sexta-feira, março 04, 2022

Quaresma 1 - Todo que nele crer

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13)


O primeiro domingo da quaresma nos propõe uma tomada de decisão e um ato de fé. Mas essa é uma tomada de decisão que tem que ser radical: trata-se de saber a quem queremos seguir; trata-se de seguir aquele que merece nosso ato de fé; trata-se de dizer em quem acreditamos.

O livro do Deuteronômio (26,4-10) nos apresenta uma profissão de fé, dos judeus. Uma profissão de fé que tem um fundamento: a história e o cotidiano de um povo cativo; a opressão do povo; a miséria do povo e a libertação que o Senhor realizou “com mão poderosa e braço estendido” (Dt 26,8); libertação pela qual o povo sai de uma situação angustiante para receber uma terra “onde corre leite e mel” (Dt 26,9): uma terra de fartura!

Esse é o motivo da fé: um Deus libertador! Um Deus que toma partido e defende os seus. Um Deus que se preocupa com os seus. Um Deus que, com suas opções, nos ensina como agir: em favor dos que precisam, dos oprimidos, dos explorados, dos excluídos… o que faz deles merecedores do amparo do Senhor!

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos (10,8-13), também apresenta um apelo à fé. Ele nos apresenta o Senhor que, além de libertar das situações de opressão, também oferece a salvação numa vida plena. E faz isso não somente como promessa, mas como exemplo de vida. O apóstolo dá exemplo de vida aderindo ao projeto salvador de Jesus da mesma forma que o Filho de Deus faz de sua vida um modelo para aqueles que o querem seguir. Estes, diz o apóstolo, não serão confundidos (Rm 10,11) uma vez que seguem as trilhas do Senhor. Um seguimento que elimina toda exclusão “não importa a diferença entre judeu e grego; todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que o invocam” (Rm 10,12).

Mas em que consiste a adesão a Jesus e ao seu plano? Num ato de fé que precisa ser expresso nas atitudes. “Se, pois, com tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10,9).

Essa adesão, ao Senhor Jesus (Lc 4,1-13), não significa que não se irá enfrentar as tentações. Elas virão, pois o tentador não poupou nem mesmo a Jesus. Mas o problema não são as tentações e sim deixar-se levar por elas. Por isso o ato de fé, a adesão ao plano de Deus, dá o suporte contra as fraquezas.

E, é bom que se diga, Jesus embora filho de Deus, não enfrentou a tentação como Deus, mas como filho de José e Maria. Ou seja, Jesus superou as tentações, como ser humano, pois se as tivesse superado como Deus, não seria um bom exemplo. Nesse caso poderíamos dizer: pra ele foi fácil, ele é Deus. Mas a proposta de Deus é mostrar que o ser humano pode vencer as tentações, pois Jesus de Nazaré as venceu. E não foram poucas nem assim tão simples. Jesus venceu tentações que representam valores essências do ser humano.

Venceu a tentação do poder. “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória” (Lc 4,5). nesta tentação muitos de nós caímos. Quem é que não gosta de se sentir superior? Quem não se sente bem em aparecer ao lado de autoridades, como a dizer: olha como sou importante! E Jesus venceu esta tentação para mostrar que se o poder não é para servir, não serve para nada!

Venceu a tentação da gula, da mesa farta: “manda que esta pedra se mude em pão” (Lc 4,3). Ceder a isto o colocava muito próximo da ostentação e do egoismo. Afinal pensar em matar a fome sem pensar e sem promover o acesso de todos à alimentação, é um ato egoísta.

Venceu a tentação da divinização; da tentativa de manipular os atos divinos. Fez isso quando foi levado à “torre mais alta templo” e o diabo lhe propôs “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! 10Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!” (Lc 4,9-10).

O amparo divino é um dom. É uma graça. Não é algo semelhante a um produto num supermercado onde chegamos e pegamos o que nos agrada quando queremos e sempre de acordo com nossa vontade. O dom divino é gratuidade e retribuição ao bem realizado.

Jesus venceu as tentações e com isso demonstrou que o ser humano pode vencer. Mesmo sendo tentado pelo diabo, pode-se vencer as tentações. A exigência e o critério é apenas o ato de fé. Mas é preciso lembrar que o tentador está a espreita para “retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13), entretanto sempre poderá ser vencido pois “todo aquele que nele crer não ficará confundido” (Rm 10,11)




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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