domingo, fevereiro 19, 2023

Cinzas: O Pai vê o que está escondido

(Reflexões baseadas em: Joel 2,12-18; 2 Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18)




Os profetas sempre alertaram e continuam a nos chamar a atenção… mas nem sempre lhes ouvimos o aviso.

Sabendo disso a Igreja, que é sábia e também profética por vocação, retoma as palavras dos profetas, dos apóstolos e do próprio Jesus para nos alertar.

E qual o alerta de hoje?

Trata-se de um convite do Profeta Joel (2,12-18). Um convite da parte do Deus de misericórdia. O profeta chama, convidando o povo a retornar ao convívio com Deus. Mas um retorno de todo o coração. Um convite para voltar ao Senhor com o coração e não com gestos exteriores. Convite para rasgar o coração e não as vestes, pois as vestes rasgadas não representam as verdadeiras intenções que cada pessoa carrega no coração...

Esse processo de conversão, indicado pelo profeta, tem um objetivo: receber o perdão pelos erros praticados, cotidianamente pelos indivíduos e pela nação; os pecados que geraram o afastamento do Senhor, e por isso todos estão ameaçados. É necessário voltar para Deus a fim de receber de volta seu perdão. Afinal “ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar” (Jl 2,13).

Assim como o profeta, Paulo (2 Coríntios 5,20 – 6,2) também cobra uma nova postura. Afirma o apóstolo que chegou o tempo de reconciliação. Por que? Porque Jesus de Nazaré inaugurou um novo tempo. Por isso é que “hoje é o dia da salvação”.

A vida de Cristo, sua entrega na cruz e sua ressurreição, não foram somente uma caminhada de Deus com as pessoas. Foi muito mais! Jesus foi e continua sendo aquele que nunca cometeu pecado. Nasceu e permaneceu puro, a nos mostrar o caminho. Entretanto, “Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”. E com isso a redenção foi oferecida e está à disposição de todos. Para isso é preciso apenas seguir a proposta de Paulo: “deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20-21).

Com isso vamos nos dirigir ao encontro com as palavra de Jesus: vigilância! (Mateus 6,1-6.16-18).

Um convite como aquele feito pelo profeta ao convidar “voltai para o Senhor”; “Voltai parra mim!”... Um convite na forma que Paulo propõe: “nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus,”… Mas Jesus faz o convite com muito mais intensidade: cobra a vigilância constante em relação às atitudes: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos”; cobra vigilância na hora de dar esmola, o que deve ser feito na simplicidade evitando a ostentação “para serem elogiados pelos homens”; vigilância na atitude orante: no silêncio do quarto para conversar na intimidade com o Senhor; vigilância no ato de jejuar, para que seja um gesto de solidariedade com quem passa fome…

Este é o grito profético de Jesus: Realizar grandes coisas, mas de forma simples, sem fazer alarde, sem buscar a auto promoção, sem buscar os holofotes dos elogios… pois esses que assim procedem “já receberam a sua recompensa”.

O grito da profecia, hoje,tem um destino, apontado pela voz profética da Igreja: uma dor produzida pela sociedade. A direção para onde o chamado profético da Igreja quer os nossos olhos e nosso compromisso é um drama social, construído pela sociedade. O alerta da profecia, que ressoa cobrando nossa conversão, tem um só destino: a fome institucionalizada.

Esse é o pecado pelo qual nossa sociedade tem que pedir perdão. O drama da fome instalada, de forma estrutural e conjuntural, em nossa sociedade, é o pecado que clama aos céus. Esse é o nosso pecado… e não adianta dizer que “eu colaboro com cestas básicas”; não adianta dizer que “eu dou esmola quando o pedinte me interpela”; não adianta dizer… mesmo esses gestos ainda são insuficientes.

Nos dias atuais, dar esmola, fazer jejum, colaborar em campanhas assistenciais, mesmo sendo atitudes necessárias, ainda não são o gesto de “rasgar os corações”; esses ainda são gestos de apenas “rasgar as roupas”. Diante do pecado da nossa sociedade, os gestos assistenciais e solidários não mudam nem colocam um ponto final nas causas do problema.

O grito e o alerta da profecia, para nossos dias, exige conversão das estruturas que geram a fome. Exigem reconciliação com Deus da sarjeta social, econômica… cobrando nossa ação a fim de eliminar as causas das dores. Essa é a atual exigência. Para essas atitudes é que está olhando o Pai, aquele que “vê o que está escondido e dá a recompensa”.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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