce e liberta seu povo (Ex. 3,7-10).

O programa do capítulo 3 se concretiza no capítulo 34. Moisés foi enviado pelo Senhor e como tal se torna intercessor em favor do povo. Dessa forma, entendemos o novo compromisso, novo estágio da Aliança de Deus com o povo (Ex 34,10). Tudo isso nos remete à carta de Paulo à comunidade de Corinto (2Cor 13,11-13).

Por amor a Jesus Cristo, o Filho, Paulo também se faz intercessor. Ao mesmo tempo que ora pela comunidade, orienta-a no sentido do “aperfeiçoamento”. Podemos dizer, portanto, que da mesma forma que o povo de Moisés estava se afastando do convívio com o Pai, a comunidade de Corinto estava se afastando do Filho, pois estava negligenciando os ensinamentos de Jesus, transmitidos pelo apóstolo.

Em razão da divisão na comunidade, Paulo exorta-os a viver na concórdia; em razão dos atritos, estimula a paz. A orientação do apóstolo é clara: havendo concórdia, haverá paz; havendo paz, ali está presente o “Deus do amor e da paz” (2Cor 13,11). E isso nos leva à saudação final do apóstolo. Na medida em que a comunidade se esforça para superar seus problemas e divisões pode, cada vez mais, contar com ajuda do Deus Trindade. Havendo esforço humano, significa que não há rejeição. E se a comunidade não rejeita ao Senhor, então passa a ser merecedora da intercessão paulina: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Na medida em que a comunidade se mantém em comunhão, manifesta a presença da comunhão trinitária.

Mas por que estamos falando que essa presença divina depende da comunidade? Porque Deus se oferece constantemente, mas respeita o ser humano em suas vontades e decisões. O ser humano é livre para aderir ou não ao plano salvífico do Senhor.

E isso nos leva ao evangelho de João (3,16-18). Por amor, Deus nos envia seu Filho, para nos conceder a vida eterna, como a nova tábua da lei, de Moisés. Entretanto, agora não se trata mais de uma tábua da lei, mas do próprio Senhor. Com a necessidade de observância de apenas um detalhe: Essa herança se destina a quem crê (Jo 3,16).

E se alguém não seguir os princípios cristãos? E se alguém não acreditar? Não será Deus a recusá-lo. Esta é uma questão de escolha livre. “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18). 

A oferta do Deus trindade é constante: um convite a viver em comunidade. Convite para cada membro do corpo: unir-se àquele para quem Moisés apela: Caminha conosco! É o apelo de Paulo: caminhar na graça e na comunhão. Mas a escolha é do “povo de coração duro”. 

A proposta é amolecer o coração e pedir “Caminha conosco”. Ao povo de coração duro é dada a liberdade da escolha: Manter o coração duro ou caminhar com o Senhor. O convite é feito para a comunidade, mas a resposta é pessoal. Cada um tem que fazer seu pedido: Caminha conosco.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 25 de maio de 2023

Pentecostes – Ninguém pode dizer

(Reflexões baseadas em: At 2,1-11; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23)




Existem alguns elementos que chamam nossa atenção nas três leituras do domingo de Pentecostes. E são elementos importantes!

Logo de início chama nossa atenção a afirmação que podemos ler em Atos dos Apóstolos (2,1-11). Ali diz que “os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar.” E essa afirmação tem um ponto central: todos reunidos. Trata-se de uma comunidade reunida! Uma comunidade que se reunia! A união é o centro dessa comunidade dos primeiros cristãos.

Bem, os discípulos estava reunidos. Mas onde e por que estavam reunidos? Para saber precisamos voltar ao capítulo 1 dos Atos do Apóstolos. Lá somos informados que após acompanharem a ascensão do Senhor os discípulos voltaram a Jerusalém e foram para uma sala “onde costumavam ficar” (At 1,13), quando Jesus ainda andava com eles pelas cidades.

Quanto ao motivo de se reunirem, podemos enumerar vários: o primeiro deles possivelmente era o medo, como afirma João 20,19-23. Podemos acreditar que esse motivo seja real, pois João estava entre os que se reuniam. O medo era tal que “as portas estavam fechadas”, pois os judeus, que haviam entregue Jesus, eram uma ameaça aos seus seguidores. Outro motivo para estarem reunidos é a orientação de Jesus (At 1,4), dizendo para não se afastarem de Jerusalém até que se cumprisse a promessa do Pai. Um terceiro motivo é a fidelidade à orientação de Jesus: esperar o batismo no Espírito, (At 1,5). E se lermos com atenção o texto do Evangelho, notaremos um quarto motivo: acolher a paz do Senhor (Jo 20,19). Como consequência da paz, vem um quinto motivo para estarem reunidos: a missão. Serem enviados, como o Pai enviou a Jesus. (Jo 20,21). Há, ainda, um sexto motivo, expresso no texto do Pentecostes: o forte vento do Espírito e as línguas de fogo (At 2,2-3).

Com base nisso, quase sempre nos detemos nesse aspecto do cumprimento da promessa: O Espírito foi dado como força e como fogo purificador.

Mas será que não podemos perceber mais um motivo para os discípulos terem permanecido reunidos? Talvez possamos dizer que, a partir do que ouviram das lições de Jesus de Nazaré e depois, também do Cristo ressuscitado, os discípulos entenderam que a vinda do Santo Espírito os libertaria do medo. Isso é compreensível quando notamos que tão logo as línguas de fogo se derramam os discípulos superam o medo e começaram a falar. E os ouvintes se admiravam pois eles anunciavam “as maravilhas de Deus”.

Entretanto, não só a necessidade de vencer o medo uniu os discípulos. Paulo, (1Cor 12,3b-7.12-13) nos fala de outros dons do Espírito. E ele faz uma pequena lista: reconhecer Jesus como Senhor; a diversidade de dons; a diversidade de ministérios… (1Cor 12,3-5).

Tem mais: Buscar o “bem comum” também é dom do Espírito. Isso nos leva a uma conclusão: quem não se ocupa do bem comum não está adequado ao Espírito. O Apóstolo também nos recorda que esses membros unidos formam um só corpo. E isso nos mostra a importância da diversidade. Ou seja, todo aqueles que condenam o diferente, estão condenando o próprio corpo… que está vinculado ao Cristo Senhor.

Tudo mostra que a união tem a ver com o Espírito, seus dons e sua força. De acordo com Paulo e com Jesus, tem algo a mais, nessa importante reunião: Paulo faz mais que uma lista de dons do Espírito. Ele explica o motivo do Espírito se derramar como dom: são dados “em vista do bem comum.” O bem de todos os membros que formam o corpo que tem a Cristo como cabeça (1Cor 12,12). O bem comum, portanto, é o bem da comunidade.

Cristo é a cabeça de um corpo, mas que corpo é esse? Nada mais que a própria Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo e Cristo é a cabeça da Igreja. E a Igreja é a comunidade dos que se reúnem pelo Espírito, em nome de Cristo.

Além de tudo isso: Foi à Igreja que Jesus dirigiu suas palavras finais. E aqui está, talvez, o mais importante motivo dos discípulos terem permanecido reunidos: receber o dom de mediar do perdão (Jo, 20,23). Embora o perdão dos pecados seja um dom divino, Jesus, pela mediação do Espírito, concede esse dom à Igreja. Ou seja, por mandato do Pai a Igreja é mediadora do perdão como de um dom trinitário. Ao anunciar o perdão, a Igreja o concede “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

O envio feito por Jesus, é uma missão para o perdão: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados” (Jo 20,23).

De fato, “ninguém pode dizer Jesus Cristo é o Senhor, a não ser pelo Espírito” (1 Cor 12,3). Mas essa profissão de fé só tem sentido, para uma vida eclesial. É na comunidade que podemos proclamar e reconhecer, pelo Espírito, que Jesus é o Senhor.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 18 de maio de 2023

Ascensão: Toda a autoridade

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mateus 28,16-20)




Em diferentes momentos, em sua vida pública, Jesus foi questionado a respeito de suas ações. Houve até quem indagasse: com que autoridade você está fazendo isso?

Aqui está a resposta. É o evangelista Mateus (28,16-20) quem hoje nos apresenta Jesus Cristo dando uma explicação sobre suas atitudes: age porque tem autoridade.

Mas o Cristo não falou de sua autoridade para se mostrar em sua autoridade, nem porque desejasse ser respeitado, temido, bajulado… como o fazem muitos dos que se dizem poderosos, por aí. Autoridades das quais podemos questionar a autenticidade, a validade, a a legalidade, a legitimidade! Cristo não agiu assim. Ele mostrou sua autoridade e onde ela se fundamentava: em função da missão. Em favor da humanidade; autoridade que estava conferindo aos seus discípulos e daquela que seria partilhada entre seus seguidores.

Ele tinha consciência do que podia, por isso afirmou: “Toda autoridade me foi dada!” Entretanto, ele não só tinha (e tem) toda autoridade como sabia que ela se estende sobre o céu e sobre a terra. Por esse motivo, possuidor de “Toda” autoridade, ele a confere aos discípulos, com uma recomendação em três etapas: os discípulos devem levar adiante sua mensagem “ide e fazei discípulos meus”; eles devem cumprir com o mandato de batizar em nome da Trindade Santa e por fim os discípulos recebem a missão de ensinar a observar os preceitos que Ele havia ensinado nos tempos em que percorrera a região: em favor dos excluídos!

Então, em que consiste a autoridade de Jesus? Em compartilhar a autoridade. E fez isso com que finalidade? A fim de que seus discípulos continuassem, também com autoridade, a missão de anunciar o Reino. E, como reforço desse poder de anunciar e preparar o Reino, Jesus entregou o Espírito de Amor prometendo estar presente na caminhada: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo", quando o Reino será não mais uma promessa, mas uma realidade!

Isso nos leva a uma indagação: a quem Jesus Cristo, com “toda autoridade”, faz essa promessa de acompanhar na caminhada, “até o fim do mundo”?

A resposta vem dos Atos dos Apóstolos (1,1-11), do texto dirigido a Teófilo o Amigo de Deus. É com o “amigo de Deus” é que Jesus se compromete.

Aqueles que estavam reunidos esperando a sabedoria do Espírito. E esses amigos de Deus estavam se perguntando: e agora, Jesus de Nazaré foi crucificado. É verdade que se manifestou a nós como o Cristo de Deus. Mas nós ainda temos medo. Ainda corremos risco de sermos associados ao crucificado e presos também. Queremos continuar nos reunindo e recordando o que ele nos ensinou, mas ele acabou de nos deixar, voltando para o Pai. Queremos restaurar Israel, mas somos tão poucos! Que fazer? Como continuar?

Essas indagações, não estão no texto, mas estavam na alma dos discípulos, os amigos de Deus, a comunidade que acabava de ver Jesus, o Cristo de Deus, voltando para Deus e estava se sentindo órfã. Essas indagações motivaram aquela orientação dadas pelos “anjos”: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”. E disseram isso como quem diz: Ele voltará em sua glória e vocês, em vez de olhar para o céu, olhem para os lados. Olhem para seus semelhantes. Olhem-se uns para os outros. Descubram suas necessidades e superem-nas juntos, afinal, você são os amigos de Deus! Na união de vocês está a chave para superar os problemas. Transmitam força e esperança, uns para os outros… nisso está a chave para abrir as portas do Reino!

Respondendo a essas e outras indagações é que Paulo escreve (Ef 1,17-23), falando a respeito do Deus da Glória. E fala isso como quem se sente amparado pelo Verbo encarnado e pelo seu Espírito de Sabedoria. Fala não só a respeito da glória de Deus, mas também da sua sabedoria. E, numa prece, primeiro em favor daquela comunidade; mas com valor perene e, por isso, também em nosso favor. Em sua prece do apóstolo pede ao Pai que “ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos”.

A autoridade do Cristo, a comunhão do Santo Espírito e o amor do Pai estão à disposição dos amigos de Deus: todos aqueles que se reúnem em nome do Cristo. Os amigos de Deus que se unem em favor dos mais necessitados. Os amigos de Deus que receberam a autoridade do próprio Cristo para agir como ele e em seu nome. Toda autoridade do Cristo está à disposição dos que receberam o batismo para ajudar na difusão dos valores do Reino.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 11 de maio de 2023

Páscoa 6 As razões da esperança

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1 Pedro 3,15-18; João 14,15-21)




A liturgia deste sexto domingo do tempo pascal nos leva a algumas indagações: Como reagimos ou qual nossa atitude quando sabemos que um amigo ou conhecido está tendo sucesso em seus empreendimentos? Como nos comportamos diante do sucesso de um amigo, de um conhecido, de outra pessoa?

Essa é a indagação que a Igreja nos propõe. Mas isso fica no universo das generalidades. Então vamos nos sentir questionados: como reagimos e como nos comportamos diante do sucesso do outro… principalmente quando ele tem sucesso em algo que nós também estamos realizando? Certamente responderíamos que nos alegramos com nosso amigo. Diríamos que torcemos pelo seu sucesso. Possivelmente, sorrindo, lhe apertaríamos a mão dizendo: “Parabéns!”

Mas, lá no íntimo de nossa vida, no segredo de nosso coração e no silêncio de nossa consciência, será que não sentimos uma pitada de inveja? Será que não nos perguntamos: Porque ele e não eu? Isso quando não ampliamos seus defeitos e diminuímos suas qualidades, procurando desqualificar seu mérito, afirmando um possível sucesso com base na sorte... desonestidade… Na verdade, somos tomados pela inveja diante do sucesso do outro!

Não foi essa a postura dos apóstolos de Jerusalém, quando souberam do sucesso de Felipe (At 8,5-8.14-17;1). Pelo contrário. Alegraram-se ao ponto de lhe enviar reforços: “Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, souberam que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, e enviaram para lá Pedro e João” (At 8,14).

Esse envio não se deu por inveja, ou desconfiança. Pedro e João levavam palavras solidárias e suporte para avanço missionário. Confirmaram o apostolado de Felipe, e graças a isso os samaritanos “receberam o Espírito Santo” (At 8,17) e a plenitude da fé cristã.

A consequência? O engajamento na ação evangelizadora. Não somente na pregação, mas na atitude cotidiana de guardar e seguir os mandamentos como ensina João (Jo 14,15-21): “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” .

Como continuação do que os apóstolos realizaram na Samaria temos as palavras de Pedro (1 Pd 3,15-18). Consciente de que os seguidores de Jesus poderiam ser questionados ou perseguidos por estarem adotando uma nova fé, Pedro orienta aos cristãos: “estejais sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” (1Pd 3,15).

E qual a razão da esperança do cristão? É uma só: a Paixão de Cristo. Para o cristão, acima dos contratempos ou dificuldades, está aquele que “morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18).

Entretanto, para merecer isso existem alguns critérios, entre eles a mansidão e o respeito. Diante das difamações, perseguições... a postura do cristão não é a beligerância, a vingança, a hostilidade. Sua resposta será sempre mansidão e o respeito. A mansidão que implica em não cair no desespero e o respeito que consiste em não agredir ao agressor.

Como o cristão pode assim proceder? Confiando no “Defensor” mencionado por João (Jo 14,16). E quem é esse Defensor prometido? É “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber”. Defensor, Consolador, Espírito de Verdade, Espírito de Amor… o Espírito Santo que, de junto do Pai, Jesus envia para e sobre aqueles que guardam os mandamentos.

Em que consiste a guarda dos mandamentos?

Algumas pistas: primeira: ao ver o sucesso do outro, não devemos nos alimentar de inveja, mas nos enchermos de alegria e, sempre que possível, manter a disposição em ajudar para que esse sucesso seja ainda maior. A ajuda desinteressada implica na possibilidade de, quando o outro se elevar, levar consigo quem o ajudou. Segunda: é necessário manter a mansidão e o respeito, pois o desespero não é um sentimento condizente com a fé cristã. O desespero é uma negação da esperança, que é o alimento da fé cristã. A fé cristã alimenta a esperança do encontro definitivo com o Pai. Terceiro: manter-se aberto à ação do Espírito de Verdade que é a presença do próprio Deus em nós, uma vez que o próprio Jesus afirmou: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Mesmo já tendo partido, Jesus permanece junto aos seus: “eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).

Nessa sintonia está arazão de nossa esperança: alegrar-se com o sucesso do outro pois esse sucesso também nos eleva; saber que a razão de nossa esperança é seguir os passos de Jesus, multiplicando atos em defesa da vida e no caminho para o Pai; e, principalmente, a certeza de que Jesus dirige a nós estas palavras: “quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. Essa é a razão de nossa fé e isso é dom de Deus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 5 de maio de 2023

Páscoa 5 - Sete homens de fé

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1 Pedro 2,4-9; João 14,1-12)


Tem muita gente que abomina, esbraveja e condena a ação libertadora que a Igreja propõe. Talvez porque essas pessoas ainda não entenderam a proposta de Jesus nem a prática dos apóstolos e dos cristãos dos primeiros anos da Igreja. Quem sabe, com um pouco de catequese e de abertura para o amor, comecem a entender…

A catequese pode ocorrer, por exemplo, quando acompanhamos a liturgia do período pascal. Já a abertura para o amor, depende dos corações puros! Mas isso nem todos carregam!

Uma proposta da catequese libertadora é mostrada nos Atos dos Apóstolos (At 6,1-7): a pregação; a atenção aos necessitados; a decisão tomada em conjunto.

Os Atos dos Apóstolos afirmam que o número dos discípulos estava aumentando.

Por qual motivo? Devido à pregação dos apóstolos, anunciando a ressurreição e ensinando a fazer o que Jesus fizera. E quem os estava ouvindo? Não eram as elites. Não as camadas dominantes da sociedade. Pelo contrário: Eram os marginalizados, os excluídos. Essa pregação atraia os excluídos; seu número aumentava. E com isso também aumentaram os problemas. Tanto que os apóstolos, dedicados à pregação e à assistência aos pobres, ouviram a queixa: alguns dos mais necessitados, as viúvas, estavam sendo negligenciados.

A pregação não podia parar. Também não se podia negar o atendimento aos necessitados. A sintonia entre os doze e a comunidade encontrou uma solução colegiada. Qual foi a solução? Escolher sete homens de fé e plenos do Espírito e de sabedoria. Assim as duas prioridades continuariam sem abalos: a pregação e a atenção aos marginalizados.

Mas a catequese não para nisso. Tem mais uma lição. Além de urgência do anúncio e do serviço aos necessitados, vem a lição do lugar social do Cristão. Nada justifica alguém sentir-se ou colocar-se acima dos demais. Nem o fato de pertencer a uma denominação religiosa; nem o fato de ter muitos bens econômicos; nem o fato de ter mais escolaridade; menos ainda o fato de ocupar uma função destacada na Igreja… nada. Pelo contrário, tudo que temos ou somos ou fazemos tem um só objetivo: servir a quem mais necessita; promover a inclusão; combater a concentração; denunciar tudo e todos que não conduz ao bem e à vida. Esse era o problema daquela comunidade: o começo de uma divisão que foge à essência cristã!

Contra isso agiram os primeiros cristãos: nascia uma divisão que se infiltrava, como obra diabólica, colocando em lados opostos os cristãos vindos do judaísmo e do paganismo. A lição dos apóstolos: quem possui ou está numa posição de destaque não tem direito, nem está autorizado a menosprezar ou excluir os demais. Qualquer posição ou função privilegiada, só tem sentido cristão, se for para servir. Ser cristão é ser servidor, como os sete homens de fé!

A catequese continua no ensinamento da primeira carta de Pedro (2,4-9). Em que consiste esse novo ensinamento?

Assumir uma atitude, posicionando-se diante daquele que é a “pedra angular”, da Igreja. Essa pedra angular é Jesus. Então qual postura assumir, diante da “pedra angular”, que dá apoio? Entender que Jesus é o ponto de apoio; somente d’Ele vem a segurança.

Aquele que não se apoia nessa “pedra”, nela tropeça, cai, é confundido e se perderá… Mas aqueles que se apoia na “pedra viva, rejeitada pelos homens”, esse não será confundido; esse fará parte da “nação santa”; sairá “das trevas para a sua luz maravilhosa.” Mas, para isso, tem que trilhar os caminhos do Mestre!

Tem mais. A catequese continua quando João (14,1-12) apresenta Jesus como Caminho para o Pai. E aqui também temos duas posturas que nos convidam a tomada de posição a fim de nos definirmos diante do Senhor Jesus e do próprio Pai.

A primeira é a de Felipe. Tendo convivido com o Senhor, lhe pede: “Mostra-nos o pai”. É como muitos de nós: nosso corpo frequenta o templo, mas vivemos o dia a dia como se Deus fosse só uma ideia; um ser distante; um ser para visitar nos finais de semana. E isso mostra que não o conhecemos. Não entendemos que Ele conta com nossa conversão por isso prepara um lugar aos seu lado “a fim de que onde eu estiver estejais também vós”.

Outra é a postura de Jesus, apresentando-se como “o caminho, a verdade e a vida”. E a adesão à sua proposta de acolhimento aos excluídos, ao lado da pregação, anunciando sua proposta,é o que possibilita entrar em sua morada. “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”. E poderá adentrar essa morada aquele que “acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores”.

E qual é a obra do Senhor? A promoção da vida, como o fizeram os apóstolos e os sete homens de fé, escolhidos pela comunidade para servir.

Essa é a catequese, mas só a entende quem tem um coração capaz de amar. Essa é uma questão intima entre cada um e Deus… e o Deus que ama os excluídos e conhece os corações.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

Também disponível em: * https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/01/tempo-comum-os-tempos-de-jesus-de-nazare.html * https://www.recantodasl...