quinta-feira, outubro 06, 2022

Tua fé te salvou!

(Reflexões baseadas em: II Reis 5,14-17; 2Timóteo 2,8-13; Lucas 17,11-19)




Qual é a nossa atitude, quando Deus nos concede uma graça?

O segundo livro dos Reis (II Rs 5,14-17) nos informa como agiu o estrangeiro Naamã.

Enfermo, pediu ajuda ao profeta Eliseu. Foi atendido em sua necessidade: a cura de uma enfermidade. Agradecido, voltou ao homem de Deus dizendo que, estando curado,pretendia presenteá-lo em agradecimento a Deus pelo dom da cura.

Evidentemente o profeta recusou os presentes, afirmando que a ação libertadora é de Deus e não de seu profeta. E essa ação salvadora depende da fé e da vontade de se entregar ao plano de Deus. Mesmo que inicialmente estivesse em dúvida, o estrangeiro faz um ato de fé: “Agora estou convencido de que não há outro Deus em toda a terra, senão o que há em Israel! Por favor, aceita um presente de mim, teu servo”. Valorizando o ato de fé do estrangeiro, o profeta reusa os presentes. “Pela vida do Senhor, a quem sirvo, nada aceitarei” (2 Rs 5,15-16).

O Deus de Israel, atende à necessidade de um estrangeiro. E este rende graças ao Senhor. Recebeu a graça e ficou agradecido! “Pois teu servo já não oferecerá holocausto ou sacrifício a outros deuses, mas somente ao Senhor” (2 Rs 5,17). O ato de fé manifesta-se em gestos de fidelidade. Impede que se preste culto a outros deuses, pois um só é o Senhor.

Além disso o dom de Deus é gratuito. É diferente do que fazem muitos dos que alardeiam sua boas obras. O bem realizado em favor de outro, se não for gratuito e desinteressado, não vem de Deus. Quando alguém cobra retribuição em bens ou aplausos, não age em nome de Deus!

Mas por ouro lado, como reagimos quando Deus nos concede uma graça?

A narrativa de Lucas (Lc 17,11-19) mostra algo semelhante ao episódio de Naamã e Eliseu. Dez leprosos pediram ajuda e foram curados, mas apenas um estrangeiro voltou até Jesus agradecendo o dom do corpo purificado da enfermidade.

Todos haviam gritado: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 17,13). E todos receberam a mesma resposta de Jesus: apresentem-se aos sacerdotes! E eles foram. Foram e ficaram curados… e desapareceram da cena… apenas um, estrangeiro, voltou para agradecer.

A ação de Jesus foi gratuita. Mas percebeu, em relação aos enfermos, foi que a gratuidade do dom nem sempre produz uma igual atitude de agradecimento. Por isso faz o questionamento: “Não foram dez os curados? E os outro nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” (Lc 17,17-18).

Evidentemente nem Jesus nem o Pai precisam da gratidão humana para dispensar as graças que as pessoas recebem. Mas o Senhor espera que o ser humano agraciado, também seja um distribuidor de graças. Para isso tem que desenvolver a capacidade de agradecer. Não tem como as pessoas serem portadoras da graça divina se são se fazem pessoas agradecidas. E somente o estrangeiro foi capaz dese gesto…

Nunca é demais recordar que para a fé judaica o estrangeiro não faz parte do povo de Deus nem participa de sua promessa. E aqui temos dois estrangeiros, Naamã e esse samaritano: ambos retornam àquele que lhes concedeu a graça da cura para agradecer. Onde estão os outros? Onde estaríamos nós?

Por isso, podemos indagar: como reagimos quando Deus no concede uma graça?

Tudo isso nos leva a Paulo e Timóteo (2Timóteo 2,8-13). O apóstolo não difundiu o cristianismo entre seus concidadãos judeus, mas dirigiu-se às nações estrangeiras. Para isso, toma como discípulo o filho de uma judia e de um estrangeiro grego: Timóteo.

Oque moveu Paulo a afastar-se dos Judeus fazendo-se auxiliar pelo filho de um estrangeiro? Entre outros motivos o fato que Jesus, embora tenha se dirigido aos judeus, trouxe uma mensagem universal. Além disso, os judeus rejeitaram a Jesus. O apóstolo percebeu que entre os estrangeiros, havia mais retribuição de fé. Havia mais adesão à proposta de Jesus. Havia menos agressão e perseguição à mensagem salvadora. Mesmo assim, os judeus o perseguiram, fizeram com que fosse preso. É da prisão que exorta o discípulo com seu exemplo de firmeza na fé. “Estou sofrendo até às algemas, como se eu fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada” (2Tm 2,9).

Tudo isso nos leva a perceber que nos dias atuais é a nós que Jesus lança a indagação: Onde estão os outros para quem realizei prodígios? Daí a indagação que devemos nos fazer:estamos entre aqueles que desapareceram da cena ou a nós Jesus vai dizer: “Levanta-te! tua fé te salvou!”

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, setembro 29, 2022

O justo viverá pela fé

(Reflexões baseadas em: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2 Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10)




As pessoas justas e sensatas, dos dias atuais lançam a Deus o mesmo grito de indignação, do profeta Habacuc (1,2-3; 2,2-4). Com certeza, as pessoas justas e sensatas, ao se depararam com os desmandos na política; a injusta distribuição de rendas; as condições impostas ao trabalhador, às mulheres agredidas; ao verem a falta de perspectivas de futuro para a infância marginalizada… bradam a Deus: até quando o pobre será vitima da ganância?

Esse foi o grito do profeta: “Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,3). O profeta lança esse brado em busca de uma resposta de Deus.

Por qual motivo o profeta está assim preocupado, em busca de uma resposta de Deus?

Porque ele vê, como nós vemos hoje, a maldade humana se impondo sobre a vida sofrida dos pobres, dos marginalizados, dos sem casa, sem comida, desempregados, sem assistência de saúde, abandonados pelo poder público. Vê a maldade humana crescendo, mas não vê aquelas pessoas que se dizem crentes combatendo essa maldade. Pelo contrário, as vê coniventes com os poderosos da terra. Por isso o profeta interpela a Deus: “Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres?”

E Deus responde!

Mas, antes e pensando bem, podemos notar que a consequência do crescimento da maldade humana, impondo-se sobre o pobres da terra, que são os santos de Deus, tendem a se deixar abater pelo desânimo. Por isso é que vamos encontrar Paulo exortando Timóteo (2Tm 1,6-8.13-14) a não deixar que se extinga a chama do Espírito de Fortaleza.O apóstolo insiste: “Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (2Tm 1,7).

Hoje, certamente diria: É preciso que o crente se apoie na força do Espírito para não cair no desânimo. É preciso alimentar o amor para que a marginalização não se amplie. É preciso ser solidário para não compactuar com o acúmulo de bens que gera exclusão social, econômica, humana, pois o que Deus ama não são os bens nem as aparência que a riqueza pode comprar, mas o amor solidário que impulsiona a coragem de lutar pelo bem estar das pessoas. Só assim, diz o apóstolo, será possível “reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1,6).

Mas como reavivar a chama do dom do amor de Deus em nós?

Pedindo que Deus nos conceda um dom a mais: o dom da fé! (Lc 17,5-10). Mas não se trata de uma fé vazia, na forma de grandes, longas e fervorosas orações, mas vazias de ação. Trata-se de uma fé que gera resultados,como ensinou Jesus: Uma fé que não se mede pelo volume de preces repetidas, de orações gritadas ao vento; nem pelos joelho inchados e garganta seca por horas de penitência e jejum… mas uma fé que se expressa em ações em favor de quem precisa. Uma fé que mobiliza o crente a promover as transformações e revoluções que a sociedade precisa.

Portanto, se nossa fé não produz resultados na meio social em que vivemos, é porque não atingiu os moldes ensinados por Jesus “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6).

Vale dizer que Jesus não está falando de forma alegórica. Ele, realmente, dá uma lição em resposta à indagação dos discípulos: “Aumenta nossa fé” (Lc 17,5).

Os discípulos eram pessoas de fé. Mas duma fé que ainda se concentrava nas preces infrutíferas. Naquele palavreado de quem não tem compromisso com o meio social. Ou, quando se envolvia com uma ação, a executava não em favor de quem precisava, mas em busca do aplauso. Por isso Jesus, ao falar da intensidade da fé, também insiste no sentido da gratuidade do serviço: “fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Ou seja, nada foi feito pelo aplauso, mas porque isso era a única coisa a ser feita. Nisso se manifesta a fé.

A ausência de fé e de ações transformadoras levam ao grito do profeta: “Até quando?” E trazem a resposta do Senhor, dizendo para anotar e transmitir a visão que diz: tudo tem “prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, setembro 22, 2022

Tu que és um homem de Deus

(Reflexões baseadas em: Amós 6,1-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31)




Muito interessante e chamam nossa atenção as recomendações de Paulo ao companheiro Timóteo (1Tm 6,11-16). Não menos interessante são as palavras do profeta Amós (Am 6,1-7), aos ricaços de Sião. O mesmo se pode dizer a respeito da situação do pobre Lázaro e o homem rico, além da cena diante do pai Abraão, no texto de Lucas (Lc 16,19-31).

O que há de interessante e em comum nestas leituras?

A constância de um alerta contra: o mau uso dos bens terrestres, o desprezo aos marginalizados, a falta de integridade na marcha para Deus; contra aqueles que não se compadecem do sofrimento das pessoas e a indiferença ao plano de Deus…. “Ai de vós que viveis despreocupadamente” (Am 6,1), diz o profeta; “Foge das coisas perversas” (1Tm 6,11), recomenda Paulo. Mas é de Jesus que vem a afirmação mais radical, alertando aqueles que não se preocupam com a condição de vida dos que sofrem: “Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,31).

E o que isso tem a ver conosco? alguém pode perguntar.

Tem tudo a ver! Tem o fato de que as palavras bíblicas não são literatura para nossas horas de lazer, nem foram produzidas apenas para retratar estranhos costumes de povos antigos. Pelo contrário, são palavras de vida.

São radicais as palavras do profeta. Demonstram a ira de quem vê a injustiça, conhece o opressor e, justamente por isso, faz o alerta: “Aí de vós!”Aí dos que comem, bebem e dormem, sem se preocupar com as estruturas que produzem as dores e sofrimentos do povo. Aí dos que são alheios às necessidades dos excluídos e estão “comendo cordeiros do rebanho”, enquanto “bebem canecões de vinho” e tranquilamente “dormem em camas de marfim”. Aí dos que não se preocupam com o dia a dia sofrido do povo, “não se preocupam com o sofrimento de José” (Am 6,4-6)…. Todos estão condenados: irão acorrentados para o desterro. Ou seja, serão afastados da suntuosidade que lhes dá prazer e do convívio com Deus.

Como evitar a perdição? É a pergunta de quem deseja a paz, a justiça a equidade… de quem deseja se converter ao projeto de Deus… e depois de tudo herdar a vida plena e eterna.

A resposta vem de Paulo. Quem não quer a perdição eterna deve seguir as orientações que o apóstolo dá a Timóteo: “Foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé” (1Tm 6,11-12).

Essa postura deve ser mantida até que aconteça a “manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo”.Diz Paulo a Timóteo, na função de líder de uma comunidade: Para ser digno da recompensa definitiva, “guarda o teu mandato íntegro e sem mancha” (1 Tm 6,14).

E hoje podemos dizer que essas mesmas recomendações do apóstolo valem para nós e nossas lideranças religiosas e políticas: mantenha íntegro o teu mandato! E, poderíamos dizer mais: promova a equidade!

Mas, pode-se perguntar, qual a consequência de não promovermos uma revolução nas relações humanas, nas relações de poder, nas relações econômicas…?

As consequências nos são apresentadas nas palavras de Jesus:

O sofrimento, constante, na vida dos marginalizados;o sofrimento dos pobres provocado pela concentração das riquezas; a fome e o abandono produzido pelos que pensam só em si e em suas riquezas… são situações, provocadas pela vontade dos que desejam sempre acumular mais, provocadas pelos que acumulam riquezas que ultrapassam as necessidades pessoais e familiares. E tudo isso gera, de um lado a condição do marginalizado, representado pelo “pobre Lazaro” e do outro, a existência do “homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas” e não partilhava com o sofredor (Lc 16,19-20).

A consequência é que ambos se encontrarão com a morte. Na outra vida o “pobre Lázaro” terá uma boa recompensa: “os anjos levaram-no para junto de Abraão”. Mas por seu lado o homem rico foi para a “região dos mortos, no meio dos tormentos”(Lc 16,22-23).

E o fato é que: há um abismo intransponível entre ambos; ambos ganharam a recompensa pela condução de suas vidas e isso se refletiu no pós vida; ambos levaram o que construíram ao longo de seus dias na terra. E nós podemos escolher, ser como o homem rico mantendo as estruturas de sofrimento ou promovermos condições para que as pessoas melhorem suas vidas aqui e agora.

Resta saber se aquilo que levarmos permitirá que Deus diga a nosso respeito: “ai de vós” ou se dirá : “Tu que és um homem de Deus” vai para junto do Pai.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 16, 2022

Preces e orações sem ira e sem discussões.

(Reflexões baseadas em: Amós 8,4-7; 1 Tm 2,1-8; Lucas 16,1-13)




Até parece que as palavras do apóstolo Paulo (1 Tm 2,1-8) foram escritas especialmente em resposta ao que acontece nos dias que nos cabe viver: o alerta sobre a importância da oração e a necessidade de superar os atritos para evitar as discussões.

Mas não só em relação aos dias atuais! Vai além!

Ao longo dos dois mil anos de cristianismo os seguidores do Senhor tiveram que enfrentar sérias provações:as perseguições aos santos de Deus e as heresias estiveram a serviço do anticristo ao longo do tempo… e deram muitos frutos contra o Reino!

As maledicências dos ímpios só não deram mais frutos porque o Senhor deseja que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2,4). Justamente por que deseja a salvação de todos é que nos orienta a orar pelas pessoas que agem como víboras: os que “governam e por todos que ocupam altos cargos”. Talvez pela nossa oração, eles se convertam e então poderemos “levar uma vida tranquila e serena, com toda piedade e dignidade” (1 Tm 2,2).

Retrocedendo um pouco mais, veremos que os profetas também faziam o mesmo alerta do apóstolo: a maldade humana tende a se impor sobre as pessoas. Como o profeta Amós (8,4-7) condenando a atitude dos ricos, causando o sofrimento dos “pobres da terra”.

Na realidade todo o discurso do profeta é um alerta contra “vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra” (Am 8,4).São eles que promovem muitas fraudes a fim de lesar os pobres e os humildes. Nem dormem direito esperando o dia amanhecer “para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias”(Am 8,5-6).

Assim como o apóstolo, Amós faz um alerta, dizendo que por causa de sua ambição, de sua maldade, de sua ganância… “Por causa da soberba”, esses que geram o sofrimento do povo estão a caminho de serem apartados do Rebanho do Senhor. Pois assim “jurou o Senhor: ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram’” (Am 8,7).

Portanto, não é de hoje que a situação se impõe. Não é só nos dias de hoje que os promotores da maldade tiram proveito da dor dos pequeninos. Mostra isso a ironia de Jesus elogiando os filhos das trevas (Lucas 16,1-13). Estes, “filhos do mundo”, em seus negócios escusos, são mais espertos que “os filhos da luz” (Lc 16,8) e por isso os enganam.

Em sintonia com o profeta Amós, Jesus confirma a desonestidade de muitos daqueles a quem cabe a gestão de bens e de atividades políticas: adulteram, trapaceiam, enganam a todos. Oferecem privilégios aos pobre em troca de favores pessoais. Mas não estão preocupados com o bem estar de ninguém além de si mesmos.Querem apenas tirar proveito das situações.

Bem o demonstra o Senhor Jesus, ao falar a respeito do administrador espertalhão. Ao ser desmascarado mostra sua verdadeira índole, sua predisposição para a maldade, sua capacidade para enganar. Incapaz de trabalhar honestamente, tenta ludibriar a todos e lesar o patrão: “O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’” (Lc 16,3-4). Sua preocupação era encontrar uma forma de “se dar bem” ao perder o emprego.

A postura honesta e em defesa da honestidade não é só uma coisa esperada, por imperativo ético. Do ponto de vista ético a honestidade faz parte do rol de virtudes a serem preservadas, defendidas e praticadas pelas pessoas. Entretanto, mais do que isso, a honestidade,para o cristão, é um principio de vida. Nisso consiste o ensinamento de Jesus: a fidelidade ao Reino é uma consequência da fidelidade aos princípios norteadores da vida. Isso é o que ensina Jesus ao dizer que: “Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10).

E isso nos leva ao comentário de Paulo, quando escreve ao companheiro Timóteo: cabe ao seguidor de Cristo usar sua fé para difundir os princípios do Reino: a paz é uma estratégia para a defesa da vida; a oração é um caminho para a paz. O problema é que as pessoas afastaram-se da paz, por isso deixaram de lado a oração. Portanto é urgente voltar ao caminho da oração. Não a oração pela qual se falam belas palavras ou se recitam fórmulas prontas, mas a oração que nasce das atitudes justas.

Em síntese:Tudo que não conduz à paz e à harmonia entre as pessoas não vem de Cristo. Só a adesão a Cristo e ao seu projeto de sociedade justa pode diminuir a violência: “Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões” (1Tm 2,8).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, setembro 09, 2022

Prodígio do filho pródigo

(Reflexões baseadas em: Êxodo 32,7-11.13-14; 1 Tm 1,12-17; Lucas 15,1-32)




A respeito de Jesus podemos dizer muitas coisas, mas hoje nos basta dizer que foi um sábio e ensinou sua sabedoria.

Em que consiste essa sabedoria? Em desmascarar as armadilhas do inimigo e, ao mesmo tempo, evidenciar a predileção de Deus para com os pequeninos, marginalizados, excluídos.... Como ensinou esse saber? Mostrando aos discípulos o comportamento das pessoas.

Na narrativa dos dois filhos(Lucas 15,1-32), conhecida como parábola do filho pródigo, Jesus está diante de dois grupos de pessoas.

Um grupo é formado por publicanos e pecadores. Estes procuram-no para ouvir sua mensagem de vida, esperança e perdão. “Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar (Lc 15,1). A estes falava de esperança, mostrando os caminhos do reino.

No outro temos fariseus e mestres da lei. Grupo que o persegue e critica, buscando falhas em sua prática ou discurso. Querem acusá-lo. “Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles’ ” (Lc 15,1-2).

Aqueles que o querem acusar consideram-se perfeitos, santos, os preferidos de Deus. Consideram-se escolhidos por Deus e olham para os demais como perdidos, portadores de algum pecado imperdoável. Esses que se acham escolhidos consideram os outros como um grupo que não merece as graças divinas. E por isso os marginalizam!

Aqui é que se manifesta a sabedoria de Jesus, mostrando aos oponentes seu equivoco. Para isso a comparação da ovelha e da moeda perdidas (Lc 15,4-10). Mostra que Deus acolhe quem cumpre seus preceitos. Mas Ele vibra mesmo é quando aquele que se desviou, havia se perdido, estava ausente… volta para o aconchego. Mostra o contentamento do Senhor na alegria do pastor que recupera a ovelha: Ele a carrega nos braços e “chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’” (Lc 15,6). E da mulher que encontra sua moeda. Radiante de alegria “reúne as amigas e vizinhas, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!” (Lc 15,9).

O grupo dos que perseguem Jesus apresentam o comportamento do antigo povo, recriminado pelo Senhor (Êxodo 32,7-11.13-14). Aquele grupo que abandona o Deus libertador para adorar “um bezerro de metal fundido”. Esses enganam ao povo. Em vez de mostrar a maravilhas da libertação, levam o povo a outras crenças, dizendo que essa escultura, esses deuses fabricados pela mão humana, teriam tirado o povo da escravidão: “Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!” (Ex 32,8).

Esse povo, disseminador da mentira atraiu a ira divina. Lá no deserto Moisés intercedeu por ele. Em sua trajetória, Jesus mostrou-se como caminho redentor. Mas, nos dias atuais, o deus da mentira estende suas garras, disseminando ódio, armas e notícias falsas. Dizem falar ao povo em nome de Deus, mas o que fazem é disseminar a discórdia aumentado a pobreza. Seu deus de mentira produz divisão entre as pessoas.

Olhando para esses disseminadores do mal e da violência podemos entender a parábola dos dois filhos (Lc 15, 11-32). O que partiu, provocou dor. Sofreu e fez sofrer, mas voltou. Reconheceu que a casa do Pai é o melhor lugar. “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome” (Lc 15,17). Por isso voltou e foi perdoado.

Mas o que ficou não deu valor a tudo que o Pai lhe oferecia cotidianamente. Este é o verdadeiro pecador: tendo tudo não reconhece os dons de Deus. Ofende-se com a graça divina concedida a outros. “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29).

Mostrando essa ingratidão (nunca me deste um cabrito) o pai argumenta: você está sendo ingrato e não está dando valor ao que sempre te dei. “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado”(Lc 15, 31-32).

O apóstolo Paulo age como o filho que partiu (1 Tm 1,12-17). Confessa-se pecador e reconhece Jesus como salvador: “Encontrei misericórdia, porque agia com a ignorância de quem não tem fé” (1 Tm 1,13). Ao encontrar Cristo, muda a perspectiva, reconhece: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E eu sou o primeiro deles!” ( 1 Tm 1,15).

Quanto a nós, resta saber: estamos no grupo dos disseminadores do mal, ao lado dos mestres da lei e fariseus; ou fazemos parte do grupo que pode até errar, mas quer ouvir o convite de Cristo. Somos como o filho que partiu e voltou arrependido ou somos o prodígio de um filho pródigo que não reconhece a graça recebida?







Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 02, 2022

Conhecer os desígnios de Deus

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33)




O livro da Sabedoria (9,13-18) nos coloca diante desta indagação que é vital: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” Essa indagação nos leva a uma questão inversa: Quais os planos de Deus a nosso respeito? Em relação ao nosso futuro? O que Deus está planejando para nossa vida? E, em resposta a tudo isso, o que nós estamos planejando para responder aos desígnios do Senhor, a nosso respeito?

O fato é que não temos uma resposta! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões incertas”,diz a Sabedoria (Sb 9,14).

Apesar disso e mesmo assim ao ser humano cabe manter-se numa atitude de busca pela vontade de Deus. Procurar em sua Palavra Santa pistas que apontem o caminho a respeito dos planos divinos. E isso é sabedoria, ou, pelo menos, nisso consiste o processo de busca. Aliás isso nos ensinaram todos os filósofos, ao longo da história.

Como pessoas situadas em seu tempo e em seu lugar social,os pensadores nos ensinaram que ao ser humano cabe a busca, não a posse da sabedoria. Além disso, é uma atitude sábia a de quem se mantém buscando, pois quem busca pode encontrar; enquanto aquele que se acomoda está condenado, não só à ignorância, mas também a caminhar às cegas, sem possibilidade de alcançar os desígnios divinos para melhor viver a vida.

E tudo isso por uma só razão: os desígnios do Senhor são dons da Sabedoria divina, concedidos àqueles que, pela gratuidade da Sabedoria, recebem o dom da salvação.

Assim voltamos à indagação: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” (Sb 9,13). A resposta vem da própria Sabedoria: somente aquele que recebe de Deus esse dom. “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu Santo Espírito?” (Sb 9,17).

O desejo de cumprir o plano de Deus levou o apóstolo Paulo a dedicar sua vida à pregação da mensagem de Jesus. Em razão disso teve muitas alegrias, mas também muito sofrimento e, devido à sua pregação, foi aprisionado. Mesmo assim não deixou de se fazer discípulo da vontade divina e se manteve na busca dos desígnios divinos.

É como prisioneiro que vamos encontrá-lo escrevendo ao amigo Filêmon (9b-10.12-17) enviando de volta Onésimo, seu companheiro de prisão. A sabedoria divina, concedida ao apóstolo lhe permitiu ver que ali estava não mais um escravo, mas um irmão. E na condição de irmão é que envia ao irmão Filêmon, um novo irmão, Onésimo.

O que permitiu a Paulo perceber um irmão, nesse companheiro de prisão? Não foi apenas sua conversão, mas o fato de perceber que sua conversão se deu por dom e vontade de Deus que usou essa situação para manifestar sua graça. Como a nos dizer que só a graça de Deus em nós nos permite ver nas pessoas que nos circundam a imagem de Deus, reconhecendo-os como irmãos na mesma caminhada.

Esse mesmo desígnio divino, a Sabedoria do Espírito, levou Paulo a explicar a Filêmon,a respeito de Onésimo: “Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor (Fm 15-16)”.

Tendo isso presente e ouvindo as palavras do Mestre somos levados a dizer que mesmo seguindo Jesus as multidões não estavam entendendo o apelo dos desígnios de Deus (Lucas 14,25-33). Por que dizemos isso? Por causa das palavras de Jesus, afirmando a necessidade de desapego e de assumir a própria cruz.

Mas, que significa isso? Significa que as pessoas, de antigamente e de hoje, tendem a confiar mais nos seus parentes e amigos que em Deus. Que as pessoas, de antigamente e de hoje, pensam que seus problemas são insolúveis e os únicos que existem.Que as pessoas não confiam na providência divina e não se solidarizam com as dificuldades dos irmãos.

Ou seja, não é necessário ser indiferente aos familiares nem se fazer de vítima o tempo todo. É necessário entender que em todas as situações Deus sabe o que faz. A vontade de Deus não está na família, nos problemas, ou nos planos e sonhos mirabolantes que carregamos.

Os desígnios de Deus podem ser percebidos quando entregamos ao Espírito de Sabedoria a condução de nossa vida. “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).

Como conhecer os desígnios de Deus? Deixando que por seu Espírito de Vida, Jesus conduza nosso destino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, agosto 26, 2022

O absurdo lugar do humilde

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14)




As coisas de Deus parecem absurdas.

Dizendo melhor, as coisas de Deus, aos olhos humanos, são absurdas. Por isso são divinas! Caso contrário seriam apenas coisas humanas. Mas, então, em que consiste o absurdo das coisas de Deus? Por que são absurdas?

Para entender isso, olhemos para o livro do Eclesiástico (3,19-21.30-31). Em relação aos valores do nosso mundo sem juízo, é uma loucura convidar alguém a viver a humildade. Entretanto, o Eclesiástico, afirma a necessidade de realizar tudo com base na mansidão (Ecle 3,19), com base na humildade (Eclo 3,20). E isso porque “para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele” (Eclo, 3,30). Ou seja o orgulhoso, aquele que quer “se mostrar”, tentando se sobrepor aos demais, numa postura oposta à humildade, age dessa forma porque nele existe uma raiz de pecado.

Então o que resta ao ser humano? Viver na simplicidade e buscar a sabedoria, que é um dom de Deus. “O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31).

Aos olhos de Deus o que conta não são as aparências, nem as coisas que se tem, nem a ostentação, nem as posturas do orgulhoso.

O que conta, aos olhos de Deus,são as atitudes. E a melhor atitude é a humildade. O oposto disso, nos sugere a carta aos Hebreus (12,18-19.22-24), é “escuridão, trevas e tempestade”. Mas o coração humilde conduz à “cidade do Deus vivo”; conduz à “assembleia dos primogênitos”. A atitude humilde conduz àquele que fez de sua vida um caminho de humildade, o “mediador da nova aliança”, ou seja ao próprio Jesus Cristo.

Mas, então o que vem a ser humildade?

Tem a ver com a capacidade de se reconhecer e se assumir com as qualidades e defeitos que se tem, sem querer ser mais nem menos do que aquilo que se é. É uma palavra derivada do latim, humus, que significa chão, a base a partir de onde se edificam as coisas ou de onde crescem as plantas. A humildade tem a ver com o próprio Jesus, como ensina o apóstolo Paulo (Fl 2,6-8), ao dizer que Jesus se “esvaziou” de sua condição divina para assumir a condição humana.

O humilde não é aquele que se deixa minimizar, que aceita ser humilhado, pisado. Pelo contrário. O humilde é aquele que assume seu espaço, seu papel, sua condição de base; que se coloca como o chão a partir de onde se podem construir os demais valores. Nisso reside sua força

Nas palavra de Lucas (14,1.7-14) é isso que ensina Jesus na parábola do convite.

Ao perceber que as pessoas queriam se destacar no grupo de convidados, contou a parábola, dizendo que não é conveniente, ao chegar em uma festa, ocupar os primeiros bancos, os lugares de destaque. Pois pode ser que esse espaço tenha sido reservado para convidados especiais. E, se isso ocorrer, imagina o “mico”tendo que se levantar e ir ocupar um lugar lá nos fundos?… “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: 'Dá o lugar a ele'. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar” (Lc 12,8-9).

Essa não é a postura nem a posição do humilde. Pelo contrário. Essa é uma situação humilhante, na qual aquele que não é humilde é obrigado, por outros, a deixar a postura ostensiva e colocar-se em seu lugar, pois estava tentando usurpar o que não era o seu.

Nessa parábola Jesus ensina qual deve ser a postura daquele que é humilde, que sabe qual é sua posição. É a postura daquele que não busca ostentação nem quer se mostrar acima dos demais. Sabe qual é o seu chão e, por isso, não busca mais do que sabe merecer. Mas também sabe que pode ser destacado por ser o que é. E, novamente, é a palavra de Jesus quem nos explica isso: “Quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: 'Amigo, vem mais para cima'. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 12,10).

E isso nos leva à indagação: qual é o lugar da pessoa humilde?

Seu lugar, como diz o Eclesiástico é o do homem inteligente pois ele “reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31). Seu lugar, ensina Jesus, é o daquele que, ao dar uma festa não convida quem lhe pode retribuir. Pelo contrário convida os pobre e marginalizados, aqueles que não tem como retribuir. Fazendo isso, diz Jesus, “tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14).

Como se vê, as coisas de Deus parecem absurdas!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, agosto 18, 2022

Uma mulher vestida de sol

(Reflexões baseadas em: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1 Coríntios15,20-27a; Lucas 1,39-56)




Uma mulher vestida de sol (Mulher especial, brilhante, portadora da luz) está para dar a luz um filho que vem para realizar a salvação, da parte de Deus. Entretanto um dragão pretende lhe devorar o filho. Esta cena do apocalipse (11,19a; 12,1.3-6a.10ab) apresenta-se como uma tragédia. E, de fato, não dá para negar a tragédia em andamento.

A tragédia só são se concretiza porque “a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). O Deus da vida tomou a defesa da mulher e de seu filho.

Quem é essa “mulher vestida de sol”? Quem é essa criança, protegida por Deus?

Trata-se, inicialmente, de uma recordação da experiência de Maria, a mãe de Jesus, quando precisou fugir para o deserto e se refugiar no Egito, a fim de proteger o menino Jesus, recém nascido. Maria, mãe de Deus, protege seu filho e é protegida pelo Senhor. E isso ocorre porque o Senhor, que se encarnou a fim de nos mostrar o caminho do Reino, precisou crescer entre nós, provando das nossas dores.

Mas também representa a Igreja, sofrendo perseguições, ao longo dos dois mil anos de história do cristianismo.

A Igreja (entendendo as diferentes denominações cristãs) nos dias atuais, sofre com as agressões e ameaças dos monstros/dragões que são sedentos de dinheiro e poder; que ostentam o poder das armas, da corrupção, da mentira; que estão disfarçados de bons meninos e cidadãos de bem, escondidos na política, nos púlpitos das igrejas, na venda de milagres, no discurso da violência; que veneram o deus poder e riqueza, sugando a vida e os direitos dos trabalhadores, atirados aos braços da miséria. Esse monstro, o dragão dos dias atuais, do meio da lama, quer devorar os filhos da Igreja, os santos de Deus, ameaçados pelo poder do mal que cresce e seduz. É o poder de morte querendo ser maior que o Deus da vida

Mas a mulher vestida de Sol, salva pelo poder de Deus, lança um brado de esperança. Diz à criança/Igreja ameaçada: Esse momento de provação é um tempo em que se purificam e se separam aqueles que são de Deus e os que pertencem ao dragão do mal: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo” (Ap 12,10), pois o tempo está próximo.

Sabemos disso porque o apóstolo nos ensina (1Cor 15,20-27). Interpretando os sinais de seu tempo, Paulo demonstra que, da mesma forma que Cristo superou as dores e a morte “como primícias dos que morreram” (1Cor 15,20) assim também os que são de Cristo. Haverá um tempo de provação e “a seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força” (1Cor 15,24).

Os poderes da morte tentam se sobrepor ao dom da vida, ministrado pela Igreja (diferentes denominações cristãs). Os poderes de morte se infiltram entre as pessoas, seduzidas pelo adoradores da discórdia e violência; das armas e da mentira. Mas o poder da morte será destruído: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,26).

Nestas alturas vamos ouvir Maria, mãe de Jesus (Lc 1,39-56): primeiro ela dirige-se a Isabel, sua prima; mas também fala a nós que seguimos as palavras de seu filho.

Isabel recebe Maria, a mãe de Jesus, como aquela que mereceu a bênção de Deus e a chama de bendita por dois motivos: porque se fez mãe do portador da benção divina e porque acreditou que “será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,42.45). Maria assume a predileção divina e seu papel como colaboradora no plano da salvação.

Maria, a mulher vestida de sol, modelo de Igreja, assume e explicita o momento da separação entre os preferidos de Deus e aqueles que provocam as dores do povo: afirma que Deus é misericordioso, mas também mostra a força de seu braço para dispersar os promotores de maldade; destrói os poderes de morte e os ricos que os apoiam; tem um amor especial para com os sofredores e famintos. “O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,49-53).

Nestas alturas podemos nos indagar: como está nossa relação com a mulher vestida de sol? Estamos aderindo às propostas de seu filho, que foi salvo do dragão ou estamos nos deixando seduzir pelo monstro promotor da morte?

Que a luz dessa mulher luminosa nos ajude a perceber e seguir o Cristo da luz e da vida, recusando os poderes de morte; que a mulher esplendorosa nos ensine a perceber que o caminho da vida se constrói com atitudes de paz!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, agosto 11, 2022

Fogo sobre a terra

(Reflexões baseadas em: Jeremias 38,4-6.8-10; Hebreus 12,1-4; Lucas Lucas 12,49-53)




Quem seriam os homens que procuraram o rei a fim de solicitar a morte do profeta Jeremias (38,4-6.8-10)?

É claro que a bíblia não registrou seus nomes. Não mereceram essa honra! Mas eles, certamente se apresentavam ao rei como homens de bem. Cidadãos de bem. Assíduos frequentadores do templo… E mesmo assim pediram a morte do profeta, acusando-o de falar ao povo; acusando-o de abrir os olhos do povo contra a vilania de uns tantos exploradores da boa fé das pessoas.

Não só pediram a morte do profeta, como ludibriaram o rei e lançaram Jeremias ao fundo de um poço (Jr 38,6). Na lama do fundo do poço, pois não havia água. E assim o profeta estava afundando na lama do poço enquanto a sociedade afundava na lama social...

O texto nos sugere que a sociedade toda estava afundando na lama:da corrupção, da mesquinharia, da inveja, da maledicência, da maldade, dos golpes políticos, da enganação, da mentira… e muito mais….

Podemos dizer mais, sem medo de cair me equivoco: na sociedade do tempo de Jeremias os chamados homens bons, os cidadãos de bem, aqueles que eram assíduos ao templo… na realidade eram os mais perversos moradores da cidade! Eles eram os que usavam de seu poder e prestigio social para se impor sobre o povo; indicar quem devia viver ou morrer! Da mesma forma que nos dias de hoje, aqueles que se diziam cidadãos de bem, eram os principais bandidos da sociedade: fraudando, corrompendo, extorquindo, mentindo… Quando olharmos nossa sociedade podemos ver o retrato da sociedade do tempo de Jeremias.

Mas o profeta foi salvo porque alguém de bom senso abriu os olhos do rei: “Ó rei, meu senhor, muito mal procederam esses homens em tudo o que fizeram contra o profeta Jeremias, lançando-o na cisterna para aí morrer de fome; não há mais pão na cidade” (Jr 38,9).

De que combate a carta aos hebreus (12,1-4) está falando?

Tudo indica a necessidade de uma tomada de decisão. Como se fosse um convite: aderimos ou não à proposta salvadora de Jesus.Trata-se, portanto, de uma batalha para a qual a vitória está destinada àqueles que se deixam conduzir por alguém que já venceu a morte e está vivo, sentado “à direita do trono de Deus”. Esse alguém é o próprio Cordeiro que venceu a cruz.

Somos levados a entender que ao cristão importa o empenho “com perseverança no combate que nos é proposto” (Hb 12,1). Tendo por modelo o próprio Jesus, aqueles que “suportou a cruz não se importando com a infâmia” nem com qualquer adversidade. E assim, com o sabor da vitória sobre as dores, as tristezas e, principalmente sobre a morte, Jesus “assentou-se à direita do trono de Deus” (Hb 12,2) dando-nos o modelo da esperança que conduz a uma certeza: as dores não são o fim. Haverá um depois, uma vitória, da mesma forma que ocorreu com Jeremias...

A certeza dessa vitória, acenada pela carta aos Hebreus, leva-nos a uma profunda sintonia com Jesus a fim de não nos deixarmos levar pelo desânimo: “Pensai pois naquele que enfrentou uma tal oposição por parte dos pecadores, para que não vos deixeis abater pelo desânimo” (Hb 12.3).

A certeza da vitória vai para além da esperança, pois está fundamentada na fé. Quem tem esperança, está num bom caminho, está numa caminhada; mas quem tem fé já deu o passo seguinte que consiste em realizar as obras daquele no qual acredita: a promoção da sociedade do amor.

Isso nos coloca diante das palavras de Jesus e nos leva a indagar: por que Ele afirma ter vindo trazer o fogo e não a paz (Lc 12,49-53)?

Em resposta observemos a natureza do fogo: Trata-se de um elemento que produz uma radical transformação naquilo com o que faz contato. O fogo é um elemento purificador!

Portanto, se o Senhor vem trazer o fogo, vem para promover a purificação. Se vem trazer a divisão, vem tirar a aparente paz daqueles que estão instalados nos projetos do mal. E isso que ocorre na sociedade, começa nas famílias divididas: enquanto alguns andam nas trilhas do Senhor outros preferem os caminhos da maldade, corrupção… e, outra vez, isso nos arremete àquilo que ocorreu com Jeremias… atirado na lama da sociedade que está mergulhada na lama!

E, sendo assim, observando o que ocorre em nosso mundo, somos levados não só a entender o porquê de Jesus propor o fogo purificador, mas também somos levados a pedir: vem logo, Senhor, purifica nosso mundo. Traz teu fogo e purifica nosso mundo!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, agosto 05, 2022

A importância da fé

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-19; Lucas 12,32-48)




Qual a importância da fé? Onde a fé pode nos levar?

Essa poderia ser uma das questões mais importantes a ser respondida por cada um de nós que dizemos crer em Jesus.

Mostrando essa importância o livro da Sabedoria (18,6-9) chama nossa atenção para um “pacto divino” pelo qual os justos serão salvos e separados dos “adversários”. E na base desse pacto está um ato de fé, visto que o pacto se baseia na fé.

E quem são os adversários? Aqueles que não acreditam no Deus da vida;aqueles que não aderiram ao Senhor para quem “os piedosos filhos dos bons ofereceram sacrifícios”. Portanto são adversários do Deus da vida aqueles que não têm fé no Deus que caminha junto com seu povo na sua história.

E de que pacto se está falando? O acordo pelo qual “os santos participariam solidariamente dos mesmos bens” e que tem como consequência a a salvação para os santos e a “perdição para os inimigos”. Um acordo baseado na fé… que leva a uma esperança… que se traduz numa perspectiva nova de vida e de vida nova…Um pacto de vida para a vida.

E vale a pena investir na esperança, nos diz a carta aos Hebreus (11,1-2.8-19). Vale a pena alimentar a expectativa de chegar àquilo que se almeja. Vale a pena apostar no sonho. Tudo isso vale a pena porque essa expectativa e esse sonho podem ser construídos a partir de nosso cotidiano. Não se trata de algo inatingível. Aí está a base da fé esperançosa: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem. Foi a fé que valeu aos antepassados um bom testemunho”(Hb 11,1-2).

A esperança, baseada na fé, foi o que permitiu a Abraão tornar-se o pai da fé. Abraão e todos os que o sucederam alimentaram a mesma fé, alimentaram a mesma esperança. Essa fé esperançosa abre as portas para a recompensa divina. Ou seja, o porvir se constrói a partir do cotidiano: “Eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste. Por isto, Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus. Pois preparou mesmo uma cidade para eles” (Hb 11,16). A recompensa final será no porvir, mas ela se enraíza no aqui e agora; o mundo que virá tem que ser construído com as obras do dia a dia.

É verdade que o futuro é um ponto de interrogação. É uma estrada da a qual não conhecemos o trajeto. É um caminhar sem que saibamos onde colocaremos o pé para o passo seguinte… mas é, também, o único sentido do caminhar. O único sentido do viver. O único sentido para esperar, numa espera ativa visto que está sempre em construção….

E, justamente por ser um caminhar para o desconhecido, é que se faz necessária a fé e a esperança. Todos encaminhamos para o futuro: indo com nossos próprios meios, como quem corre em direção a um abraço e para os braços de Deus, ou sendo arrastados pelas circunstancias, como quem já sabe não ter feito uma boa aposta. Por isso, o caminho para o futuro pode representar uma caminhada de medo. Mas também pode ser um ato de fé, como nos ensina Jesus (Lucas 12,32-48).

O ato de fé implica, portanto, um gesto de esperança. E a esperança leva à superação do medo. “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino” (Lc 12,32).

Assim deve ser nossa postura em relação à vida, pois a vida também é uma sucessão de escolhas: optar por seguir as trilhas da esperança, da fé, da coragem… sabendo que esse caminho por mais tortuoso e difícil, leva à vitória. Ou optando pela desesperança, pela incerteza do medo, sem confiança na vitória definitiva junto àquele que é o autor da vida, Senhor de nossos destinos e sentido de nossas vidas.

Esse é um ensinamento do próprio Senhor. Orienta-nos a nos mantermos preparados, atentos, vigilantes… pois a vida é sempre uma resposta humana a um chamado divino. E o caminho da esperança e da fé, cobra de nós a postura de quem deseja dar aquela resposta do trabalhador prudente; que estará acordado na chegada do Senhor.

Então, qual a importância da fé? Onde a fé pode nos levar?

Como não existe uma reposta final e definitiva, no caminhar humano, vale nos guiarmos pelas palavras do mestre: “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34)




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, julho 29, 2022

Tudo é vaidade

 (Reflexões baseadas em: Eclesiastes (1,2; 2,21-23); Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas (12,13-21)

 

Uma das grandes questões dos dias atuais está colocada hoje pela Palavra de Deus. Trata-se do sentido da existência e dos bens acumulados. Da mesma forma que no livro do Eclesiastes (1,2; 2,21-23) Jesus, na narrativa de Lucas (12,13-21), levanta a indagação: qual o sentido de passar a vida a acumular coisas? E essa indagação nos leva a outras: qual o sentido da vida humana? Qual o sentido da existência? O que necessitamos para viver?

O bom senso nos permite refletir sobre o sentido da vida e das coisas. Afinal, qual o sentido de passar a vida acumulando coisas se essas coisas não podem prolongar em nada a vida da pessoa. E essa reflexão nasce justamente da necessidade de resposta a esta indagação: Qual o sentido de acumular coisas, sabendo que ao partir toda a herança ficará com “outro que em nada colaborou” (Ecl. 2,21) para esse acúmulo. Algo semelhante sai da boca de Jesus, na parábola do rico acumulador: “Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?” (Lc 12,20).

O autor do livro do Eclesiastes dá uma resposta à essa indagação. Não tem sentido, pois tudo não passa de vaidade: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Mas, então, o que significa “Vaidade”? Inutilidade, futilidade, coisa vã, algo que não tem sentido em si mesmo, algo sem sentido...

Assim sendo, se tudo é vaidade, a posse dos bens também é uma vaidade. Uma vaidade que se manifesta com o nome de ganância. Mas, também em relação a isso, diz a palavra de Deus, pela boca do Filho de Deus: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). O que muito possui e o que nada tem, chegarão ao mesmo fim e nada levarão do que acumularam, apenas as obras realizadas.

A vida humana, portanto, não pode se resumir às vaidades, ou seja, às coisas inúteis, fúteis... A vida não pode se resumir ao “sem sentido” da existência. E o sentido da existência não pode ser confundida com o acúmulo de bens... tanto isso é verdade que a ganância não cessa e por mais que alguém possua, sempre deseja ter mais e faz de sua vida um tormento em busca dos bens que não lhe acrescentarão sequer um segundo à sua linha da vida! E, o que é pior, ao final da vida, tudo que foi acumulado, fica para ser desfrutado... ou desperdiçado, por outros...

Qual é, então, o sentido das coisas? Se perguntarmos a um aleijado qual o sentido de sua muleta ou sua cadeira de rodas, ele nos responderá que são instrumentos para sua locomoção. O aleijado não quer nem a muleta nem a cadeira de rodas. Ele quer a capacidade de se locomover. Essa pessoa não precisa de dez pares de muletas, nem de uma coleção de cadeiras de roda. Essa pessoa não terá maior mobilidade se sua muleta for de uma madeira simples ou de ouro... essa pessoa precisa apenas de seu ponto de apoio para se locomover... Essa é a condição humana. As coisas são as muletas e todas as que não usamos são inúteis... e, pior, podem estar faltando ao outro...

Isso posto, podemos entender as palavras de Paulo aos Colossenses (3,1-5.9-11). Nessa carta o apóstolo propõe uma ressignificação de tudo. Apresenta um sentido para o trabalho e para as coisas que se podem conseguir como fruto do trabalho. Diz o apóstolo: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Col 3,1-2).

Agora podemos retomar a indagação: qual o sentido da vida? Das coisas? Do trabalho? Qual o sentido da existência? O apóstolo dá a resposta. Nada tem sentido em si mesmo. As coisas e a vida e a existência somente têm sentido a partir da opção por Jesus. Ele é o sentido de tudo e sem ele nada do que existe tem sentido.

Não adianta ter coisas, se essas coisas não são usadas a partir do critério de Cristo. As coisas ou a vida, se não estiverem pautadas a partir de Jesus, o Cristo de Deus, podem até alegrar alguma vida, mas não conduzem à Vida Plena. “Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória” (Col 3,3-4) ... levando não as coisas, mas as obras! Pois as coisas estão no círculo das vaidades... resta saber como assinalamos nossas obras.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

 

quinta-feira, julho 21, 2022

Ensina-nos a rezar

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13)

 

Imagino que com você ocorre o mesmo que acontece comigo: ao ler ou ouvir referências a Sodoma e Gomorra, vem à mente a destruição de uma cidade pecaminosa. Creio que poucas vezes as pessoas se recordam da intervenção de Abraão, em defesa da cidade (Gênesis 18,20-32). Poucas vezes as pessoas se dão conta de que o Senhor atende às solicitações de Abraão que apela para a clemência do Senhor em favor dos moradores daquela cidade.

A clemência do Senhor é, também, o tema de Paulo, escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos, conforme lemos na carta a essa comunidade (Col 2,12-14). E o apóstolo ensina que apesar dos pecados se avolumando na vida de muitas pessoas, a doação de Jesus e seu sangue vertido na cruz, lavou todos os pecados de todas as pessoas e, graças a isso, a humanidade que estava mergulhada nos sinais de morte pode se reencaminhar na direção de uma nova vida na companhia do Cristo Ressuscitado.

Isso nos coloca diante de Jesus, sendo interpelado por alguém, querendo aprender a orar (Lucas 11,1-13). E Jesus ensina a orar. Ensina, como sempre, apresentando uma novidade: desta vez a novidade consiste em mostrar uma nova face de Deus. Mostrar a proximidade de um Deus que, não só caminha com quem O procura, mas que estende a mão como um Pai ao socorrer as necessidades do filho carente. Um pai que ouve o clamor de seu filho que lhe pede a solução de um problema, o encaminhamento diante de um desafio, o socorro numa necessidade.

Essa nova face do Deus Conosco, nos permite entender que não mais necessitamos de alguém para interceder por nós, como o fizera Abraão, em favor da cidade do pecado. Olhando a lição de oração de Jesus, podemos nos dirigir diretamente ao Pai. A Ele podemos apresentar nossas necessidades, nossas angústias, nossos desejos, nossas dores, nossas alegrias, nossa súplica e nossa gratidão. Podemos rezar pelo pão e pelo perdão; pela instalação do Reino e para sermos capazes de superar as tentações. E podemos tudo isso porque agora sabemos que temos um Deus que é Pai. Que é um Pai Nosso.

Alguém poderia dizer que agora a relação com Deus depende unicamente do orante em sintonia com o Pai. Isso porque Jesus também disse que no momento de oração a pessoa deve se colocar no isolamento do seu quarto (Mt 6,6), para ser atendido pelo Senhor que conhece as necessidades daquele que suplica.

Isso, entretanto, não invalida a importância da Igreja, a comunidade orante, pois Jesus a instituiu e a edificou sobre o alicerce de Pedro (“sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, Mt 16,18). E disse que permaneceria com a Igreja santificada pelo Espírito de Vida. E, principalmente, garantiu sua presença na união de dois ou mais que estejam unidos em seu nome e em oração (Mt 18,20). Portanto, se por um lado podemos nos dirigir, confiantes, ao Deus Pai Nosso, também devemos fazê-lo em comunidade, como Igreja, corpo de Cristo.

Então, o que aprendemos com isso?

Aprendemos que Deus não quer a ingratidão do pecado, mas está disposto a perdoar o pecador, como assegurou a Abraão: poupar a cidade do pecado se ali houver alguém merecedor do perdão, se houver arrependimento. Aprendemos que Deus aceita dialogar com o orante, como dialogou com Abraão, o intercessor, mas para isso precisamos iniciar o diálogo. Aprendemos que Deus não quer a destruição do ingrato, mas o seu arrependimento.

Além e acima de tudo isso, aprendemos que Deus é um Pai bondoso: que tem um nome santo; que oferece seu Reino de amor; que dá o pão de cada dia, mas também quer que o distribuamos àqueles que dele têm necessidade; que perdoa o pecador arrependido, mas também deseja que as pessoas aprendam a perdoar; que as pessoas aprendam a repartir o pão, pois o que sobra na mesa de um é o que falta para todos os outro; que deseja ouvir nosso pedido para não cair na tentação e no pecado. Enfim, Jesus nos ensina que Deus, nosso Senhor, é um Pai bondoso, que concede o Espírito de Vida: “Se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

Mas, ainda precisamos temos muito a aprender. Jesus e o Pai Nosso que nos dá o Espírito de Vida, quer que aprendamos a rezar, não só suplicando graças, mas também agradecendo a graça da vida cotidiana, mesmo com seus altos e baixos. Então, como o fez o discípulo, contemplando o exemplo do Mestre, sejamos capazes de pedir: “Senhor, ensina-nos a rezar!!!”

 

Neri de Paula Carneiro.

 

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

 

Outros escritos do autor:

 

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

 

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, julho 15, 2022

Escolher a melhor parte

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42)




Talvez, nem todos entendam o que significa enfrentar o maior calor do dia, numa região desértica. Nesse momento de extremo calor foi que Abraão recebeu a visita do Senhor (Gênesis 18,1-10a).

Talvez, para quem não se solidariza com a dor do outro, seja difícil entender a postura de Paulo (Colossenses 1,24-28) oferecendo-se em favor dos irmãos.

E somente quem se coloca ao lado do Mestre pode entender o que escolher e como escolher a melhor parte (Lucas 10,38-42).

Nos tempos atuais, quando a violência é uma constante em nossa sociedade, causa estranheza a cordialidade da recepção de Abraão oferecida aos três estranhos. O fato é que ele os acolheu, ofereceu-lhes abrigo no momento em que eles necessitavam. Não lhes perguntou as intenções, nem se preocupou com mais nada. Apenas lhes ofereceu abrigo, água e alimento (Gn 18,3-5).

Não pediu nada em troca, apenas queria o bem estar daqueles estranhos viajantes.

E justamente por isso recebeu a melhor retribuição que nunca imaginava ser possível. Uma promessa: nova visita e o prêmio de uma nova vida. “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,10).O filho, sem dúvida, é a forma pela qual Deus concede ao ser humano a honra de continuar sua obra criadora! A criação divina se polonga nos filhos que geramos...

Qual foi a ação de Abraão, para merecer a retribuição dessa honra? Oferecer abrigo, água e comida a quem estava em dificuldade: o calor agressivo do deserto.

Por seu lado, Paulo, ao escrever à comunidade dos Colossenses, fala dos seus sofrimentos. As duras penas enfrentadas para ser fiel ao centro de suas pregações: “O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos” (Col 1,26). E o que Deus está revelando mediante a pregação paulina? A riqueza da glória divina, manifestada aos seus; a presença salvadora de seu Cristo; a esperança da vida gloriosa (Col 1,27).

O anúncio dessa esperança,se por um lado enche o apóstolo de alegria por estar colaborando no projeto de instalação do Reino de Deus, por outro lado cousa-lhe grandes transtornos e dores, pois seus adversários não estão para brincadeira: o aprisionam e o destinam à morte. Mas nem isso o intimida. E por isso vibra: “completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Col 1,24). Ou seja, o apóstolo é solidário com a comunidade, com a Igreja, com o projeto de salvação.

Assim como Abraão fez algo em favor daqueles que necessitavam, também Paulo. Enquanto Abraão recebe o dom de vida, continuando a obra da criação, com a vida de seu filho, Paulo recebe o dom de continuar a obra da salvação, continuando a obra do Próprio Salvador.

Talvez, com isso, o Senhor esteja querendo nos dizer: preciso de você para continuar minha obra. Talvez Deus esteja nos dizendo, enquanto o Reino não se instala, completamente, preciso de tua ajuda para continuar a obra da criação. Talvez Cristo esteja nos mostrando que depende de nossa ajuda para continuar a obra da salvação. Talvez, com isso, querendo nos dizer que a grandeza da obra divina, não está no milagre da criação nem da salvação, por serrem realizações divinas, mas são coisas grandiosas porque o Senhor Deus confiou a nós a missão de continuá-la. A missão humana, portanto, é gigantesca, pois tem a envergadura de uma obra divina.

Dessa forma podemos entender a situação das duas irmãs. Não que o trabalho de Marta, em seus afazeres cotidianos não sejam importantes(Lc 10,40). São importantes, pois é no cotidiano de nossa vida que se planta, germinam e crescem as sementes do Reino. Mas para que essas sementes sejam frutuosas é necessária a sintonia com o mestre.

Por isso Jesus afirma que só uma coisa é necessária: a sintonia com o projeto do Reino. E isso deve ser feito a partir de nosso cotidiano. Entretanto esse projeto tem que ser feito em sintonia com o Mestre. E Maria entendeu isso, por isso escolheu a melhor parte, que “não lhe será tirada” (Lc 10,42).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, julho 08, 2022

Quem é meu o próximo?

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 30,10-14; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37)




Quem está familiarizado com a leitura da Bíblia, neste caso com os evangelhos, vai entender: Jesus passou sua vida de pregador sendo tentado, testado, provado, provocado… pelos Doutores da Lei: homens conhecedores de todos os preceitos divinos, ensinados no Antigo Testamento, mas incapazes de vivenciá-los.

Esses personagens não questionavam Jesus querendo aprender com Ele nem porque o admiravam. Fazia isso porque, na sua visão, Jesus era um impostor e devia ser desmascarado. E também porque haviam se encaminhado por uma vereda que os afastava do espírito do ensinamento divino, contido nas escrituras. Sua preocupação estava na exterioridade da religião ao passo que Jesus demostra que o importante não são as aparências, mas aquilo que se vive, os motivos que leva cada um a fazer o que faz.

Tendo isso presente podemos entender a indagação que o “mestre da lei” lança a Jesus (Lc 10,25-37): “Quem é o meu próximo?”

E, diante da autoridade do mestre da lei, fala a autoridade do Filho de Deus (Colossenses 1,15-20), o Mestre da vida. E isso fez a diferença porque aquilo que Jesus ensina supervaloriza e aperfeiçoa o argumento de Moisés (Dt 30,10-14). Para seus concidadãos, Moisés ensina: “Ouve a voz do Senhor teu Deus, e observa todos os seus mandamentos e preceitos”. E o servo do Senhor explica o porquê dessa orientação. Os israelitas deveriam cumprir esse “mandamento” porque ele “não é difícil demais, nem está fora do teu alcance” (Dt 30,10-11).

A Palavra de Deus, saindo da boca de Moisés, insiste na necessidade de se cumprir os preceitos divinos: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30,14). A proposta divina, portanto, não é apenas para ser anunciada (por isso não está apenas “na boca”) mas para ser vivenciada no cotidiano. Por isso, além da boca, está no coração, ou seja, para ser executada, para que possa ser cumprida.

O problema é que os “sábios” de Israel queriam compreender a lei, mas não tinham predisposição para colocá-la em prática. Ensinavam, mas não havia compromisso com a vida cotidiana, nem com a prática concreta. Por isso o mestre da lei, pergunta ao Mestre da Vida: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”

Jesus não responde como os mestres da lei e sim como Senhor da Vida. Afinal de contas “por causa dele, foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Col 1,16).Sendo diferente dos mestres da lei a resposta de Jesus é uma pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

Como especialista, o mestre sabe o que diz a lei: amar a Deus e amar ao próximo. Mas não sabe como ler esse ensinamento. E por isso continua indagando: “quem é meu próximo?” (Lc 10,29). Jesus poderia falar que todas as pessoas com as quais se convive, são nossos próximos. Mas quis dizer de forma enfática, ensinando a vivenciar, a fazer uma experiência de amor, pois somente o amor pode mostrar quem é o próximo. E assim Jesus mostra: nem o sacerdote nem o levita atenderam à necessidade do homem que havia sido assaltado, mas apenas um desconhecido. Praticantes da religião oficial, de exterioridades e formalidades, não se fizeram próximos do necessitado. Seguiam os precitos da lei e não do amor.

Por isso, a pergunta definitiva de Jesus: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). Jesus não pergunta o que diz a lei. Quer saber como o indivíduo se posiciona: “Na tua opinião...”

O princípio da lei está claro: amar a Deus e ao próximo. Quem é o próximo? Aquele que precisa de ajuda. Quem é o próximo do necessitado….? Não são aqueles que fazem discursos sobre isto ou aquilo. Não são aqueles que apontam armas, como se a força fosse solução. Não são aqueles que vivem nos casarões e servem seus restos, como quem trata de um cão.Não são entidades políticas que defendem interesses de grandes corporações.

“Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” pergunta Jesus, Mestre da Vida. “Aquele que usou de misericórdia para com ele”, responde o mestre da lei.

Então vá e faça o mesmo, ensina Jesus (Lc 10,36-37). E a lição permanece atual. E a indagação, continua a ser feita, diariamente, a cada um de nós: quem é o próximo daquele que sofre as necessidades impostas pelos donos do poder, da lei, da riqueza…? Quem é o próximo dos excluídos…?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...