A filosofia havia chegado a um ponto alto, com a atuação de Sócrates, Platão e Aristóteles. É natural, portanto, dizermos que na fase seguinte tenha ocorrido um relativo declínio, pois se não houve declínio a fase anterior não teria sido o cume.
Mas também não podemos negar que após esse trio de ouro seus discípulos prosseguiram suas escolas. Entretanto a conjuntura política era outra, da mesma forma que os desafios filosóficos eram diferentes. Por essa razão, no helenismo – assim se denomina este período – a filosofia procurava responder a novos problemas. Agora não mais ligados à natureza, como nos pré-socráticos; nem à explicação metafísica do homem, como nos clássicos. Os problemas agora eram referentes à vida social e os comportamentos humanos, ou seja, o problema agora era de ordem ética; principalmente para responder aos apelos de uma sociedade decadente.
A partir do século IV aC. ocorreu uma decadência político-militar da Grécia. Com o enfraquecimento de Atenas, cresce o poder macedônico. Primeiro Felipe depois Alexandre conquistam e dominam a Grécia, além de expandirem seus domínios para o oriente. Depois vieram os romanos, dominando a Europa e os reinos que formaram a Grécia e o antigo império de Alexandre. Todo esse conjunto de fatos intensificou o processo de sincretismo cultural que se denominou de Helenismo
O Helenismo
O fato é que a Grécia, tendo Atenas como centro filosófico, deixou de representar uma ponta de lança nas inovações do pensamento. Esse papel inovador coube a Alexandre e seus exércitos que, imprimiu a vitória final sobre os persas e dominou, além da Grécia e da Pérsia, o Egito e a Índia formando, com suas conquistas militares, um vastíssimo império, no qual a cultura grega estava presente. Assim, se é verdade que Alexandre não era um filósofo, suas campanhas militares foram o meio difusor da cultura grega.
No livro, “O mundo de Sofia”, J. Gaarder faz a seguinte afirmação, a respeito das origens do Helenismo. “Começa então uma época nova na história da humanidade, caracterizada pelo desenvolvimento de uma comunidade internacional em que a cultura e a língua gregas desempenham um papel dominante. Este período, que durou cerca de três séculos, é denominado “Helenismo”, termo que designa tanto um período histórico como a supremacia da cultura grega nos três grandes reinos helenísticos – a Macedônia, a Síria e o Egito”. Na verdade os exércitos de Alexandre foram além, chegaram até a Índia e, evidentemente, desses e nesses contatos ocorreram influências múltiplas e multilaterais.
Do ponto de vista político o desmoronamento da supremacia grega abre um espaço a ser preenchido. O que foi feito pelos macedônios com Alexandre na liderança.
Do ponto de vista da filosofia, a pureza e aprofundamento da filosofia clássica cedem espaço para a tendência de universalizar e expandir os horizontes geográficos e temáticos. Ocorre o que podemos chamar de sincretismo cultural ou, se quisermos, nasce uma nova cultura. O mundo grego interage com culturas, tradições e crenças, principalmente do Oriente, e disso nasce a cultura helenista.
Eis o que diz Batista Mondin, no livro Curso de Filosofia, (vol 1):
“Politicamente subjugada a Hélade conquista o mundo com a sua cultura, que encontra abertos à sua frente novos horizontes e novas vias para estenderem-se mais e, ao mesmo tempo, para enriquecer-se mais pela assimilação de novas ideias. É o fenômeno do helenismo, isto é, da universalização da língua e da cultura gregas, de sua expansão pelos países orientais (Ásia Menor, Egito, Pérsia), que os exércitos de Alexandre tinham aberto à influencia espiritual da Grécia. E Atenas já não é o único centro deste mundo intelectual; formaram-se outros focos de cultura: Pérgamo, Antioquia e, principalmente, Alexandria, no Egito.”
Podemos dizer, portanto, que o Helenismo caracteriza-se pelo sincretismo de elementos culturais provindos dos povos do oriente, conquistados por Alexandre e de sua interação com os valores e cultura gregos. Na cultura grega esse sincretismo produziu um novo mundo e uma nova concepção de mundo.
A filosofia desse período é, ao mesmo tempo, continuação dos ensinamentos de Platão e Aristóteles, mantidos pelos seus discípulos e uma reelaboração desses ensinamentos filosóficos, tendo em vista que os problemas são outros.
Trata-se de uma época em que a sociedade e os valores entraram em decadência. Consequentemente, do ponto de vista político, para ocupar o vácuo do poder grego ascenderam os macedônios que assimilam a cultura grega, com Alexandre, discípulo de Aristóteles. Mais tarde, também entra em cena o Império Romano com seu exército esmagador.
Do ponto de vista filosófico e em resposta à decadência moral em que esteve mergulhada a sociedade desse período, ocorre um sincretismo de ideias. Trata-se, portanto, de uma sociedade em que a crise de valores se havia infiltrado e, por esse motivo, diante dessas novas necessidades a filosofia se propõe a responder a novos problemas, agora de ordem ética.
O que se constata é que as preocupações da filosofia Helenista, mudam de curso. Deixam de ser centradas no homem social e político e na compreensão da natureza e do universo para se concentrar na análise dos comportamentos, ou seja, as atenções se voltam para problemas éticos. A filosofia começa a tratar não do coletivo, mas da vida interior do homem. Essa preocupação ética permaneceu durante todo o período Helenista, passou pelo Império Romano e continuou com a chegada do Cristianismo, quando começou uma nova etapa da história da filosofia.
Alexandria
Nenhuma região ou cidade rivalizou tanto com Atenas, no que se refere à produção de novos conhecimentos como a cidade de Alexandria. Não tanto pela produção filosófica, como por ter se tornado um centro “científico” catalisador dos grandes pensadores e pesquisares da época.
Alexandre fundou várias Alexandrias, nas paragens do oriente, conquistadas por seus exércitos. E a partir de todas elas difundia a cultura helênica, incrementando o mudo helenista. Entretanto a Alexandria que marcou a história ficava na costa africana do Mediterrâneo. Dessa cidade, com sua biblioteca e museu irradiava-se o helenismo, da mesma forma que atraia estudiosos e estudantes, todos, cada um ao seu modo, trazendo novidades para ampliar o sincretismo e incrementando o helenismo.
O norueguês J. Gaarder, no livro “O mundo de Sofia”, faz o seguinte comentário “A cidade de Alexandria, no Egito, tinha um papel chave como ponto de encontro do Oriente e do Ocidente. Enquanto Atenas continuava a ser a capital da filosofia, com as escolas filosóficas deixadas por Platão e Aristóteles, Alexandria tornou-se a metrópole da ciência. Com a sua grande biblioteca, esta cidade passou a ser o centro dos estudos de matemática, astronomia, biologia e medicina”.
Mas, por que essa cidade passou a ser assim tão concorrida?
Talvez porque Ptolomeu, herdando o Egito dos restos do Império de Alexandre, procurou atrair para o Egito os principais pensadores da sua época. Querendo, com isso transformar Alexandria na capital intelectual do mundo helênico. E assim cada cabeça pensante que ali se instalava dava um jeito de convidar e atrair outros parceiros.
Os italianos Giovanni REALE e Dario ANTISERI, no primeiro volume de sua monumental História da Filosofia, dão a seguinte explicação para o crescimento de Alexandria como centro cultural, dizendo que seus administradores pretendiam
“Reunir em uma grande instituição todos os livros e todos os instrumentos científicos necessários às pesquisas, de modo a fornecer, aos estudiosos, material que não pudessem encontrar em nenhum outro lugar, induzindo-os assim a irem para Alexandria. Desse modo, nasceram o ‘Museu’ (que significa: ‘instituição sagrada dedicada às musas’ protetoras das divindades intelectuais) e a ‘Biblioteca’, a ele anexa: o primeiro oferecia todo o instrumental para as pesquisas médicas, biológicas e astronômicas; a segunda oferecia toda a produção literária dos gregos”
Assim, enquanto Atenas perdia espaço e pesquisadores, a cidade de Alexandria ganhava destaque. E, quanto mais crescia, mais atraía as atenções de todos os que de alguma forma se importavam com o saber. Essa é a razão pela qual ela pode ser comparada a um caldeirão fervente, onde se misturavam as diferentes tendências e perspectivas. Dessa forma, lentamente passou a imprimir os rumos não só para a filosofia, como para as novas descobertas matemáticas, astronômicas, além de inovações médicas e geográficas. Podemos dizer que um dos mais expressivos símbolos do helenismo foi a cidade de Alexandria.
Os romanos
É verdade que os macedônicos ocuparam o vácuo deixado pelos gregos. Entretanto isso não é toda a verdade. Desde o século VIII a.C. vinha se desenvolvendo, o que no final do primeiro século antes de Cristo, passaria a ser o Império Romano. Alexandre havia conquistado um império que abrangia três continentes (Europa, África e Ásia). Mas morrendo cedo, sem descendentes, também deixou um vácuo de poder. Seus sucessores não conseguiram manter a unidade territorial. Sem grandes opositores, cresceu a capacidade de influência dos romanos. E o que não se fez pelas ideias foi feito pela espada. O fato é que o poder romano se instalou.
Roma assumiu a hegemonia militar, não só na península itálica, como no mundo grego e por quase toda a Europa e grandes extensões orientais. Roma dominou as áreas de influência grega, depois os reinos helenistas e por fim, por volta de meados do último século antes de Cristo a língua latina e padrões romanos se estendiam do estremo ocidente, na Espanha, até vastas regiões orientais, na Ásia.
E nisso se manifesta uma daquelas curiosidades da história. Roma conquistou o mundo helenístico mas, antes disso, já havia se tornado uma consumidora e difusora da cultura grega. E assim a cultura grega permaneceu em seus dominadores, em alguns costumes, na mitologia e na filosofia… que os romanos, com seu pragmatismo, latinizaram.
Vale ressaltar, entretanto, que o universo romano não foi tão decisivo para a filosofia como havia sido o mundo grego. Entretanto esse universo herdou o legado grego e dentro dele se desenvolveu o cristianismo. Levando tudo isso em consideração, não podemos deixar de considerar a cultura romana como um dos pressupostos não somente para o cristianismo como também para o mundo medieval que o sucederia.
Da mesma forma que, com Alexandre, no período romano, nas praças e nos mercados multidões se aglomeravam vindas dos mais diferentes pontos da Ásia, da África e mesmo da Europa. Nesse burburinho de comerciantes, aventureiros, soldados e outros tantos sacerdotes e filósofos, os diferentes elementos culturais afloravam e, por vezes, conflitavam. Mas todos se utilizavam cada um a seu modo, das estruturas produzidas pelo Estado Romano. Filósofos para difundir suas ideias. Sacerdotes para fazer fiéis. Mercadores para fazer fortuna. Soldados para fazer com que todos se curvassem ao poder central romano.
O fato é que graças à dominação romana, várias correntes de pensamento se instalaram. Além disso, várias personalidades romanas produziram inúmeros escritos sobre filosofia. Cícero, Sêneca, o imperador Marco Aurélio, entre outros. O Ecletismo e o Estoicismo, embora de origem grega, se instituíram como escolas tipicamente romanas
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação. Filósofo, Teólogo, Historiador
Outros escritos do autor:
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