quinta-feira, 31 de março de 2022

Rondônia: Os primeiros passos da colonização

1- Pouco sabemos

Pouco sabemos a respeito das primeiras eras do planeta, em relação a amazônia. Mas a formação da região acompanhou os ciclos de formação de outras regiões da terra. Dessa forma podemos dizer que a região amazônica existe desde as origens do planeta, mas a presença do ser humano pode ser confirmada desde aproximadamente 11.000 anos.

Os pesquisadores falam de povos ancestrais que viveram e desapareceram deixando apenas seus vestígios e a indagação a respeito do que lhes teria acontecido, de onde vieram e qual seu destino. Também é incerta a origem das atuais nações indígenas que ainda sobrevivem na amazônia.

Sabemos que esses povos viviam da coleta e da caça, mas não podemos dizer quais deles eram mais desenvolvidos nem os que já haviam atingido o estágio sedentário. O que os pesquisadores nos informam é que pela amazônia eles deixaram seus sinais em antigas construções e nos sambaquis.

Um pouco mais próximo de nós estão os atuais povos. Aqueles que aprendemos a chamar de índios. Também não sabemos sua origem, mas representam outro grupo de ocupantes da América e, consequentemente, da amazônia pré-colombiana.

Se por um lado a presença dos povos ancestrais é indefinida, por outro lado a presença do homem branco europeu é mais facilmente localizada no tempo. Embora existam indícios de que os Vikings podem ter passado pela América, os registros históricos nos indicam que as primeiras expedições de europeus pela amazônia podem ser situadas a partir do século XVI. O primeiro europeu, a mando da Espanha, desceu dos Andes seguindo o curso do rio Amazonas até chegar ao Atlântico, em 1542. Seu nome Francisco Orellana.

Da parte dos portugueses, a aventura coube a Raposo Tavares. Saiu de São Paulo, em 1648 com mais de mil acompanhantes: colonos, carregadores e índios escravizados. Em seu trajeto usou os rios Tietê, Paraguai, Grande, Guaporé, Madeira e Amazonas.

Pelo seu trajeto sabemos que passou pela região que futuramente seria Rondônia e seguiu pelos rios Madeira e Amazonas até o litoral atlântico. Retornou a São Paulo pelo litoral atlântico, em 1651. Nesses três anos de expedição, dos mais de mil integrantes da expedição, retornaram 59 brancos e alguns índios.





2- Os caminhos para a amazônia

Os caminhos para a amazônia está ornado pelas lendas que moveram o interesse pela região.

Inicialmente e a partir das primeiras expedições de europeus, cresceu a ideia de que na imensidão da floresta existiam tesouros inimagináveis, mas sonhados. Falou-se das ricas terras guerreiras Amazonas, tão cobiçadas e descritas como belas, mas nunca vistas ou encontradas.

Também se falava de um país rico, o Eldorado. Local onde era possível tomar banho em lagos de ouro em pó. O que, também, nunca foi encontrado, mas, nem por isso, deixou de alimentar os sonhos e as ambições dos exploradores.

Tanto isso é verdade que os espanhóis aventuraram-se pelos rios da região. Não queriam colonizar e habitar, mas apenas explorar e saquear as tão sonhadas riquezas minerais. Não as encontrando, nem as sonhadas florestas de canela, dedicaram-se à escravização de índios. Todas as incursões espanholas, se deram mediante exploração fluvial, facilitada pela navegabilidade dos grandes rios. Mas estes e concentraram nas proximidades dos Andes, que era sua região por direito, assegurado me Tordesilhas em 1494.

Pelo lado português a aventura amazônica se dá quando avançam para além da divisa de Tordesilhas. Inicialmente apenas como aventureiros e exploradores em busca de coisas de valor.

No ano de 1616 os portugueses erguem o Forte do Presépio, dando origem à cidade de Belém. Passados 21 anos (1637) Pedro Teixeira explora a região em busca das drogas do sertão e riqueza minerais. Navega pelos rios amazônicos e na bacia do Madeira explora a salsaparrilha, cravo, copaíba e baunilha. Mas não achou nem ouro nem prata.

Também a partir do sul, da atual região de São Paulo, os bandeirantes se embrenharam na busca de mão de obra escrava. Esses bandeirantes acharam ouro. O chamado ouro de aluvião, nas margens dos rios. Com essas incursões forma-se o arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Também avançando para além dos limites da linha de Tordesilhas.

Essa região foi chamada de Mato Grosso porque a vegetação era diferente daquelas campinas da chapada dos Parecis. Na chapada a vegetação é de cerrado e nesse interior Mato-Grossense a floresta era densa e com grandes árvores. Área de transição do cerrado e o mundo amazônico.

Entretanto, ao longo de todo o século XVII tanto portugueses como os espanhóis não haviam assegurado a efetiva ocupação da amazônia nem de Rondônia. Os motivos: a dificuldade em sobreviver aos desafios da floresta; e inexistência de minerais e pedras preciosas; a indefinição da fronteira; a valentia dos índios…

O domínio português só se efetivou a partir de meados do século XVIII, a partir do tratado de Madri, em 1750.



3- Para ser o que é

Para ser o que é hoje, o Brasil foi sendo construído por conquistadores e por acordos entre Portugal e Espanha.

Entre os anos de 1580 e 1640 Portugal e Espanha estiveram unidos sob um só governo. Esse período é denominado de União Ibérica. Isso ocorreu porque o rei português havia morrido e o rei espanhol, parente do falecido, assumiu o trono. assim as duas nações passaram a ser uma só.

Nas colonias americanos isso representou a solução de um problema. Onde começava e onde terminava o território de cada nação? Agora tudo sob o mesmo rei, não havia motivos para respeitar o antigo tratado de Tordesilhas, de 1494.

Aconteceu que, em 1640, os portugueses recuperam a autonomia. Termina a união. Invocaram-se, novamente, as antigas divisas. Entretanto e na prática da colonização, colonos de ambas as nações haviam avançado. E contestaram a iniciativa pois havia muitos colonos, de ambos os lados, ocupando áreas além dos limites de Tordesilhas. Na prática dos colonos esse tratado fora anulado.

Por esse motivo as duas nações se propuseram fazer um novo acordo. Este, agora, assinado em Madri, no ano de 1750. Ficou conhecido como Tratado de Madri. É que se costuma denominar o tratado com o nome da cidade onde é assinado.

Graças a esse acordo as duas nações evitaram uma guerra na Europa. Mas isso não eliminou os conflitos entre os colonos. Como ambos os lados haviam avançado, retroceder seria perder os investimentos e benfeitorias já realizadas. E os atritos se deram. De forma mais intensa no sul e de forma menos agressiva na amazônia.

Mas é fato que, também no norte, na grande amazônia, havia muitos ocupantes das duas nações hostilizando-se mutuamente. E os riscos de invasão era constante. Por essa razão ao longo de toda a fronteira norte do Brasil foram erguidos vários fortes. A presença militar era a forma de assegurar o domínio.

Entre esses fortes foi edificado um nas margens do rio Guaporé: o Forte Príncipe da Beira. Sua função era evitar uma possível invasão espanhola, assegurar o domínio português e dar suporte aos aventureiros que desejassem colonizar o universo verde da amazônia que no século XX seria Rondônia.

Com base no Tratado de Madri, Portugal cedia à Espanha a Colônia de Sacramento, atual Uruguai. E o governo espanhol entregava a Portugal a região dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul.

O tratado foi assinado com base no “uti possidetis, ita possideatis”, um antigo princípio do direito romano e significa que quem ocupa um território é seu proprietário. Alguns colonos e muitos missionários portugueses haviam se estabelecido nas proximidades do rio Amazonas e seus afluentes. Os portugueses invocavam isso para assegurar seu direito sobre a amazônia.





4- A Divisa Oeste

A divisa oeste, do Brasil, precisou ser defendida, no processo de interiorização das colônias. Nasceu, assim, uma cadeia de fortificações ao longo da fronteira oeste do Brasil.

Os fortes, inicialmente foram erguidos no litoral, para defender a colonia contra franceses e holandeses. Quando a ocupação avançou para o interior foi que surgiram outras necessidades

Devemos notar, entretanto, que a instalação dessas fortificações são tardias em relação à colonização do litoral, que ocorreu desde o início, após o descobrimento. A ocupação oeste se deu a partir do século XVII, quando os portugueses se decidiram enfrentar e expulsar os invasores: franceses, ingleses e holandeses.

Só a título de exemplo podemos mencionar que em 1669 foi instalado o forte São José do Rio Negro para conter a circulação e navegação espanhola. E os fortes Paru e Macapá, instalados em 1685 tinham a função de impedir a presença francesa na região. Entretanto, um dos mais antigos é o forte do Presépio, fundado em 1616, o qual deu origem à cidade de Belém.

No processo de ocupação da amazônia os fortes também ganharam a função de ponto de apoio para os colonos. Além disso, a partir do fim da União Ibérica, quando os colonos buscavam apoio para efetivar a ocupação da região, os fortes passaram a representar a força portuguesa na região. E após a assinatura do Tratado de Madri asseguraram a presença portuguesa na amazônia e, com isso, garantiram a posse lusitana.

Da mesma forma que as fortificações, as missões religiosas também representaram a marca do homem branco na região. Os principais grupos missionários foram os carmelitas, instalados em 1627 e os Jesuítas que chegaram em 1636. Evidentemente, além destas, várias outras ordens religiosas vieram para a região, mas pode-se dar um crédito a mais às missões dos Jesuítas visto que em 1720, das 63 missões na região, 19 estavam só o comando da Companhia de Jesus.

Com o objetivo de catequizar os índios, apresentando-lhes a proposta do cristianismo, os missionários instalavam as missões que consistiam, basicamente, em uma moradia para os missionários, uma igreja e uma escola. Essa estrutura podia ser ampliada na medida em que se obtinha sucesso na missão.

Deve-se ainda registrar que as missões também serviram como ponto de apoio aos colonos, exploradores e coletores das drogas do sertão. E, sem sobra de dúvidas foram estes personagens que efetivaram a expansão territorial da colonia que virou Brasil.

Emfim, podemos dizer que os fortes e as missões desempenharam importante papel não só na definição da fronteira oeste como também foram fundamentais para ajudar a fixação do colono ao mesmo tempo que repeliam os ataques estrangeiros.

O fato é que a amazônia, e neste caso, Rondônia, só foi incorporada ao Brasil porque missionários e colonos resolveram ultrapassar as divisas...

Neri de Paula Carneiro
Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador
Rolim de Moura - RO

sexta-feira, 25 de março de 2022

Quaresma 4 – Vou voltar para meu pai

(Reflexões baseadas em: Josué 5,9-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32)




Você já se deu conta de que todos os dias temos possibilidades de nos tornarmos uma nova pessoa? Nos lançarmos em novos projetos? Vivermos uma nova vida?

Isso é o que o apóstolo Paulo está propondo aos cristãos da comunidade de Corinto (2Coríntios 5,17-21): assumir a novidade que é a vida nova em Cristo. Também é isso que Josué (Josué 5,9-12) ouve de Deus: o fim de uma situação de sofrimento, ou seja, a proposta de dar um novo rumo para a história, o início de uma nova história...

E, principalmente, é o que Jesus nos apresenta, por meio das palavras de Lucas (Lucas 15,1-3.11-32) com a parábola do filho que retorna à casa do pai.

Os companheiros de marcha, que andavam com Josué,recebem o comunicado: a partir de agora teriam como alimento não mais o “maná”, o alimento do céu, mas “os produtos da terra” (Js 5,11-12). A terra da qual estavam tomando posse. Essa transição, deixando de ser andarilhos do deserto para se tornarem produtores foi sua proposta para redirecionar a vida. A vida de sofrimentos, passaria a ser uma vida de fartura.

Notemos, entretanto, que não se trata apenas de um presente divino. Trata-se de colher o alimento, que é “fruto da terra”.Para isso, entretanto, existe todo um processo de trabalho, pois se tem colheita, sem ter antes, o plantio, o preparo da terra, o preparo da semente… O alimento, dom de Deus, portanto, não se apresenta espontaneamente. Depende do trabalho, do esforço, da dedicação. Não é resultado de um ato isolado, milagroso, mas de um conjunto de atividades que sintetizamos na palavra trabalho.

Isso implica dizer que existe uma nova vida; que é possível mudar de vida, que é possível reconstruir a vida… mas, com certeza essa vida ou situação melhor não nasce espontaneamente, mas nasce como fruto de trabalho. Como resultado de dedicação!

Mas não é só isso. Ao se colher os “frutos da terra”, resultado do esforço e do trabalho de alguém, é necessário o gesto da gratidão. Josué e seus companheiros fizeram isso: celebraram a páscoa (Js 5,10); celebraram a saída de uma situação de sofrimento e a passagem para uma nova vida.

Qual é a fonte para essa vida nova? Paulo responde: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo. E tudo vem de Deus, que, por Cristo nos reconciliou” (2Cor 5,17-18). A fonte da nova vida é o próprio Cristo vivo.

Coroando essa proposta,Lucas nos apresenta Jesus contando a parábola dos dois filhos. O mais novo querendo uma nova vida, pediu a partilha dos bens. Foi para a vida nova que desejava e nela perdeu tudo. Sua nova vida, em vez de alegrias, virou tragédia. Decidiu-se por trilhar novo caminho, buscando outra vida. Decidiu voltar para junto do pai que o acolhe de braços abertos.

Sua aventura o trouxe de volta ao lar. Voltou para o lugar de onde havia partido, e aí encontrou a realização. A acolhida do pai, o retorno ao que havia deixado, a volta às origens… essa foi sua nova vida, seu novo começo: o retorno ao que havia abandonado!

Por sua vez, ali ao lado do pai, vivera sempre o irmão mais velho. Nunca abandonara o pai. Sempre teve tudo ao lado do pai. Mas nunca havia percebido esse convívio como algo bom e desejável…; seu cotidiano, ao lado do pai, não o estava deixando ver a riqueza em seu cotidiano. E, ao ver o pai recebendo o irmão aventureiro, sentiu-se humilhado, excluído, abandonado, desprestigiado… Tanto se ressentiu com a festa ao irmão aventureiro que nem quis entrar para comemorar o retorno do irmão. Ele “ficou com raiva e não queria entrar” (Lc 15,28). Foi necessário o pai vir ao seu encontro para mostrar que a felicidade, a vida nova, aquilo que realmente importa, estava ali, ao alcance da mão. A vida nova e feliz estava ali, junto ao pai e isso o irmão mais velho sempre tivera…

Cabe nos perguntarmos, e espero que você me ajude em busca da resposta: quem é o “filho pródigo”: o irmão mais novo que aprontou todas e voltou arrependido para o pai ou o irmão mais velho, magoado com a acolhida do irmão que retornava, não se dava conta do valor do convívio com o pai?

A felicidade de uma vida nova, que o irmão procurou, não estava longe, noutro país,num mudo de aventuras; sempre esteve ali, onde estava o irmão mais velho, trabalhador dedicado. Ambos os irmãos não haviam se dado conta disso. Um foi buscar longo; o outro não se dera conta do valor… Como, então, redimensionar a vida? O que fazer para perceber e usufruir do valor daquilo que está ao nosso redor…?

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 17 de março de 2022

Quaresma 3 – Eu ouvi, eu vi, eu desci

(Reflexões baseadas em: Êxodo 3,1-15; 1 Coríntios 10,1-12; Lucas 13,1-9)




Talvez como resposta a quem pergunta o porquê do engajamento social daqueles que tentam vivenciar sua fé.Talvez uma possibilidade de superar uma religião vazia por uma fé engajada. Talvez como luz para assumir uma postura e um direcionamento: seguir os passos do Senhor da História. Talvez como um dos fundamentos para a Doutrina Social da Igreja...

Poucas vezes, na Bíblia, Deusse manifesta com tanta intensidade, como no livro do Êxodo, particularmente em 3,1-15. E o Senhor da História faz isso de forma definitiva, pois não só se manifesta, dando-se a conhecer: “Eu sou o Deus de teus pais” (Ex 3,6) como também se apresenta como o Deus que toma a defesa dos injustiçados: “E o Senhor lhe disse: 'Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos. Desci para libertá-los” (Ex 3,7-8). Mas, ao mesmo tempo, estamos diante de um Deus que não age sozinho nem faz aquilo que as pessoas podem fazer: “E agora, vai! Eu te envio para libertar meu povo” (Ex 3,10).

Deus dá o suporte, mas a força e a coragem para a ação sócio-política é nossa!

Trata-se de um Deus que se manifesta na história do povo, em favor do povo, para alimentar a esperança e a ação desse povo!E faz isso porque não suporta ver as dores dos menos favorecidos e excluídos que clamam por seu amparo!

Poucas vezes o apóstolo Paulo deixa tão clara as consequências dos atos dos cristãos como aqui ao se dirigir à comunidade de Corinto (1Cor 10,1-12). E o apóstolo também se vale da história para explicar: “Os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem e todos passaram pelo mar” (1Cor 10,1), na caminhada da libertação. Qual a consequência disso? Paulo o demonstra: Os pais comeram e beberam os dons espirituais, mas seus atos desagradaram ao Senhor e, por esse motivo, “morreram e ficaram no deserto” (1Cor 10,5).

Note-se que não se trata da morte do corpo físico que é feito, naturalmente, para o fim. A morte de que fala o apóstolo é aquela pela qual a pessoa fica afastada de Deus. A vida é o convívio com a divindade e a morte o distanciamento. Ficar no deserto corresponde ao abandono, ao distanciamento definitivo. O deserto é a ausência de vida e a vida é Deus!

Como, então evitar essa morte?

Agir e fazer o que é certo! Fazer o bem! Diz o apóstolo: aquilo que aconteceu com os pais corresponde a modelos a serem evitados. “Esses fatos aconteceram para serem exemplos para nós, a fim de que não desejemos coisas más, como fizeram aqueles no deserto” (1 Cor 10,6). Com isso querendo dizer: o que conta, que o interessa, o que dá a vida e tira do deserto da morte não são as aparências, mas os frutos.

Poucas vezes, também Jesus, apresentou um ensinamento tão radical como este que nos oferece no evangelho escrito por Lucas (Lc 13,1-9).Também o Mestre ensina: a morte não ocorre porque alguém é mais pecador que outro. Se assim fosse alguns morreriam e outros permaneceriam vivos em seus corpos

Não! A morte, o deserto, a absoluta distância do convívio divino resulta de nossas opções. Ao pecado Deus dá o perdão, desde que haja arrependimento. O afastamento de Deus ocorre por conta das opções pessoais e porque as pessoas não se convertem. É disso que Lucas fala ao apresentar o ensinamento do mestre: “se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5).

Por isso a importância dos frutos, conforme a parábola de Jesus. A figueira foi plantada para dar frutos. Mas depois de três anos, nada produziu. Daí sua decisão: cortar a figueira improdutiva (Lc 13,7). Entretanto alguém intervém. Alguém se propõe a oferecer ajuda, na forma de adubo. Alguém oferece mais uma oportunidade, uma última chance depois da qual haverá muitos frutos… ou o deserto, a morte, o vazio… Não a morte do corpo, que é algo natural… mas o vazio da ausência de Deus. “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9).

Portanto, não se dissociam: a preocupação e a ação social da postura orante; a postura orante é aquilo que leva à ação social. E o exemplo vem do próprio Senhor da História que, ao se manifestar a Moisés, lhe assegura: eu ouvi, eu vi, eu desci para libertar meu povo. Por esse motivo, diz o Senhor: Eu, o Senhor, estou te enviando. Como a dizer: eu faço a ação sócio-política, mas eu a realizo por meio da tua ação. É a ti que eu envio: vai e liberta meu povo!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 11 de março de 2022

Quaresma 2 - Somos cidadãos do céu

(Reflexões baseadas em: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,17 -4,1; Lucas 9,28b-36)




Notemos como são belas as palavras de Paulo (Fl 3,17-4,1), dirigindo-se à comunidade dos filipenses. Para eles o apóstolo explica em que consiste a identidade dos seguidores de Jesus. Da mesma forma que, no livro do Gênesis, nos enche de esperança a promessa que Deus faz a Abraão (Gn 15,5-12.17-18), dizendo-lhe que não lhe faltará terra e descendência.

O caminho para realização da promessa divina e para assumir a identidade cristã nos levam ao momento em que Jesus se dá a conhecer em sua face divina (Lucas 9,28b-36). Podemos notar que, não só Jesus se apresenta, como também o Pai se manifesta apresentando seu enviado: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!” (Lc 9,35).

Eescutar Jesus não é só ouvir suas palavras, mas também, acompanhar seus atos, pois eles dizem muito de seu Projeto de Salvação.

Em seu cotidiano, pregando, curando, consolando a todos que se aproximaram dele, Jesus se comporta como as demais pessoas: como e bebe, diverte-se e circula por entre as demais pessoas e inserido em sua comunidade.

Mas emseus momentos de oração, na intimidade com o Pai, manifestava-se como realmente é: o Deus Filho. E neste trecho que estamos analisando Jesus se manifesta plenamente em sua divindade; na plenitude de sua glória; mostra-se como o Deus da luz e iluminador para a vida das pessoas. Entretanto, e em princípio, só isso não teria muitas novidades, pois realmente Jesus é o isso. Aqui, o que conta é o significado dessa manifestação gloriosa, pois ela tem um sentido a mais do que só a transfiguração divina da pessoa de Jesus. Aqui está o fato de que, ao se mostrar glorioso, Jesus nos diz que assim também seremos nós, quando seguimos seus passos e nos esforçamos para continuar sua obra. Também nós somos destinados à luz.

Não é demais lembrar que Abraão foi recompensado com terra e descendência como resposta de Deus ao seu ato de fé. “Abrão teve fé no Senhor, que considerou isso como justiça” (Gn 15,6). Uma fé que foi provada no fogo do sacrifício. Uma fé pela qual o Senhor se compromete a conceder a recompensa. E assegura isso ao passar como um braseiro entre as partes do animal sacrificado (Gn 15,17). Da parte de Abraão, apenas o compromisso de fé; da parte do Senhor a concessão de uma graça.

O ato de fé de Abraão repercute em Paulo, ao ponto do apóstolodizer que muitas pessoas não apostam nem trilham os caminhos do Senhor: “há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas. (Fl 3,18-19). E se observarmos bem, essa situação se repete em nossas comunidades e na sociedade.

Ao contrário disso, aqueles que aderem ao projeto do Senhor,são os verdadeiros “Cidadão do céu” (Fl 3,20). E, como tal, da mesma forma que a Abraão, o Senhor se compromete na forma de uma promessa esperançosa “Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,21).

Ao cristão só cabe uma postura: além de alimentar e desenvolver a fé, engajar-se na preparação e na implantação do Reino de Deus. Notando que, da mesma forma que Deus se fez um de nós e se manifestou como Jesus de Nazaré, a fim de nos mostrar o caminho da glorificação, assim também nós, em nossa vida humana, sofrida e sentida, estamos nos preparando para o encontro com a glória celeste, seguindo os passos de Jesus.

Jesus se mostrou glorioso para nos mostrar de onde veio e para onde retorna. E nós, contemplando sua glória e nos espelhando em suas ações, nos preparamos para nosso destino, pois, a convite do Senhor, todosestamos destinados e sermos cidadãos do céu… mas ainda a caminho!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 4 de março de 2022

Quaresma 1 - Todo que nele crer

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13)


O primeiro domingo da quaresma nos propõe uma tomada de decisão e um ato de fé. Mas essa é uma tomada de decisão que tem que ser radical: trata-se de saber a quem queremos seguir; trata-se de seguir aquele que merece nosso ato de fé; trata-se de dizer em quem acreditamos.

O livro do Deuteronômio (26,4-10) nos apresenta uma profissão de fé, dos judeus. Uma profissão de fé que tem um fundamento: a história e o cotidiano de um povo cativo; a opressão do povo; a miséria do povo e a libertação que o Senhor realizou “com mão poderosa e braço estendido” (Dt 26,8); libertação pela qual o povo sai de uma situação angustiante para receber uma terra “onde corre leite e mel” (Dt 26,9): uma terra de fartura!

Esse é o motivo da fé: um Deus libertador! Um Deus que toma partido e defende os seus. Um Deus que se preocupa com os seus. Um Deus que, com suas opções, nos ensina como agir: em favor dos que precisam, dos oprimidos, dos explorados, dos excluídos… o que faz deles merecedores do amparo do Senhor!

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos (10,8-13), também apresenta um apelo à fé. Ele nos apresenta o Senhor que, além de libertar das situações de opressão, também oferece a salvação numa vida plena. E faz isso não somente como promessa, mas como exemplo de vida. O apóstolo dá exemplo de vida aderindo ao projeto salvador de Jesus da mesma forma que o Filho de Deus faz de sua vida um modelo para aqueles que o querem seguir. Estes, diz o apóstolo, não serão confundidos (Rm 10,11) uma vez que seguem as trilhas do Senhor. Um seguimento que elimina toda exclusão “não importa a diferença entre judeu e grego; todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que o invocam” (Rm 10,12).

Mas em que consiste a adesão a Jesus e ao seu plano? Num ato de fé que precisa ser expresso nas atitudes. “Se, pois, com tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10,9).

Essa adesão, ao Senhor Jesus (Lc 4,1-13), não significa que não se irá enfrentar as tentações. Elas virão, pois o tentador não poupou nem mesmo a Jesus. Mas o problema não são as tentações e sim deixar-se levar por elas. Por isso o ato de fé, a adesão ao plano de Deus, dá o suporte contra as fraquezas.

E, é bom que se diga, Jesus embora filho de Deus, não enfrentou a tentação como Deus, mas como filho de José e Maria. Ou seja, Jesus superou as tentações, como ser humano, pois se as tivesse superado como Deus, não seria um bom exemplo. Nesse caso poderíamos dizer: pra ele foi fácil, ele é Deus. Mas a proposta de Deus é mostrar que o ser humano pode vencer as tentações, pois Jesus de Nazaré as venceu. E não foram poucas nem assim tão simples. Jesus venceu tentações que representam valores essências do ser humano.

Venceu a tentação do poder. “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória” (Lc 4,5). nesta tentação muitos de nós caímos. Quem é que não gosta de se sentir superior? Quem não se sente bem em aparecer ao lado de autoridades, como a dizer: olha como sou importante! E Jesus venceu esta tentação para mostrar que se o poder não é para servir, não serve para nada!

Venceu a tentação da gula, da mesa farta: “manda que esta pedra se mude em pão” (Lc 4,3). Ceder a isto o colocava muito próximo da ostentação e do egoismo. Afinal pensar em matar a fome sem pensar e sem promover o acesso de todos à alimentação, é um ato egoísta.

Venceu a tentação da divinização; da tentativa de manipular os atos divinos. Fez isso quando foi levado à “torre mais alta templo” e o diabo lhe propôs “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! 10Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!” (Lc 4,9-10).

O amparo divino é um dom. É uma graça. Não é algo semelhante a um produto num supermercado onde chegamos e pegamos o que nos agrada quando queremos e sempre de acordo com nossa vontade. O dom divino é gratuidade e retribuição ao bem realizado.

Jesus venceu as tentações e com isso demonstrou que o ser humano pode vencer. Mesmo sendo tentado pelo diabo, pode-se vencer as tentações. A exigência e o critério é apenas o ato de fé. Mas é preciso lembrar que o tentador está a espreita para “retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13), entretanto sempre poderá ser vencido pois “todo aquele que nele crer não ficará confundido” (Rm 10,11)




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Quarta feira de cinzas: Na frente das pessoas

(Reflexões baseadas em: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18)



Qual o melhor momento para fazer caridade?

Tenho certeza que você vai responder: quando alguém estiver precisando.

A caridade, portanto, é uma resposta a uma necessidade.

E já que estamos de acordo que a caridade é uma resposta a uma necessidade, vamos nos indagar: minha caridade tem que ser vista ou deve ocorrer longe dos holofotes, das fotos, das postagens nas redes sociais…?

Aqui surgem as divergências. Creio que todos dirão que a caridade deve ser praticada em função daquela necessidade que a solicita, sem ostentação. Mas também encontramos aqueles que fazem questão de mostrar seu gesto; aqueles que fazem questão de contar a todo mundo o gesto solidário realizado…os que se divulgam ao mundo, pelas redes sociais...

Qual é a postura correta? A resposta segura e definitiva vem de Jesus de Nazaré (Mt 6,1-6.16-18). E se quisermos um reforço, o profeta Joel também oferece uma orientação (2,12-18) a respeito de como proceder.

Com certeza, no tempo de Jesus e entre seus concidadãos, havia muitos necessitados. Confirma isso o fato de, constantemente, Jesus curar os desassistidos, amparar os famintos, aliviar as dores de todos. E orientava seus discípulos a fazerem o mesmo. Para isso tinha uma orientação básica: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles” (Mt 6,1). Por quê? Porque o “ser visto” já é a recompensa!

Então o que quer o Senhor?

Não quer ostentação. Não quer o exterior. Quer o que vai no coração. O costume antigo, era usar roupas rasgadas para demonstrar o ato de penitência. Não é esse o desejo de Deus, pois o “rasgar as roupas” é um sinal exterior. “Rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus” (Jl 2,13). O coração é o símbolo do sentimento interior. É isso que interessa ao Senhor. Pois o “penitente” pode fazer um gesto externo, mas não assumir a intenção sincera da penitência ou da oração.

Então vamos ver o que Jesus ensina para os seus. Ele ensina a fazer os atos de caridade com as corretas intenções. A esmola, a oração, o jejum… devem ser discretos, pois a ostentação não é um gesto para Deus e sim para as pessoas. As pessoa olham para o exterior; Deus vê a intenção. E assim todos os gestos de caridade, feitos e expostos, não atraem a atenção de Deus, mas sim das pessoas. E, o que é pior: expõe a fragilidade daquele que está passando por necessidade.

E Jesus é categórico, nisso: “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens.” (Mt 6,2). Evidentemente a pessoa que recebeu a ajuda, fica agradecida...e exposta em suas dores, mas a intenção daquele que fez o bom ato, não estava na ajuda ao necessitado e sim em mostrar aos demais a caridade realizada. Está preocupado com a própria imagem. Faz para ser visto!

O mesmo vale para a oração. Diz o Senhor: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens” (Mt 6,5). E também para o jejum, que é uma forma de oração. Uma oração que se dá na forma de uma abstinência. “Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando” (Mt 6,16).

Como deve agir o discípulo de Jesus?

Quando ajudar alguém, quando estiver em oração ou quando for jejuar, não deve demonstrar o que está fazendo, para chamar a atenção, mas fazer somente no contato íntimo como Senhor. Aí, então o “Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa” (Mt 6,4.15.18).

Esse, portanto é o sentido da quarta feira de cinzas: convidar cada cristão não a fazer atos exteriores, mas gestos concretos na simplicidade da vida. Não na frente das pessoas, para receber elogios, mas na intimidade com o Senhor, e assim ser digno de receber a recompensa divina.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A boca fala

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 27,5-8; 1 Corintios 15,54-58; Lucas 6,39-45)



A respeito de que são nossas falas? Por que falamos? A quem falamos? O que resta depois que falamos alguma coisa? A quem queremos convencer ou a quem nos dirigimos, quando emitimos nossas palavras? São algumas das indagações que podemos nos fazer, se ouvirmos as palavras de Jesus (Lc 6,39-45).

Evidentemente não são as outras pessoas que responderão às indagações a respeito do que dizemos e sobre nossos comportamentos. Evidentemente depois que fazemos algo a nossa obra fala por nós e o nosso falar é um comportamento. Portanto, nossos atos falam por nós. Nossos discursos falam por nós. Nós nos mostramos em nossos atos e no que dizemos.

Essa, também, é a razão da Palavra de Deus a nós dirigida: um espelho a mostrar o que somos. O Eclesiástico ( 27,5-8) nos coloca diante do espelho de nosso falar. E, por sua vez, Paulo, na primeira carta aos coríntios (1Cor 15,54-58), mostra o que sobra depois que passamos a limpo nossa vida: nosso encontro com o Senhor!

Num primeiro momento somos levados a acreditar que o discurso de cada um de nós é o que importa. E por esse motivo somos levados a fazer belas falas; bonitos discursos. E com isso pretendemos convencer nossos ouvintes e interlocutores de que aquilo que dizemos representa a verdade… Mas é nesse ponto que nos enganamos, pois em geral queremos nos ver na imagem da superfície e mostrar a superfície. Não é essa a verdade da palavra divina e o Eclesiástico nos diz que cada pessoa é o que está mergulhado em águas profundas.

“Não elogies a ninguém, antes de ouvi-lo falar: pois é no falar que o homem se revela” (Eclo 27,8). Isso implica dizer: o que alguém fala tem que ser coerente com aquilo que fez. Caso contrário o discurso será vazio, pois a verdade está nas atitudes.

Entretanto, é compreensível que cada pessoa, vez por outra caia em contradições; que diga algo que não corresponda à verdade de sua essência de ser humano. Mas também é compreensível que a pessoa que pretende ser fiel à proposta divina procure superar suas limitações, suas contradições suas mentiras… e, ao buscar essa superação, é natural que se preocupe em buscar a verdade.

É Paulo quem nos explica o caminho da superação. No momento presente estamos como que presos à nossa condição humana, “este ser corruptível”. Mas, nosso esforço pode nos conduzir a superação dos nossos limites e então, quando estivermos revestidos de “incorruptibilidade e este ser mortal estiver vestido de imortalidade, então estará cumprida a palavra da Escritura” (1Cor 15,54)… Entretanto isso não é para ocorrer só num depois indefinido, mas em nosso cotidiano.

Para evitar uma espera acomodada o apóstolo orienta: é necessário buscar a perfeição. E nessa busca, “meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos cada vez mais na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas não são em vão” (1Cor 15,58). Não importa o que façamos ou digamos: importa caminhar na “obra do Senhor”.

Isso nos coloca diante do questionamento do Senhor Jesus: quais serão nossas palavras? Quais serão nossas atitudes? Como pretendemos conduzir nossas vidas? É necessário termos claras estas indagações para darmos nossas respostas, pois não tem como um cego guiar outro cego pois, neste caso, nenhum deles saberia por onde ir.

No fim das contas vale, para a condução de nossas vidas, o que carregamos em nossa consciência, pois isso mostra o que efetivamente somos. O que somos determina nossas atitudes e o que dizemos “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,39-45). Este vive pelas aparências enquanto a pessoa boa se apresenta como realmente é, sem pretensões de ser algo a mais …

De que está repleto nosso coração: das aparências ou com a essência de nossa verdade?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Com a mesma medida

(Reflexões baseadas em: 1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23; 1 Coríntios 15,45-49; Lucas 6,27-38)

Em nossa sociedade os ideias de perdão e respeito já não encontram muito espaço no comportamento das pessoas. As pessoas até admiram essas virtudes, mas raramente as praticam. Somos uma sociedade da exclusão, do ódio, da vingança, da busca dos privilégios pessoais…. E os outros? Que se virem!

Não é essa a proposta de Deus.

Não é isso que vemos Davi fazer com Saul (1Sm26,2.7-9.12-13.22-23). O jovem que havia vencido o gigante Golias, poderia ter exterminado a vida de Saul e acabado com um poderoso inimigo. Mas não quis tirar vantagem da fragilidade do inimigo matando-o enquanto dormia. “Davi e Abisai dirigiram-se de noite até ao acampamento, e encontraram Saul deitado e dormindo no meio das barricadas, com a sua lança à cabeceira, fincada no chão. Abner e seus soldados dormiam ao redor dele” (1Sm,26,7).

Essa é a postura de uma pessoa com nobreza de caráter: A vitória sobre o adversário deve ser de forma justa, sem trapaça e com lealdade. Aproveitar a fraqueza do outro para superá-lo, demonstra não a força, mas fraqueza, leviandade, covardia… Esse respeito permitiu que Davi entendesse que “o Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1Sm 26,23).

A capacidade de agir com justiça nem sempre está presente nas atitudes das pessoas. Não poque não possam fazer isso, mas porque, na maioria das vezes escolhe-se seguir os impulsos. Cada um de nós oscila entre agir em favor dos dons espirituais e os impulsos naturais. Entre fazer o que é edificante e seguir os interesses e satisfazer as ambições.

De acordo com as palavras de Paulo (1Cor 15-45-49),cada um de nós, dia após dia, vive o dilema dessa encruzilhada: agir a partir dos impulsos naturais ou buscar os dons espirituais “Veio primeiro não o homem espiritual, mas o homem natural; depois é que veio o homem espiritual” (1Cor 15,46).

Davi, ao poupar a vida do inimigo que dormia, podendo tê-lo derrotado, agiu com a força do homem espiritual.Não se deixou levar pelo “homem terrestre” e sim pelo “homem celeste”. Por esse motivo podemos dizer que, cada pessoa, também pode fazer a escolha. Dessa forma, “como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49), pois, embora estejamos numa viagem pelo mundo, nosso destino é o convívio com os dons do céu. E, embora já transitando nessa viagem, as passagens são adquiridas no dia a dia, e são pagas com as escolhas pessoais, dia após dia.

Essas escolhas, em nossos dias, tendem a ser feitas não pelo caminho do altruísmo, mas do egoísmo. Não da solidariedade, mas do individualismo. E quando se faz algo em favor de outros, esse outro é um amigo, um parente, um membro do grupo de relações… Aos estranhos e adversários, destinamos nossa aversão. Por isso crescem os índices de exclusão social, de marginalização, de atritos e competição entre as pessoas.

Contra essa situação é que se eleva a voz de Jesus (Lc 6,27-38):seu discípulo é aquele que faz algo a mais do que fazem todas as outras pessoas. Seu discípulo é aquele que vai além das convenções. Seu discípulo é aquele cujas ações promovem revoluções estruturais e comportamentais.

Em que consiste isso? Fazer sempre o bem, independentemente de quem quer que seja o destinatário. Ou seja, se tem que fazer um favor, se tem algo de bom para fazer a alguém, se tem um perdão a conceder… o discípulo de Jesus fará isso não aos amigos e “chegados”, mas àqueles que não podem retribuir. “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim” (Lc 6,32-33).

Portanto, ensina o Senhor, se vai fazer algo em favor de alguém, faça “sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo” (Lc 6,35). Entretanto tudo isso está longe do nosso cotidiano. Talvez porque a maioria das pessoas se esqueceu de quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca soube quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca olhou, de fato para Jesus e sua prática, mas para o próprio umbigo….

Entretanto, nunca é tarde para lembrar e aprender o que Jesus ensinou: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc 6,38).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Bem-aventurados

(Reflexões baseadas em: Jeremias 17,5-8; 1Coríntios 15,12.16-20; Lucas 6,17.20-26)


Maldito ou bendito? Merecedor de pena ou seguidor da verdade? Ai de vós ou bem aventurados? Em qual destas situações nos situamos?

É o profeta Jeremias (17,5-8) quem nos chama a atenção para o que somos e para o que podemos ser. Podemos estar na maldição ou na benção. Tudo depende de em quem depositamos nossa fé, nossa esperança, nossa confiança, nossa segurança, nossa vida… depende de nós!

Não são poucas as pessoas que, por exemplo, defendem estes ou aqueles representantes políticos. E os defendem como se disso dependesse sua própria vida. Divinizam essas pessoas como se elas fossem a solução dos problemas do mundo. Não as vêm como pessoas comuns, mas como seres acima do bem e do mal...

Pessoas assim, como diria o profeta, estão confiando não no Senhor, mas em pessoas. E, na medida em que divinizam seus escolhidos, afastam-se de Deus. Segundo o profeta, essas pessoas fazem parte do grupo dos malditos: “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5).

Outra é a condição dos que confiam no Senhor. Eles sabem que os homens maus não produzem obras do bem. Porém os benditos, devido à sua confiança no Senhor, vão produzir coisas boas: Vão plantar as sementes do Reino entre as pessoas, por meio de suas ações. Todos estes que agem produzindo o bem, são os “benditos que confiam no Senhor” (Jr 17,7). São aqueles aos quais Jesus chamou de “Bem aventurados” (Lc 6,17.20-26)

Esses dois grupos de pessoas, benditos e os malditos, correspondem exatamente àqueles aos quais Jesus chama de bem aventurados e aos quais lança o alerta: ai de vós!

Os benditos e bem aventurados são facilmente identificáveis quando olhamos para suas obras. Eles trabalham em favor do Reino! E justamente pela sua atuação em favor dos valores do Reino, são perseguidos, são injuriados, são amaldiçoados…

Já os destinatários dos “ais” recebem o alerta porque são eles os que geram os sofrimentos e dores do povo. Perseguem os que são sedentos de justiça, pois a prática e a instalação da justiça equivale ao fim dos privilégios desses “malditos”

Com tanto antagonismo, temos que nos perguntar:Quem são os bem aventurados? Jesus faz uma pequena lista. Dela constam: os pobres, os que têm fome, os que choram, as vítimas do ódio, vitimas da exclusão e outras vítimas de todos os preconceitos. (Lc 6,20-22). Pode-se dizer mais: essas são as vítimas daqueles aos quais o profeta chama de Malditos. E são malditos por quê? Porque depositam sua confiança nas lideranças mal intencionadas; naqueles que provocam as dores e sofrimentos, os ais de sofrimento do povo, diferente dos ais de alerta, de Jesus!

Como podemos ver, os bem aventurados produzem as obras de Deus. Exatamente o oposto são aqueles para os quais Jesus pronuncia seus “ais” ou “ai de vós!”: “Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam!” (Lc 6,24-26).

Como superar essa situação, deixando de ser maldito para receber a benção divina? Por meio de um ato de fé no Cristo Ressuscitado (1Cor 15,12.16-20).

A vida de bençãos e bem-aventuranças está condicionada a isso: à fé no Cristo vivo. A adesão a essa fé implica em práticas virtuosas, o que traz, como consequência, as bençãos divinas.

Mas, por outro lado,temos a incredulidade. A postura daqueles que não praticam boas obras e não se preocupam com o bem estar de quem está em situação de sofrimento. Estão centrados em si mesmos e em seus privilégios, mesmo que isso custe as dores dos outros. Estes não alimentam a fé no Ressuscitado e, por isso se mantêm numa vida mergulhada na maldade. Eles produzem todo tipo de exclusão social e econômica, ajudam a ampliar o abismo dos preconceitos. Estão mergulhados no pecado e arrastam multidões com eles.

Enquanto os benditos, os bem aventurados os que se alimentam da esperança e alimentam a esperança de tantos, praticam as obras do Cristo Ressuscitado, os malditos apenas representam o anticristo. E enquanto as obras do anticristo atraem os incrédulos e indiferentes, presos em si mesmos, aqueles que se deixam conduzir pelo convite do Ressuscitado são conduzidos pelo próprio Deus ao mundo das bem aventuranças.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Quem irá por nós?

(Reflexões baseadas em: Isaías 6,1-8; 1Coríntios 15,1-11; Lucas 5,1-11)



Quando nos colocamos diante da Palavra de Deus, podemos ficar em silêncio procurando ouvir a voz do Senhor. Podemos dizer que ela nos diz algo ao coração, sentindo-nos repletos de graça. Ou, num gesto de quem ainda não sabe o caminho a seguir, mas tem vontade de receber a orientação divina, podemos nos perguntar: O que Deus está me propondo, hoje, com esta Palavra?

Sim, Deus está propondo, pois Ele não nos impõe nada. Ele apenas nos sugere… e nós aceitamos ou não; nós realizamos sua proposta ou não… mas ele nunca nos obriga a nada. Ele nos criou livres e preza essa liberdade. Entretanto, por meio de sua Palavra, constantemente está nos propondo novos caminhos para melhorarmos nossa vida, nossa relação com o mundo e com as pessoas ao nosso redor… e cabe a nós darmos uma resposta… Vale lembrar que a proposta divina é renovada diariamente. Daí a indagação: O que Deus está me propondo hoje?

A busca pela compreensão da proposta divina pode ser percebida, por exemplo, quando lemos Isaías 6,1-8. Diante de uma manifestação divina o profeta sente-se “perdido”. Mas, logo em seguida é redimido com o fogo de uma brasa que lhe queima as impurezas. Nesse momento manifesta-se, para ele, a proposta divina. E a proposta aparece justamente numa pergunta: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” (Is 6,8).

Mesmo tendo sido purificado, o profeta poderia ter se esquivado, fazendo de conta que não ouvira a proposta… mas respondeu e se ofereceu: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Nós também podemos nos indagar: “E se eu estivesse no lugar do profeta, qual seria minha resposta?”. Por isso, se queremos responder ao apelo divino, podemos sempre nos perguntar: “Qual é a proposta que Deus está fazendo a mim, neste momento?”

Note-se, portanto, que também precisamos estar atentos para ouvirmos a proposta que Deus nos faz. E, aí alguém poderia perguntar: Se tenho que dar uma reposta, como faço para ouvir a proposta de Deus?

Sobre isso é o apóstolo Paulo quem nos orienta (1Cor 15,1-11). E sua orientação é simples: prestar atenção e seguir os ensinamentos dos apóstolos. Em que consiste isso? Crer na essência da vida cristã: crer que Jesus morreu, foi sepultado e “ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras” (1Cor 15,4). E esse ensinamento não é um delírio do apóstolo, como as vezes fazemos nós, quando em vez de ouvir a Palavra de Deus, falamos a partir de nossos interesses… Não é esse o princípio do cristianismo, afirma Paulo.

O ponto de partida não é a palavra de uma pessoa, mas o testemunho de muitos. Um testemunho afirmando que Cristo Morreu e Ressuscitou e Apareceu aos seus. Mas não só apareceu como também os enviou para anunciar essa mensagem: a vida vale mais que a morte. E a prova disso está justamente no fato de Cristo ter vencido a morte. E isso ensina Paulo: este é “o evangelho que vos preguei”; “por ele sois salvos”. Esse é o fundamento da fé e se for “de outro modo teríeis abraçado a fé em vão” (1Cor 15,1-2).

Ou seja, a proposta de Deus manifesta-se a nós, a partir deste critério: a vida vale mais que a morte. Em todos os momentos, o Senhor pede que realizemos atos em defesa da viada. Para isso o profeta foi convocado e respondeu: envia-me! E o apóstolo insiste no “evangelho que vos preguei”.

Além disso, aqueles que se decidem por aceitar a proposta divina vão agir como agiu Simão (Lc 5,1-11). Passou a noite na pescaria e nada pescou. Ouviu a proposta de Jesus: “‘Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes’. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5,5-6).

E assim, o grupo de pescadores que voltava de mãos abanando, sem alimento, ao ouvir a proposta da Palavra de Vida, voltou com alimento para as famílias. A vida foi preservada! E, mais ainda, Jesus os convocou para continuar a missão: tornaram-se “pescador de homens!”(Lc 5,10).

Ao ouvir o apelo, o profeta respondeu: eu vou! Aquele que ouve a proposta e a aceita, pode repetir, como o fez o apóstolo: “Sua graça para comigo não foi estéril” (1Cor 15,10). E aquele que se propõe a cumprir a proposta do mestre, com certeza, poderá lançar sua rede e ouvirá do Mestre, que orienta a Missão “Não tenhas medo!”

E, a nosso respeito, a proposta do Senhor continua aberta: “Quem irá por nós?”




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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