sexta-feira, outubro 22, 2021

Que eu veja!

(Reflexões a partir de: Jeremias 31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52)




Quantos e quais são os empecilhos que nos impedem de nos aproximarmos de Jesus?

Esses impedimentos estão em nós ou naquilo que nos circunda?

Quase nunca somos capazes de admitir nossas fraquezas ou nossos erros; quase sempre atribuímos a outros as causas de nossos insucessos. Mas o que temos recebido de Deus e o que temos para Lhe retribuir?

Lendo esta pequena passagem de Jeremias (Jr 31,7-9) vermos o clamor do povo: “Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel”. Mas não é uma multidão que se dirige ao Senhor!

Ou seja, não se trata de uma multidão que chama e pede ajuda. São uns poucos. A multidão é como a ramagem das árvores, pende para o lado que o vento sopra. E os ventos das propostas enganosas sopram constantemente. E sopram com tamanha força que abalam os alicerces da fé.

Como sopram esses ventos nefastos? Pela boca de líderes religiosos, raposas disfarçadas de pastores, com intenções enganosas e interesseiras, tirando proveito da inocência do povo. Pelas artimanhas dos líderes políticos que usam o nome de deus e enganam a simplicidade presente na fé popular. Pelos veículos de comunicação de massa que massificam e manipulam as multidões domando e entregando-as aos lideres políticos e religiosos. E, de forma crescente, pelas mídias sociais(?) a mais recente ferramenta da alienação estupidificante. Suas redes pescam e afogam a inteligência na aparência da amizade… redes sociais contraditoriamente isolam as pessoas… Tudo de forma velada para a massa não perceber que está sendo levada ao matadouro, como gado gordo.

Mas uns poucos no meio do povo. Há um resto que não é assim. Esse pequeno grupo percebe os engôdos e redes lançadas pelo inimigo. Percebe como são mortais as armadilhas dos discursos inflamados daqueles que tanto usam o nome de deus como do demônio; das propagandas dizendo que tudo é fácil e simples, desde que se siga a trilha do consumo, da anulação da consciência, do endeusamento dos líderes políticos que se apresentam como messias inflamados. Os poucos, o resto do povo, esse é capaz de dizer: Não é esse o caminho para as “torrentes de água” prometidas pelo senhor. E são capazes de dizer isso porque, permanecem com os olhos abertos... enxergando!

Esses poucos são capazes de ver, porque não se colocam acima do povo, mas ao seu lado. Aliás é isso que nos ensina a carta aos Hebreus (5,1-6), afirmando que todo aquele que têm função de liderança é “tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus”. Esse não se apresenta como santo salvador, mas sabe-se limitado e “cercado de fraqueza”. Seu poder é a compaixão, não a exploração; é a mediação para levar a Deus e não a enganação interesseira; sabe que não age em seu nome, mas apresenta-se a Deus com humildade, carregando os anseios do povo… são os porta-voz do povo e não seu carrasco!!!

E a nós, o que resta fazer?

Com certeza não nos cabe ajudar a manter as atitudes dos grandes deste mundo, que se fazem passar por bons meninos, mas que de fato são a causa da perdição!

Temos que tomar cuidado para não nos deixarmos associar àqueles que estão nos cargos e funções de comando, colocando cabresto no povo; nos grupos e instituições com placa falsa de ação social e que por isso escondem a alienação e a dependência que produzem. Temos que tomar cuidado para não nos tornarmos aqueles que tentam conter o cego Bartimeu (Mc 10,46-52).

Ele, cego, integrava o pequeno grupo que enxergava os fatos e gritava e clamava e pedia a ajuda de Jesus… enquanto os adoradores da discórdia tentavam impedi-lo.

Ele, cego, estava vendo o caminho a seguir, gritava… e o Senhor o ouviu; eles, com olhos perfeitos, não conseguiam ver a proposta/resposta de Jesus… e tentavam barrar o cego que via!

Contra as expectativas dos que se acham donos da verdade, do dinheiro, do poder, da moral, dos bons costumes, da família e de deus… Jesus, referindo-se ao cego que o estava vendo, disse apenas: “Chamai-o!”

Dando “um pulo” o cego que a tudo estava vendo, aproximou-se. “Que queres?” pergunta Jesus. “Quero ver!” diz o cego!

Certamente o diálogo prosseguiu com Jesus dizendo: “Você já me viu melhor do que essa multidão”. Possivelmente ele respondeu: “Mas a multidão segue qualquer um. Segue belas palavras. Quero ver o caminho por onde andas e andar contigo”. Só então Jesus lhe diz: “Tua fé te curou!”

Tua fé! Não o malabarismo do pastor charlatão. Não os shows populistas de agressão e violência. Não as migalhas deste ou daquele programa de esmola publica… foi a fé que fez ver: é na organização popular que se planta a semente da solução!

E o cego ampliou a visão. Recuperou a do corpo, para melhor ver com os olhos da alma; para melhor seguir a Jesus; para nos mostrar que Jesus não atende a inconstância da multidão. Essa multidão que enche estádios e comícios e baladas e motociatas e carreatas e passeatas e outros ajuntamentos do carnaval de mercantilização da miséria e da fé. Nisso que despersonaliza a pessoa ao som estridente que ofende a inteligência, pois só se concentra em manipular as multidões…

O cego que a tudo enxergava nos apresenta o Senhor Jesus que atende, sim, aqueles que querem ver a situação de miséria em que o povo se encontra e se esforçam e lutam contra ela. Aqueles que querem ver como transformar a sociedade para que “todos tenham vida”… Aqueles que se engajam num processo de análise e crítica dos padrões dominantes e dominadores que valorizam não o ser humano mas as aparências...

Então, quantos e quais são os empecilhos que nos impedem de nos aproximarmos de Jesus? Esses impedimentos estão em nós ou naquilo que nos circunda? Na instituições politicas, religiosas, sociais…? E, se queremos nos aproximar de Jesus, também temos que começar a pedir: Senhor, que eu veja os caminhos para ajudar a superar as misérias do meu povo!




Neri de Paula Carneiro

mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

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