quinta-feira, junho 22, 2023

Vale mais que um pardal

(Jeremias 20,10-13; Romanos 5,12-15; Mateus 10,26-33)



Muitas vezes ouvimos dizer que Jeremias é um profeta que gosta de reclamar. Tanto que lhe é atribuída a autoria do livro das Lamentações. Mas, de que Jeremias reclama? (Jr 20,10-13).

Entre outras coisas, das “injúrias” e do “medo” espalhado por “tantos homens” (Jr 20,10). Mas, alguém pode dizer, só isso não é motivo suficiente para passar a vida se lamuriando.

Isso é verdade. Mas também é verdade que não é só disso que o profeta está falando. Está se referindo àqueles que o cercam. Na realidade está se referindo a todos aqueles que se fazem de amigos, mas, como acontece em nossos dias, permanecem torcendo para que a gente cometa uma falha; torcendo para que a gente “cometa um engano”. Torcendo para ver nosso fracasso! Com gente assim ao nosso redor – e essa era a situação de Jeremias – “não dá pra ser feliz!”

E por que Jeremias se lamenta?

Porque está diante da infidelidade dos dirigentes do povo. Aqueles que, ao invés de os conduzir para dias melhores, são agentes da exploração; guiam o povo por caminhos que não levam ao Senhor. Para confirmar isso basta ler os versículos iniciais desse capítulo e do capítulo seguinte: os dirigentes são a causa do sofrimento vivido pelo povo. E isso gera a dor do profeta.

Certo de que sua causa, denúncia contra os dirigentes, é a causa de Deus, Jeremias sente-se à vontade para dizer que o Senhor está com ele. E, por ser fiel a Deus, sabe que seus inimigos, que são os inimigos de Deus embora até invoquem seu nome, serão humilhados. Jeremias afirma: esses opressores do povo fracassarão completamente, nada conseguirão “a não ser uma vergonha eterna, que jamais será esquecida” (Jr 20,11). Vergonha que, historicamente se concretizou no chamado “cativeiro na Babilônia”. A situação de Jeremias é parecida com a nossa: queremos ver a punição daqueles que durante anos enganaram o povo… mas parece que isso está demorando muito!

Essa aflição do profeta encontra eco nas palavras de Paulo, ao escrever aos Romanos (5,12-15). As maledicências, de que fala o profeta, são o reflexo do pecado, “que entrou no mundo por um só homem” (Rm 12) trazendo, com ele, a morte… para todos os homens. E a perdição para os que se afastam dos caminhos do Senhor.

Da mesma forma que, o profeta afirma: Senhor “salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus (Jr 20,13), Paulo afirma que a “graça de Deus”, como um “dom gratuito”, é dada a todos “através de um só homem, Jesus Cristo”. Essa graça, esse dom, essa salvação é derramada “em abundância sobre todos” (Rm 5,15). E por ser graça, por ser um dom, por ser gratuidade divina a salvação é a alternativa à morte. Mas isso somente para os que escolhem se afastar do caminho da perdição que é o caminho de quem prejudica os outros.

O mesmo pode-se dizer em relação ao evangelho (Mt, 10,26-33). Perseguido, agredido e injuriado, Jeremias se dá conta de que “o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro” (Jr 20,12); em Mateus, Jesus afirma aos apóstolos que não devem ter medo. Toda maldade será desmascarada: “nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido” (Mt 10,26). Mesmo que esse, ou esses, que escondem o mal vivam invocando o nome de Deus!

Jesus insiste na necessidade da coragem para enfrentar os representantes do mal, que se revestem com aparências de pessoas de bem: “Não tenhais medo dos homens” (Mt 10,26). Eles são falsos, sua mentira e falsidade será descoberta. E Jesus vai além: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma!” (Mt 10,28).

Notemos que Jesus afirma por três vezes: “Não tenhais medo” (Mt 10, 26; 28; 31).

Mas, por que Jesus insiste, dizendo para não ter medo?

Porque ele sabe que o sofrimento, provocado pelos homens maus, não tem alcance definitivo. Ele sabe, e o demonstra com a própria vida, que acreditar e realizar as obras do bem é o único caminho para superar, para se preservar e para vencer as obras do mal. Porque sabe o valor de cada pessoa: cada um de nós tem o valor da sua vida oferecida na cruz!

Jesus sabe nosso valor. Por isso oferece a oportunidade da escolha. Oportunidade de autodeclaração. E declarar-se contra ou a favor de Jesus, não é algo que se pode expressar com palavras: isso só é possível de se fazer com os gestos, com as atitudes, com a vida.

Assim sendo, declarar-se a favor de Jesus, é realizar obras de salvação, contra as “injúrias de tantos homens”. E quem faz isso, concorda e se posiciona como Jeremias, dizendo: “Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus.” E por que o Senhor fez isso? Porque você vale mais que um pardal!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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