quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Quaresma - Vós não morrereis

(Reflexões baseadas em: Gênesis 2,7-9; 3,1-7; Romanos 5,12-19; Mateus 4,1-11)




“A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha feito”. Com essas palavras o livro do Gênesis apresenta a semente da maldade sendo plantada entre os seres humanos.

E com esse personagem a narrativa do Gênesis mostra o que é o ser humano e de que ele é capaz: um ser insaciável. Um ser que nunca se satisfaz com o dom já recebido. Um ser que está disposto a abrir mão de tudo que tem em busca de algo que, imagina, poderá ter…

Essa foi, de forma simbólica, a introdução do mal, no mundo humano. Não como uma recompensa pelo desenvolvimento do sentido da busca; nem como punição pela transgressão de uma norma… Mas sim, pela intenção que presente na proposta da serpente e pelo desejo de se apropriar do objeto dessa promessa: “vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus”.

Com certeza o Senhor teria perdoado o ato da transgressão. Como de fato perdoou pela graça oferecida na morte e ressurreição deJesus Cristo (Romanos 5,12-19). Por meio dele “a graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos.”

Sendo assim,é bom frisar que não foi o ato de comer o “fruto da árvore que está no meio do jardim”, nem o fato de que os olhos do primeiro casal se abriram quando dele comeram. O problema e a causa da instalação do mal no mundo foi uma intenção “Sereis como deuses” e uma falsa esperança: “Não morrereis”.

Ocentro da ação pecaminosa, portanto não se localiza no querer algo diferente. No querer algo a mais. Nem no ato de buscar algo a mais e diferente, pois o próprio criador, num outro momento, deu a ordem: crescer e dominar o mundo!

Entretanto, e essa foi a proposta enganosa do ser simbolizado na serpente, o desejo não era por algo mais apetitoso, mas por algo que a criatura jamais terá: transformar-se numa divindade enum ser imortal! É próprio da criatura, e o ser humano é criatura, a condição da finitude… com a ressalva de que esta é a condição para adentrar ao universo da divindade. A mote é o caminho para a vida em Deus!

Por isso foi que o casal do Gênesis, ao se deixar levar pelo engodo e ao se dar conta do erro percebeu-se nu. Uma nudez que não tem nada a ver com a roupa, mas com a limitação da criatura. Essa limitação, entretanto, é corrigidano gesto da entrega total de Jesus Cristo, como ensina Paulo: “Isso não quer dizer que o dom da graça de Deus seja comparável à falta de Adão! A transgressão de um só levou a multidão humana à morte, mas foi de modo bem mais superior que a graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos”.

Não cabe à criatura o querer ser deus, apropriando-se da imortalidade. Cabe ao ser humano deixar-se conduzir por Jesus a fim de, no momento oportuno, ser conduzido ao Criador. Não pelos méritos da criatura, mas pela graça do Criador.

Para poder desfrutar desse privilégio, no entanto, o ser humano tem que se afastar dos gestos e atitudes prepotentes. Foi o que fez Jesus de Nazaré (Mateus 4,1-11).

Mesmo fragilizado pelos quarenta dias de jejum, estava fortalecido pela oração. E, ao se defrontar com o tentador, agiu de forma diferente do casal do Gênesis. Lá eles viviam no paraíso, tinham tudo. Aqui, Jesus está no deserto. Não tem nada além de sua sintonia com Deus. Nada além de sua missão. Nada além de seu amor para com aqueles em favor dos quais se encarnou.

Lá no Gênesis, ao introduzir a maldade, o tentador oferece o que não podia dar: divindade e eternidade. Aqui, Jesus que é Deus, é eterno, tem todo poder… abre mão disso para se igualar aos seus. Assumindo a condição humana, sofre os dramas humanos. Primeiramente sofre a tentação, mas a supera, com base na força da oração. Sofre com a fome, para mostrar como isso desumaniza as pessoas e que a humanização consiste em criar condições para que todos se alimentem com dignidade. Sofre com o fato do poder religioso e político serem usados para a ostentação e não para o serviço.

Podemos dizer mais. Jesus de Nazaré sofre mais do que o ser humano, pois as pessoas pensam que cedendo à tentação terão aquilo que desejam. Jesus já sabe que ceder à tentação além de não alcançar o desejado e prometido pelo tentador, criará um abismo entre o criador e o destino final das pessoas. Ceder ao tentador implica em receber o oposto da promessa do tentador.

Então, para corrigir esse mal, cabe ao ser humano entregar-se, completamente ao plano de Deus. Somente assim poderá ouvir, não do tentador, mas do próprio autor da vida: Não morrereis!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Cinzas: O Pai vê o que está escondido

(Reflexões baseadas em: Joel 2,12-18; 2 Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18)




Os profetas sempre alertaram e continuam a nos chamar a atenção… mas nem sempre lhes ouvimos o aviso.

Sabendo disso a Igreja, que é sábia e também profética por vocação, retoma as palavras dos profetas, dos apóstolos e do próprio Jesus para nos alertar.

E qual o alerta de hoje?

Trata-se de um convite do Profeta Joel (2,12-18). Um convite da parte do Deus de misericórdia. O profeta chama, convidando o povo a retornar ao convívio com Deus. Mas um retorno de todo o coração. Um convite para voltar ao Senhor com o coração e não com gestos exteriores. Convite para rasgar o coração e não as vestes, pois as vestes rasgadas não representam as verdadeiras intenções que cada pessoa carrega no coração...

Esse processo de conversão, indicado pelo profeta, tem um objetivo: receber o perdão pelos erros praticados, cotidianamente pelos indivíduos e pela nação; os pecados que geraram o afastamento do Senhor, e por isso todos estão ameaçados. É necessário voltar para Deus a fim de receber de volta seu perdão. Afinal “ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar” (Jl 2,13).

Assim como o profeta, Paulo (2 Coríntios 5,20 – 6,2) também cobra uma nova postura. Afirma o apóstolo que chegou o tempo de reconciliação. Por que? Porque Jesus de Nazaré inaugurou um novo tempo. Por isso é que “hoje é o dia da salvação”.

A vida de Cristo, sua entrega na cruz e sua ressurreição, não foram somente uma caminhada de Deus com as pessoas. Foi muito mais! Jesus foi e continua sendo aquele que nunca cometeu pecado. Nasceu e permaneceu puro, a nos mostrar o caminho. Entretanto, “Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”. E com isso a redenção foi oferecida e está à disposição de todos. Para isso é preciso apenas seguir a proposta de Paulo: “deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20-21).

Com isso vamos nos dirigir ao encontro com as palavra de Jesus: vigilância! (Mateus 6,1-6.16-18).

Um convite como aquele feito pelo profeta ao convidar “voltai para o Senhor”; “Voltai parra mim!”... Um convite na forma que Paulo propõe: “nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus,”… Mas Jesus faz o convite com muito mais intensidade: cobra a vigilância constante em relação às atitudes: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos”; cobra vigilância na hora de dar esmola, o que deve ser feito na simplicidade evitando a ostentação “para serem elogiados pelos homens”; vigilância na atitude orante: no silêncio do quarto para conversar na intimidade com o Senhor; vigilância no ato de jejuar, para que seja um gesto de solidariedade com quem passa fome…

Este é o grito profético de Jesus: Realizar grandes coisas, mas de forma simples, sem fazer alarde, sem buscar a auto promoção, sem buscar os holofotes dos elogios… pois esses que assim procedem “já receberam a sua recompensa”.

O grito da profecia, hoje,tem um destino, apontado pela voz profética da Igreja: uma dor produzida pela sociedade. A direção para onde o chamado profético da Igreja quer os nossos olhos e nosso compromisso é um drama social, construído pela sociedade. O alerta da profecia, que ressoa cobrando nossa conversão, tem um só destino: a fome institucionalizada.

Esse é o pecado pelo qual nossa sociedade tem que pedir perdão. O drama da fome instalada, de forma estrutural e conjuntural, em nossa sociedade, é o pecado que clama aos céus. Esse é o nosso pecado… e não adianta dizer que “eu colaboro com cestas básicas”; não adianta dizer que “eu dou esmola quando o pedinte me interpela”; não adianta dizer… mesmo esses gestos ainda são insuficientes.

Nos dias atuais, dar esmola, fazer jejum, colaborar em campanhas assistenciais, mesmo sendo atitudes necessárias, ainda não são o gesto de “rasgar os corações”; esses ainda são gestos de apenas “rasgar as roupas”. Diante do pecado da nossa sociedade, os gestos assistenciais e solidários não mudam nem colocam um ponto final nas causas do problema.

O grito e o alerta da profecia, para nossos dias, exige conversão das estruturas que geram a fome. Exigem reconciliação com Deus da sarjeta social, econômica… cobrando nossa ação a fim de eliminar as causas das dores. Essa é a atual exigência. Para essas atitudes é que está olhando o Pai, aquele que “vê o que está escondido e dá a recompensa”.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Sois de Cristo e Cristo é de Deus

(Reflexões baseadas em: Levítico 19,1-2.17-18; 1 Coríntios 3,16-23; Mateus 5,38-48)




Hoje Jesus faz algumas afirmações que podem desconcertar algumas pessoas. São, no mínimo, intrigantes. Principalmente em relação à resposta aos malvados (Mt 5,38-48).

Dá até a impressão que Jesus tem bons olhos para com o malandro! Dá a impressão que Jesus quer que a gente passe por medroso, incapaz de enfrentar as agressões…

Será que realmente é pra deixar as coisas correrem, sem reação?Deixar o malvado levar vantagem? Quer dizer que em vez de reagir, deve-se entrar em sua “onda” da maldade?

Notemos que Paulo não é diferente (1 Cor 3,16-23). Propõe abrir mão da sabedoria, dizendo que essa sabedoria é insensatez… Se os nossos saberes são insensatez, em que consiste a sabedoria? Será que nossos saberes realmente são inúteis?

E, pra complicar ainda mais, o Levítico (19,1-2.17-18) vem dizendo que não devemos nos ocupar com vingança!

Onde vamos parar com isso?

Na verdade não vamos parar! Vamos é entrar no coração da mensagem cristã. Mensagem que consiste não em responder o mal com o mal; não em dar o troco, pela ofensa ou mal recebidos; não em alimentar o ódio, a ira, o sentimento agressivo… pelo contrário.

Por que? Porque se respondermos na mesma proporção, pagando a agressão com outra agressão, estaremos descendo ao nível do agressor.

A proposta, que vem de Deus, é dar um passo adiante,ir além. Se queremos uma sociedade de paz, amor, prosperidade, solidariedade… precisamos dar passos nessa direção.

Nisso consiste a verdadeira sabedoria. Não é sábio quem se limita a repetir os valores cotidianos! Não é sábio quem, ao ser agredido, reage com outra agressão! Não é sábio guardar rancor ou alimentar a sede de vingança! E, também, não se trata de ser conivente com o mal, mas de abrir espaço para o perdão àquele que se arrepende do mal praticado.

Mas por que isso?Por que perdoar, o maldoso, se fez tanto mal? Porque é esse o princípio das coisas de Deus. Veja o que Paulo diz à comunidade de Corinto: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós?” (1Cor 3,16).

Qual o significado disso? Cada pessoa é um ser onde Deus faz sua morada. E isso implica dizer que toda agressão é uma agressão ao próprio Deus que ali reside. Se reagimos a uma agressão com outra, além de descermos ao nível do agressor, estaremos agredindo o Espírito de Deus que vive naquela pessoa… mesmo esse agressor não se dando conta disso. Trata-se de combater o mal, sim, com todas as forças… mas oferecer misericórdia para com aquele que se arrepende do mal praticado… e não se trata apenas de dizer que está arrependido. Trata-se de corrigir o mal feito! Falar que está arrependido sem nada fazer para reparar o mal feito, não é arrependimento!

E o apóstolo diz mais. Não vale a pena buscar a glória mundana, que é vã, pois é passageira. Não vale a pena buscar nada que ostente e seja só aparência, pois o que realmente importa já nos pertence. “Tudo vos pertence”, ele afirma. E diz isso de forma magistral, afirmando que tudo nos pertence, mas nós pertencemos a Deus “o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro; tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,22-23).

Sendo assim não tem sentido entrar em atrito, buscar vingança, causar dor e violência. Ao fazer isso, nos equiparamos ao agressor, agredimos a nós mesmos e agredimos aquilo que a Deus pertence… sem levar em conta o fato de que o importante já é nosso!

Então qual é o sentido de oferecer a outra face e entregar o manto, como ensina Jesus?

Trata-se de uma denúncia! Trata-se de mostrar que as pessoas não estão valorizando o que possuem. A agressão é a afirmação da desvalorização do outro: quem ama não agride. Pode até se irritarcom atos da pessoa amada, mas busca o diálogo para resolver a contenda. Quem deseja tomar o que ao outro pertence não valoriza o que possui. Valoriza e apega-se ao que é do outro sem valorizar o que é seu! Vive insatisfeito e por isso não é feliz: não é feliz com o que já tem e constrói infelicidade porque quer tirar o que ao outro pertence!

O passo além, que Jesus cobra de nós, é ultrapassar o gesto que todos fazem. É fazer aquilo que ultrapassa as convenções. É fazer algo que provoca a indagação sobre o porquê daquilo estar sendo feito. Cumprir as convenções, agir como todos agem, dizer o que todos querem que seja dito … não tem mérito nenhum. É só formalidade ou falta de personalidade!

Ao cristão, Jesus de Nazaré lança o desafio: ir além!E por qual motivo? Porque não nos pertencemos. Somos de Cristo. E, como Cristo é de Deus, somos a obra prima do Criador!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

O que for além disso vem do Maligno

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 15,16-21; 1 Coríntios 2, 6-10; Mateus 5,17-37)




O Plano de Deus, a nosso respeito é dinâmico. Não porque haja alguma mudança nos Planos do Senhor, mas porque nossas atitudes podem mudar a qualquer momento. Podemos estar trilhando os caminhos do Senhor e nos desviarmos; ou podemos estar andando nas trevas e nos voltarmos para a luz de Deus. Ou seja a proposta divina é a mesma, mas a nossa postura em relação a ela, pode ser diferente.

Nossa inconstância em relação ao que Deus nos propõe é o fato de que,além de nos amar, e como prova de amor, Deus nos deu liberdade! Liberdade até para virarmos as costas para Ele. A liberdade de aderirmos ou não ao seu projeto de Salvação.

Isso é o que a Igreja nos propõe,hoje, ao nos propor a leitura desta síntese de sabedoria divina no Livro do Eclesiástico (15,16-21). Ao constatar que a liberdade concedida nasce do amor e da sabedoria divina, como o afirma Paulo, na carta aos Coríntios (1 Cor 2, 6-10).

Em nome da liberdade, do amor e em vista do pleno cumprimento da Lei, Jesus aperfeiçoa os mandamentos (Mateus 5,17-37). Não os abolindo, mas radicalizando-os. Tirando-os da formalidade e da exterioridade para manifestá-los na consciência.

O Eclesiástico chama nossa atenção para as diferentes oportunidades, diante das quais somos levados a fazer escolhas. As situações da vida nos colocam diante de escolhas entre: “fogo e água”, diante da “vida e da morte” e do “bem e do mal”. Frisando a possibilidade da escolha, diz o Eclesiastes: “Para o que quiseres, tu podes estender a mão” (Eclo 15,17).

Mas toda escolha tem consequências. E o Senhor acompanha nossas escolhas, pois seus olhos “estão voltados para os que o respeitam.Ele conhece todas as obras do homem. Não mandou a ninguém agir como injusto e a ninguém deu licença de pecar.” (Eclo 15,20-21).

Sabendo que o mandamento de Deus é o amor, de onde vem, então, o mal que se expande entre as pessoas, em nosso mundo?

Evidentemente não vem de Deus nem é essa sua proposta!

Paulo nos ensina que a sabedoria divina não é a mesma que as pessoas tanto admiram e procuram. Esta,é mundana e o apóstolo afirma estar condenada à destruição. Essa sabedoria do mundo, ou seja, a “sabedoria dos poderosos deste mundo, que, afinal, estão votados à destruição”, é o oposto ao dom de Deus. A sabedoria de Deus não está acessível aos poderosos pois eles, baseados em seu poder, imaginam-se sábios. Eles não compartilham do dom “que, desde a eternidade, Deus destinou para nossa glória. Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu essa sabedoria” (1Cor 2,7-8).

E por não tê-la conhecido, aqueles que se consideram senhores do mundo, que ditam as regras no mundo, que se sentem melhores que os demais… estes vivem de e na aparência. Até frequentam as igrejas. Podem até produzir algum ato de caridade… mas tudo que fazem está baseado no aparência. Fazem para serem notados. Essa bondade, essa caridade interesseira não é dom de Deus. É o oposto ao que Deus propõe. Ela vem do Maligno!

Por isso Jesus nos ensina: toda maldade que se alastra a partir dos comportamentos das pessoas é só uma face do mal. O ato de fazer coisas negativas, maldosas; o ato de espalhar discórdia e ódio; o ato de fazer crescer a injustiça, o egoísmo, a ganância, a sede pelo poder, as falsas aparências… tudo isso é consequência do mal que está no ser humano. O mal, portanto está na intenção de praticar o ato.

Ter planejado o mal, mas não tê-lo executado, pode livrar da penalidade da lei, que pune os atos praticados. Mas a fé cristã, o ensinamento do Senhor Jesus vai muito além. Para a fé cristã, o pecado está no planejamento do mal, no querer fazer, no desejo de fazer… mesmo que o ato não se realize.

Por isso o Senhor ensina que o mandamento de “Não matarás” é muito mais radical, pois “todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo” (Mt 5,22). Mais ainda, a verdade cristã dispensa o juramento, a testemunha… Nisso reside a verdade no universo da fé cristã; nisso consiste a liberdade na fé cristã… em poder afirmar ou negar algo sem necessidade de juramento ou do testemunho de outra pessoa.

Então, num mundo carcomido pela mentida, pela sede do poder, pelo poder da riqueza, pelas aparências… a simplicidade da proposta da fé cristã se resume em dois valores: Liberdade e Verdade. Contra o mundo das aparências o Senhor ensina: “Seja o vosso 'sim': 'Sim', e o vosso 'não': 'Não'. Tudo o que for além disso vem do Maligno” (Mt 5.37). Nada mais é preciso, além dessa verdade, que cresce livre na vida de quem crê...




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Sal da terra e luz do mundo

(Reflexões baseadas em: Isaías 58,7-10; 1Coríntios 2,1-5; Mateus 5,13-16)




O tema da luz percorre a Palavra Sagrada.

A simbologia da luz e a sua presença na obra divina acompanha o ser humano desde o primeiro ato criador de Deus até as promessas e esperanças do Apocalipse.

E, em todas as suas aparições, a luz é um indicador de caminhos.

A luz aparece, ora como resultado da ação de Deus, dizendo: “faça-se a luz” ora é resultado das ações humanas. E hoje o profeta Isaías (58,7-10) nos faz entender que a luz a brilhar é resultado das boas realizações humanas, que edificam as pessoas…

Essas ações, diz o profeta, não só trazem benefícios para quem as recebe, mas retornam para quem as pratica.

Jesus de Nazaré (Mateus 5,13-16) faz a mesma afirmação: a luz de cada um é resultado de suas ações. Ela brilha, anunciando caminhos. Ela ilumina, mostrando direções. Ela está no alto, para que os demais consigam subir.

O profeta faz uma lista de ações luminosas: alimentar o faminto, acolher o desabrigado,proteger o desamparado. Esses gestos farão com que brilhe “tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa” (Is 58,8).

O que ensina Jesus?

Diz para manter a luz acesa, em lugar alto, a fim de que as pessoas que dela necessitem possam encontrar o caminho. As boas obras, portanto, são a luz condutora, como o afirma o Mestre: “Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16).

Mas, atente para um detalhe: Não se trata de obras assistenciais. Trata-se de revolver, remover, redirecionar, remodelar a sociedade. Trata-se de fazer uma revolução na sociedade. Trata-se de promover transformações nas estruturais sociais. Diz o profeta: “Se destruíres teus instrumentos de opressão, e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa” (Is 58,9). A condição para as melhorias pessoais passa pela ação transformadora na sociedade: “Se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia” (Is 58,10). Ou seja, a “tua vida” será transformada, das trevas à luz, quando houver transformação em favor dos que necessitam.

Mais um detalhe. A postura em favor da destruição dos “instrumentos de opressão” exige uma condição ensinada por Paulo (1Cor 2,1-5). A ação transformadora não passa pela ostentação, tão ao gosto de quem se ocupa em “elevar-se” à vista dos outros, mas não se eleva aos olhos de Deus.

Essa condição leva o apóstolo a se apresentar a comunidade de Corinto como aquele que se afastou do “prestígio da sabedoria humana”, assumiu a postura de “fraqueza” de quem confia no Senhor e, principalmente, abriu mão dos “discursos persuasivos da sabedoria”. Tudo isso para que todos entendam que se existe poder deve ser o “poder de Deus”, se existe conhecimento deve ser o de “Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado”, se existe sabedoria, esta deve ser manifestada pelo “poder do Espírito”. O critério, portanto, é a Trindade Santa.

Ao cristão, portanto, cabe o papel da luz. E em que consiste o ser luz?

Em levar adiante as propostas de Jesus Cristo, luz do mundo; em ser ponto de convergência; em ser sinal de difusão da Boa Nova; em ser agente de transformação social.

Consequentemente, não cabe ao cristão ofuscar os andantes. Não cabe alimentar uma espiritualidade divorciada da vida. Não cabe mostrar-se como se fosse a própria luz, pois a Luz é o próprio Deus.

E isso leva ao Sal da Terra. Essa é a função do cristão. Deve ser luz, para conduzir a Deus, mas na sociedade exercer a função do sal. Notando que o sal existe para realçar o sabor. O que conta não é o sal, mas o alimento que ele salga. E esse sabor só é percebido se existir sal na medida certa. Se for pouco, o alimento fica sem sal, sem sabor; se tiver muito, o alimento perde o sabor, fica imprestável…

Qual é, então a medida? Aquela capaz de construir uma sociedade sem uns que sofrem e outros que produzem sofrimento; uns com fome e outros produzindo fome pela concentração; uns sem casa, sem abrigo, sem saúde, sem perspectivas poque outros de tudo se apropriaram...

O cristão, sal da terra, age na sociedade para que esta seja temperada com amor, com justiça, com distribuição dos bens; com o esforço para a equidade e para a transformação das estruturas injustas, para a reconstrução do mundo com o modelo desenhado pela da Trindade.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Bem-aventurados

(Reflexões baseadas em: Sofonias 2,3;3,12-13; 1 Coríntios 1,26-31; Mateus 5,1-12a)



Quem são aqueles a quem Jesus chama de Bem-aventurados?

Se fizermos essa pergunta ao profeta Sofonias (2,3;3,12-13) ele nos dirá que são os “humildes da terra”, os pobres ou um “resto de israel”. Dirá que eles, sob a proteção do Senhor, ninguém molestará. Bem-aventurados são aqueles que põem em prática os preceitos e a justiça do Senhor. Isso nos dirá o profeta!

Caso perguntássemos a Paulo (1Cor 1,26-31), o apóstolo diria que não são os “poderosos”, também não são os “nobres”. O apóstolo diria que não é a força nem aquilo que o mundo considera importante. O apóstolo nos dirá que os Bem-aventurados são aqueles que o mundo considera estúpido e fraco; aqueles que são considerados “sem importância e desprezados”. Esses são os preferidos de Deus. São os Bem-aventurados, afirmaria Paulo!

Como se vê, não são muitos, os Bem-aventurados. Nem os mais evidentes!

Quando prestamos atenção às palavras de Jesus veremos que os Bem-Aventurados formam um grupo pequeno.

Na realidade, Jesus faz uma pequena lista, com os critérios das Bem-aventuranças (Mateus 5,1-12a). Na lista de Jesus estão os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os que são perseguidos por causa da justiça. E, principalmente, os que são vítimas da mentira, forjada para deturpar o mundo de paz e amor, que está nos Planos do Pai.

Mas em que consiste ser Bem-Aventurado?

Tem o mesmo sentido de Benção. É como dizer “você é merecedor de uma benção”. Ou seja: “a teu respeito serão ditas coisas boas e você é merecedor da graça divina”.É o mesmo que dizer: “Você é uma pessoa de quem se fala o bem e merecedora do bem que pronuncia, pois faz o bem”. Como se vê, a Bem-aventurança corresponde a uma boa “Ventura”, o que corresponde, nos dias de hoje, ao desejo de “boa sorte”, de sucesso, aos votos de prosperidade!

Tudo isso aplicado àquele que recebe de Jesus uma atenção especial!

Tendo entendido isso, a pergunta seguinte é: o que levou Jesus a dizer que essa categoria de pessoas são bem-aventuradas, são merecedoras da benção divina, terão prosperidade em seu caminhar para o Reino?

A resposta é simples: Jesus afirma estas qualidades para contrapô-las ao comportamento oposto.Aos pobres em espírito e mansos se contrapõem os arrogantes; os aflitos e os que esperam justiça são vítimas daqueles que os afligem. Além disso, aos misericordiosos e puros de coração se contrapõem os promotores do mal e sofrimento. Da mesma forma que se existem aqueles que promovem a paz, existem aqueles que tiram a paz das pessoas e promovem as guerras e desavenças. O mesmo se pode dizer a respeito daqueles que promovem a justiça: eles fazem isso porque há muita gente que provoca dor e se beneficia com as injustiças.

E, por fim, todos aqueles que são Benditos/Bem-aventurados por promoverem o bem ou por serem bondosos, acabam chamando a atenção quando lançam as sementes do Reino. Quando abrem as portas do Reino, onde não poderão entrar os que geram as situações opostas à benção, opostas ao bem e à justiça, opostas à misericórdia e à paz.

Esses, por não serem merecedores da benção divina, encaminham-se para o oposto da benção, que é a maldição; a completa separação de Deus e daqueles que são os seus amados.

Estes,que noutro momento serão chamados de malditos, vendo-se no caminho da perdição, tentarão deturpar, arruinar, sujar os caminhos dos promotores do bem. E uma das formas usadas para tentar atingir os promotores do amor é enredá-los na mentira. Por isso, as vítimas da mentira também são merecedores da Benção, das Bem aventuranças. E, por consequência lógica, todo aqueles que espelha ou compactua com a mentira é maldito!

Assim, se por um lado Jesus, na fórmula das Bem-aventuranças, concede sua graça para os que promovem o bem; o Pai da Mentira arrasta para a predição todos aqueles que se contrapõem à verdade, que disseminam mentiras, que perseguem os mensageiros da paz.

A verdade é que são Bem-aventurados todos os que combatem os mensageiros da mentira, geradores do mal. São Bem aventurados todos os que constroem a paz, a harmonia, o bem querer… pra estes, Bem-aventurados Jesus faz o convite: “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Farei de vós pescadores de homens

(Reflexões baseadas em: Isaías 8,23b-9,3; 1Coríntios 1,10-13.17; Mateus 4,12-23)




A Palavra de Deus é sempre atual em retratar a realidade e uma resposta aos fatos: dos tempos passados e dos nossos dias. Deus nos fala de vida e a vida nos leva a Deus.

A Palavra, por vezes retrata momentos de alegria; noutras vezes retrata as angústias que atormentam o povo e por vezes fala da esperança que alimenta a caminhada.

Hoje estamos diante de um anúncio de esperança. Estamos diante de um povo que acabou de superar um momento de tribulação, como o demonstra o profeta Isaías (8,23b-9,3). O mesmo dá pra dizer da pregação de Jesus (Mateus 4,12-23).

Os dois trechos: de Isaías e o de Mateus, nos informam que uma situação complicada acabou de ser superada. E em razão disso abrem-se novos caminhos e perspectivas para esperança. É claro que as coisas não nos chegam gratuitamente, há uma exigência para recebermos o dom de Deus: “Jesus começou a pregar dizendo: ‘Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo’” (Mt 4,17). A exigência é de conversão!

No tempo de Isaías, duas tribos haviam enfrentado sérios problemas. Entretanto, “no tempo vindouro cobrirá de glória o caminho do mar”. Mas a Glória do Senhor não é individualista. O profeta mostra que ela está no meio do povo. Ela se manifesta como a luz, superando as trevas: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; uma luz raiou para os que habitavam a terra sombria como a morte” (Is 8,23–9,1).

Que ocorreu com Jesus? Percebeu as ameaças do governo autoritário, que desprezava a vida. Percebeu o destino de João, preso por causa de mentiras e maquinações mesquinhas do governo de morte. Jesus viu, também, que sua mensagem não podia ser interrompida pelas ameaças. O que ele fez? Desviou-se do perigo e foi para outra região. Convidou auxiliares. E continuou a divulgar sua mensagem de paz, amor, esperança.

Jesus chama e dá uma missão: “Venham comigo. Farei de vocês pescadores de homens!” (Mt 4,19).Essa é a missão: continuar a caminhada, convidando mais pessoas para que se convertam! Para que deixem as “sombras da morte”. Para que abram os olhos e vejam que a luz já venceu as trevas...

O convite é amplo e destinado Não aos desocupados, mas a quem está comprometido com o outro. Por isso Jesus não convida os desocupados das esquinas da vida, mas os trabalhadores. Neste caso, os filhos dos pescadores. E, junto com os seus “andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo.” (Mt 4,23).

O que vem a ser esse “Evangelho do Reino”?Trata-se da boa notícia de que o Plano de Deus não se desvia de seu propósito: a saúde para todos, a mesa com o necessário para avida, o respeito e a aceitação do outro, a paz, a denúncia dos atos contrários à vida… são algumas das sementes do Reino anunciadas pelo Evangelho-Notícia Boa de Jesus.

Mas, mesmo trazendo as novidades do Reino e apresentando os critérios para dele participar, as pessoas se distanciam dessa proposta. As pessoas, e as comunidades, se dividem… e acabam dando mais valor e crédito ao anunciador do que ao sentido da mensagem. Por isso crescem as notícias falsas em vez de fortalecer a Boa Nova. Essa é a denúncia de Paulo (1Cor. 1,10-13.17).

A notícia, a proposta, o anúncio é de paz e esperança. De amor e solidariedade. Em nome disso é que Paulo afirma a necessidade de união: “não admitais divisões entre vós. Pelo contrário, sede bem unidos e concordes no pensar e no falar” (1Cor 1,10).

O mundo das trevas e os anunciadores da mentira são os promotores da divisão que esteve presente na comunidade de Corinto e que continua presente em muitas das nossas comunidades; enão só no ambiente das Igrejas, o Pai da mentira gera divisão na sociedade: exemplo disso são as crises enfrentadas pela população brasileira; ou em nível planetário, haja vista os conflitos e guerras que assolam os povos mundo afora.

E, o que é pior, muitos desses conflitos, locais ou mundiais, são produzidos em nome da religião. Em diferentes lugares do mundo e nos diversos períodos da história, muita morte, dor e tristeza foram geradas em nome das fé, das crenças e dos deuses. Por isso a indignação paulina: “Está havendo contendas entre vós. Digo isto, porque cada um de vós afirma: ‘Eu sou de Paulo’; ou: ‘Eu sou de Apolo’; ou: ‘Eu sou de Cefas’; ou: ‘Eu sou de Cristo!’ Será que Cristo está dividido? Acaso Paulo é que foi crucificado por amor de vós?”(1Cor 1,11-13).

O anúncio da esperança está lançado. Mas a denúncia da divisão não pode ser esquecida nem calada. Cristo convida: farei de vós pescadores de homens, mas é necessário aceitar o convite. E o convite supõe a adesão à causa do Reino.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Eis o Cordeiro de Deus

(Reflexões baseadas em: Isaías 49,3.5-6; 1 Corintios 1,1-3; João 1,29-34)




Quando lemos, no livro do profeta Isaías (49,3.5-6), que Deus afirma a Israel: “Tu és meu servo”, devemos continuar a leitura. Veremos que em seguida o Senhor completa: “pouca coisa é ser meu servo”. Ou seja, ser servo do Senhor é importante; entretanto é necessário algo a mais, principalmente porque nesse momento, afirma o profeta, a nação está dividida.

Que mais, então, é necessário?

Deixar-se conduzir pelo Senhor a fim de resgatar o que está perdido, perdendo-se ou em risco de se perder. Permitir a ação de Deus mediante as próprias ações, a fim de promover a união, promover a recuperação, promover a recondução para os caminhos do Senhor.Isso deve ocorrer para que o Nome do Senhor chegue até os confins da terra.

A consequência dessa entrega aos desígnios do Senhor é que o agente facilitador da obra divina, conhecerá a glória do Senhor e será luz, assim como o Senhor é Luz. Mediante essa Luz, a paz, a união e a salvação estarão à disposição de todos. “Eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até as extremidades da terra” (Is 49,6). É necessária essa luz porque uma nação dividida está afastada do Senhor.

Estando dividida a nação, cabe ao servo a missão de “reconduzir” e “restaurar as tribos”. Reconduzir e restaurar a nação dividida: essa é a missão daquele que é chamado pelo Senhor. É a missão do servo. É a missão daquele que, desde o ventre materno, está destinado a ser luz para as nações, levando a salvação “até as extremidades da terra”. E se essa é a missão do servo, a nossa não é diferente: ser canal de restauração.

Gerar união, restaurar a nação dividida na direção de um caminho de luz, é a missão do servo do Senhor. Isso veio ensinar o Servo do Senhor, encarnado em Jesus de Nazaré. Também Paulo nos convida a isso, escrevendo à Comunidade de Corinto (1Cor 1,1-3).

O apóstolo dirige-se àqueles que são “chamados a ser santos junto com todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Cor 1,2). Assim como o profeta Isaías, Paulo convoca os seguidores de Jesus Cristo. Incita-os à paz, pois os problemas da comunidade podem ampliar a divisão. Só a adesão ao Cristo conduz a unidade e à paz.

Caminhar nos caminhos de Jesus implica em construir a Paz. Caminhar nos caminhos de Jesus implica em promover a união. Caminhar nos caminhos de Jesus leva a uma exigência:colaborar na edificação de laços de união, de mecanismos de santificação, de construção de ambiente propício à graça do Senhor, pois só assim será possível construir a paz “da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (1Cor 1,3).

A situação de divisão;a necessidade de paz; as pessoas distanciando-se do Senhor, luz das nações; a proposta da união ao redor do nome de Deus; a proposta de Paz, em nome do Criador… são algumas das situações pelas quais Deus se compadeceu de nós e nos enviou seu Filho. Mas, mesmo assim, o mundo não o conheceu e Ele foi rejeitado. E, sem Ele, Príncipe da Paz, as pessoas não conseguem voltar-se para os caminhos do Senhor. Sem Ele, verdadeira Luz, as nações não conseguem andar nas trilhas da justiça, do amor, da solidariedade, da paz.

E pelo, fato de não ter sido reconhecido, João (Jo 1,29-34) o apresenta como o Cordeiro sobre o qual repousa o Espírito.

Jesus, apresentado por João, é o Cordeiro, mas é diferente dos cordeiros dos sacrifícios antigos. Os sacrifícios com os cordeiros antigos não tinham poder definitivo. As pessoas e o povo continuavam produzindo e eram reféns das condições e situações pelas quais a maldade, a divisão, a intolerância, o ódio… continuavam se alastrando na sociedade. Aliviava o fardo do pecado, mas não o eliminava. O Cordeiro, apresentado por João traz essa novidade: ele “tira o pecado do mundo”.

Por isso Paulo dirige-se aos que professam a fé no Cordeiro. Por causa dessa fé os que aderem ao projeto do Reino formam o grupo dos “que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Cor 1,2).

Assim sendo, temos diante de nós a realidade de uma nação dividida, na qual dissemina-se o ódio, a exclusão, o preconceito, a maldade em diversos níveis e situações, tirando a paz das pessoas e da sociedade: é a inquietação Isaías... Mas também está à nossa disposição um plano de amor solidário, com uma sociedade baseada na justiça e na paz, conforme Paulo… e essa perspectiva do Reino pode se concretizar na medida que olhamos e nos deixamos conduzir pelo plano do “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Epifania: Vimos a sua estrela

(Reflexões baseadas em: Isaías 60, 1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)

Os magos viram uma estrela brilhando (Mateus 2,1-12). Eles a seguiram. Procuraram seu brilho no palácio, mas ali não estava o seu clarão. Os magos reencontraram o brilho da estrela quando foram para a periferia, quando se dirigiram a Belém. Ali a estrela lhes mostrou o rei que estavam buscando: Jesus, o menino da manjedoura.

Na profecia de Isaías (60, 1-6) também há um convite a olhar para a luz. Uma luz que ilumina um reerguimento, um retorno, um reencontro, uma reconstrução… Tudo será iluminado, restituindo a luz sobre as trevas que encobrem as nações. Graças a essa luminescência o povo será libertado da servidão das trevas.

A estrela, indicando a presença de Jesus e a luz libertadora, anunciada por Isaías, indicando a restauração, são sinais da Graça de Deus, como o afirma Paulo (Efésios 3,2-3a.5-6). Graça que, embora possa parecer oculta, está à nossa disposição e foi revelada por Jesus de Nazaré, mediante seus atos: desde seu nascimento até sua entrega na cruz. Atos que consistem em práticas amorosas a fim de extinguir o desamor, a violência, os sinais de morte.

A Luz e a Graça. Duas modalidades pelas quais Deus se manifesta e se oferece como companhia ao desvalido que busca a proteção de Deus. Luz e Graça para indicar o caminho da vida. O Senhor manifesta-se na luz desde o início da criação, passando pelo processo de libertação do Egito e no deserto até a vinda do Espírito santificador: Luz da vida para vencer as trevas da morte.

Mediante essas manifestações, o Deus da Luz ilumina os caminhos da Salvação. A luz, que acompanha o ser humano ao longo da história, manifesta a Graça que é o dom da salvação. Por isso é que Isaías anuncia a luz ao povo que sofre: “Eis que a terra está envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora” (Is 60,2-3). E todos podem aderir ao projeto de redenção, pois todos “são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6).

Na celebração da Epifania do Senhor somos convidados a fazer esta revisão de vida e de propósitos: buscar a luz e encontrar a Graça do Senhor. Para isso podemos seguir os passos dos Magos do Oriente, na busca pelo rei que se manifestou no luminosidade de uma estrela.

Eles, lá em sua terrado Oriente, viram a estrela do novo rei. Viajaram para encontrá-lo. Deixaram-se guiar pela luz da estrela que brilhava no céu. Ou seja, nos caminhos da vida, seguiram a luz. Entretanto cometeram um equívoco: quiseram encontrar a fonte da luz onde ela não estava; onde ela havia sido apagada; onde não havia espaço para ela. Os magos procurar a fonte da luz no palácio, na residência do Rei. “Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo’” (Mt 2,1-2).

Algo deve ser notado quando lemos com atenção o episódio dos magos seguindo a estrela, chegando ao rei e novamente pondo-se a caminho de Belém: na caminhada, a estrela os guiou. Mas quando chegaram próximo do Rei, perderam-na. Deixaram de ver a “Estrela Guia”. Só reencontram-na quando se afastam do rei, da corte, do luxo, da ostentação, do poder assassino. “Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande.” (Mt 2,9-10).

Podemos dizer que esta é uma das principais mensagens da celebração da Epifania do Senhor. Em sua manifestação ao mundo, Deus não quis se apresentar na opulência do palácio, para não se envolver com a mentira. Não compactuou com o poder assassino, pois é o Deus da vida. Não se deu a conhecer junto aos chefes religiosos, pois haviam se afastado do povo. Não quis ser associado ao centro do luxo e da riqueza opressores… Não quis ser confundido com a cidade, com os políticos nem com o centro da corrupção.

Deus quis se manifestar, sim. Desejou se dar a conhecer. Desejou encontrar-se com seu povo… e de fato o encontrou. Mas o povo de Deus não são os donos do poder e da riqueza, pois estes oprimem o povo. Deus desejou se dar a conhecer e se manifestou para os marginalizados: pastores e sem teto. Aos estrangeiros: magos do oriente.A partir do útero de uma mulher: sua mãe Maria.

A celebração da Epifania, portanto, é a celebração da estrela que direcionou os passos dos magos, acolheu os marginalizados na figura dos pastores,colocou uma mulher no centro da história da salvação. E se aderimos ao menino do presépio, podemos dizer como os magos: “Vimos a sua estrela e viemos adorá-lo”.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Santa Mãe de Deus - Senhor te abençoe e te guarde!

(Reflexões baseadas em: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21)




Nossa celebração de hoje está voltada para Santa Maria, Mãe de Deus.

Essa solenidade se deve ao fato de que, no catolicismo, existe uma postura diferente das Igrejas Irmãs, em relação a José e Maria, os pais de Jesus.

Para os cristãos católicos, a família de Jesus é muito importante, pois foram eles que deram o suporte humano para que o Filho de Deus pudesse desenvolver-se dentro da sua humanidade e assim pudesse bem assumir sua divindade.

A teologia católica afirma que Deus quis contar com a ajuda humana para que a divindade de Jesus se encarnasse e se humanizasse.Só assim Deus, encarnado como Filho, realizou sua entrega humana de forma que sua vida se tornou modelo de vida e, com sua total entrega, realizou a completa redenção. Foi com sua família, seu pai e sua mãe, que Jesus de Nazaré aprendeu a valorizar os dramas humanos a fim de libertar ser humano das dores desses dramas.

Com essa perspectiva é que, uma semana após o Natal do Senhor voltamos nossos olhos para a Mãe desse Senhor, o Deus que vem a nós com um recém nascido. Um nascimento que trouxe a nós uma bênção (Números 6,22-27). Da mesma forma que na Antiga Aliança o povo recebeu a bênção pela invocação do nome do Senhor, Maria, a recebeu na forma da maternidade divina (Lucas 2,16-21).

Sobre o povo, Moisés deveria invocar a bênção de Deus cuja face brilha e tem compaixão. Um Senhor que dá a paz! E o livro dos Números diz algo mais: o nome do Senhor da paz sendo invocado para a paz será, também, motivo de bênção. “Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei” (Nm 6,27).

Hoje, nos “tempos da Igreja”, pedimos a paz ao Senhor Jesus, o príncipe da paz. Mas também pedimos a intercessão da Mãe de Deus, pois só ela “guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19); e diante das necessidades ela insiste: “Fazei tudo que ele vos disser” (Jo 2,5).

Hoje sabemos que toda mãe só se sente bem quando vê os atos, desejos e sonhos do filho sendo realizados. Nós, os seguidores do filho de Maria, sabemos que Jesus promoveu a paz; que ele deu a paz aos seus seguidores. Por isso, nos tempos da Igreja, a mãe de Jesus também é conhecida como Rainha da Paz. E essa é mais uma bênção que a Mãe de Deus pede ao Filho a fim de partilhar com o mundo que crê naquele que ela embalou no ventre de mãe.

Além disso tudo, temos algo a mais a aprender com Maria, mãe de Jesus. Ela pode ser vista como exemplo de quem sabe seu lugar. Em mais de um momento, nas narrativas dos evangelhos, podemos acompanhar a postura de Maria. Não como quem pretende se impor sobre o filho, mas como quem educa para seguir o caminho humano que leva a Deus. Mostrou que não se deve cair em desespero se o filho foge do alcance dos olhos. Sentindo sua ausência, na caravana, manteve a serenidade e o encontra entre os doutores da lei. E ali, serenamente orienta o filho a não deixar os pais preocupados (Lc 2,48).

Naquela festa de casamento mostra ao Filho que, além de se divertir,o convidado pode ficar atento e ajudar os noivos. Por isso o alerta sobre a falta de vinho (Jo 2,3) prefigurando a oferta do sangue entregue no vinho… Quer dizer, a mãe não se sobrepõe ao Filho, mas o orienta. Exerce o papel de mãe, mesmo sabendo ser ele o Filho de Deus. Ela sabe que até Deus precisou viver humanamente para que os seres humanos pudessem entender seu valor e perceber a grandeza do plano de Deus.

O fato é que ninguém foi tão decisivo para que Deus chegasse a nós, vivesse entre nós, e aprendesse o sentido da vida humana,como a Mãe de Deus (Gálatas 4,4-7). O fato é que Deus olhou para a grandeza daquela simples menina, Maria de Nazaré. E Deus a escolheu para cumprir seu plano de amor; Deus a escolheu para ajudar na consumação do plano de salvação; Deus a escolheu como simbolo de doação. Por tê-la escolhido foi que “quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei” (Gal 4,4).

Enfim, pela maternidade de Maria, a Mãe de Deus, recebemos a adoção divina. Pela maternidade de Maria, em Jesus, podemos chamar a Deus de Pai, como ele ensinou. “E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá - ó Pai! Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro: tudo isso, por graça de Deus” (Gal 4,6-7). E, como tudo é graça e dom de Deus, Ele também nos deu uma Mãe, que é a própria Mãe do seu Filho.

E assim, olhando para seu modelo de vida, ousamos pedir sua intercessão para que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor se compadeça de ti e te dê a paz!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:












TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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