quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Reunidos em meu nome

(Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mt 18,15-20)




Mateus (Mt 18,15-20) nos apresenta uma frase de Jesus frequentemente repetida por muitos de nós: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).

A frase, por si só já nos diz muito, pois coloca em destaque o valor da oração do grupo e do grupo de oração. Entretanto, precisamos situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada. Jesus está orientando os discípulos a respeito de como agir em caso de ofensa; e, ao mesmo tempo, orientando como tratar o agressor: não com outra agressão ou rancor, mas com sinceridade e disposição para o diálogo.

Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos que erraram. Evidentemente essas orientações são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial são dirigidas àqueles que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a inauguração e condução da Igreja que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores. Enquanto anunciava o Reino, Jesus mostrava o caminho para atingi-lo.

É como se estivéssemos numa escola. A atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria, preparando os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade, age de forma desarmoniosa.

A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia. Pois uma pessoa em desarmonia implica em uma comunidade dividida. E onde existe divisão abrem-se as portas para o adversário. Onde há desarmonia, o amor a divino fica cerceado. Por isso a importância de trazer o irmão de volta e, se em última hipótese, ele se recusar, deve-se entender que não mais faz parte da comunidade.

Numa leitura mais atenta podemos notar que há uma espécie de paralelo na proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, pode ser lido em paralelo com o versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus; diferente da desarmonia em que se manifesta as intenções do inimigo.

Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra. Deus não quer a perdição de ninguém, por isso envia seus profetas, dá voz à Igreja; Deus sempre mantém seu convite, mas respeita quando é recusado!

Os alertas do profeta, o convite à harmonia ensinado por Jesus manifestam-se na proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo (Rm 13,8-10), retomando o que aprendera de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu.

A proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem. E, então, restaura-se a harmonia e então poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus, pois esse grupo é Igreja e está reunida em nome de Jesus.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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