quinta-feira, 17 de março de 2022

Quaresma 3 – Eu ouvi, eu vi, eu desci

(Reflexões baseadas em: Êxodo 3,1-15; 1 Coríntios 10,1-12; Lucas 13,1-9)




Talvez como resposta a quem pergunta o porquê do engajamento social daqueles que tentam vivenciar sua fé.Talvez uma possibilidade de superar uma religião vazia por uma fé engajada. Talvez como luz para assumir uma postura e um direcionamento: seguir os passos do Senhor da História. Talvez como um dos fundamentos para a Doutrina Social da Igreja...

Poucas vezes, na Bíblia, Deusse manifesta com tanta intensidade, como no livro do Êxodo, particularmente em 3,1-15. E o Senhor da História faz isso de forma definitiva, pois não só se manifesta, dando-se a conhecer: “Eu sou o Deus de teus pais” (Ex 3,6) como também se apresenta como o Deus que toma a defesa dos injustiçados: “E o Senhor lhe disse: 'Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos. Desci para libertá-los” (Ex 3,7-8). Mas, ao mesmo tempo, estamos diante de um Deus que não age sozinho nem faz aquilo que as pessoas podem fazer: “E agora, vai! Eu te envio para libertar meu povo” (Ex 3,10).

Deus dá o suporte, mas a força e a coragem para a ação sócio-política é nossa!

Trata-se de um Deus que se manifesta na história do povo, em favor do povo, para alimentar a esperança e a ação desse povo!E faz isso porque não suporta ver as dores dos menos favorecidos e excluídos que clamam por seu amparo!

Poucas vezes o apóstolo Paulo deixa tão clara as consequências dos atos dos cristãos como aqui ao se dirigir à comunidade de Corinto (1Cor 10,1-12). E o apóstolo também se vale da história para explicar: “Os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem e todos passaram pelo mar” (1Cor 10,1), na caminhada da libertação. Qual a consequência disso? Paulo o demonstra: Os pais comeram e beberam os dons espirituais, mas seus atos desagradaram ao Senhor e, por esse motivo, “morreram e ficaram no deserto” (1Cor 10,5).

Note-se que não se trata da morte do corpo físico que é feito, naturalmente, para o fim. A morte de que fala o apóstolo é aquela pela qual a pessoa fica afastada de Deus. A vida é o convívio com a divindade e a morte o distanciamento. Ficar no deserto corresponde ao abandono, ao distanciamento definitivo. O deserto é a ausência de vida e a vida é Deus!

Como, então evitar essa morte?

Agir e fazer o que é certo! Fazer o bem! Diz o apóstolo: aquilo que aconteceu com os pais corresponde a modelos a serem evitados. “Esses fatos aconteceram para serem exemplos para nós, a fim de que não desejemos coisas más, como fizeram aqueles no deserto” (1 Cor 10,6). Com isso querendo dizer: o que conta, que o interessa, o que dá a vida e tira do deserto da morte não são as aparências, mas os frutos.

Poucas vezes, também Jesus, apresentou um ensinamento tão radical como este que nos oferece no evangelho escrito por Lucas (Lc 13,1-9).Também o Mestre ensina: a morte não ocorre porque alguém é mais pecador que outro. Se assim fosse alguns morreriam e outros permaneceriam vivos em seus corpos

Não! A morte, o deserto, a absoluta distância do convívio divino resulta de nossas opções. Ao pecado Deus dá o perdão, desde que haja arrependimento. O afastamento de Deus ocorre por conta das opções pessoais e porque as pessoas não se convertem. É disso que Lucas fala ao apresentar o ensinamento do mestre: “se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5).

Por isso a importância dos frutos, conforme a parábola de Jesus. A figueira foi plantada para dar frutos. Mas depois de três anos, nada produziu. Daí sua decisão: cortar a figueira improdutiva (Lc 13,7). Entretanto alguém intervém. Alguém se propõe a oferecer ajuda, na forma de adubo. Alguém oferece mais uma oportunidade, uma última chance depois da qual haverá muitos frutos… ou o deserto, a morte, o vazio… Não a morte do corpo, que é algo natural… mas o vazio da ausência de Deus. “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9).

Portanto, não se dissociam: a preocupação e a ação social da postura orante; a postura orante é aquilo que leva à ação social. E o exemplo vem do próprio Senhor da História que, ao se manifestar a Moisés, lhe assegura: eu ouvi, eu vi, eu desci para libertar meu povo. Por esse motivo, diz o Senhor: Eu, o Senhor, estou te enviando. Como a dizer: eu faço a ação sócio-política, mas eu a realizo por meio da tua ação. É a ti que eu envio: vai e liberta meu povo!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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