(Êxodo 22,20-26; 1Ts 1,5c-10; Mateus 22,34-40)
Quem lê a bíblia pode perceber as maravilhas que Deus faz em favor de seu povo. O livro do Êxodo está repleto de exemplos. Um deles podemos ler em Ex 22,20-26, mostrando como o Senhor toma o partido de seu povo. E lendo com um pouco mais de atenção podemos notar um detalhe: no meio do povo o Senhor toma a defesa de quem está à margem e é mal visto. O senhor faz opções sociais que vão além do status: opta pelo estrangeiro (Ex 22,20), pelo órfão e sua mãe viúva (Ex 22,21) e, principalmente, faz uma opção pelo pobre (20,24).
É maravilhosa a forma como Deus defende o indefeso; como se coloca ao lado daquele que não tem companhia; como faz questão de ameaçar aqueles que ameaçam aos fracos. Mostra que sabe usar sua mão poderosa e a força de sua ira: “minha ira se inflamará” (Ex 22,23) contra aquele que causa a dor do indefeso, diz o Senhor. Mas, por outro lado, mostra sua compaixão, mostra sua face amorosa e sua misericórdia quando defende o fraco que clama por justiça: “eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” (Ex 22, 26).
Então, se você ouvir por aí, ou ler em algum lugar, a afirmação de que não se pode misturar a prática religiosa com questões sociais, com política… pode crer que esse faz parte do time do anticristo. Deus não é neutro. Pelo contrário, Ele toma partido contra os poderosos opressores e defende as vítimas do sistema sócio-econômico-político; ele condena a ambição dos usurários e banqueiros. “Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não agirás como um agiota.” (Ex 22, 24).
A postura de Deus no Antigo Testamento, defendendo o fraco, repercute na postura de Paulo, escrevendo aos tessalonicenses (1Ts 1,5c-10). O apóstolo elogia, não eventuais orações vazias, mas atitudes de solidariedade. Paulo elogia os tessalonicenses porque ouviram a Boa Nova anunciada por ele e, em seguida a comunidade tornou-se “um modelo para todos os fiéis” (1Ts1,7). O exemplo dessa comunidade foi tão convincente que passou a ser mais eficiente que a própria pregação (1 Ts 1,8), “pois todos contam como fomos recebidos por vós” (1Ts 1,9). Sua solidariedade perdurou por séculos, tanto que hoje somos convidados a olhar nossas atitudes tendo como parâmetro o que fizeram os tessalonicenses.
E se tudo isso ainda não for suficiente para demonstrar a necessidade da prática da fé, Mateus (22,34-40), mostra como Jesus subverte os valores antiquados e resume todos os mandamentos da lei e ensinamentos dos profetas (Mt 22,40. Ele mostra que todos os mandamentos se resumem em dois, que na prática é um só: trata-se do mandamento do AMOR. Um amor que, ao mesmo tempo, está voltado para Deus, sem deixar de estar voltado para o outro. Amar a Deus e amar ao próximo: essa é a lei! Isso é tudo!
E Jesus é bem específico, ao dizer que “toda a lei e os profetas DEPENDEM desses dois mandamentos”. Ou seja, não adianta nenhuma outra atitude, dita cristã, se essa outra atitude não for pautada pelo mandamento do amor.
A questão, agora, é saber o porquê dessa opção em favor do amor para com o outro; o porquê da defesa do pobre, do fraco, do injustiçado… A resposta está no fato de que são vítimas do sistema, estão em situação de vulnerabilidade, não têm quem os defenda. E estão nessa situação por que estão abandonados.
E não tem como negar: A existência de pessoas não amadas, sofrendo, sendo vítimas de todo tipo de espertalhão é um fato. Por isso o Livro Sagrado fala em sua defesa. E a lei, ou a nova lei, vale enquanto persistirem as situações contra as quais ela foi criada. Enquanto existirem pessoas sendo enganadas, ludibriadas, extorquidas, roubadas em seus direitos… vale advertência do livro do Êxodo: quando o pobre gritar em seu sofrimentos “eu ouvirei seu clamor. Minha ira se inflamará, e eu vos matarei à espada” (Ex 22,22-23).
Com isso tudo em mente a questão que se nos apresenta não poderia ser outra: qual a nossa preferência: viver na graça do Senhor e trabalhar por um mundo solidário ou ser destinatário de sua ira? Para viver na graça é necessário que cada um de nós aprendamos a respeitar, valorizar e amar aqueles que convivem conosco. Mas tem um detalhe: não foge da ira do Senhor aquele que se faz de bonzinho apenas por medo da sua ira. É necessário ser justo e honesto em todas as nossas atitudes porque isso é certo a fazer.
E se alguém ainda estiver pensando que não se deve misturar religião com a busca pela justiça sócial, que é uma questão política, então essa pessoa não deve ser levada a sério. Ela ainda não entendeu que o Senhor fala pela bíblia, ou faz parte do time do anticristo. Por outro lado, se queremos levar a sério aquilo que o Senhor ensina temos que fazer valer o maior mandamento...
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;