sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Com a mesma medida

(Reflexões baseadas em: 1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23; 1 Coríntios 15,45-49; Lucas 6,27-38)

Em nossa sociedade os ideias de perdão e respeito já não encontram muito espaço no comportamento das pessoas. As pessoas até admiram essas virtudes, mas raramente as praticam. Somos uma sociedade da exclusão, do ódio, da vingança, da busca dos privilégios pessoais…. E os outros? Que se virem!

Não é essa a proposta de Deus.

Não é isso que vemos Davi fazer com Saul (1Sm26,2.7-9.12-13.22-23). O jovem que havia vencido o gigante Golias, poderia ter exterminado a vida de Saul e acabado com um poderoso inimigo. Mas não quis tirar vantagem da fragilidade do inimigo matando-o enquanto dormia. “Davi e Abisai dirigiram-se de noite até ao acampamento, e encontraram Saul deitado e dormindo no meio das barricadas, com a sua lança à cabeceira, fincada no chão. Abner e seus soldados dormiam ao redor dele” (1Sm,26,7).

Essa é a postura de uma pessoa com nobreza de caráter: A vitória sobre o adversário deve ser de forma justa, sem trapaça e com lealdade. Aproveitar a fraqueza do outro para superá-lo, demonstra não a força, mas fraqueza, leviandade, covardia… Esse respeito permitiu que Davi entendesse que “o Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1Sm 26,23).

A capacidade de agir com justiça nem sempre está presente nas atitudes das pessoas. Não poque não possam fazer isso, mas porque, na maioria das vezes escolhe-se seguir os impulsos. Cada um de nós oscila entre agir em favor dos dons espirituais e os impulsos naturais. Entre fazer o que é edificante e seguir os interesses e satisfazer as ambições.

De acordo com as palavras de Paulo (1Cor 15-45-49),cada um de nós, dia após dia, vive o dilema dessa encruzilhada: agir a partir dos impulsos naturais ou buscar os dons espirituais “Veio primeiro não o homem espiritual, mas o homem natural; depois é que veio o homem espiritual” (1Cor 15,46).

Davi, ao poupar a vida do inimigo que dormia, podendo tê-lo derrotado, agiu com a força do homem espiritual.Não se deixou levar pelo “homem terrestre” e sim pelo “homem celeste”. Por esse motivo podemos dizer que, cada pessoa, também pode fazer a escolha. Dessa forma, “como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49), pois, embora estejamos numa viagem pelo mundo, nosso destino é o convívio com os dons do céu. E, embora já transitando nessa viagem, as passagens são adquiridas no dia a dia, e são pagas com as escolhas pessoais, dia após dia.

Essas escolhas, em nossos dias, tendem a ser feitas não pelo caminho do altruísmo, mas do egoísmo. Não da solidariedade, mas do individualismo. E quando se faz algo em favor de outros, esse outro é um amigo, um parente, um membro do grupo de relações… Aos estranhos e adversários, destinamos nossa aversão. Por isso crescem os índices de exclusão social, de marginalização, de atritos e competição entre as pessoas.

Contra essa situação é que se eleva a voz de Jesus (Lc 6,27-38):seu discípulo é aquele que faz algo a mais do que fazem todas as outras pessoas. Seu discípulo é aquele que vai além das convenções. Seu discípulo é aquele cujas ações promovem revoluções estruturais e comportamentais.

Em que consiste isso? Fazer sempre o bem, independentemente de quem quer que seja o destinatário. Ou seja, se tem que fazer um favor, se tem algo de bom para fazer a alguém, se tem um perdão a conceder… o discípulo de Jesus fará isso não aos amigos e “chegados”, mas àqueles que não podem retribuir. “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim” (Lc 6,32-33).

Portanto, ensina o Senhor, se vai fazer algo em favor de alguém, faça “sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo” (Lc 6,35). Entretanto tudo isso está longe do nosso cotidiano. Talvez porque a maioria das pessoas se esqueceu de quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca soube quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca olhou, de fato para Jesus e sua prática, mas para o próprio umbigo….

Entretanto, nunca é tarde para lembrar e aprender o que Jesus ensinou: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc 6,38).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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