(Reflexão a partir de: Gênesis 2,18-24; Hebreus 2,9-11; Marcos 10,2-12)
Que seria de Jesus se não fossem os fariseus?
Pode parecer piada, mas os ensinamentos de Jesus, sempre se aprofundaram na medida em que os fariseus o questionavam.
Quanto mais esse grupo de religiosos fanáticos, extremamente apegados ao tradicionalismo, queria incomodar Jesus, provocando-o, tentando fazê-lo se contradizer para apanhá-lo nalguma afirmação errônea… mais o Mestre demonstrava a radicalidade de sua mensagem: não abolir a antiga lei, mas aperfeiçoá-la. Não criar um legalismo morto, mas uma doutrina libertadora, centrada no ser humano voltado para o Deus da vida.
Desta vez o motivo da armadilha, da distorção da mensagem divina e da incompreensão dos fariseus é sua própria postura preconceituosa (Marcos 10,2-12).
Podemos até pensar que seja a mulher ou o casamento. Mas o que está em evidência, tornando-se explicitamente agressivo é o preconceito.
E os preconceitos eram muitos e sobre diferentes situações (embora a linguagem sobre preconceitos seja algo dos nossos dias, o fato é antigo!). E, neste caso, a vítima do preconceito é a mulher. Eles abordam Jesus, provocando-o: “Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher” (Mc 10,2).
A questão colocada é: o que leva o homem a querer divorciar-se de sua mulher? E por que “o homem”? Nos dias atuais a lista de motivos de separação é quase infinita. Mas pensemos: se há um pedido de divórcio é porque antes ouve um casamento. E se houve um casamento, antes ocorreu um noivado e um namoro e antes disso o encantamento que gerou todo o resto. Os dois se encantaram, acreditaram que se amavam e, com base nisso, uniram-se em casamento.
Por qual motivo levaram adiante a relação e entraram no casamento? Havia amor? Ou o casal parou no encantamento?
A base para o casamento é o amor. Todas as frases bonitas, sobre amor, dizem que ele é tolerante, comprometido, solidário, promove a alegria do outro, fica feliz com a felicidade do outro… e, principalmente, o amor é capaz de perdoar. Sofre com os problemas e desavenças, mas sabe perdoar…
Duvida?
Pergunte a esses casais que estão juntos há vinte, trinta, quarenta… anos. Todos dirão que enfrentaram muitos “tsunamis”, terremotos, tempestades… mas enfrentaram juntos e saíram mais fortes…. Por quê? Porque se amavam, enfrentaram e superaram juntos. Saíram machucados, mas curaram as feridas juntos… E saíram mais fortes porque sua relação baseia-se no amor!
O amor cresce com a convivência. Por isso Deus diz “Não é bom que o homem esteja só” (Gn2,18). É preciso uma companhia para que haja amor. Se o casamento acabou é porque, desde o início, não existia amor. O casal se une, mas já está divorciado. Estão juntos, mas cada um quer satisfazer primeiro seus interesses pessoais. Estão juntos, mas não crescem juntos. Se no casamento não há amor, passa a ser uma sociedade; e pode ser encerrada a qualquer momento. Se existe amor, ocorre projeto comum, cada um se realiza na medida em que o outro também se realiza. A realização de um depende da realização do outro...
Entretanto, a visão preconceituosa, sem amor, quer achar um culpado pelos problemas do casamento, ou da sociedade. Daí a postura dos fariseus e de todos aqueles que são incapazes de amar. E aí entra o divórcio. Aliás a etimologia dessa palavra explica seu significado: andar caminhos diferentes.
Uma vez que amar é caminhar junto, olhando para a mesma direção, a ausência de amor, produz a atitude preconceituosa, que busca num outro o “culpado” pelos problemas; e, pelo divórcio afasta esse outro, pensando que isso elimina o problema. E isso ocorre porque o preconceituoso, incapaz de amar, é incapaz de olhar na mesma direção, por isso procura o caminho oposto. O outro, que não é amado, e é diferente, é visto com inimigo, adversário, concorrente do qual se deve des-viar… e o qual deve ser vencido!
Isso nos remete a Jesus, e sua resposta à fala dos fariseus quando disseram: “'Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedir a mulher'. Jesus então disse: 'Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento’” (Mc 10,3-5). Um coração endurecido é um coração sem amor. E porque está endurecido é cheio de preconceito! Não olha na mesma direção! Está divorciado!
No começo não foi assim, diz Jesus, referindo-se ao gesto criador de Deus. Todos os viventes desfilaram diante do homem, mas nenhum o completou (Gn 2,18-20). Daí a simbologia da costela: quem ama se dá ao outro. Daí o significado do amor e do casamento: andar lado a lado “osso dos meus ossos; carne da minha carne” (Gn 2,23). Daí que o amor leva homem e mulher a formar “uma só carne” (Gn 2,24).
O preconceito, por ser o oposto ao amor, gera divisão. O amor, por olhar na mesma direção, quer a inclusão, o companheirismo. Isto nos ensina o autor da carta aos hebreus: o amor irmana. “Tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, ele não se envergonha de os chamar irmãos” (Hb 2,11). Não se envergonha porque não é preconceituoso. Justamente por ser santificador, Jesus vem ao encontro do ser humano, pecador. E o amor salvador dá a mão ao amado para libertá-lo da perdição; age sem preconceito resgatando o pecador.
Como o amor só existe porque existe o amado, Deus deu ao homem uma companheira. Mais do que isso, deu-nos uma companhia constante: Jesus que, como homem, andou entre nós e, ressuscitado, continua em nosso meio. Mesmo rejeitado, não se divorciou da humanidade, pois sua ação tem por base o amor. E, desde a criação, nos mostrou que, por não ser bom que o ser humano esteja só, veio ao nosso encontro.
Então, não é bom que o homem esteja só? Não, pois o amor depende do outro se expressa na companhia de alguém.
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
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