sexta-feira, julho 15, 2022

Escolher a melhor parte

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42)




Talvez, nem todos entendam o que significa enfrentar o maior calor do dia, numa região desértica. Nesse momento de extremo calor foi que Abraão recebeu a visita do Senhor (Gênesis 18,1-10a).

Talvez, para quem não se solidariza com a dor do outro, seja difícil entender a postura de Paulo (Colossenses 1,24-28) oferecendo-se em favor dos irmãos.

E somente quem se coloca ao lado do Mestre pode entender o que escolher e como escolher a melhor parte (Lucas 10,38-42).

Nos tempos atuais, quando a violência é uma constante em nossa sociedade, causa estranheza a cordialidade da recepção de Abraão oferecida aos três estranhos. O fato é que ele os acolheu, ofereceu-lhes abrigo no momento em que eles necessitavam. Não lhes perguntou as intenções, nem se preocupou com mais nada. Apenas lhes ofereceu abrigo, água e alimento (Gn 18,3-5).

Não pediu nada em troca, apenas queria o bem estar daqueles estranhos viajantes.

E justamente por isso recebeu a melhor retribuição que nunca imaginava ser possível. Uma promessa: nova visita e o prêmio de uma nova vida. “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,10).O filho, sem dúvida, é a forma pela qual Deus concede ao ser humano a honra de continuar sua obra criadora! A criação divina se polonga nos filhos que geramos...

Qual foi a ação de Abraão, para merecer a retribuição dessa honra? Oferecer abrigo, água e comida a quem estava em dificuldade: o calor agressivo do deserto.

Por seu lado, Paulo, ao escrever à comunidade dos Colossenses, fala dos seus sofrimentos. As duras penas enfrentadas para ser fiel ao centro de suas pregações: “O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos” (Col 1,26). E o que Deus está revelando mediante a pregação paulina? A riqueza da glória divina, manifestada aos seus; a presença salvadora de seu Cristo; a esperança da vida gloriosa (Col 1,27).

O anúncio dessa esperança,se por um lado enche o apóstolo de alegria por estar colaborando no projeto de instalação do Reino de Deus, por outro lado cousa-lhe grandes transtornos e dores, pois seus adversários não estão para brincadeira: o aprisionam e o destinam à morte. Mas nem isso o intimida. E por isso vibra: “completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Col 1,24). Ou seja, o apóstolo é solidário com a comunidade, com a Igreja, com o projeto de salvação.

Assim como Abraão fez algo em favor daqueles que necessitavam, também Paulo. Enquanto Abraão recebe o dom de vida, continuando a obra da criação, com a vida de seu filho, Paulo recebe o dom de continuar a obra da salvação, continuando a obra do Próprio Salvador.

Talvez, com isso, o Senhor esteja querendo nos dizer: preciso de você para continuar minha obra. Talvez Deus esteja nos dizendo, enquanto o Reino não se instala, completamente, preciso de tua ajuda para continuar a obra da criação. Talvez Cristo esteja nos mostrando que depende de nossa ajuda para continuar a obra da salvação. Talvez, com isso, querendo nos dizer que a grandeza da obra divina, não está no milagre da criação nem da salvação, por serrem realizações divinas, mas são coisas grandiosas porque o Senhor Deus confiou a nós a missão de continuá-la. A missão humana, portanto, é gigantesca, pois tem a envergadura de uma obra divina.

Dessa forma podemos entender a situação das duas irmãs. Não que o trabalho de Marta, em seus afazeres cotidianos não sejam importantes(Lc 10,40). São importantes, pois é no cotidiano de nossa vida que se planta, germinam e crescem as sementes do Reino. Mas para que essas sementes sejam frutuosas é necessária a sintonia com o mestre.

Por isso Jesus afirma que só uma coisa é necessária: a sintonia com o projeto do Reino. E isso deve ser feito a partir de nosso cotidiano. Entretanto esse projeto tem que ser feito em sintonia com o Mestre. E Maria entendeu isso, por isso escolheu a melhor parte, que “não lhe será tirada” (Lc 10,42).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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