segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Quarta feira de cinzas: Na frente das pessoas

(Reflexões baseadas em: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18)



Qual o melhor momento para fazer caridade?

Tenho certeza que você vai responder: quando alguém estiver precisando.

A caridade, portanto, é uma resposta a uma necessidade.

E já que estamos de acordo que a caridade é uma resposta a uma necessidade, vamos nos indagar: minha caridade tem que ser vista ou deve ocorrer longe dos holofotes, das fotos, das postagens nas redes sociais…?

Aqui surgem as divergências. Creio que todos dirão que a caridade deve ser praticada em função daquela necessidade que a solicita, sem ostentação. Mas também encontramos aqueles que fazem questão de mostrar seu gesto; aqueles que fazem questão de contar a todo mundo o gesto solidário realizado…os que se divulgam ao mundo, pelas redes sociais...

Qual é a postura correta? A resposta segura e definitiva vem de Jesus de Nazaré (Mt 6,1-6.16-18). E se quisermos um reforço, o profeta Joel também oferece uma orientação (2,12-18) a respeito de como proceder.

Com certeza, no tempo de Jesus e entre seus concidadãos, havia muitos necessitados. Confirma isso o fato de, constantemente, Jesus curar os desassistidos, amparar os famintos, aliviar as dores de todos. E orientava seus discípulos a fazerem o mesmo. Para isso tinha uma orientação básica: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles” (Mt 6,1). Por quê? Porque o “ser visto” já é a recompensa!

Então o que quer o Senhor?

Não quer ostentação. Não quer o exterior. Quer o que vai no coração. O costume antigo, era usar roupas rasgadas para demonstrar o ato de penitência. Não é esse o desejo de Deus, pois o “rasgar as roupas” é um sinal exterior. “Rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus” (Jl 2,13). O coração é o símbolo do sentimento interior. É isso que interessa ao Senhor. Pois o “penitente” pode fazer um gesto externo, mas não assumir a intenção sincera da penitência ou da oração.

Então vamos ver o que Jesus ensina para os seus. Ele ensina a fazer os atos de caridade com as corretas intenções. A esmola, a oração, o jejum… devem ser discretos, pois a ostentação não é um gesto para Deus e sim para as pessoas. As pessoa olham para o exterior; Deus vê a intenção. E assim todos os gestos de caridade, feitos e expostos, não atraem a atenção de Deus, mas sim das pessoas. E, o que é pior: expõe a fragilidade daquele que está passando por necessidade.

E Jesus é categórico, nisso: “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens.” (Mt 6,2). Evidentemente a pessoa que recebeu a ajuda, fica agradecida...e exposta em suas dores, mas a intenção daquele que fez o bom ato, não estava na ajuda ao necessitado e sim em mostrar aos demais a caridade realizada. Está preocupado com a própria imagem. Faz para ser visto!

O mesmo vale para a oração. Diz o Senhor: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens” (Mt 6,5). E também para o jejum, que é uma forma de oração. Uma oração que se dá na forma de uma abstinência. “Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando” (Mt 6,16).

Como deve agir o discípulo de Jesus?

Quando ajudar alguém, quando estiver em oração ou quando for jejuar, não deve demonstrar o que está fazendo, para chamar a atenção, mas fazer somente no contato íntimo como Senhor. Aí, então o “Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa” (Mt 6,4.15.18).

Esse, portanto é o sentido da quarta feira de cinzas: convidar cada cristão não a fazer atos exteriores, mas gestos concretos na simplicidade da vida. Não na frente das pessoas, para receber elogios, mas na intimidade com o Senhor, e assim ser digno de receber a recompensa divina.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A boca fala

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 27,5-8; 1 Corintios 15,54-58; Lucas 6,39-45)



A respeito de que são nossas falas? Por que falamos? A quem falamos? O que resta depois que falamos alguma coisa? A quem queremos convencer ou a quem nos dirigimos, quando emitimos nossas palavras? São algumas das indagações que podemos nos fazer, se ouvirmos as palavras de Jesus (Lc 6,39-45).

Evidentemente não são as outras pessoas que responderão às indagações a respeito do que dizemos e sobre nossos comportamentos. Evidentemente depois que fazemos algo a nossa obra fala por nós e o nosso falar é um comportamento. Portanto, nossos atos falam por nós. Nossos discursos falam por nós. Nós nos mostramos em nossos atos e no que dizemos.

Essa, também, é a razão da Palavra de Deus a nós dirigida: um espelho a mostrar o que somos. O Eclesiástico ( 27,5-8) nos coloca diante do espelho de nosso falar. E, por sua vez, Paulo, na primeira carta aos coríntios (1Cor 15,54-58), mostra o que sobra depois que passamos a limpo nossa vida: nosso encontro com o Senhor!

Num primeiro momento somos levados a acreditar que o discurso de cada um de nós é o que importa. E por esse motivo somos levados a fazer belas falas; bonitos discursos. E com isso pretendemos convencer nossos ouvintes e interlocutores de que aquilo que dizemos representa a verdade… Mas é nesse ponto que nos enganamos, pois em geral queremos nos ver na imagem da superfície e mostrar a superfície. Não é essa a verdade da palavra divina e o Eclesiástico nos diz que cada pessoa é o que está mergulhado em águas profundas.

“Não elogies a ninguém, antes de ouvi-lo falar: pois é no falar que o homem se revela” (Eclo 27,8). Isso implica dizer: o que alguém fala tem que ser coerente com aquilo que fez. Caso contrário o discurso será vazio, pois a verdade está nas atitudes.

Entretanto, é compreensível que cada pessoa, vez por outra caia em contradições; que diga algo que não corresponda à verdade de sua essência de ser humano. Mas também é compreensível que a pessoa que pretende ser fiel à proposta divina procure superar suas limitações, suas contradições suas mentiras… e, ao buscar essa superação, é natural que se preocupe em buscar a verdade.

É Paulo quem nos explica o caminho da superação. No momento presente estamos como que presos à nossa condição humana, “este ser corruptível”. Mas, nosso esforço pode nos conduzir a superação dos nossos limites e então, quando estivermos revestidos de “incorruptibilidade e este ser mortal estiver vestido de imortalidade, então estará cumprida a palavra da Escritura” (1Cor 15,54)… Entretanto isso não é para ocorrer só num depois indefinido, mas em nosso cotidiano.

Para evitar uma espera acomodada o apóstolo orienta: é necessário buscar a perfeição. E nessa busca, “meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos cada vez mais na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas não são em vão” (1Cor 15,58). Não importa o que façamos ou digamos: importa caminhar na “obra do Senhor”.

Isso nos coloca diante do questionamento do Senhor Jesus: quais serão nossas palavras? Quais serão nossas atitudes? Como pretendemos conduzir nossas vidas? É necessário termos claras estas indagações para darmos nossas respostas, pois não tem como um cego guiar outro cego pois, neste caso, nenhum deles saberia por onde ir.

No fim das contas vale, para a condução de nossas vidas, o que carregamos em nossa consciência, pois isso mostra o que efetivamente somos. O que somos determina nossas atitudes e o que dizemos “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,39-45). Este vive pelas aparências enquanto a pessoa boa se apresenta como realmente é, sem pretensões de ser algo a mais …

De que está repleto nosso coração: das aparências ou com a essência de nossa verdade?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Com a mesma medida

(Reflexões baseadas em: 1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23; 1 Coríntios 15,45-49; Lucas 6,27-38)

Em nossa sociedade os ideias de perdão e respeito já não encontram muito espaço no comportamento das pessoas. As pessoas até admiram essas virtudes, mas raramente as praticam. Somos uma sociedade da exclusão, do ódio, da vingança, da busca dos privilégios pessoais…. E os outros? Que se virem!

Não é essa a proposta de Deus.

Não é isso que vemos Davi fazer com Saul (1Sm26,2.7-9.12-13.22-23). O jovem que havia vencido o gigante Golias, poderia ter exterminado a vida de Saul e acabado com um poderoso inimigo. Mas não quis tirar vantagem da fragilidade do inimigo matando-o enquanto dormia. “Davi e Abisai dirigiram-se de noite até ao acampamento, e encontraram Saul deitado e dormindo no meio das barricadas, com a sua lança à cabeceira, fincada no chão. Abner e seus soldados dormiam ao redor dele” (1Sm,26,7).

Essa é a postura de uma pessoa com nobreza de caráter: A vitória sobre o adversário deve ser de forma justa, sem trapaça e com lealdade. Aproveitar a fraqueza do outro para superá-lo, demonstra não a força, mas fraqueza, leviandade, covardia… Esse respeito permitiu que Davi entendesse que “o Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1Sm 26,23).

A capacidade de agir com justiça nem sempre está presente nas atitudes das pessoas. Não poque não possam fazer isso, mas porque, na maioria das vezes escolhe-se seguir os impulsos. Cada um de nós oscila entre agir em favor dos dons espirituais e os impulsos naturais. Entre fazer o que é edificante e seguir os interesses e satisfazer as ambições.

De acordo com as palavras de Paulo (1Cor 15-45-49),cada um de nós, dia após dia, vive o dilema dessa encruzilhada: agir a partir dos impulsos naturais ou buscar os dons espirituais “Veio primeiro não o homem espiritual, mas o homem natural; depois é que veio o homem espiritual” (1Cor 15,46).

Davi, ao poupar a vida do inimigo que dormia, podendo tê-lo derrotado, agiu com a força do homem espiritual.Não se deixou levar pelo “homem terrestre” e sim pelo “homem celeste”. Por esse motivo podemos dizer que, cada pessoa, também pode fazer a escolha. Dessa forma, “como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49), pois, embora estejamos numa viagem pelo mundo, nosso destino é o convívio com os dons do céu. E, embora já transitando nessa viagem, as passagens são adquiridas no dia a dia, e são pagas com as escolhas pessoais, dia após dia.

Essas escolhas, em nossos dias, tendem a ser feitas não pelo caminho do altruísmo, mas do egoísmo. Não da solidariedade, mas do individualismo. E quando se faz algo em favor de outros, esse outro é um amigo, um parente, um membro do grupo de relações… Aos estranhos e adversários, destinamos nossa aversão. Por isso crescem os índices de exclusão social, de marginalização, de atritos e competição entre as pessoas.

Contra essa situação é que se eleva a voz de Jesus (Lc 6,27-38):seu discípulo é aquele que faz algo a mais do que fazem todas as outras pessoas. Seu discípulo é aquele que vai além das convenções. Seu discípulo é aquele cujas ações promovem revoluções estruturais e comportamentais.

Em que consiste isso? Fazer sempre o bem, independentemente de quem quer que seja o destinatário. Ou seja, se tem que fazer um favor, se tem algo de bom para fazer a alguém, se tem um perdão a conceder… o discípulo de Jesus fará isso não aos amigos e “chegados”, mas àqueles que não podem retribuir. “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim” (Lc 6,32-33).

Portanto, ensina o Senhor, se vai fazer algo em favor de alguém, faça “sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo” (Lc 6,35). Entretanto tudo isso está longe do nosso cotidiano. Talvez porque a maioria das pessoas se esqueceu de quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca soube quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca olhou, de fato para Jesus e sua prática, mas para o próprio umbigo….

Entretanto, nunca é tarde para lembrar e aprender o que Jesus ensinou: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc 6,38).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Bem-aventurados

(Reflexões baseadas em: Jeremias 17,5-8; 1Coríntios 15,12.16-20; Lucas 6,17.20-26)


Maldito ou bendito? Merecedor de pena ou seguidor da verdade? Ai de vós ou bem aventurados? Em qual destas situações nos situamos?

É o profeta Jeremias (17,5-8) quem nos chama a atenção para o que somos e para o que podemos ser. Podemos estar na maldição ou na benção. Tudo depende de em quem depositamos nossa fé, nossa esperança, nossa confiança, nossa segurança, nossa vida… depende de nós!

Não são poucas as pessoas que, por exemplo, defendem estes ou aqueles representantes políticos. E os defendem como se disso dependesse sua própria vida. Divinizam essas pessoas como se elas fossem a solução dos problemas do mundo. Não as vêm como pessoas comuns, mas como seres acima do bem e do mal...

Pessoas assim, como diria o profeta, estão confiando não no Senhor, mas em pessoas. E, na medida em que divinizam seus escolhidos, afastam-se de Deus. Segundo o profeta, essas pessoas fazem parte do grupo dos malditos: “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5).

Outra é a condição dos que confiam no Senhor. Eles sabem que os homens maus não produzem obras do bem. Porém os benditos, devido à sua confiança no Senhor, vão produzir coisas boas: Vão plantar as sementes do Reino entre as pessoas, por meio de suas ações. Todos estes que agem produzindo o bem, são os “benditos que confiam no Senhor” (Jr 17,7). São aqueles aos quais Jesus chamou de “Bem aventurados” (Lc 6,17.20-26)

Esses dois grupos de pessoas, benditos e os malditos, correspondem exatamente àqueles aos quais Jesus chama de bem aventurados e aos quais lança o alerta: ai de vós!

Os benditos e bem aventurados são facilmente identificáveis quando olhamos para suas obras. Eles trabalham em favor do Reino! E justamente pela sua atuação em favor dos valores do Reino, são perseguidos, são injuriados, são amaldiçoados…

Já os destinatários dos “ais” recebem o alerta porque são eles os que geram os sofrimentos e dores do povo. Perseguem os que são sedentos de justiça, pois a prática e a instalação da justiça equivale ao fim dos privilégios desses “malditos”

Com tanto antagonismo, temos que nos perguntar:Quem são os bem aventurados? Jesus faz uma pequena lista. Dela constam: os pobres, os que têm fome, os que choram, as vítimas do ódio, vitimas da exclusão e outras vítimas de todos os preconceitos. (Lc 6,20-22). Pode-se dizer mais: essas são as vítimas daqueles aos quais o profeta chama de Malditos. E são malditos por quê? Porque depositam sua confiança nas lideranças mal intencionadas; naqueles que provocam as dores e sofrimentos, os ais de sofrimento do povo, diferente dos ais de alerta, de Jesus!

Como podemos ver, os bem aventurados produzem as obras de Deus. Exatamente o oposto são aqueles para os quais Jesus pronuncia seus “ais” ou “ai de vós!”: “Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam!” (Lc 6,24-26).

Como superar essa situação, deixando de ser maldito para receber a benção divina? Por meio de um ato de fé no Cristo Ressuscitado (1Cor 15,12.16-20).

A vida de bençãos e bem-aventuranças está condicionada a isso: à fé no Cristo vivo. A adesão a essa fé implica em práticas virtuosas, o que traz, como consequência, as bençãos divinas.

Mas, por outro lado,temos a incredulidade. A postura daqueles que não praticam boas obras e não se preocupam com o bem estar de quem está em situação de sofrimento. Estão centrados em si mesmos e em seus privilégios, mesmo que isso custe as dores dos outros. Estes não alimentam a fé no Ressuscitado e, por isso se mantêm numa vida mergulhada na maldade. Eles produzem todo tipo de exclusão social e econômica, ajudam a ampliar o abismo dos preconceitos. Estão mergulhados no pecado e arrastam multidões com eles.

Enquanto os benditos, os bem aventurados os que se alimentam da esperança e alimentam a esperança de tantos, praticam as obras do Cristo Ressuscitado, os malditos apenas representam o anticristo. E enquanto as obras do anticristo atraem os incrédulos e indiferentes, presos em si mesmos, aqueles que se deixam conduzir pelo convite do Ressuscitado são conduzidos pelo próprio Deus ao mundo das bem aventuranças.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Quem irá por nós?

(Reflexões baseadas em: Isaías 6,1-8; 1Coríntios 15,1-11; Lucas 5,1-11)



Quando nos colocamos diante da Palavra de Deus, podemos ficar em silêncio procurando ouvir a voz do Senhor. Podemos dizer que ela nos diz algo ao coração, sentindo-nos repletos de graça. Ou, num gesto de quem ainda não sabe o caminho a seguir, mas tem vontade de receber a orientação divina, podemos nos perguntar: O que Deus está me propondo, hoje, com esta Palavra?

Sim, Deus está propondo, pois Ele não nos impõe nada. Ele apenas nos sugere… e nós aceitamos ou não; nós realizamos sua proposta ou não… mas ele nunca nos obriga a nada. Ele nos criou livres e preza essa liberdade. Entretanto, por meio de sua Palavra, constantemente está nos propondo novos caminhos para melhorarmos nossa vida, nossa relação com o mundo e com as pessoas ao nosso redor… e cabe a nós darmos uma resposta… Vale lembrar que a proposta divina é renovada diariamente. Daí a indagação: O que Deus está me propondo hoje?

A busca pela compreensão da proposta divina pode ser percebida, por exemplo, quando lemos Isaías 6,1-8. Diante de uma manifestação divina o profeta sente-se “perdido”. Mas, logo em seguida é redimido com o fogo de uma brasa que lhe queima as impurezas. Nesse momento manifesta-se, para ele, a proposta divina. E a proposta aparece justamente numa pergunta: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” (Is 6,8).

Mesmo tendo sido purificado, o profeta poderia ter se esquivado, fazendo de conta que não ouvira a proposta… mas respondeu e se ofereceu: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Nós também podemos nos indagar: “E se eu estivesse no lugar do profeta, qual seria minha resposta?”. Por isso, se queremos responder ao apelo divino, podemos sempre nos perguntar: “Qual é a proposta que Deus está fazendo a mim, neste momento?”

Note-se, portanto, que também precisamos estar atentos para ouvirmos a proposta que Deus nos faz. E, aí alguém poderia perguntar: Se tenho que dar uma reposta, como faço para ouvir a proposta de Deus?

Sobre isso é o apóstolo Paulo quem nos orienta (1Cor 15,1-11). E sua orientação é simples: prestar atenção e seguir os ensinamentos dos apóstolos. Em que consiste isso? Crer na essência da vida cristã: crer que Jesus morreu, foi sepultado e “ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras” (1Cor 15,4). E esse ensinamento não é um delírio do apóstolo, como as vezes fazemos nós, quando em vez de ouvir a Palavra de Deus, falamos a partir de nossos interesses… Não é esse o princípio do cristianismo, afirma Paulo.

O ponto de partida não é a palavra de uma pessoa, mas o testemunho de muitos. Um testemunho afirmando que Cristo Morreu e Ressuscitou e Apareceu aos seus. Mas não só apareceu como também os enviou para anunciar essa mensagem: a vida vale mais que a morte. E a prova disso está justamente no fato de Cristo ter vencido a morte. E isso ensina Paulo: este é “o evangelho que vos preguei”; “por ele sois salvos”. Esse é o fundamento da fé e se for “de outro modo teríeis abraçado a fé em vão” (1Cor 15,1-2).

Ou seja, a proposta de Deus manifesta-se a nós, a partir deste critério: a vida vale mais que a morte. Em todos os momentos, o Senhor pede que realizemos atos em defesa da viada. Para isso o profeta foi convocado e respondeu: envia-me! E o apóstolo insiste no “evangelho que vos preguei”.

Além disso, aqueles que se decidem por aceitar a proposta divina vão agir como agiu Simão (Lc 5,1-11). Passou a noite na pescaria e nada pescou. Ouviu a proposta de Jesus: “‘Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes’. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5,5-6).

E assim, o grupo de pescadores que voltava de mãos abanando, sem alimento, ao ouvir a proposta da Palavra de Vida, voltou com alimento para as famílias. A vida foi preservada! E, mais ainda, Jesus os convocou para continuar a missão: tornaram-se “pescador de homens!”(Lc 5,10).

Ao ouvir o apelo, o profeta respondeu: eu vou! Aquele que ouve a proposta e a aceita, pode repetir, como o fez o apóstolo: “Sua graça para comigo não foi estéril” (1Cor 15,10). E aquele que se propõe a cumprir a proposta do mestre, com certeza, poderá lançar sua rede e ouvirá do Mestre, que orienta a Missão “Não tenhas medo!”

E, a nosso respeito, a proposta do Senhor continua aberta: “Quem irá por nós?”




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, 29 de janeiro de 2022

A maior é a caridade

(Reflexões baseadas em: Jeremias 1,4-5.17-19; 1 Coríntios 12,31-13,13; Lucas 4,21-30)




Por que as pessoas ficaram irritadas com Jesus, na cena de Lucas 4,21-30? Essa pode ser uma indagação a ser feita, quando lemos essa passagem. De que Jeremias tinha medo? Pode ser uma das perguntas de quem lê Jeremias 1,4-5.17-19. Qual é o dom mais elevado? É uma das indagações que podem ser formuladas quando lemos 1 Coríntios 12,31-13,13.

Uma vez que estes textos nos sugerem estas perguntas, que respostas podemos dar?As indagações brotam da palavra de Deus, mas as respostas dependem de comportamentos humanos. Quais seriam nossos comportamentos, em resposta a estas indagações?

Vamos olhar o comportamento de Jeremias. O profeta está com medo. Mesmo sabendo-se chamado por Deus desde o ventre materno, está com medo. Mas, de que tem medo, o profeta? Podemos enumerar dois medos: o primeiro tem a ver com a conjuntura política. Seu povo e seu rei estão ameaçados pelos reinos inimigos… e essa ameaça se cumpriu naquilo que conhecemos como exílio babilônico. E aí está seu segundo medo: saber-se convocado por Deus para denunciar os passos e alianças equivocadas do rei. Passos esses que culminaram com o exílio. Mas o profeta precisou dizer que o rei estava equivocado. Precisou indispor-se com o monarca.

Como o profeta enfrentou esses medos? Confiando na Palavra do Senhor!

Sabia-se convocado por Deus. Sabia-se interpelado por Deus. Sabia-se enviado por Deus.Sabia-se portador da palavra de Deus… e por isso também sabia dos perigos, pois Deus o havia constituído profeta. E, afinal de contas, sabia que Deus lhe havia dito: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 4,19). E assim, apesar de todo o medo, assumiu sua missão de “profeta das nações”!

Essa atitude profética manifesta-se na postura de Jesus, quando desdenharam de sua palavra e quiseram atirá-lo do precipício; quando esquivou-se dos perseguidores e continuou seu caminho…. Sabia que outros o esperavam; que sua missão estava apenas começando e sua proposta era mais ampla que as mesquinharias dos sacerdotes e doutores da lei que não conseguiam entender as propostas de Deus… Por isso, passou por entre eles e “continuou o seu caminho” (Lc 4,30)

Mas por que o quiseram atirar no precipício?

Porque veio cumprir as escrituras. Assumiu a defesa dos pobres e marginalizados. Disse que a salvação destina-se a todos e não a uns poucos privilegiados. Anunciou um Deus de amor e não uma divindade interesseira adorada pelos interesseiros.E porque afirmou que Deus quer a fé manifestada nas obras e não ritos vazios e orações exteriores.… O fato é que “todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (Lc 4,22), mas poucos se comprometiam com sua proposta.

Ochamado profético, de Jeremias, e a atitude profética de Jesus, cobram de nós um posicionamento. É disso que Paulo está falando, quando escreve à comunidade de Corinto, e hoje a nós e à nossa sociedade.

Oapóstolo orienta a comunidade: “aspirai aos dons mais elevados” (1Cor 12,31). Quais seriam esses dons? Dois deles dizem respeito a nós e podemos desenvolvê-los, alimentando nossa vida espiritual. Trata-se da fé e da esperança. Dons indispensáveis à vida do cristão. Aliás, não existe vida espiritual que não esteja fundamentada na fé. E ela tem a ver com a esperança. Ou seja, a fé nos põe em relação com Deus e a esperança nos leva ao desejo do encontro definitivo com Ele.

O apóstolo cobra o passo seguinte: fé e a esperança são fundamentais e ponto de partida para a vida cristã, mas só isso não basta, pois se esgota numa espiritualidade intimista. Daí a necessidade do passo seguinte: a caridade, ou o amor. Na caridade é que reside o fundamento da profecia, pois leva o crente a sair de si e voltar-se para o outro.

Ou seja, não adianta ter fé acreditando que tudo vai mudar e nascerá uma sociedade melhor, mais justa e equitativa. Isso só existirá quando todos fizermos o que nos cabe para construir essa sociedade… que tem o amor como base e não o interesse pessoal. Esta é a diferença entre o amor cristão e o discurso político. Este é demagógico e enganador enquanto o amor-caridade alimenta-se com o crescimento do outro. Assim, podemos dizer que fé e esperança, são dons interiores, mas cobram sua exteriorização na caridade. “Atualmente permanecem estas três coisas: fé, esperança, caridade. Mas a maior delas é a caridade” (1Cor 13,13).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O corpo de Cristo

(Reflexões baseadas em: Neemias 8,2-4a.5-6.8-10; 1 Coríntios 12,12-30; Lucas 1,1-4;4,14-21)




Você já parou para observar a dinâmica dos nossos encontros de oração dominical, em nossas comunidades cristãs?

Não importa se somos católicos ou de qualquer das denominações evangélicas. A dinâmica é a mesma. Claro que cada denominação tem a sua característica e seu jeito específico de enfatizar um ou outro aspecto: entre os católicos um momento muito importante é da Eucaristia; algumas denominações evangélicas enfatizam a Santa Ceia.... Mas isso não muda o roteiro: um momento de acolhida, momentos para cantar, momento de ouvir a Palavra de Deus, momento de refletir a Palavra de Deus (homilia, sermão, pregação…), momento de oração pessoal pedindo e agradecendo e um momento de despedida.

Algo semelhante nos apresenta o livro de Neemias (8,2-4a.5-6.8-10). O sacerdote, diante da assembleia faz a leitura do Livro Santo: “Ele abriu o livro à vista de todo o povo. E, quando o abriu, todo o povo ficou de pé” (Ne 8,5). Ou seja, o povo se posicionou mostrando respeito e prontidão para ouvir a proposta divina. Então “Esdras fez a leitura do livro, desde o amanhecer até ao meio-dia”. E enquanto o sacerdote fazia leitura o “povo escutava com atenção a leitura do livro da Lei” (Ne 8,3). Após a leitura, o povo faz reverencia à Palavra anunciada. “Depois inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor, com o rosto em terra” (Ne 8,6). Em seguida vem a explicação, a pregação, ou a homilia, como queiramos..., pela qual é dito ao povo que deve manter a alegria de servir ao Senhor. E, por fim a assembleia é despedida; orientada a voltar para casa pondo em prática o que aprendeu: “Ide para vossas casas e comei carnes gordas, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que nada prepararam, pois este dia é santo para o nosso Senhor” (Ne 8,10).

Como se vê, o que o povo de Deus fazia, em tempos remotos, fazemos nós em nossas igrejas. Evidentemente, cada denominação ao seu modo, mas todos bebemos na mesma fonte: a Palavra Santa do Senhor.

A mesma coisa observamos na narrativa de Lucas (1,1-4;4,14-21). Depois de pesquisar sobre a vida de Jesus, fala à comunidade (Lc 1,1-4). Mas por que ele faz isso? Para demonstrar “a solidez dos ensinamentos” sobre o Mestre (Lc 1,4). Ele mostra isso, na própria pessoa de Jesus. E o que faz Jesus, nesta narrativa de Lucas? Faz suas pregações nas várias cidades e as pessoas gostam disso, pois o elogiam (Lc 4,15). E como judeu, cumpre com suas obrigações religiosas; segundo o costume, naquele sábado foi à sinagoga; apresentou-se para fazer a leitura (Lc 4,16). Leu e fez a pregação. Aquilo que fizera em outros locais, faz agora em sua cidade. Ele afirma, categoricamente: esta escritura não é para o passado, nem para o futuro. É para agora: “Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.” (Lc 4,21). Com isso querendo nos dizer que a Palavra de Deus  é o caminho para a vida. É no momento em que estamos vivendo, o presente, que devemos por em prática os ensinamentos.

E qual é esse ensinamento que Jesus apresenta? A necessidade de construção de uma nova sociedade a fim de, nela, instalar as portas do Reino de Deus. Jesus leu o trecho do profeta Isaías que falava a seu respeito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

E quando entendemos o que Paulo disse à comunidade de Corinto (1Cor 12,12-30) percebemos que essa missão, ou esse cumprimento da profecia, assumida por Jesus, ele a transmite aos seus discípulos. Hoje, os discípulos somos nós. E o somos como membros de um corpo, uma vez que formamos “um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12,13).

Somos membros do corpo de Cristo, como diz o apóstolo: “todos juntos, sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo” (1Cor 12,27). Por esse motivo também somos continuadores de sua missão que consiste em promover as pessoas e o bem das pessoas. Esse bem corresponde à instalação de “um ano da graça do Senhor.” (Lc 4,19).

Portanto, cada um dos momentos de cada uma das nossas celebrações, não importa se na Igreja Católica ou em qualquer uma das denominações evangélicas, tem como finalidade fazer com que nos percebamos como membros do Corpo de Cristo. E, como tal, nos comprometamos com o bem uns dos outros, como ensina Paulo: “para que não haja divisão no corpo e, assim, os membros zelem igualmente uns pelos outros. Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1Cor 12,25-26).

E se assim não nos percebemos é porque ainda estamos separados do Corpo de Cristo.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Por amor

(Reflexões baseadas em: Isaías 62,1-5; 1Coríntios 12,4-11; João 2,1-11)




O que somos capazes de fazer, por amor?

Não importa seesse amor é em relação a pessoa com a qual vivemos; podem ser nossos filhos ou nossos pais… ou simplesmente nossos amigos… O que somos capazes de fazer, por amor?

Não se trata, aqui, de procurar o significado do amor. Não se trata de saber o que é amar. Trata-se de saber que as pessoas amam. E se as pessoas são capazes de amar: o que somos capazes de fazer por amor?

Não se trata, também, de fazer algo para merecer o amor de alguém, mas de fazer algo porque amamos…O que somos capazes de fazer, por amor?

Éclaro que por ódio, por vingança… e por muitas outras mesquinharias somos capazes de demonstrar outros sentimentos que nada têm a ver com o amor. E movidos por esses sentimentos, somos capazes de grandes atrocidades, maldades…. E o mundo está cheio disso. Os exemplos são incontáveis na história da humanidade e em nossas histórias pessoais…. Mas, o que somos capazes de fazer, por amor?

Oprofeta Isaías (62,1-5) mostra como Deus dá um exemplo do que Ele faz por amor: não se calará nem descansará enquanto não brilhar a justiça e a salvação sobre Jerusalém. A cidade que é uma representação do povo. Um povo que, ao receber o dom da justiça, mostra às demais nações e povos a intensidade do amor divino. Um amor tão intenso que faz o profeta afirmar: “o Senhor agradou-se de ti”, por isso seu nome será: “Minha predileta”.

E por ter merecido o amor de Deus, esse povo/cidade, será vista por outros povose seus soberanos… como fonte a partir de onde jorram as bençãos divinas. Por ter merecido o amor de Deus, essa cidade/povo não mais será vista como um local abandonado e desértico, mas todos que a virem perceberão que é a predileta do Senhor; será como a jovem “bem casada”, pois, diz o profeta, assim como “a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de teu Deus.” (Is 62,5). Tudo porque essa cidade/povo mereceu o amor de Deus.

Isso é o que Deus faz, por amor!

Não é diferente o que Paulo ensina à comunidade de Corinto(1Cor 12,4-11). Mostra que, por amor, o Espírito concede os dons. Os diferentes ministérios e atividades, tudo provém do mesmo Espírito. “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum.” (1Cor 12,7). A uns o Espírito concede a sabedoria, a outros a ciência; a alguns o dom da cura, a outros o dom dos milagre; alguns são profetas, outros recebem outros dons, mas tudo provém do mesmo Espírito que, com seu dom de Amor, concede a cada um aquilo que cada um pode desenvolver em favor de todos.

Portanto o amor do Espírito é dado individualmente, mas para ser desenvolvido em favor de todos. Ninguém é profeta para si mesmo, como também ninguém desenvolve o dom da palavra para falar a si mesmo. Os dons são presentes divinos a se converterem em frutos em benefício de todos.

Isso é o que o Espírito de amor faz, por amor!

Algo semelhante vamos aprender de Jesus(João 2,1-11): valorizar os bons momentos que celebram a vida. Neste trecho da narrativa evangélica onde é que vamos encontrar Jesus? Numa festa de casamento. E o que se faz numa festa de casamento? Celebra-se a união. Em que consiste essa união? Na alegria do encontro com alguém especial. Na alegria e compromisso com a obra divina da criação.

O casamento é uma celebração de alegria e de fé no futuro.Um futuro que tem a ver com mais alguém, pois ninguém se casa consigo mesmo, mas se casa com outro para que a felicidade cresça a dois… e com os filhos que são o sinal da continuidade da criação. E, caso não haja filhos, o casal se completa num supremo ato de amor. E Jesus está aí para celebrar o amor.

Nada mais sublime, para anunciar e iniciar sua vida pública. A celebração do amor, numa festa de doação. Nada mais marcante do que a orientação de sua mãe, aosgarçons: “façam o que ele vos disser!” (Jo 2,5). E Jesus realiza seu primeiro sinal. Mas seu grande sinal, seu grande milagre, não foi fazer vinho da água, mas foi assinalar a importância da felicidade que deve crescer a partir da união. Uma união que, ao mesmo tempo, simboliza a continuidade da criação e celebra a doação ao outro. E essa festa da união, só pode ter continuidade porque a água foi convertida em vinho. Mas isso somente ocorreu porque a celebração da vida, anunciada no casamento, é mais importante. E esse foi o milagre: fazer com que a festa da celebração da vida pudesse ter prosseguimento.

E isso o Filho fez por amor.

A Trindade Santa, mostrou o que pode fazer por amor a nós.

E nós, o que somos capazes de fazer, por amor?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Batismo de Jesus: Eis meu servo

(Reflexões baseadas em: Isaías 60, 1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Para a Igreja o Natal não se resume a um dia.

Ele se prolonganaquilo que se denomina de tempo de Natal. Mas este é um período curto. Em seguida vem o tempo comum, que começa com o Batimos do Senhor e prossegue até a quarta feira de cinzas, quando se inicia a quaresma.

Nosso comentário de hoje se dá justamente ao redor do Batismo do Senhor, iniciando o tempo comum, ou seja, o período em que recordamos, liturgicamente, alguns episódios da vidada de Jesus.

Alguém, com certeza, perguntará: Mas Jesus precisou de ser batizado, como nós? Sim! Não!

Sim porque nasceu e viveu como um ser humano a fim de nos mostrar que também podemos fazer o que ele fez. Suas dores e alegrias as vivenciou como ser humano. Mesmo na hora do último sofrimento, na cruz, enfrentava tudo como ser humano. Qual seria seu mérito exemplar se nas provações tivesse se valido de sua divindade? Nesse caso poderíamos dizer: fez isso porque era Deus. Teve medo das dores e se refugiu na divindade. Mas não foi assim: sofreu as adversidades como ser humano e por ser humano.

Daíque seu batismo foi um processo natural e humano. Uma espécie de simbologia com a finalidade de dizer que a vida cristã começa nesse banho. E, no caso da Igreja Católica, esse banho purificador e de introdução ocorre com a criança ainda pequena. Sendo que os pais pedem o banho purificador: por isso o batismo que deve ser confirmado mais tarde com o sacramento do crisma, quando a criança já puder fazer escolhas. Jesus fez isso, escolheu seu momento e se fez batizar, confirmando sua missão e nos dando o exemplo.

Mas Jesus não precisava do batismo, pois nasceu sem pecado. Por isso seu banho não foi para purificação dos pecados, mas para Deus o apresentar. E Lucas (3,15-16.21-22) nos descreve a cena. “Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba. E do céu veio uma voz: 'Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer.'” (Lc 3,21-22). Essa apresentação/batismo é tão importante para a fé cristã, que os quatro evangelistas a retratam: Jo 1,31-34; Mt 3,13-17; Mc 1,9-11. E os quatro evangelistas mostram a mesma cena: João batizando; o Espírito se manifestando e o Pai apresentando o Filho batizado. Por isso, em nossas igrejas antes de batizarmos nossas crianças as apresentamos para a comunidade. Só então as batizamos com o batismo de Jesus, com água, mas para receber o que João menciona: “Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”(Lc 3,16). Tudo realizado em nome da Trindade Santa, como no batismo de Jesus.

Isso para nos dizer que o batismo do cristão tem implicações. Não se resume a um pouco de água, óleo e mais alguns símbolos como a cruz e as vestes brancas. Pelo batismo a pessoa recebe o Espírito para ser fortalecido e se tornar capaz de fazer o que Jesus fez.

Como isso pode ser realizado? Seguindo as orientações do profetas e do apóstolos.

Isaías(42,1-4.6-7), fala de um Servo, que sofre, é verdade, mas também sobre ele repousa o Espírito do Senhor. E por ser um com o Espírito de Deus, o Servo é benevolente, está sempre disposto a oferecer mais uma oportunidade de redenção: “Não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega; mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3). Além disso, o Servo “não se deixará abater” até que a justiça seja implantada; e que os países distantes conheçam seus ensinamentos. Isso porque o Servo será promotor da justiça; aliança para os povos; será o libertador pois tirará os cativos da prisão e dará visão aos cegos. Será a “luz das nações”

Essa proposta, nos ensinam os apóstolos (At 10-34-38), inicialmenteera destinada aos hebreus, mas em função da ação de Jesus passa a ser destinada a todas as nações. Uma vez que “Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35).

Épara recordar tudo isso que o apóstolo Pedro, neste trecho dos Atos dos Apóstolos, faz seus ouvintes recordarem o que ocorreu na Judeia, começando na Galileia: Jesus ao ser batizado por João “foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio; porque Deus estava com ele” (At 10, 37-38). Ou seja, a ação de Jesus ganha destaque a partir de sue batismo, que foi o momento em que se definiu a mediação da trindade: O filho recebendo o Espírito de Pai que envia o Filho a fazer o bem, curar e libertar. O batismo de Jesus, tem a mesma função do nosso: fazer de nós, não só morada de Deus, mas também agentes de mudanças, transformações e revoluções, como fez Jesus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, 1 de janeiro de 2022

Epifania: vimos sua estrela.

(Reflexões baseadas em: saías 60, 1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Já parou pra pensar quantas vezes você venceu dificuldades? Pequenas ou grandes, mas venceu! Houve tropeços…. Mas você levantou… já fez as contas? Já parou pra pensar como foi tua reação depois de cada vitória?

É isso que Isaías (60,1-6) está nos propondo. Após um grande problema, o Exílio babilônico, o povo está regressando para sua terra. Nesse contexto o profeta convida o povo para rever o caminho percorrido; analisar o que está acontecendo; rever as causas das dores e entender o significado de sua vitória. Então o profeta afirma: “acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti” (Is 60,1-2).

Para nós, um novo ano se inicia, então as palavras do profeta também nos alertam: Também para nós chegou a luz do Senhor; também para nós está destinada a glória do Senhor… Mas, também a nós é dada a oportunidade de fazer brilhar uma luz divina e preparar o espaço para a permanência da glória!

O problema é que nem sempre estamos abertos a essa proposta do Senhor. Na maioria das vezes em que Deus tenta nos visitar ou nos oferecer oportunidades e pequenas amostras de sua glória, nos preferimos as amarras do mundo. Em vez da solidariedade, preferimos o egoísmo; em vez do amor, preferimos a divisão individualista; em vez das coisas do alto optamos pelas coisas rasteiras, pelos prazeres cotidianos… e, dessa forma, nos afastamos da proposta gloriosa.

Não damos ouvidos ao profeta.

E, por esse motivo, Paulo (Ef. 3,2-3a.5-6) nos vem alertar: existem detalhes do plano de Deus a nosso respeito. Claro que inicialmente mensagem foi para sua comunidade de Éfeso. Mas como a palavra de Deus não se prende ao tempo, também é dirigida a nós. Por isso é a nós que o apóstolo fala: “Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito” (Ef 3,2).

E o apóstolo começa a explicar em que consiste o plano de Deus a nosso respeito. Tem a ver com o próprio mistério de Deus, mas esse mistério o Senhor reservou para revelar por meio de Jesus e não aos povos antigos.

E nem poderia ser diferente, pois o dom de Deus a nosso respeito consiste em sermos associados à herança divina. Uma associação que nos torna membros do corpo do Senhor Jesus. Diz o apóstolo: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6).

Ser merecedor da luz; ser incorporado à glória celeste; ser feito herdeiro da promessa; ser associado ao corpo de Cristo… tudo isso pode ser resumido numa só palavra: a Epifania. Deus que se manifesta à comunidade humana. E faz isso na pessoa de Jesus.

Jesus é quem nos incorpora ao Pai, nos torna herdeiros da promessa do Senhor. É ele que revela o plano de Deus e o faz anunciando e mostrando os caminhos do Reino. E um Reino que não se limita a um povo, como o acreditavam os hebreus, mas é aberto a todos os povos, como o ensina Paulo e o demonstra Mateus (2,1-12), com a narrativa da visita “dos magos do oriente”.

Chama a atenção o fato de que o Messias era esperado pelos hebreus. Isso o sabiam “todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei” (Mt 2,4), mas não viram a estrela do menino de Belém. Ficou sabendo o rei Herodes, mas com intenções assassinas. No entanto já haviam reconhecido a luz do Deus que se manifestava: os pastores e agora estavam seguindo sua estrela “os magos do oriente.”Tudo isso para demonstrar que Deus não se dá a conhecer entre os poderosos e seus palácios, mas entre os mais humildes e estrangeiros.

Isso, também, nos mostra que Jesus se manifesta. Ele se dá a conhecer. Mas são necessárias algumas condições para reconhecê-lo: buscar com fervor sua ajuda para a solução dos problemas de nossa vida, mas, ao mesmo tempo fazer nossa parte para encontrar as soluções; não dá para procurá-lo nos locais de ostentação de poder, mas entre as pessoas simples. Ele não nega sua glória nem sua luz… mas prefere que nós o procuremos, pois respeita nossas escolhas.

Os magos disseram: “Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Procuraram no centro do poder, mas o encontraram na periferia. Cabe nos perguntarmos: qual a estrela que estamos procurando. E se queremos, de fato, encontrar o Senhor também temos que sair em busca de sua estrela que nos espera para nos guiar na busca de soluções para nós e nosso país… então, onde está nossa estrela?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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