sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O único Senhor

(Reflexões a partir de: Deuteronômio 6,2-6; Hebreus 7,23-28; Marcos 12,28b-34)




A maioria dos cristãos aprendeu e sabe de cor os “dez mandamentos”. Talvez até você, que agora está lendo, lembra-se da catequese ou da escola bíblica… e ainda sabe recitar: “Amar a Deus acima de tudo; não usar seu Nome em vão; santificar o domingo; honrar pai e mãe; não matar; preservar a castidade; não furtar; não acusar injustamente…” e assim por diante.

Essas, entretanto, são as normas que resultam de uma crença. O pressuposto para guardar e seguir os mandamentos não são os mandamentos por si mesmos, mas a fé Naquele que os instituiu. E, dessa forma, invariavelmente chegaremos ao ponto de origem.

Nesse ponto de origem precisamos nos recordar que todos os povos dos tempos mais antigos acreditavam em várias divindades. E o povo hebreu conviveu com essas crenças politeístas.

Essa situação manifestava um problema: o contato e relação das pessoas com essas divindades. Para estabelecer o contato com essas incontáveis divindades dos tempos antigos e para manter a sintonia com elas, surgiram os sacerdotes. Cada divindade era cultuada, recebia as orações, as ofertas e sacrifícios, por meio desses sacerdotes.

Mas, como qualquer ação humana, a ação dos sacerdotes também podem se corromper e afastar-se dos princípios santificadores. Essa contingência da fragilidade humana nos permite compreender não só a função do sacerdote, como aquilo que orienta a carta aos hebreus, dizendo que os sacerdotes devem “oferecer sacrifícios em cada dia, primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo”(Hb 7,27).

Anecessidade do sacerdote intercessor se explica porque o ser humano é limitado, é facilmente corruptível, deixa-se levar pelas facilidades e, principalmente, porque diviniza muitas coisas. Os povos antigos viam deuses em quase todas as manifestações da natureza e cultuavam essas divindades; e isso não é diferente hoje, quando as pessoas sociedade cultuam seus objetivos de vida: o carro novo, uma joia sonhada, uma roupa da moda, uma casa luxuosa; alta renda e gorda conta bancária…. Enfim, todas as nossas vaidades acabam se convertendo em nossos deuses.

Nesse ponto é que se aplicam os mandamentos: amar a Deus e não as coisas; descansoou repouso dominical, para que o trabalho em função de conseguir mais coisas não se converta em nosso deus; não enganar os outros em nome das nossas aparentes necessidades, para que essas coisas não se tornem nossas divindades; não matar nem furtar porque as coisas e a vida do outro a ele pertence e ambicionar o que não nos pertence é uma forma de divinização da coisa indevida…. E assim por diante podemos notar que todos os mandamentos podem ser vistos como uma forma de nos fazer olhar para a correta direção: valorizar as coisas como coisas que são e usar delas porque nos são úteis e podem nos ajudar a nos aproximarmos de Deus e dos irmãos.

Mas, ao mesmo tempo saber que essas coisas não nos completam nem são divinas…e que podemos viver sem elas! Com essa perspetiva é que podemos entender tanto a profissão de fé dos Judeus (Dt 6,4) como a orientação de Jesus de Nazaré (Mc 12,29-31).

Esses dois ensinamentos têm sua razão de ser. Diante de tantos apelos e divinização das coisas, faz-se necessário recuperar a fé no único Deus. Mas também é necessário assumir a consequência dessa fé: amar a Deus e aos irmãos, na mesma medida e com a mesmo intensidade.

Olivro do Deuteronômio (6,2-3) nos ensina que amar ao único Deus e não as coisas ou àquilo que divinizamos, tem com consequência a plenitude da vida, a felicidade e a fartura, representados pela “terra que corre leite e mel”. Essa fartura resulta do amor a Deus e não às coisas divinizadas.

A proposta, entretanto vai além. E Jesus quem o demonstra. Ao ser indagado Jesus é taxativo: Repete a profissão de fé dos judeus: “Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Mc 12,29). Mas, como enviado daquele que é a origem e motivo da fé, Jesus complementa a lei: “O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes” (Mc 12,31).

Aqui está a afirmação magistral de Jesus. Todos já sabiam que amar a Deus é o maior mandamento. Mas Jesus mostra o passo seguinte: se algo a mais deve ser amado, não são as coisas divinizadas. Se algo a mais deve ser amado, esse algo a mais deve ser visto como tão importante quanto o próprio Deus. Algo que é imagem e semelhança de Deus: ou seja, a pessoa humana.

Assim temos o resumo dos mandamentos: toda ação e dedicação a Deus, passa pelo respeito ao ser humano. E o inverso também é verdadeiro: O desrespeito ao ser humano implica em desamor a Deus. O ato de fé, portanto, começa com o desapego dos pequenos deuses cotidianos, passa pela valorização/amor ao irmão e isso nos leva ao amor a Deus, pois só Ele é o Senhor.

Resta, sabermos qual é nosso Deus. Para isso temos que saber a que destinamos nosso tempo, atenção e esforços; o que amamos acima de tudo? Esse é o centro de nossa vida; esse é nosso Deus!




Neri de Paula Carneiro

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