A liturgia, do dia em que a Igreja celebra “Jesus Cristo: Rei do Universo”, pode nos dizer muita coisa e nos orientar em relação aos nossos comportamentos. Algo que nos é dito é que Deus cuida dos seus; uma orientação diz respeito às nossas atitudes em relação às outras pessoas.
Além deste ser o último domingo do ano litúrgico, as leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, são um forte convite: ou estamos do lado de Deus ou estamos sem Ele. Não há meio termo. Mas o estar ou não com Deus, não depende do Senhor, mas das nossas opções. Isso fica muito claro nas palavras de Ezequiel (Ez 34,11-12.15-17). E mais nítida ainda é a afirmação de Jesus (Mt 25,31-46). As palavras do Senhor não poderiam ser mais claras: “todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
O profeta mostra a disposição de Deus em cuidar de nós, seu rebanho. Ele afirma: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas”. E por que o senhor faz isso? Por que Ele afirma que vai cuidar de suas ovelhas? Porque os pastores, aqueles que deveriam cuidar do rebanho, as dispersou ou deixaram que se perdessem. E quando as ovelhas estavam perdidas o Senhor veio pessoalmente para resgatar o rebanho. Isso no-lo afirma o profeta e o demonstra Jesus Cristo com sua paixão e ressurreição.
Para socorrer as ovelhas extraviadas, feridas, enfraquecidas e doentes (Ez 34,16), o Senhor se coloca como pastor zeloso, cuidadoso, e pronto a fazer justiça(Ez 34,17). Em meio a essa situação catastrófica para com o rebanho, o Senhor, proprietário do rebanho, do curral e das pastagens… vem em defesa das suas ovelhas, mal cuidadas por aqueles que as deviam proteger. E o cuidado do Senhor, não será como a dos pastores irresponsáveis e negligentes. O cuidado do Senhor é feito em sintonia com o direito: contra os pastores negligentes e opressores; separando as ovelhas e os bodes (Ez 34,17).
E em defesa dos mais marginalizados e sofredores, excluídos e desprezados, Jesus se coloca como Juiz. E assume essa postura não só porque é o Senhor, filho de Deus, mas porque é o Rei e soberano do universo (Mt 25,31).
A pergunta que nos colocamos, neste ponto é: por que um Deus tão compassivo e disposto ao perdão assume sua majestade e se coloca como juiz definitivo? Ou, dizendo de outra forma: Por que o Senhor, em sua vinda gloriosa, separará ovelhas e cabritos?
A primeira resposta é a afirmação de que a convivência com os maus pastores corrompeu o rebanho. Por causa dos maus pastores muitos se afastaram da proposta inicial, apresentada ainda no livro do Gênesis: Deus viu que tudo que havia feito era bom e deu aos seres humanos uma só missão: a missão do crescimento.
A segunda resposta diz respeito a cada um de nós e vale para todos os tempos. Trata-se das nossas atitudes. Noutras palavra: não é o Senhor que fará a separação, mas aquilo que tivermos realizado é que mostrará a nossa essência.
Assentado sobre seu trono de glória, Jesus, o pastor eterno, chamará a todos. Ovelhas e bodes; bons e maus. “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele” (Mt25,32). Então é que fará a seleção. Então é que apresentará sua lista com os critérios seletivos. Então cada um olhará para aquilo que tiver realizado ao longo de sua vida, como quem olha em um espelho.
E, então, nos veremos como somos.
E, então, não é o Senhor quem julga, mas cada um de nós é que nos aproximaremos do Senhor, em função das nossas obras; ou nos afastaremos dele, envergonhados por tudo que tivermos realizado ao longo de nossa vida.
Os atos dos nossos pais do Gênesis inseriram no mundo o germe da maldade, nos ensina Paulo (1 Cor 15,20-26.28). Mas pelos méritos de Jesus, tivemos nova oportunidade.
E essa nova oportunidade, selada com o sangue na Cruz, é a face do espelho diante do qual nos colocaremos para nos olharmos em plenitude.
Esse espelho nos mostra que não é o Rei do Universo que nos julga, mas as nossas atitudes cotidianas. O juiz definitivo, portanto, não é o Senhor, mas nós mesmos ao percebermos se cumprimos ou não as exigências, os critérios do Reino.
O senhor está de braços abertos para nos acolher. O reflexo das nossas obras nos impulsionará para retribuirmos ao abraço definitivo; ou nos obrigará a nos afastarmos, curtindo uma eternidade de vergonha e remorsos por não termos feito aquilo que poderia sanar a dor dos menores irmãos do Senhor.
Neri de Paula Carneiro
sábado, novembro 21, 2020
sábado, novembro 14, 2020
Os talentos
O que nos vem à cabeça quando ouvimos ou falamos ou lemos a palavra talento?
Parece que a maioria de nós pensa em uma determinada habilidade para realizar algo: fulano tem talento para a música; aquele menino tem talento para contar piada. Aquela menina é uma dançarina talentosa… Ou seja, ao mencionarmos talento, estamos nos referindo a uma qualidade; uma característica que tem a ver com algo valoroso.
E o que nos vem a cabeça quando lemos, nos textos bíblicos, a palavra talento?
Essa é uma das questões que a liturgia nos apresenta neste trigésimo terceiro domingo do tempo comum. Então, de que nos lembramos quando lemos, na bíblia, a palavra talento?
Parece que nos vem a cabeça a ideia de moeda, pagamento, recompensa, retribuição… Parece que nos lembramos mais de aspectos econômicos do que de habilidades. Parece que tem algo a ver com valor, sim, mas valor econômico.
Voltemos à questão: o que, exatamente, significa o talento bíblico? Essa é a questão que nos é apresentada por Mateus (Mt 25,14-30), no trecho conhecido como parábola dos talentos. Também o livro dos Provérbios apresenta as características de uma mulher virtuosa (Pr. 31,10-13.19-20.30-31), ou “talentosa” (Pr. 31,10). Até mesmo Paulo, na segunda leitura, da carta aos Tessalonicenses (1 Ts 5,1-6), chama a atenção para uma virtude, um talento, uma habilidade, que a comunidade deve preservar: a vigilância (1 Ts 5,6)
Então voltemos à questão: o que é o talento, na bíblia?
Não se trata, nem de uma moeda nem de uma virtude ou habilidade. Trata-se de uma unidade de medida de volume. Popularmente chamaríamos de peso. E, mais especificamente, o talento, correspondia ao volume que podia variar entre aproximadamente 30 a 40 quilos, dependendo do lugar e da época. Parece que no tempo de Jesus correspondia a um volume entre 25 a 30 quilos.
Poderíamos dizer, portanto, que na parábola narrada por Mateus os servos receberam, respectivamente (Mt 25,15): o primeiro, cinco talentos correspondendo a aproximadamente 150 quilos dos bens do seu patrão; o outro recebeu dois talentos, que correspondia a aproximadamente 60 quilos dos bens do patrão. E o terceiro recebeu um talento que correspondia a aproximadamente 30 quilos dos bens do patrão.
Esses bens tanto podiam ser em ouro como em prata – ou outro bem. Mas como os dois primeiros aplicaram os talentos e ao retornar o patrão repreende ao terceiro por não ter aplicado nem depositado o dinheiro no banco (Mt 25,27), isso nos leva a supor ou a imaginar que eram moedas de ouro ou prata. O primeiro transformou os cinco em dez; o segundo transformou os dois em quatro. E o terceiro escondeu o tesouro (afinal, trinta quilos de prata/ouro é um tesouro, é um valor alto)…
Agora, convenhamos: será que Jesus estava querendo falar a respeito de riquezas, de ouro e prata? Ou ele queria chamar nossa atenção para algo que vai além e muito superior ao valor econômico?
Com certeza não estava interessado em ouro ou prata. Estava interessado nas posturas. Nos comportamentos, nas atitudes. Usa a metáfora do talento, por isso o gênero literário das parábolas, para chamar a atenção em relação a uma postura muito mais importante: ser capaz de agir e não de se esconder. Importa ser capaz de realizar as obras da construção do reino e não se omitir, como o servo que escondeu o tesouro.
Isso nos é demonstrado na descrição da mulher ideal. Notemos que as virtudes elogiadas, em primeiro lugar não são os dotes domésticos, mas o fato de ser merecedora de confiança (Pr 31,11) e promotora da felicidade (Pr 31,12). Suas mãos são elogiadas, por executarem algumas tarefas (Pr 31,13.19), mas sua principal virtude é a generosidade para com o necessitado (Pr 31,20) e sua fé no Senhor (Pr 31,30).
Paulo reforça a importância da postura voltada não para os valores econômicos, mas para aqueles que podem conduzir à vida. O apóstolo não diz que os bens materiais são imprestáveis ou que sua posse é condenável. Afirma que a base da confiança não são os bens, mas a vigilância. Não basta ter tudo e acreditar que isso trará “paz e segurança” (1 Ts 5,3). A verdadeira segurança não se deposita nos bancos, mas está depositada na confiança para com o Senhor. O acúmulo dos bens, ao invés de produzir confiança e agradecimento ao Senhor, leva a acomodação e à displicência. O verdadeiro valor se manifesta na vigilância. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6).
E isso nos traz de volta à narrativa de Mateus. O discurso tem, sim, uma base econômica, mas a parábola, como é de sua natureza, leva para algo que está além; a parábola é uma comparação que arremete àquilo que realmente importa: fazer com que o servo (o cristão) que é fiel, ou seja, aquele que faz de sua vida uma ação transformadora para mais, possa participar das alegrias do Senhor: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25,21.23).
Em compensação, aquele que se diz cristão, mas não faz nenhuma ação transformadora, em sua vida nem na sociedade, esse é o servo “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Esse merece ser descartado (Mt 25,30).
E a nós, cabe nos perguntarmos: qual tem sido nossa ação? Como temos nos comportado? Qual servo nós somos?
Neri de Paula Carneiro
Parece que a maioria de nós pensa em uma determinada habilidade para realizar algo: fulano tem talento para a música; aquele menino tem talento para contar piada. Aquela menina é uma dançarina talentosa… Ou seja, ao mencionarmos talento, estamos nos referindo a uma qualidade; uma característica que tem a ver com algo valoroso.
E o que nos vem a cabeça quando lemos, nos textos bíblicos, a palavra talento?
Essa é uma das questões que a liturgia nos apresenta neste trigésimo terceiro domingo do tempo comum. Então, de que nos lembramos quando lemos, na bíblia, a palavra talento?
Parece que nos vem a cabeça a ideia de moeda, pagamento, recompensa, retribuição… Parece que nos lembramos mais de aspectos econômicos do que de habilidades. Parece que tem algo a ver com valor, sim, mas valor econômico.
Voltemos à questão: o que, exatamente, significa o talento bíblico? Essa é a questão que nos é apresentada por Mateus (Mt 25,14-30), no trecho conhecido como parábola dos talentos. Também o livro dos Provérbios apresenta as características de uma mulher virtuosa (Pr. 31,10-13.19-20.30-31), ou “talentosa” (Pr. 31,10). Até mesmo Paulo, na segunda leitura, da carta aos Tessalonicenses (1 Ts 5,1-6), chama a atenção para uma virtude, um talento, uma habilidade, que a comunidade deve preservar: a vigilância (1 Ts 5,6)
Então voltemos à questão: o que é o talento, na bíblia?
Não se trata, nem de uma moeda nem de uma virtude ou habilidade. Trata-se de uma unidade de medida de volume. Popularmente chamaríamos de peso. E, mais especificamente, o talento, correspondia ao volume que podia variar entre aproximadamente 30 a 40 quilos, dependendo do lugar e da época. Parece que no tempo de Jesus correspondia a um volume entre 25 a 30 quilos.
Poderíamos dizer, portanto, que na parábola narrada por Mateus os servos receberam, respectivamente (Mt 25,15): o primeiro, cinco talentos correspondendo a aproximadamente 150 quilos dos bens do seu patrão; o outro recebeu dois talentos, que correspondia a aproximadamente 60 quilos dos bens do patrão. E o terceiro recebeu um talento que correspondia a aproximadamente 30 quilos dos bens do patrão.
Esses bens tanto podiam ser em ouro como em prata – ou outro bem. Mas como os dois primeiros aplicaram os talentos e ao retornar o patrão repreende ao terceiro por não ter aplicado nem depositado o dinheiro no banco (Mt 25,27), isso nos leva a supor ou a imaginar que eram moedas de ouro ou prata. O primeiro transformou os cinco em dez; o segundo transformou os dois em quatro. E o terceiro escondeu o tesouro (afinal, trinta quilos de prata/ouro é um tesouro, é um valor alto)…
Agora, convenhamos: será que Jesus estava querendo falar a respeito de riquezas, de ouro e prata? Ou ele queria chamar nossa atenção para algo que vai além e muito superior ao valor econômico?
Com certeza não estava interessado em ouro ou prata. Estava interessado nas posturas. Nos comportamentos, nas atitudes. Usa a metáfora do talento, por isso o gênero literário das parábolas, para chamar a atenção em relação a uma postura muito mais importante: ser capaz de agir e não de se esconder. Importa ser capaz de realizar as obras da construção do reino e não se omitir, como o servo que escondeu o tesouro.
Isso nos é demonstrado na descrição da mulher ideal. Notemos que as virtudes elogiadas, em primeiro lugar não são os dotes domésticos, mas o fato de ser merecedora de confiança (Pr 31,11) e promotora da felicidade (Pr 31,12). Suas mãos são elogiadas, por executarem algumas tarefas (Pr 31,13.19), mas sua principal virtude é a generosidade para com o necessitado (Pr 31,20) e sua fé no Senhor (Pr 31,30).
Paulo reforça a importância da postura voltada não para os valores econômicos, mas para aqueles que podem conduzir à vida. O apóstolo não diz que os bens materiais são imprestáveis ou que sua posse é condenável. Afirma que a base da confiança não são os bens, mas a vigilância. Não basta ter tudo e acreditar que isso trará “paz e segurança” (1 Ts 5,3). A verdadeira segurança não se deposita nos bancos, mas está depositada na confiança para com o Senhor. O acúmulo dos bens, ao invés de produzir confiança e agradecimento ao Senhor, leva a acomodação e à displicência. O verdadeiro valor se manifesta na vigilância. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6).
E isso nos traz de volta à narrativa de Mateus. O discurso tem, sim, uma base econômica, mas a parábola, como é de sua natureza, leva para algo que está além; a parábola é uma comparação que arremete àquilo que realmente importa: fazer com que o servo (o cristão) que é fiel, ou seja, aquele que faz de sua vida uma ação transformadora para mais, possa participar das alegrias do Senhor: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25,21.23).
Em compensação, aquele que se diz cristão, mas não faz nenhuma ação transformadora, em sua vida nem na sociedade, esse é o servo “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Esse merece ser descartado (Mt 25,30).
E a nós, cabe nos perguntarmos: qual tem sido nossa ação? Como temos nos comportado? Qual servo nós somos?
Neri de Paula Carneiro
domingo, novembro 08, 2020
O noivo está chegando
A pergunta que agora se faz é: qual o significado dessa parábola, narrada por Mateus? A resposta está no conjunto das leituras que a Igreja nos apresenta para esta celebração.
O livro da Sabedoria (Sb 6,12-16) dá a primeira dica: mostra algumas características da Sabedoria que, em várias passagens da Bíblia, pode ser identificada com o Espírito Santo. A primeira característica é a afirmação de que a “Sabedoria é luminosa” (Sb 6,12). Essa luz permite que ela seja contemplada e encontrada pelos que a procuram. Ela mostra-se àqueles que a desejam (Sb 6,13). Mais do que isso, a Sabedoria não só se mostra como também “sai à procura dos que dela são dignos” (Sb 6,16).
Isso implica dizer que a Sabedoria, dom do Espírito, é compartilhada por Deus com quem a procura, mas essa busca implica na dignidade, ou seja, no merecimento.
Isso implica dizer,também, que muitos a buscam, mas são indignos dela. Esses podem até praticar atos inteligentes, ter posturas que aparentam sabedoria, mas não passam de atos interesseiros. Não se trata de sabedoria, mas de esperteza. Aqueles golpes maravilhosos efetuados pelos malandros; aquelas artimanhas e emaranhados de falcatruas dos políticos… aparentam sabedoria, mas demonstram apenas a esperteza. A esperteza que não é uma face da sabedoria, mas uma demonstração de capacidade para enganar os outros. Isso não é divino, pelo contrário: é diabólico.
Cada um dos políticos que enganam o povo com belos discursos ou cada golpe dos espertalhões de plantão, não evidenciam uma expressão da sabedoria, mas uma demonstração de sua face diabólica. A esperteza é diabólica, porque não pensa no crescimento coletivo. E, por ser individualista, busca apenas a vantagem pessoal; a sabedoria é divina, pois sua preocupação é o crescimento de todos; é a satisfação e felicidade de todos.
A sabedoria, são as cinco acompanhantes do cortejo nupcial, que levaram não só as lamparinas acesas, mas também o óleo para reabastecê-las ao longo da festa (Mt 25,4). A esperteza são as cinco acompanhantes que somente levaram as tochas acesas, sem o combustível para abastecimento (Mt 25,2). E, pior ainda, em sua tentativa de se dar bem e tirar proveito da sabedoria das outras, tentaram extorquí-las: “Dá, nos um pouco do seu óleo” (Mt 25,8).
Mas a sabedoria, orienta e corrige a malandragem, sem ser mesquinho: “Não podemos fazer essa doação porque, se a fizermos ficaremos todas desabastecidas e a festa perderá o brilho.” A sabedoria mostra o caminho da honestidade e sensatez: “Da mesma forma que nós fomos ao mercado e compramos, vão vocês também. Comprem o que lhes falta e todos teremos o suficiente” (Mt 25,9).
Só a sabedoria pode se contrapor aos espertalhões. Só a sabedoria pode construir a justiça e a equidade. Só a sabedoria pode desbancar os espertalhões e aproveitadores.
Por isso, na parábola, Jesus mostra que as acompanhantes descuidadas, mas aproveitadores, não se deram bem, pois ao terem seu golpe desmascarado, foram obrigadas a buscar, por conta própria, a solução de sua deficiência: “vão vocês mesmas comprar o que lhes falta”. E, por não estarem preparadas; por terem tentado se aproveitar das outras; por terem deixado pra depois; por terem ido às compras fora de hora… essas cinco moças foram deixadas de fora e não puderam participar da festa (Mt 25,12).
Nessa perspectiva, também podemos entender a carta de Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 4,13-18). Nem na vida nem na morte o cristão pode se esquivar à fazer justiça. Nem na vida nem na morte há privilégios, há apenas compromisso com a equidade e com a ordem estabelecida pelo Senhor.
E, de Jesus, ouvimos o conselho: “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). São necessárias a vigilância e a sabedoria. É a sabedoria que determina o grau de vigilância e o comprometimento com a chegada do Noivo, convidando a todos para a festa no céu.
O Noivo concede a liberdade para que as pessoas não se preparem, para a festa. E, nesse caso, até tolera e aceita que se tente sanar a deficiência. Mas para isso tem que haver honestidade e não tentativa de se aproveitar do outro.
Todos são convidados para a festa. Só não temos a informação sobre o momento em que ela vai começar. Por isso, é necessário sermos sábios, sem apelar para a postura aproveitadora; por isso é necessário ver o que temos para contribuir e não só quer tirar vantagem.
É a sabedoria que nos permitirá acompanhar o Noivo quando soar o grito: “O noivo está chegando!”
Neri de Paula Carneiro
Por isso, na parábola, Jesus mostra que as acompanhantes descuidadas, mas aproveitadores, não se deram bem, pois ao terem seu golpe desmascarado, foram obrigadas a buscar, por conta própria, a solução de sua deficiência: “vão vocês mesmas comprar o que lhes falta”. E, por não estarem preparadas; por terem tentado se aproveitar das outras; por terem deixado pra depois; por terem ido às compras fora de hora… essas cinco moças foram deixadas de fora e não puderam participar da festa (Mt 25,12).
Nessa perspectiva, também podemos entender a carta de Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 4,13-18). Nem na vida nem na morte o cristão pode se esquivar à fazer justiça. Nem na vida nem na morte há privilégios, há apenas compromisso com a equidade e com a ordem estabelecida pelo Senhor.
E, de Jesus, ouvimos o conselho: “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). São necessárias a vigilância e a sabedoria. É a sabedoria que determina o grau de vigilância e o comprometimento com a chegada do Noivo, convidando a todos para a festa no céu.
O Noivo concede a liberdade para que as pessoas não se preparem, para a festa. E, nesse caso, até tolera e aceita que se tente sanar a deficiência. Mas para isso tem que haver honestidade e não tentativa de se aproveitar do outro.
Todos são convidados para a festa. Só não temos a informação sobre o momento em que ela vai começar. Por isso, é necessário sermos sábios, sem apelar para a postura aproveitadora; por isso é necessário ver o que temos para contribuir e não só quer tirar vantagem.
É a sabedoria que nos permitirá acompanhar o Noivo quando soar o grito: “O noivo está chegando!”
Neri de Paula Carneiro
domingo, novembro 01, 2020
Finados: um exame de vida
Na celebração do dia de Finados podemos nos lembrar que “o caminho da vida é a morte”, como contou Raul Seixas no último verso de sua música “Caminhos”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas esse período, invariavelmente, termina quando ocorre o encontro com a morte.
Também nós, em um escrito para a filosofia, havíamos dito que o sentido da vida é a morte. E, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.
Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados, cemitério e a palavra morte por quatro vezes. E mais, se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?
Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada a uma ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim, pois o finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos; e poderia ser entendido como o dia em que se celebra aqueles que chegaram ao ponto final de suas vidas; aqueles cujas vidas terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.
Mas se atentarmos para as leituras que a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestarmos atenção às leituras notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena.
No texto extraído do livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó! (Jó, 19,23-24). E conclui afirmando que em seu momento final “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar o discurso adiante. A morte é a ponte que liga a vida a outra vida.
Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.
Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai, que é resgatar a todos. Ele afirma: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40).
Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.
Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela esperança que nos faz caminhar. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos.
Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo minha vida?”
Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos antes do dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o dia de finados e o nosso dia final, termos uma vida santa para entregar ao Pai.
Neri de Paula Carneiro
Também nós, em um escrito para a filosofia, havíamos dito que o sentido da vida é a morte. E, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.
Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados, cemitério e a palavra morte por quatro vezes. E mais, se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?
Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada a uma ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim, pois o finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos; e poderia ser entendido como o dia em que se celebra aqueles que chegaram ao ponto final de suas vidas; aqueles cujas vidas terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.
Mas se atentarmos para as leituras que a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestarmos atenção às leituras notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena.
No texto extraído do livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó! (Jó, 19,23-24). E conclui afirmando que em seu momento final “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar o discurso adiante. A morte é a ponte que liga a vida a outra vida.
Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.
Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai, que é resgatar a todos. Ele afirma: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40).
Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.
Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela esperança que nos faz caminhar. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos.
Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo minha vida?”
Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos antes do dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o dia de finados e o nosso dia final, termos uma vida santa para entregar ao Pai.
Neri de Paula Carneiro
sexta-feira, outubro 30, 2020
Todos os Santos
O que faz um santo ser santo?
Possivelmente seja essa a grande pergunta para a qual todos queremos uma resposta, quando celebramos o dia de Todos os Santos. E, se celebramos “Todos os Santos”, também nos perguntamos por que alguns são santos e outros não? O que diferencia um santo das demais pessoas? O Santo passa a ser santo quando a Igreja assim o denomina ou é santo durante sua vida terrena?
Podemos iniciar compreendendo o significado da palavra “santo”. Além de significar “algo sagrado”, a palavra “santo” tem a conotação de algo ou alguém escolhido por Deus. Como se pode ver na primeira carta de São Pedro aos “eleitos conforme a presciência de Deus Pai e pela santificação do Espírito, para obedecerem a Jesus Cristo” (1 Pd 1,1). Esses “eleitos” sãos os escolhidos por Deus para formar uma “nação santa”, cono diz o apóstolo: “Vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para sua luz maravilhosa.” (1 Pd 2,9).
Mas a santidade não é via de mão única. Não basta a escolha divina. Tem que ter uma resposta humana. Essa é a orientação que podemos ler na primeira carta de Pedro: “Como filhos obedientes, não moldeis a vossa vida de acordo com as paixões de antigamente, do tempo de vossa ignorância. Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo vosso proceder.” (1 Pd 1,14-15). A santidade, portanto, tem a ver com as posturas, com os comportamentos do dia a dia.
Há, portanto, um chamado divino, uma escolha divina e ao ser humano, cabe dar uma resposta. Uma resposta que se expressa na manutenção de uma vida exemplar; cabe viver num processo de purificação e “praticar um amor fraterno sem fingimento. Amai-vos, pois, uns aos outros, de coração e com ardor”(1 Pd 1,22), orienta Pedro. Sem atos de amor ao outro, não há santidade.
A proposta à santidade é de origem divina, mas a resposta é postura humana, como ensina João, em sua primeira carta (1 Jo. 3,1-3). É necessária, da parte humana, aderir àquele que deu seu sangue purificador: “Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1 Jo 3,3).
A afirmação da importância da adesão, da fé, da esperança, da confiança em Jesus Cristo, pode ser lida em outro escrito joanino. No livro do Apocalipse (7, 2-4.9-14). Os eleitos e que aderiram ao chamado, formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap 7,9).
E João explica o porquê dessa multidão trajar vestes brancas: isso ocorre porque eles enfrentaram e superara a “grande tribulação”. A fé, sendo expressa em atos, tem consequências. Essas consequências manifestam-se nas tribulações da vida cotidiana. Por isso, João afirma que, ao enfrentarem, ao passarem e ao superarem, as tribulações, aqueles que formam essa multidão “lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro". (Ap 7,14).
E quem faz parte dessa multidão? Quem nos dá essa resposta é Mateus (Mt 5,1-12a), dizendo que a multidão de eleitos é formada pelos “bem aventurados”: os pobres, os aflitos, os mansos, os que desejam justiça, os misericordiosos, os de coração puro, os promotores da paz, aqueles que são perseguidos por serem justos, aqueles que são injuriados e perseguidos por causa de sua prática cristã. Todos esses são bem aventurados, são os santos, são os eleitos… são os que deram uma resposta ao chamado de Deus. Podemos até dizer mais. Os santos não são aqueles que passam a vida rezando, mas os que fazem de sua vida uma oração.
É claro que a Igreja, só para nos evidenciar alguns modelos de virtude, escolhe entre seus santos do cotidiano, alguns para nos servirem como modelos. Entretanto, a celebração de todos os santos não se destina à exaltação daqueles que já mereceram destaque.
No dia de todos os santos a Igreja nos convida a prestar homenagem a esses que fazem de sua vida um cotidiano de resposta ao apelo divino.
Neri de Paula Carneiro
Possivelmente seja essa a grande pergunta para a qual todos queremos uma resposta, quando celebramos o dia de Todos os Santos. E, se celebramos “Todos os Santos”, também nos perguntamos por que alguns são santos e outros não? O que diferencia um santo das demais pessoas? O Santo passa a ser santo quando a Igreja assim o denomina ou é santo durante sua vida terrena?
Podemos iniciar compreendendo o significado da palavra “santo”. Além de significar “algo sagrado”, a palavra “santo” tem a conotação de algo ou alguém escolhido por Deus. Como se pode ver na primeira carta de São Pedro aos “eleitos conforme a presciência de Deus Pai e pela santificação do Espírito, para obedecerem a Jesus Cristo” (1 Pd 1,1). Esses “eleitos” sãos os escolhidos por Deus para formar uma “nação santa”, cono diz o apóstolo: “Vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para sua luz maravilhosa.” (1 Pd 2,9).
Mas a santidade não é via de mão única. Não basta a escolha divina. Tem que ter uma resposta humana. Essa é a orientação que podemos ler na primeira carta de Pedro: “Como filhos obedientes, não moldeis a vossa vida de acordo com as paixões de antigamente, do tempo de vossa ignorância. Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo vosso proceder.” (1 Pd 1,14-15). A santidade, portanto, tem a ver com as posturas, com os comportamentos do dia a dia.
Há, portanto, um chamado divino, uma escolha divina e ao ser humano, cabe dar uma resposta. Uma resposta que se expressa na manutenção de uma vida exemplar; cabe viver num processo de purificação e “praticar um amor fraterno sem fingimento. Amai-vos, pois, uns aos outros, de coração e com ardor”(1 Pd 1,22), orienta Pedro. Sem atos de amor ao outro, não há santidade.
A proposta à santidade é de origem divina, mas a resposta é postura humana, como ensina João, em sua primeira carta (1 Jo. 3,1-3). É necessária, da parte humana, aderir àquele que deu seu sangue purificador: “Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1 Jo 3,3).
A afirmação da importância da adesão, da fé, da esperança, da confiança em Jesus Cristo, pode ser lida em outro escrito joanino. No livro do Apocalipse (7, 2-4.9-14). Os eleitos e que aderiram ao chamado, formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap 7,9).
E João explica o porquê dessa multidão trajar vestes brancas: isso ocorre porque eles enfrentaram e superara a “grande tribulação”. A fé, sendo expressa em atos, tem consequências. Essas consequências manifestam-se nas tribulações da vida cotidiana. Por isso, João afirma que, ao enfrentarem, ao passarem e ao superarem, as tribulações, aqueles que formam essa multidão “lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro". (Ap 7,14).
E quem faz parte dessa multidão? Quem nos dá essa resposta é Mateus (Mt 5,1-12a), dizendo que a multidão de eleitos é formada pelos “bem aventurados”: os pobres, os aflitos, os mansos, os que desejam justiça, os misericordiosos, os de coração puro, os promotores da paz, aqueles que são perseguidos por serem justos, aqueles que são injuriados e perseguidos por causa de sua prática cristã. Todos esses são bem aventurados, são os santos, são os eleitos… são os que deram uma resposta ao chamado de Deus. Podemos até dizer mais. Os santos não são aqueles que passam a vida rezando, mas os que fazem de sua vida uma oração.
É claro que a Igreja, só para nos evidenciar alguns modelos de virtude, escolhe entre seus santos do cotidiano, alguns para nos servirem como modelos. Entretanto, a celebração de todos os santos não se destina à exaltação daqueles que já mereceram destaque.
No dia de todos os santos a Igreja nos convida a prestar homenagem a esses que fazem de sua vida um cotidiano de resposta ao apelo divino.
Neri de Paula Carneiro
sábado, outubro 24, 2020
Não maltrates
Quem lê a bíblia pode perceber as maravilhas que Deus faz em favor de seu povo. O livro do Êxodo é um exemplo disso. E hoje, neste trigésimo domingo do tempo comum, ao lermos Ex 22,20-26, podemos superar qualquer dúvida: O senhor, definitivamente, toma o partido de seu povo. Mas, em meio ao povo, faz escolhas e opções de classe: opta pelo estrangeiro (Ex 22,20), pelo órfão e sua mãe viúva (Ex 22,21) mas, principalmente, faz uma opção pelo pobre (20,24).
É maravilhosa a forma como Deus defende o indefeso; como se coloca ao lado daquele que não tem companhia; como faz questão de ameaçar aqueles que ameaçam aos fracos. Mostra que sabe usar sua mão poderosa e a força de sua ira: “minha ira se inflamará” (Ex 22,23) contra aquele que causa a dor do indefeso, diz o Senhor. Mas, por outro lado, mostra sua compaixão, mostra sua face amorosa quando defende o fraco que clama por justiça e diz que “eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” (Ex 22, 26).
Então, se você ouvir por aí, ou ler em algum lugar, alguém dizendo que não se pode misturar a prática religiosa com questões sociais, com política… pode crer que esse faz parte do time do anticristo. Pois Deus não é apartidário. Pelo contrário, Ele toma partido contra os poderosos opressores e defende as vítimas do sistema sócio-econômico ou da ambição dos usurários e banqueiros. “Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não agirás como um agiota.” (Ex 22, 24).
Essa postura do Deus do antigo testamento, defendendo o fraco, repercute na postura de Paulo, hoje na carta aos tessalonicenses (1Ts 1,5c-10). Aparece justamente quando o apóstolo elogia, não eventuais orações vazias, mas atitudes de solidariedade. Paulo elegia os tessalonicenses porque depois de terem ouvido a Boa Nova, anunciada pelo apóstolo, eles tornaram-se “um modelo para todos os fiéis” (1Ts1,7). O exemplo dessa comunidade foi tão convincente que passou a ser mais eficiente que a própria pregação (1 Ts 1,8), “pois todos contam como fomos recebidos por vós” (1Ts 1,9). Sua solidariedade perdurou por séculos, tanto que nos dias atuais somos convidados a olhar nossas atitudes tendo como parâmetro o que fizeram os tessalonicenses.
E se tudo isso ainda não for suficiente para demonstrar a necessidade da prática da fé, Mateus (22,34-40), mostra como Jesus subverte os valores antiquados e resume todos os mandamentos e ensinamentos dos profetas (Mt 22,40. E acaba mostrando que todos os mandamentos se resumem em dois, que na prática são um só: trata-se do mandamento do AMOR. Um amor que, ao mesmo tempo, está voltado para Deus, sem deixar de estar voltado para o outro. Amar a Deus e amar ao próximo: essa é a lei!
E Jesus é bem específico, ao dizer que “toda a lei e os profetas DEPENDEM desses dois mandamentos”. Ou seja, não adianta nenhuma outra atitude, dita cristã, se essa outra atitude não for pautada pelo mandamento do amor.
A questão, agora, é saber o porquê dessa opção em favor do amor para com o outro; o porquê da defesa do pobre, do fraco, do injustiçado.
A resposta ou o porquê disso é porque aqueles que estão em situação de vulnerabilidade não têm ninguém em sua defesa. E estão nessa situação, justamente, por estarem abandonados.
É a existência de pessoas não amadas, sofrendo, sendo vítimas de todo tipo de espertalhão é que o Livro Sagrado fala em sua defesa. E a lei, ou a nova lei, vale enquanto persistirem as situações contra as quais ela foi criada. Enquanto existirem pessoas sendo enganadas, ludibriadas, extorquidas, roubadas em seus direitos… vale advertência do livro do Êxodo: quando o pobre gritar em seu sofrimentos “eu ouvirei seu clamor. Minha ira se inflamará, e eu vos matarei à espada” (Ex 22,22-23).
E você: não quer ser destinatário da ira do Senhor? Então não maltrates aqueles que convivem com você. Mas não seja bonzinho apenas por medo da Ira do Senhor. Seja justo e honesto em todas as suas atitudes porque essa é a coisa certa a ser feita.
E se alguém ainda te disser que não deve misturar coisas da religião com a busca pela justiça social, então essa pessoa não deve ser levada a sério, pois: ou não entende nada do que o Senhor fala pela bíblia, ou faz parte do time do anticristo. Quanto a nós que abraçamos aquilo que o Senhor nos ensina, sigamos sua orientação: “não maltrates!”
Neri de Paula Carneiro
É maravilhosa a forma como Deus defende o indefeso; como se coloca ao lado daquele que não tem companhia; como faz questão de ameaçar aqueles que ameaçam aos fracos. Mostra que sabe usar sua mão poderosa e a força de sua ira: “minha ira se inflamará” (Ex 22,23) contra aquele que causa a dor do indefeso, diz o Senhor. Mas, por outro lado, mostra sua compaixão, mostra sua face amorosa quando defende o fraco que clama por justiça e diz que “eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” (Ex 22, 26).
Então, se você ouvir por aí, ou ler em algum lugar, alguém dizendo que não se pode misturar a prática religiosa com questões sociais, com política… pode crer que esse faz parte do time do anticristo. Pois Deus não é apartidário. Pelo contrário, Ele toma partido contra os poderosos opressores e defende as vítimas do sistema sócio-econômico ou da ambição dos usurários e banqueiros. “Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não agirás como um agiota.” (Ex 22, 24).
Essa postura do Deus do antigo testamento, defendendo o fraco, repercute na postura de Paulo, hoje na carta aos tessalonicenses (1Ts 1,5c-10). Aparece justamente quando o apóstolo elogia, não eventuais orações vazias, mas atitudes de solidariedade. Paulo elegia os tessalonicenses porque depois de terem ouvido a Boa Nova, anunciada pelo apóstolo, eles tornaram-se “um modelo para todos os fiéis” (1Ts1,7). O exemplo dessa comunidade foi tão convincente que passou a ser mais eficiente que a própria pregação (1 Ts 1,8), “pois todos contam como fomos recebidos por vós” (1Ts 1,9). Sua solidariedade perdurou por séculos, tanto que nos dias atuais somos convidados a olhar nossas atitudes tendo como parâmetro o que fizeram os tessalonicenses.
E se tudo isso ainda não for suficiente para demonstrar a necessidade da prática da fé, Mateus (22,34-40), mostra como Jesus subverte os valores antiquados e resume todos os mandamentos e ensinamentos dos profetas (Mt 22,40. E acaba mostrando que todos os mandamentos se resumem em dois, que na prática são um só: trata-se do mandamento do AMOR. Um amor que, ao mesmo tempo, está voltado para Deus, sem deixar de estar voltado para o outro. Amar a Deus e amar ao próximo: essa é a lei!
E Jesus é bem específico, ao dizer que “toda a lei e os profetas DEPENDEM desses dois mandamentos”. Ou seja, não adianta nenhuma outra atitude, dita cristã, se essa outra atitude não for pautada pelo mandamento do amor.
A questão, agora, é saber o porquê dessa opção em favor do amor para com o outro; o porquê da defesa do pobre, do fraco, do injustiçado.
A resposta ou o porquê disso é porque aqueles que estão em situação de vulnerabilidade não têm ninguém em sua defesa. E estão nessa situação, justamente, por estarem abandonados.
É a existência de pessoas não amadas, sofrendo, sendo vítimas de todo tipo de espertalhão é que o Livro Sagrado fala em sua defesa. E a lei, ou a nova lei, vale enquanto persistirem as situações contra as quais ela foi criada. Enquanto existirem pessoas sendo enganadas, ludibriadas, extorquidas, roubadas em seus direitos… vale advertência do livro do Êxodo: quando o pobre gritar em seu sofrimentos “eu ouvirei seu clamor. Minha ira se inflamará, e eu vos matarei à espada” (Ex 22,22-23).
E você: não quer ser destinatário da ira do Senhor? Então não maltrates aqueles que convivem com você. Mas não seja bonzinho apenas por medo da Ira do Senhor. Seja justo e honesto em todas as suas atitudes porque essa é a coisa certa a ser feita.
E se alguém ainda te disser que não deve misturar coisas da religião com a busca pela justiça social, então essa pessoa não deve ser levada a sério, pois: ou não entende nada do que o Senhor fala pela bíblia, ou faz parte do time do anticristo. Quanto a nós que abraçamos aquilo que o Senhor nos ensina, sigamos sua orientação: “não maltrates!”
Neri de Paula Carneiro
sábado, outubro 17, 2020
Para que todos saibam
Quais os planos de Deus? Quem é escolhido por Deus? O que deve ser ofertado a Deus?
Estas são algumas indagações que podemos nos fazer, diante das leituras que a Igreja nos apresenta neste vigésimo nono domingo do tempo comum.
A primeira indagação tem a ver com a primeira leitura, retirada do profeta Isaías (Is 45,1.4-6). Nestes poucos versículos o profeta mostra como Ciro, rei persa, portanto um estrangeiro, é visto e indicado como emissário de Deus. O contexto é o final do período exílico, quando Ciro vence os babilônios e o profeta vê nisso um indício de que o fim do cativeiro está próximo, pois o jovem rei está vencendo seus inimigos. E, do ponto de vista político, trata-se de uma leitura simples: derrotando os adversários, Ciro pode ser visto como aliado do povo hebreu, que fora exilado quando Nabucodonosor dominou Jerusalém.
Os dados históricos são fáceis de entender. A grande questão é saber qual o propósito de Deus em permitir que seu povo seja dominado e exilado. A resposta histórica: porque o império babilônico está em expansão e os descendentes de abraão estão em decadência moral e política. Mas do ponto de vista religioso, pode-se dizer que o cativeiro ocorreu porque os dirigentes do povo se corromperam, aderiram a outros deuses e aceitaram os valores das nações dominantes. Ou seja, a corrupção da classe dirigente respingou malefícios sobre o povo.
Como o Senhor não abandona os seus, Isaías vê em Ciro o enviado de Deus, para purificar o povo, depois de “dobrar o orgulho dos reis” (Is 45,1). O rei persa é escolhido pelo nome, “por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel” (Is 45,4), diz o Senhor que se apresenta como único Deus (Is 45,5-6).
Qual o plano de Deus? Apresentar-se: “Eu sou o Senhor, não há outro”!
Paulo (1 Ts 1,1-5) vai acrescentar um ingrediente novo: vai mostrar que esse único Deus é, também, trino. E por ser trino, uma comunidade, mobiliza a comunidade para a união e a oração, como a comunidade de Tessalônica, “reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1), mediante a força do Espírito Santo (1Ts 1,5). É a ação da trindade.
Com isso, Paulo mostra que, não só o estrangeiro Ciro é escolhido pelo Senhor, mas o próprio Senhor se manifesta aos estrangeiros, pois a comunidade cristã à qual o apóstolo dirige esta carta é uma comunidade sediada numa cidade grega. Ou seja, a Igreja que nasceu do sangue derramado do cordeiro, nasce com vocação para ir além das fronteiras. É uma igreja missionária.
Sendo uma comunidade missionária, o que a Igreja pode entregar a Deus?
Evidentemente não vai ser a atitude vil dos representantes do povo, como mostra Mateus (Mt 22,15-21). Aqueles que se fazem representantes do povo traçam planos para enganar e tirar proveito próprio. Mesmo sendo de grupos adversário como os fariseus e os herodianos (Mt 22, 15-16) são capazes de se unir para praticar maldades. O mesmo que fazem atualmente os partidos adversários que se unem com o objetivo de alcançar o poder… e os benefícios que ele confere.
Esse exemplo nefasto se perpetuou e muitos daqueles que, atualmente, são ou pretendem ser representantes do povo manobram para enganar à população. Da mesma forma que tentaram enganar a Jesus. Aqueles foram desmascarados pelo Mestre. Cabe a nós, nos dias atuais, não nos deixarmos levar na onda dos espertalhões. Desmascarar aqueles que nada plantam junto ao povo, mas em tempos eleitoreiros querem colher votos dos desavisados.
É claro que o imposto devido, se justo e retornável em forma de benefícios sociais, devem ser pagos. Por isso, Jesus admite que se deve dar “a César o que é de César”. Isso porque o cristão não está aqui para desestabilizar o sistema. Mas, por outro lado, o cristão é aquele que dá “a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,21)
Em que consiste isso?
Consiste em manter uma atitude, ao mesmo tempo orante e atuante na sociedade. Deus não perde nem lhe é acrescentado nada, se apenas nos prostrarmos em recitações do orações ou estardalhosa profusão de preces. Ao Senhor importa a atitude e a postura diante e ao longo da vida.
Ciro, o persa, deu a liberdade ao cativos. A comunidade de Tessalônica deu, segundo escreve Paulo, “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1 Ts, 1,3). A postura de Ciro e a dos tessalonicenses foi semelhante: fizeram algo pelo outro. A fé, a caridade e a esperança dos tessalonicenses tinham o objetivo de ajudar.
O que se deve ofertar a Deus, portanto, muito mais do a orações vazias de ação, são as ações em forma de oração, para que todos saibam que o quê nos move não é só a fé. Somos movidos, também pela esperança… e principalmente pela caridade comprometida.
Neri de Paula Carneiro
Estas são algumas indagações que podemos nos fazer, diante das leituras que a Igreja nos apresenta neste vigésimo nono domingo do tempo comum.
A primeira indagação tem a ver com a primeira leitura, retirada do profeta Isaías (Is 45,1.4-6). Nestes poucos versículos o profeta mostra como Ciro, rei persa, portanto um estrangeiro, é visto e indicado como emissário de Deus. O contexto é o final do período exílico, quando Ciro vence os babilônios e o profeta vê nisso um indício de que o fim do cativeiro está próximo, pois o jovem rei está vencendo seus inimigos. E, do ponto de vista político, trata-se de uma leitura simples: derrotando os adversários, Ciro pode ser visto como aliado do povo hebreu, que fora exilado quando Nabucodonosor dominou Jerusalém.
Os dados históricos são fáceis de entender. A grande questão é saber qual o propósito de Deus em permitir que seu povo seja dominado e exilado. A resposta histórica: porque o império babilônico está em expansão e os descendentes de abraão estão em decadência moral e política. Mas do ponto de vista religioso, pode-se dizer que o cativeiro ocorreu porque os dirigentes do povo se corromperam, aderiram a outros deuses e aceitaram os valores das nações dominantes. Ou seja, a corrupção da classe dirigente respingou malefícios sobre o povo.
Como o Senhor não abandona os seus, Isaías vê em Ciro o enviado de Deus, para purificar o povo, depois de “dobrar o orgulho dos reis” (Is 45,1). O rei persa é escolhido pelo nome, “por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel” (Is 45,4), diz o Senhor que se apresenta como único Deus (Is 45,5-6).
Qual o plano de Deus? Apresentar-se: “Eu sou o Senhor, não há outro”!
Paulo (1 Ts 1,1-5) vai acrescentar um ingrediente novo: vai mostrar que esse único Deus é, também, trino. E por ser trino, uma comunidade, mobiliza a comunidade para a união e a oração, como a comunidade de Tessalônica, “reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1), mediante a força do Espírito Santo (1Ts 1,5). É a ação da trindade.
Com isso, Paulo mostra que, não só o estrangeiro Ciro é escolhido pelo Senhor, mas o próprio Senhor se manifesta aos estrangeiros, pois a comunidade cristã à qual o apóstolo dirige esta carta é uma comunidade sediada numa cidade grega. Ou seja, a Igreja que nasceu do sangue derramado do cordeiro, nasce com vocação para ir além das fronteiras. É uma igreja missionária.
Sendo uma comunidade missionária, o que a Igreja pode entregar a Deus?
Evidentemente não vai ser a atitude vil dos representantes do povo, como mostra Mateus (Mt 22,15-21). Aqueles que se fazem representantes do povo traçam planos para enganar e tirar proveito próprio. Mesmo sendo de grupos adversário como os fariseus e os herodianos (Mt 22, 15-16) são capazes de se unir para praticar maldades. O mesmo que fazem atualmente os partidos adversários que se unem com o objetivo de alcançar o poder… e os benefícios que ele confere.
Esse exemplo nefasto se perpetuou e muitos daqueles que, atualmente, são ou pretendem ser representantes do povo manobram para enganar à população. Da mesma forma que tentaram enganar a Jesus. Aqueles foram desmascarados pelo Mestre. Cabe a nós, nos dias atuais, não nos deixarmos levar na onda dos espertalhões. Desmascarar aqueles que nada plantam junto ao povo, mas em tempos eleitoreiros querem colher votos dos desavisados.
É claro que o imposto devido, se justo e retornável em forma de benefícios sociais, devem ser pagos. Por isso, Jesus admite que se deve dar “a César o que é de César”. Isso porque o cristão não está aqui para desestabilizar o sistema. Mas, por outro lado, o cristão é aquele que dá “a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,21)
Em que consiste isso?
Consiste em manter uma atitude, ao mesmo tempo orante e atuante na sociedade. Deus não perde nem lhe é acrescentado nada, se apenas nos prostrarmos em recitações do orações ou estardalhosa profusão de preces. Ao Senhor importa a atitude e a postura diante e ao longo da vida.
Ciro, o persa, deu a liberdade ao cativos. A comunidade de Tessalônica deu, segundo escreve Paulo, “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1 Ts, 1,3). A postura de Ciro e a dos tessalonicenses foi semelhante: fizeram algo pelo outro. A fé, a caridade e a esperança dos tessalonicenses tinham o objetivo de ajudar.
O que se deve ofertar a Deus, portanto, muito mais do a orações vazias de ação, são as ações em forma de oração, para que todos saibam que o quê nos move não é só a fé. Somos movidos, também pela esperança… e principalmente pela caridade comprometida.
Neri de Paula Carneiro
domingo, outubro 11, 2020
Nossa Senhora Aparecida
Além de ser dia das crianças, no dia 12 de outubro também se comemora o dia de Nossa Senhora Aparecida.
Quando se fala isso, não são poucas as pessoas que argumentam: “Não entendo: Tem Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Guadalupe… e Nossa Senhora Aparecida, além de outras. Afinal de contas, quantas Nossas Senhoras existem?”
A resposta, com sabemos é esta: só existe uma, que é Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Essa é a Nossa Senhora. E é Nossa Senhora por ser a mãe de Nosso Senhor, como nos diz a canção do Padre Zezinho:
“O povo te chama de Nossa Senhora
por causa de Nosso Senhor
O povo te chama de Mãe e Rainha
Porquê Jesus Cristo é o Rei do céu
E por não te ver como desejaria
Te vê com os olhos da fé
Por isso ele coroa a tua imagem Maria
Por seres a mãe de Jesus
Por seres a mãe de Jesus de Nazaré
Como é bonita uma religião
Que se lembra da mãe de Jesus
Mais bonito é saber quem tu és
Não és deusa, não és mais que Deus
Mas depois de Jesus, o Senhor
Neste mundo ninguém foi maior”
Como podemos ver, a canção nos explica o porquê da devoção a Nossa Senhora: por ser a mãe do Nosso Senhor; é rainha porque Jesus é o Rei dos céus; não é deusa, nem maior do que Deus. Mas neste mundo ninguém foi maior, pois só ela teve a graça de nos dar Jesus de presente.
Mas, antes de entendermos as “tantas nossas senhoras”, vamos entender porque fazemos preces a Maria, mãe de Jesus. É a mesma canção do pe Zezinho que explica:
“Aquele que lê a palavra Divina
Por causa de Nosso Senhor
Já sabe que o livro de Deus nos ensina
Que só Jesus Cristo é o intercessor
Porém se podemos orar pelos outros
A Mãe de Jesus pode mais
Por isto te pedimos em prece oh! Maria
Que leves o povo a Jesus
Porque de levar a Jesus entendes mais”
Só Jesus leva ao Pai, mas Maria leva a Jesus. Levou, ou seja, carregou Jesus em seu ventre, por isso pode nos levar, ou seja, conduzir a Jesus, e Ele nos leva ao Pai. Aliás esse é sentido do texto do Evangelho (Jo 2, 1-11) que a Igreja nos convida a refletir no dia de Nossa Senhora: Maria viu que havia um problema: o vinho estava acabando. Não teve dúvidas, foi até Jesus como a mãe que vai ao filho: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).
Podemos até pensar que Jesus foi grosseiro com sua mãe. Mas Ele somente argumentou: “O que você está me pedindo, mãe? Minha hora ainda não chegou. Mas pode deixar que dou um jeito” (Jo 2,4). E ela, com a certeza de que um filho não se nega a atender à mãe, dirigiu-se aos garçons: “Confiem no meu filho. Ele vai tirar vocês do apuro. Vai salvar a festa e o casamento. Façam o que ele disser” (Jo 2,5).
A postura de Maria, na festa de Caná, foi semelhante à atitude da rainha Ester (5,1b-2; 7,2b-3): ambas são intercessoras em favor do povo. Maria intercede em favor da felicidade do casal, pois a família é importante. Tão importante que começa numa festa. E Maria intercede para que a festa continue e a família possa iniciar sem contratempos. Da mesma forma Ester, intercede pela vida de seu povo: "Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!(Es 7,3).
E assim chegamos aos títulos de Nossa Senhora. A mesma e única Maria de Nazaré, cultuada, venerada, admirada, amada de várias formas. Por ensinar a rezar: Nossa Senhora do Rosário; Por ser luz no caminho das pessoas: Nossa Senhora das Candeias. Por ter se manifestado nas localidades de Fátima, Lourdes: Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Por ser protetora e defensora dos índios: Nossa Senhora de Guadalupe, manifestando-se na cidade de Guadalupe, no México. E Nossa Senhora Aparecida, a protetora da nação brasileira, que escolheu se manifestar entre os pobres, pescadores, escravos… vítimas dos exploradores do povo. Essa é a Nossa Senhora Aparecida, pois apareceu em favor dos que dela precisavam.
Nos dias que estamos vivendo, com tanto sofrimento no meio do povo, podemos nos apegar com Maria, a Nossa Senhora e, talvez, devamos confiar mais nela. Talvez devamos nos dirigir a Maria, não como quem vai ao mercado, mas como o filho que confia na mãe. Talvez devamos confiar na mãe de Jesus como confiaram os garçons e os pescadores do rio Paraíba do Sul.
E vamos pensar juntos: se podemos manter uma boa relação com Maria, seguramente teremos boa amizade com seu filho; uma relação de amizade, a partir da qual podemos até dizer que somos da família do Pai, do Filho e do Santo Espírito, pois a mão já nos adotou.
E se ainda temos alguma dúvida, vamos cantar com os versos do pe Zezinho:
“Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia
Quando por entre as redes, aquela imagem aparecia
Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor
Agradeceram todos à mãe de Cristo por tanto amor!
Quero entender o culto que começou, desde aquele dia
Muitos não compreendem, dizendo ser uma idolatria
Mas neste simbolismo daquela imagem, de negra cor
Chega-se com Maria ao santuário do salvador!
Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente
Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente
Numa nação, aonde imperava a mancha da escravidão
Nossa senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos”
Com a ajuda da mãe, talvez sejamos capazes de ajudar no processo de libertação contra os opressores do povo. Pois é em favor do povo é que “a mãe de Jesus está presente” (Jo 2,1).
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura - RO
Quando se fala isso, não são poucas as pessoas que argumentam: “Não entendo: Tem Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Guadalupe… e Nossa Senhora Aparecida, além de outras. Afinal de contas, quantas Nossas Senhoras existem?”
A resposta, com sabemos é esta: só existe uma, que é Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Essa é a Nossa Senhora. E é Nossa Senhora por ser a mãe de Nosso Senhor, como nos diz a canção do Padre Zezinho:
“O povo te chama de Nossa Senhora
por causa de Nosso Senhor
O povo te chama de Mãe e Rainha
Porquê Jesus Cristo é o Rei do céu
E por não te ver como desejaria
Te vê com os olhos da fé
Por isso ele coroa a tua imagem Maria
Por seres a mãe de Jesus
Por seres a mãe de Jesus de Nazaré
Como é bonita uma religião
Que se lembra da mãe de Jesus
Mais bonito é saber quem tu és
Não és deusa, não és mais que Deus
Mas depois de Jesus, o Senhor
Neste mundo ninguém foi maior”
Como podemos ver, a canção nos explica o porquê da devoção a Nossa Senhora: por ser a mãe do Nosso Senhor; é rainha porque Jesus é o Rei dos céus; não é deusa, nem maior do que Deus. Mas neste mundo ninguém foi maior, pois só ela teve a graça de nos dar Jesus de presente.
Mas, antes de entendermos as “tantas nossas senhoras”, vamos entender porque fazemos preces a Maria, mãe de Jesus. É a mesma canção do pe Zezinho que explica:
“Aquele que lê a palavra Divina
Por causa de Nosso Senhor
Já sabe que o livro de Deus nos ensina
Que só Jesus Cristo é o intercessor
Porém se podemos orar pelos outros
A Mãe de Jesus pode mais
Por isto te pedimos em prece oh! Maria
Que leves o povo a Jesus
Porque de levar a Jesus entendes mais”
Só Jesus leva ao Pai, mas Maria leva a Jesus. Levou, ou seja, carregou Jesus em seu ventre, por isso pode nos levar, ou seja, conduzir a Jesus, e Ele nos leva ao Pai. Aliás esse é sentido do texto do Evangelho (Jo 2, 1-11) que a Igreja nos convida a refletir no dia de Nossa Senhora: Maria viu que havia um problema: o vinho estava acabando. Não teve dúvidas, foi até Jesus como a mãe que vai ao filho: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).
Podemos até pensar que Jesus foi grosseiro com sua mãe. Mas Ele somente argumentou: “O que você está me pedindo, mãe? Minha hora ainda não chegou. Mas pode deixar que dou um jeito” (Jo 2,4). E ela, com a certeza de que um filho não se nega a atender à mãe, dirigiu-se aos garçons: “Confiem no meu filho. Ele vai tirar vocês do apuro. Vai salvar a festa e o casamento. Façam o que ele disser” (Jo 2,5).
A postura de Maria, na festa de Caná, foi semelhante à atitude da rainha Ester (5,1b-2; 7,2b-3): ambas são intercessoras em favor do povo. Maria intercede em favor da felicidade do casal, pois a família é importante. Tão importante que começa numa festa. E Maria intercede para que a festa continue e a família possa iniciar sem contratempos. Da mesma forma Ester, intercede pela vida de seu povo: "Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!(Es 7,3).
E assim chegamos aos títulos de Nossa Senhora. A mesma e única Maria de Nazaré, cultuada, venerada, admirada, amada de várias formas. Por ensinar a rezar: Nossa Senhora do Rosário; Por ser luz no caminho das pessoas: Nossa Senhora das Candeias. Por ter se manifestado nas localidades de Fátima, Lourdes: Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Por ser protetora e defensora dos índios: Nossa Senhora de Guadalupe, manifestando-se na cidade de Guadalupe, no México. E Nossa Senhora Aparecida, a protetora da nação brasileira, que escolheu se manifestar entre os pobres, pescadores, escravos… vítimas dos exploradores do povo. Essa é a Nossa Senhora Aparecida, pois apareceu em favor dos que dela precisavam.
Nos dias que estamos vivendo, com tanto sofrimento no meio do povo, podemos nos apegar com Maria, a Nossa Senhora e, talvez, devamos confiar mais nela. Talvez devamos nos dirigir a Maria, não como quem vai ao mercado, mas como o filho que confia na mãe. Talvez devamos confiar na mãe de Jesus como confiaram os garçons e os pescadores do rio Paraíba do Sul.
E vamos pensar juntos: se podemos manter uma boa relação com Maria, seguramente teremos boa amizade com seu filho; uma relação de amizade, a partir da qual podemos até dizer que somos da família do Pai, do Filho e do Santo Espírito, pois a mão já nos adotou.
E se ainda temos alguma dúvida, vamos cantar com os versos do pe Zezinho:
“Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia
Quando por entre as redes, aquela imagem aparecia
Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor
Agradeceram todos à mãe de Cristo por tanto amor!
Quero entender o culto que começou, desde aquele dia
Muitos não compreendem, dizendo ser uma idolatria
Mas neste simbolismo daquela imagem, de negra cor
Chega-se com Maria ao santuário do salvador!
Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente
Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente
Numa nação, aonde imperava a mancha da escravidão
Nossa senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos”
Com a ajuda da mãe, talvez sejamos capazes de ajudar no processo de libertação contra os opressores do povo. Pois é em favor do povo é que “a mãe de Jesus está presente” (Jo 2,1).
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura - RO
sexta-feira, outubro 09, 2020
Para todos os povos
Quem deve ser convidado para uma festa de casamento?
Essa parece ser a pergunta central, colocada pelo Evangelho segundo Mateus (22,1-14), na liturgia deste vigésimo oitavo domingo do tempo comum.
Estamos numa situação festiva. O rei esta preparando a festa para o casamento de seu filho (Mt 22,2). Emitiu os convites (Mt 22,3). Mas os destinatários recusaram ou desdenharam do convite e foram se dedicar a outros afazeres (Mt 22,4-6).
Entretanto o casamento e a festa não poderiam deixar de acontecer apenas porque os principais convidados não compareceram; ou não foram “dignos” de estar presente (Mt 22,8). Então o rei, abre as portas e convida outras pessoas (Mt 22,9-10) e a festa acontece.
E não é qualquer festa. Trata-se de uma festa de casamento. E nisso estão presentes dois elementos importantes: primeiro a alegria de conviver e comemorar, ou seja o fato de estar juntos na alegria pode ser visto como um sinal do paraíso, que é a felicidade plena. A comemoração tem relação com a saciedade e a convivência diz respeito à vida em comum; em segundo lugar, o fato do casamento. Não se trata apenas da alegria da vida em comum ou de estar juntos. O casamento diz respeito à corresponsabilidade do ser humano no projeto da criação. Casamento não é só um homem e uma mulher se entregando por amor, mas é Deus compartilhando com as pessoas a responsabilidade pela continuação da vida. O casamento, portanto é uma extensão da obra criadora de Deus, sendo prosseguida pela complementariedade das pessoas que se entregam. A festa, portanto, é um sinal do amor de Deus manifestando-se entre as pessoas.
Por causa dessa vida em comum que é um prenúncio do paraíso e da complementariedade da obra da criação, presente no casamento foi que o rei, da parábola, fez questão de que sua sala de festas estivesse repleta de convidados. Por isso, a insistência para que seus servidores saíssem às ruas convidando a todos para se fazerem presentes.
Esse convite nos é feito pelo próprio Deus, como o demonstra Isaías (25, 6-10a). É o convite para o paraíso. Para um encontro definitivo, com o Senhor, ocasião em que ele “eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces” (Is 25,8). Trata-se de um convite “para todos os povos” participarem de “um banquete de ricas iguarias”. Nessa festa não haverá sofrimento, pelo contrário, haverá “um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro” (Is 25,6).
O critério, ou a porta de entrada, para a participação nessa festa é a solidariedade. O ingresso para a festa definitiva é a atenção à necessidade do outro. É o que sugere Paulo (Fl 4,12-14.19-20). Ele, ao suportar as dificuldades, ensina como sobreviver pois a força está não nas coisas que se pode ter, mas naquele que dá a força: “tudo posso naquele que me dá forças” (Fl 4,13). A importância da solidariedade, ensina o apóstolo, é porque quem partilha com quem precisa, recebe de Deus a recompensa: “Fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades” (Fl 4, 14). Àquele que se solidariza “Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus.” (Fl 4,19).
E assim voltamos à festa oferecida pelo Rei. Uma festa para a qual todos foram convidados e deram as mais divergentes respostas, recusando ao convite. Mas o fato é que o rei encheu sua sala de festas.
E aqui surge um episódio intrigante. Depois de tanto insistir para que a sala estivesse repleta de convidados, parece estranha a atitude do rei mandando retirar da festa aquele que ali se encontrava “sem o traje de festa” (Mt 22,11-12).
Para entender isso, precisamos de um pouco de atenção. Todos são convidados. Todos entram na sala de festa. E só depois, durante a festa, é que o rei se dirige àquele sem o devido traje. E depois de interpelar o convidado o rei o manda retirar da sala (Mt 22,13). Por qual motivo?
Aparentemente a expulsão ocorre pela ausência do traje adequado. Mas se os convidados estavam pelas “encruzilhadas dos caminhos” (Mt 22,9), seguramente também não trajavam roupas de festa. Então o que ocorre?
Ocorre que o rei interpela o convidado. Mas este não tem resposta. O rei pergunta: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?” (Mt 22,12). A ausência do traje foi o motivo do questionamento. Mas diante da pergunta, o convidado nada responde. Se não ocorreu a resposta não aconteceu interação. E se não ocorre interação, entre os convidados, a festa perde o sentido.
A festa é para todos os povos, diz Isaías (25,6). Mas antes da festa, no cotidiano, deve ocorrer a partilha solidária, diz Paulo (Fl 4,14). Faltando isso, falta interação. E se falta interação, não ocorre a alegria da festa, nem a participação e compromisso com o projeto da criação. A ausência desse comprometimento produz a escuridão e o choro pelo vazio da existência.
Neri de Paula Carneiro
Essa parece ser a pergunta central, colocada pelo Evangelho segundo Mateus (22,1-14), na liturgia deste vigésimo oitavo domingo do tempo comum.
Estamos numa situação festiva. O rei esta preparando a festa para o casamento de seu filho (Mt 22,2). Emitiu os convites (Mt 22,3). Mas os destinatários recusaram ou desdenharam do convite e foram se dedicar a outros afazeres (Mt 22,4-6).
Entretanto o casamento e a festa não poderiam deixar de acontecer apenas porque os principais convidados não compareceram; ou não foram “dignos” de estar presente (Mt 22,8). Então o rei, abre as portas e convida outras pessoas (Mt 22,9-10) e a festa acontece.
E não é qualquer festa. Trata-se de uma festa de casamento. E nisso estão presentes dois elementos importantes: primeiro a alegria de conviver e comemorar, ou seja o fato de estar juntos na alegria pode ser visto como um sinal do paraíso, que é a felicidade plena. A comemoração tem relação com a saciedade e a convivência diz respeito à vida em comum; em segundo lugar, o fato do casamento. Não se trata apenas da alegria da vida em comum ou de estar juntos. O casamento diz respeito à corresponsabilidade do ser humano no projeto da criação. Casamento não é só um homem e uma mulher se entregando por amor, mas é Deus compartilhando com as pessoas a responsabilidade pela continuação da vida. O casamento, portanto é uma extensão da obra criadora de Deus, sendo prosseguida pela complementariedade das pessoas que se entregam. A festa, portanto, é um sinal do amor de Deus manifestando-se entre as pessoas.
Por causa dessa vida em comum que é um prenúncio do paraíso e da complementariedade da obra da criação, presente no casamento foi que o rei, da parábola, fez questão de que sua sala de festas estivesse repleta de convidados. Por isso, a insistência para que seus servidores saíssem às ruas convidando a todos para se fazerem presentes.
Esse convite nos é feito pelo próprio Deus, como o demonstra Isaías (25, 6-10a). É o convite para o paraíso. Para um encontro definitivo, com o Senhor, ocasião em que ele “eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces” (Is 25,8). Trata-se de um convite “para todos os povos” participarem de “um banquete de ricas iguarias”. Nessa festa não haverá sofrimento, pelo contrário, haverá “um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro” (Is 25,6).
O critério, ou a porta de entrada, para a participação nessa festa é a solidariedade. O ingresso para a festa definitiva é a atenção à necessidade do outro. É o que sugere Paulo (Fl 4,12-14.19-20). Ele, ao suportar as dificuldades, ensina como sobreviver pois a força está não nas coisas que se pode ter, mas naquele que dá a força: “tudo posso naquele que me dá forças” (Fl 4,13). A importância da solidariedade, ensina o apóstolo, é porque quem partilha com quem precisa, recebe de Deus a recompensa: “Fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades” (Fl 4, 14). Àquele que se solidariza “Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus.” (Fl 4,19).
E assim voltamos à festa oferecida pelo Rei. Uma festa para a qual todos foram convidados e deram as mais divergentes respostas, recusando ao convite. Mas o fato é que o rei encheu sua sala de festas.
E aqui surge um episódio intrigante. Depois de tanto insistir para que a sala estivesse repleta de convidados, parece estranha a atitude do rei mandando retirar da festa aquele que ali se encontrava “sem o traje de festa” (Mt 22,11-12).
Para entender isso, precisamos de um pouco de atenção. Todos são convidados. Todos entram na sala de festa. E só depois, durante a festa, é que o rei se dirige àquele sem o devido traje. E depois de interpelar o convidado o rei o manda retirar da sala (Mt 22,13). Por qual motivo?
Aparentemente a expulsão ocorre pela ausência do traje adequado. Mas se os convidados estavam pelas “encruzilhadas dos caminhos” (Mt 22,9), seguramente também não trajavam roupas de festa. Então o que ocorre?
Ocorre que o rei interpela o convidado. Mas este não tem resposta. O rei pergunta: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?” (Mt 22,12). A ausência do traje foi o motivo do questionamento. Mas diante da pergunta, o convidado nada responde. Se não ocorreu a resposta não aconteceu interação. E se não ocorre interação, entre os convidados, a festa perde o sentido.
A festa é para todos os povos, diz Isaías (25,6). Mas antes da festa, no cotidiano, deve ocorrer a partilha solidária, diz Paulo (Fl 4,14). Faltando isso, falta interação. E se falta interação, não ocorre a alegria da festa, nem a participação e compromisso com o projeto da criação. A ausência desse comprometimento produz a escuridão e o choro pelo vazio da existência.
Neri de Paula Carneiro
sábado, outubro 03, 2020
Esperava deles frutos de justiça
Que espera o agricultor, quando lança a semente ao chão? Que espera o operário, ao fim de um período de trabalho? Que esperam os pais, depois dos filhos crescidos? Que espera o professor, ao longo da jornada de ensino? Que espera alguém que faz planos e projetos para sua vida e seu viver…? Que esperar…? Essas são algumas das indagações que se pode fazer neste vigésimo sétimo domingo do tempo comum.
As condições para um bom relacionamento entre as pessoas; para a felicidade da família; para o pleno desenvolvimento das pessoas; para um mundo justo; para a plenitude humana; para a harmonia entre os diferentes… Para haver sucesso nessas e noutras situações, as condições nos são oferecidas. Mais do que oferecidas: nos são dadas. São dons divinos em nós e para nós. E o quê fazemos com tudo que nos é entregue, gratuitamente, pelo Senhor da vida?
Essas situações e indagações nos são apresentadas por Isaías (5,1-7) ao falar do vinhedo que só “produziu uvas selvagens”, apesar de ter sido preparada para “que produzisse uvas boas” (Is 5,2).
As condições para a implantação do bem, são dadas como graça divina em plenitude. Tanto que o Senhor se pergunta: “que mais poderia eu ter feito?” (Is 5,4). A pergunta, na verdade, é uma afirmação: “já fiz tudo”. Ou seja, a plenitude da graça é dada, mas as pessoas preferem recusar o dom recebido. Em Isaías, o vinhedo é o povo de Israel que está, cada vez mais, afastado dos caminhos do Senhor. E por isso o profeta anuncia a devastação (Is 5,5-6).
Os dirigentes do povo causaram a ruína do povo. “Eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade.” (Is 5,7). Mas o povo também erra, pois segue aos dirigentes inescrupulosos. Por esse motivo os dirigentes do povo e o próprio povo sofrem as consequências, que se concretizou como a ruína da nação, invadida por uma potência estrangeira. E a consequência definitiva foi o “cativeiro na Babilônia”. E trazendo para o nosso cotidiano e para a atualidade de nossa vida: como estão agido nossos dirigentes? E nós, os estamos seguido no mar de corrupção ou lutamos por um país melhor? E se lutamos por algo melhor por que eles continuam lá? É necessário darmos uma resposta, sob pena de sermos igualados às videiras que só produziram uvas imprestáveis.
De acordo com a narrativa de Mateus (21,33-43) e da mesma forma que Isaías, Jesus se dirige aos dirigentes do povo, “sumos sacerdotes e os anciãos do povo” (Mt 21,41). Mas Jesus vai além do profeta. Ele mostra que o problema não está no parreiral, que é o povo, nem do proprietário do plantação, que é o Senhor, mas nos vinhateiros, que são os dirigentes do povo. Esses mataram os enviados (os profetas) do dono da vinha (Mt 21,35-36) e também mataram o filho do proprietário. Tudo com o propósito de roubar a herança (Mt 21,38). Todas as ações dos dirigentes do povo foram desonestas. E sua desonestidade causou dificuldades para o povo que acabou sendo iludido pelos seus dirigentes.
Que fazer com esses administradores desonestos?
Na proposta de Isaías, perderam a nacionalidade e foram exilados. Mas depois de quatro décadas de exílio o Deus clemente e pleno de graça e perdão, concede o retorno dos exilados com o propósito de reestruturar a fé, desenvolvendo a crença que alimentou a esperança na vinda do Messias.
Ocorreu que os novos dirigentes, que deveriam reconhecer o Messias não o fizeram e, por isso perderam, não mais o território, mas a primazia de ser o povo luz do mundo. 21Diante da perversidade dos dirigentes do povo, Mateus anuncia a sentença: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43). E assim nasce uma nova fé: a crença daqueles que acreditam em Jesus, os cristãos encarregados de construir um mundo de justiça.
Com a finalidade de evitar que este novo povo se desvirtue, Paulo (Fl 4,6-9) faz recomendação e dá as diretrizes. O objetivo é que essa comunidade possa crescer, não só na caridade mas, principalmente, na justiça que é uma das formas de manifestar a fé.
O apóstolo, constatando que na comunidade de Filipos existem alguns problemas, faz a recomendação: “Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.” (Fl 4,8). Mas sabendo que até isso poderia não ser entendido ou seguido, o apóstolo se oferece como modelo, dizendo algo como: “Em vez de fazer as besteiras costumeiras, façam aquilo que ensinei.”
Nas palavras do apóstolo: “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim o Deus da paz estará convosco.” (Fl 4,9). E talvez o apóstolo tenha completado, ao falar pessoalmente: “Façam o que ensinei e que suas ações ampliem os meus atos, para que em sua vida e em sua comunidade ocorra a plenitude da justiça”
Neri de Paula Carneiro
As condições para um bom relacionamento entre as pessoas; para a felicidade da família; para o pleno desenvolvimento das pessoas; para um mundo justo; para a plenitude humana; para a harmonia entre os diferentes… Para haver sucesso nessas e noutras situações, as condições nos são oferecidas. Mais do que oferecidas: nos são dadas. São dons divinos em nós e para nós. E o quê fazemos com tudo que nos é entregue, gratuitamente, pelo Senhor da vida?
Essas situações e indagações nos são apresentadas por Isaías (5,1-7) ao falar do vinhedo que só “produziu uvas selvagens”, apesar de ter sido preparada para “que produzisse uvas boas” (Is 5,2).
As condições para a implantação do bem, são dadas como graça divina em plenitude. Tanto que o Senhor se pergunta: “que mais poderia eu ter feito?” (Is 5,4). A pergunta, na verdade, é uma afirmação: “já fiz tudo”. Ou seja, a plenitude da graça é dada, mas as pessoas preferem recusar o dom recebido. Em Isaías, o vinhedo é o povo de Israel que está, cada vez mais, afastado dos caminhos do Senhor. E por isso o profeta anuncia a devastação (Is 5,5-6).
Os dirigentes do povo causaram a ruína do povo. “Eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade.” (Is 5,7). Mas o povo também erra, pois segue aos dirigentes inescrupulosos. Por esse motivo os dirigentes do povo e o próprio povo sofrem as consequências, que se concretizou como a ruína da nação, invadida por uma potência estrangeira. E a consequência definitiva foi o “cativeiro na Babilônia”. E trazendo para o nosso cotidiano e para a atualidade de nossa vida: como estão agido nossos dirigentes? E nós, os estamos seguido no mar de corrupção ou lutamos por um país melhor? E se lutamos por algo melhor por que eles continuam lá? É necessário darmos uma resposta, sob pena de sermos igualados às videiras que só produziram uvas imprestáveis.
De acordo com a narrativa de Mateus (21,33-43) e da mesma forma que Isaías, Jesus se dirige aos dirigentes do povo, “sumos sacerdotes e os anciãos do povo” (Mt 21,41). Mas Jesus vai além do profeta. Ele mostra que o problema não está no parreiral, que é o povo, nem do proprietário do plantação, que é o Senhor, mas nos vinhateiros, que são os dirigentes do povo. Esses mataram os enviados (os profetas) do dono da vinha (Mt 21,35-36) e também mataram o filho do proprietário. Tudo com o propósito de roubar a herança (Mt 21,38). Todas as ações dos dirigentes do povo foram desonestas. E sua desonestidade causou dificuldades para o povo que acabou sendo iludido pelos seus dirigentes.
Que fazer com esses administradores desonestos?
Na proposta de Isaías, perderam a nacionalidade e foram exilados. Mas depois de quatro décadas de exílio o Deus clemente e pleno de graça e perdão, concede o retorno dos exilados com o propósito de reestruturar a fé, desenvolvendo a crença que alimentou a esperança na vinda do Messias.
Ocorreu que os novos dirigentes, que deveriam reconhecer o Messias não o fizeram e, por isso perderam, não mais o território, mas a primazia de ser o povo luz do mundo. 21Diante da perversidade dos dirigentes do povo, Mateus anuncia a sentença: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43). E assim nasce uma nova fé: a crença daqueles que acreditam em Jesus, os cristãos encarregados de construir um mundo de justiça.
Com a finalidade de evitar que este novo povo se desvirtue, Paulo (Fl 4,6-9) faz recomendação e dá as diretrizes. O objetivo é que essa comunidade possa crescer, não só na caridade mas, principalmente, na justiça que é uma das formas de manifestar a fé.
O apóstolo, constatando que na comunidade de Filipos existem alguns problemas, faz a recomendação: “Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.” (Fl 4,8). Mas sabendo que até isso poderia não ser entendido ou seguido, o apóstolo se oferece como modelo, dizendo algo como: “Em vez de fazer as besteiras costumeiras, façam aquilo que ensinei.”
Nas palavras do apóstolo: “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim o Deus da paz estará convosco.” (Fl 4,9). E talvez o apóstolo tenha completado, ao falar pessoalmente: “Façam o que ensinei e que suas ações ampliem os meus atos, para que em sua vida e em sua comunidade ocorra a plenitude da justiça”
Neri de Paula Carneiro
sábado, setembro 26, 2020
O outro é mais importante
Qual é a conduta correta? Por que Cristo foi exaltado? Quem faz a vontade do pai? São, estas, algumas das perguntas que a liturgia deste vigésimo sexto domingo do tempo comum, nos apresenta. Como respondê-las?
O próprio Ezequiel (18,25-28) se encarrega de responder à sua indagação. A conduta correta é arrepender-se da maldade e praticar a justiça. E, dessa forma, é possível conservar a vida. (Ez 18,27). E o profeta explica: quando alguém se “desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado” (Ez 18,26) que ele morre.
Cabe ressaltar que a morte à qual o profeta está se referindo, diz respeito distanciamento completo de Deus, ao final da vida terrena. E, também, talvez seja por isso que se popularizou a afirmação de que o mal que atrai o mal; e o bem atrai o bem!
Em seguida vem a outra indagação, sobre o porquê de Cristo ter sido exaltado. A resposta é apresentada por Paulo, na carta aos Filipenses (Fl 2,1-11). Cristo foi exaltado porque não se apegou ao seu ser igual a Deus (Fl 2,6). Pelo contrário, abriu mão de tudo para se igualar a nós (Fl 2,7). E, mais ainda, não só se igualou a nós, mas entregou-se à morte por nós. “E morte de cruz” (Fl 2, 8), explica o apóstolo dos gentios. A morte de Cristo, portanto, é uma morte redentora, que pode conduzir à vida, ou seja à convivência definitiva com Deus.
Dissemos que “pode conduzir à vida” porque essa convivência definitiva com o Senhor, não depende de Deus, mas de nós. A decisão cabe a cada um de nós. Deus oferece; nós aceitamos ou recusamos… como fizeram os dois irmãos, mencionados por Mateus (21,28).
E assim chegamos à terceira indagação, apresentada por Mateus (21,28-32). Trata-se de um discurso a respeito da postura de dois irmãos que agem diferentemente das respostas que deram ao seu pai. Falam o oposto daquilo que realmente executam. E a partir disso é que Jesus pergunta àqueles que são representantes do povo: “quem fez a vontade do pai?” (Mt 21,31) E os representantes do povo, mesmo não fazendo o que lhes é de obrigação fazer, souberam responder corretamente. Fez a vontade do pai aquele que lhe disse não, mas executou o trabalho. Eles sabiam qual a resposta correta, mas não estavam tendo a postura correta, pois sabiam como conduzir o povo para Deus, mas agiam como se isso não tivesse a menor importância.
E Jesus os repreende, não por causa de sua resposta, mas por causa de sua postura. Não adiante nada saber o que se tem que fazer, mas não realizar essa obra.
E, neste ponto, não é excessivo reiterar a afirmação de que é necessário tomar cuidado para não realizar algo que deve ser feito por “competição ou vanglória”. As obras do bem não devem ser feitas porque se pretende mostrar a capacidade de fazer o bem, como oriente Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória,mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante” (Fl 2,3). Além disso, a boa ação para o outro deve ser “para o outro” e não uma ação/ajuda pensando na retribuição que se pode receber, por ter feito algo de bom. Se o bem é feito pensando na retribuição a receber, não foi um bem, mas uma troca de favores...
Isso implica dizer que não é o fato de poder ostentar o bem realizado que conta; também não importa saber do bem a realizar, sem, no entanto, fazê-lo. Nessas circunstâncias não há mérito naquilo que se realiza. Para o Senhor importa não o que se sabe ou o que se mostrou…, mas o que vai no coração. Isso é o que ensina Ezequiel ao dizer que “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” (Ez 18, 26-27). No caso dos dois irmãos, em Mateus: não fez a vontade do pai aquele que concordou com ele, mas o filho que depois de discordar realiza a sua vontade.
Podemos não entender o que Deus nos reserva, mas isso não nos impede de realizar sua vontade. E, além disso, todo aquele que se ocupa em fazer algo pensando no outro, esse tem a aprovação divina. Esse está realizando a vontade do Pai.
Neri de Paula Carneiro
O próprio Ezequiel (18,25-28) se encarrega de responder à sua indagação. A conduta correta é arrepender-se da maldade e praticar a justiça. E, dessa forma, é possível conservar a vida. (Ez 18,27). E o profeta explica: quando alguém se “desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado” (Ez 18,26) que ele morre.
Cabe ressaltar que a morte à qual o profeta está se referindo, diz respeito distanciamento completo de Deus, ao final da vida terrena. E, também, talvez seja por isso que se popularizou a afirmação de que o mal que atrai o mal; e o bem atrai o bem!
Em seguida vem a outra indagação, sobre o porquê de Cristo ter sido exaltado. A resposta é apresentada por Paulo, na carta aos Filipenses (Fl 2,1-11). Cristo foi exaltado porque não se apegou ao seu ser igual a Deus (Fl 2,6). Pelo contrário, abriu mão de tudo para se igualar a nós (Fl 2,7). E, mais ainda, não só se igualou a nós, mas entregou-se à morte por nós. “E morte de cruz” (Fl 2, 8), explica o apóstolo dos gentios. A morte de Cristo, portanto, é uma morte redentora, que pode conduzir à vida, ou seja à convivência definitiva com Deus.
Dissemos que “pode conduzir à vida” porque essa convivência definitiva com o Senhor, não depende de Deus, mas de nós. A decisão cabe a cada um de nós. Deus oferece; nós aceitamos ou recusamos… como fizeram os dois irmãos, mencionados por Mateus (21,28).
E assim chegamos à terceira indagação, apresentada por Mateus (21,28-32). Trata-se de um discurso a respeito da postura de dois irmãos que agem diferentemente das respostas que deram ao seu pai. Falam o oposto daquilo que realmente executam. E a partir disso é que Jesus pergunta àqueles que são representantes do povo: “quem fez a vontade do pai?” (Mt 21,31) E os representantes do povo, mesmo não fazendo o que lhes é de obrigação fazer, souberam responder corretamente. Fez a vontade do pai aquele que lhe disse não, mas executou o trabalho. Eles sabiam qual a resposta correta, mas não estavam tendo a postura correta, pois sabiam como conduzir o povo para Deus, mas agiam como se isso não tivesse a menor importância.
E Jesus os repreende, não por causa de sua resposta, mas por causa de sua postura. Não adiante nada saber o que se tem que fazer, mas não realizar essa obra.
E, neste ponto, não é excessivo reiterar a afirmação de que é necessário tomar cuidado para não realizar algo que deve ser feito por “competição ou vanglória”. As obras do bem não devem ser feitas porque se pretende mostrar a capacidade de fazer o bem, como oriente Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória,mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante” (Fl 2,3). Além disso, a boa ação para o outro deve ser “para o outro” e não uma ação/ajuda pensando na retribuição que se pode receber, por ter feito algo de bom. Se o bem é feito pensando na retribuição a receber, não foi um bem, mas uma troca de favores...
Isso implica dizer que não é o fato de poder ostentar o bem realizado que conta; também não importa saber do bem a realizar, sem, no entanto, fazê-lo. Nessas circunstâncias não há mérito naquilo que se realiza. Para o Senhor importa não o que se sabe ou o que se mostrou…, mas o que vai no coração. Isso é o que ensina Ezequiel ao dizer que “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” (Ez 18, 26-27). No caso dos dois irmãos, em Mateus: não fez a vontade do pai aquele que concordou com ele, mas o filho que depois de discordar realiza a sua vontade.
Podemos não entender o que Deus nos reserva, mas isso não nos impede de realizar sua vontade. E, além disso, todo aquele que se ocupa em fazer algo pensando no outro, esse tem a aprovação divina. Esse está realizando a vontade do Pai.
Neri de Paula Carneiro
sábado, setembro 19, 2020
Pagarei o que for justo
Em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça do pagamento do salário?
Estas indagações nos chegam a parir da proposta de Jesus (Mt 20,1-16a), neste vigésimo quinto domingo do tempo comum. Essa proposta nos apresenta um patrão que, ao longo do dia, contratou trabalhadores em diferentes horários e, ao final do expediente, a todos deu o mesmo pagamento.
Esse gesto do patrão, pagando a todos igualmente, independentemente do tempo trabalhado, gerou descontentamento entre os operários que trabalharam mais tempo ou o dia inteiro. Reclamaram porque os últimos só trabalharam uma hora e receberam o mesmo valor daqueles que haviam trabalhado a jornada inteira. “Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’” (Mt 20,11-12).
Relendo essa parábola podemos dizer que muitos de nós, com certeza, daríamos razão aos trabalhadores resmungões. Afinal de contas se quem trabalhou só uma hora recebeu uma diária, aquele que trabalhou o dia inteiro deveria receber muito mais. Entretanto, é bom nos lembrarmos que este é o pensamento capitalista. Economicista. Interesseiro. Egoísta… não é uma postura cristã!
Neste ponto é que se encaixam nossas indagações iniciais: em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça do pagamento do salário?
Para entender isso e saber o porquê de Jesus ter contado essa parábola, temos que nos atentar às palavras de Isaías (55,6-9). Principalmente quando o profeta diz: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos quanto está o céu acima da terra” (55,8-9). Ou seja, o ser humano tem dificuldade para entender o projeto de Deus.
O fato é que Jesus está se referindo à justiça do Reino, onde não há um que recebe uma graça maior do que a graça que o outro recebeu, pois todos recebem, plenamente, a graça de Deus. E se a graça é plena, não tem um que a receba mais do que o outro. E quem recebe a graça não a recebe por mérito próprio, mas porque Deus a deu. Por isso é graça, é dom de Deus. Por isso Paulo (Fl 1,20c-24.27a), faz esta afirmação precisa: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo.” (Fl 1,27). Essa é a base sobre a qual se realiza a justiça divina: viver em sintonia com o Evangelho.
Mas então reflitamos nossas indagações.
Quem paga está retribuindo algo que recebeu. Houve uma troca. E, para ocorrer a troca, as partes envolvidas estabelecem, antecipadamente, os valores. Trata-se de uma negociação, mais ou menos nestes termos: “eu te dou isto em troca daquilo. Você aceita a troca?” Se as partes entrarem num acordo e ambos aceitarem e concordarem que “isto” pode pode ser trocado por “aquilo” então a transação acontece de foma justa: os dois lados concordaram.
Mas pode acontecer que ocorra um “acordo” forçado por alguma circunstância, de modo que “isto”, de fato, tenha um valor menor do que “aquilo”. E o possuidor “daquilo” seja como que obrigado a aceitar “isto” como pagamento. Nesse caso não será um pagamento justo, pois uma das partes foi obrigada a aceitar o que de fato não aceitaria se as circunstâncias fossem outras.
O pagamento dos salários, por exemplo. Não são um pagamento justo, embora estejam protegidos pela lei. O salário, portanto, está dentro da legalidade, mas não se enquadra na justiça. E por que não é justo? Porque o assalariado não tem poder de negociação. Ele tem que aceitar o que lhe foi imposto. Pode até não aceitar esse salário e não trabalhar, mas, nesse caso, ficará em uma situação de maior penúria ainda. Então, forçado pela necessidade aceita. Por outro lado, todos sabemos que aquele que lhe paga o salário se beneficia muito mais com os resultados do trabalho do trabalhador do que o trabalhador com o salário recebido. E por isso o pagador de salário cria mecanismos para justificar (as leis) e convencer o recebedor de salário de que foi uma relação/troca justa. Para sabermos se houve justiça basta invertermos os papéis para ver se o pagador consegue e aceita sobreviver com aquilo que paga. Se não aceita lucrar somente o valor que paga como salário, é porque sabe que o que está pagando não é justo. Pode até criar mil e uma justificativas para dizer de suas responsabilidades… etc… mas se não aceita viver com o que paga a quem produz é porque sabe que não está praticando justiça. Seria feita justiça se todos os envolvidos no processo usufruíssem dos mesmos benefícios, sem que um fosse mais beneficiado que os outros.
Qual foi a proposta de Jesus? Com aqueles que contratou de madrugada, combinou uma “uma moeda de prata” (Mt 20,2). Com aqueles das nove horas combinou pagar “o que for justo” (Mt 20,4). Ao meio dia e às três horas “fez a mesma coisa” (Mt 20,5), isto é, prometeu “o que for justo”. E na última hora, àqueles a quem “ninguém contratou” (Mt 20,7) nada prometeu. Mesmo sem promessa de pagamento, foram ao trabalho. E, no acerto das contas, foram os primeiros a receber “uma moeda de prata” (Mt 20,9).
Por que pagou a todos igualmente? Por que disse: “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti (Mt 20,14)? Certamente não foi pelo volume da produção. O que estava em jogo não era a produção, mas a sobrevivência. Tanto os primeiros como os últimos, tinham que sobreviver, por isso receberam o mesmo pagamento.
Esse é o gesto da graça divina. Não é dada pelo mérito do trabalho realizado, mas pela vontade de quem pediu para o trabalho ser feito. É o dom da graça que permite a afirmação: “Pagarei o que for justo” (Mt 20,4)
Neri de Paula Carneiro
Estas indagações nos chegam a parir da proposta de Jesus (Mt 20,1-16a), neste vigésimo quinto domingo do tempo comum. Essa proposta nos apresenta um patrão que, ao longo do dia, contratou trabalhadores em diferentes horários e, ao final do expediente, a todos deu o mesmo pagamento.
Esse gesto do patrão, pagando a todos igualmente, independentemente do tempo trabalhado, gerou descontentamento entre os operários que trabalharam mais tempo ou o dia inteiro. Reclamaram porque os últimos só trabalharam uma hora e receberam o mesmo valor daqueles que haviam trabalhado a jornada inteira. “Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’” (Mt 20,11-12).
Relendo essa parábola podemos dizer que muitos de nós, com certeza, daríamos razão aos trabalhadores resmungões. Afinal de contas se quem trabalhou só uma hora recebeu uma diária, aquele que trabalhou o dia inteiro deveria receber muito mais. Entretanto, é bom nos lembrarmos que este é o pensamento capitalista. Economicista. Interesseiro. Egoísta… não é uma postura cristã!
Neste ponto é que se encaixam nossas indagações iniciais: em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça do pagamento do salário?
Para entender isso e saber o porquê de Jesus ter contado essa parábola, temos que nos atentar às palavras de Isaías (55,6-9). Principalmente quando o profeta diz: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos quanto está o céu acima da terra” (55,8-9). Ou seja, o ser humano tem dificuldade para entender o projeto de Deus.
O fato é que Jesus está se referindo à justiça do Reino, onde não há um que recebe uma graça maior do que a graça que o outro recebeu, pois todos recebem, plenamente, a graça de Deus. E se a graça é plena, não tem um que a receba mais do que o outro. E quem recebe a graça não a recebe por mérito próprio, mas porque Deus a deu. Por isso é graça, é dom de Deus. Por isso Paulo (Fl 1,20c-24.27a), faz esta afirmação precisa: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo.” (Fl 1,27). Essa é a base sobre a qual se realiza a justiça divina: viver em sintonia com o Evangelho.
Mas então reflitamos nossas indagações.
Quem paga está retribuindo algo que recebeu. Houve uma troca. E, para ocorrer a troca, as partes envolvidas estabelecem, antecipadamente, os valores. Trata-se de uma negociação, mais ou menos nestes termos: “eu te dou isto em troca daquilo. Você aceita a troca?” Se as partes entrarem num acordo e ambos aceitarem e concordarem que “isto” pode pode ser trocado por “aquilo” então a transação acontece de foma justa: os dois lados concordaram.
Mas pode acontecer que ocorra um “acordo” forçado por alguma circunstância, de modo que “isto”, de fato, tenha um valor menor do que “aquilo”. E o possuidor “daquilo” seja como que obrigado a aceitar “isto” como pagamento. Nesse caso não será um pagamento justo, pois uma das partes foi obrigada a aceitar o que de fato não aceitaria se as circunstâncias fossem outras.
O pagamento dos salários, por exemplo. Não são um pagamento justo, embora estejam protegidos pela lei. O salário, portanto, está dentro da legalidade, mas não se enquadra na justiça. E por que não é justo? Porque o assalariado não tem poder de negociação. Ele tem que aceitar o que lhe foi imposto. Pode até não aceitar esse salário e não trabalhar, mas, nesse caso, ficará em uma situação de maior penúria ainda. Então, forçado pela necessidade aceita. Por outro lado, todos sabemos que aquele que lhe paga o salário se beneficia muito mais com os resultados do trabalho do trabalhador do que o trabalhador com o salário recebido. E por isso o pagador de salário cria mecanismos para justificar (as leis) e convencer o recebedor de salário de que foi uma relação/troca justa. Para sabermos se houve justiça basta invertermos os papéis para ver se o pagador consegue e aceita sobreviver com aquilo que paga. Se não aceita lucrar somente o valor que paga como salário, é porque sabe que o que está pagando não é justo. Pode até criar mil e uma justificativas para dizer de suas responsabilidades… etc… mas se não aceita viver com o que paga a quem produz é porque sabe que não está praticando justiça. Seria feita justiça se todos os envolvidos no processo usufruíssem dos mesmos benefícios, sem que um fosse mais beneficiado que os outros.
Qual foi a proposta de Jesus? Com aqueles que contratou de madrugada, combinou uma “uma moeda de prata” (Mt 20,2). Com aqueles das nove horas combinou pagar “o que for justo” (Mt 20,4). Ao meio dia e às três horas “fez a mesma coisa” (Mt 20,5), isto é, prometeu “o que for justo”. E na última hora, àqueles a quem “ninguém contratou” (Mt 20,7) nada prometeu. Mesmo sem promessa de pagamento, foram ao trabalho. E, no acerto das contas, foram os primeiros a receber “uma moeda de prata” (Mt 20,9).
Por que pagou a todos igualmente? Por que disse: “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti (Mt 20,14)? Certamente não foi pelo volume da produção. O que estava em jogo não era a produção, mas a sobrevivência. Tanto os primeiros como os últimos, tinham que sobreviver, por isso receberam o mesmo pagamento.
Esse é o gesto da graça divina. Não é dada pelo mérito do trabalho realizado, mas pela vontade de quem pediu para o trabalho ser feito. É o dom da graça que permite a afirmação: “Pagarei o que for justo” (Mt 20,4)
Neri de Paula Carneiro
sexta-feira, setembro 11, 2020
Quantas vezes?
Pedro, sem sombra de dúvidas, é um dos personagens mais importantes, na literatura dos evangelhos. E não estamos falando isso porque Jesus o colocou como chefe da Igreja ou por outra virtude apostólica. Sua importância é, realmente, como personagem literário. É dele que saem algumas das perguntas mais instigantes para e propulsoras de nos ensinamentos do Senhor.
Por vezes a pergunta de pedro pode parecer meio infantil ou de quem não entendeu a proposta do Mestre. Entretanto, do ponto de vista literário, representam a continuidade de um discurso, a proposta de um aprofundamento ou mesmo a proposição de uma nova temática.
Neste vigésimo quarto domingo do tempo comum temos mais um exemplo da importância desse personagem. Mais uma vez nos deparamos com uma pergunta a partir da qual Jesus reformula uma norma que era para ser maravilhosa, mas que ficou engessada no legalismo judaico.
Do evangelho segundo Mateus (18,21-35) é que nos vem a pergunta petrina que já vimos, lemos, repetimos e, muitos de nós, até já comentamos: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21).
Evidentemente, do ponto de vista literário, a pergunta tem a finalidade de promover um novo discurso; um novo ensinamento. Poderíamos até dizer que a pergunta de Pedro, aponta para uma teologia da reciprocidade.
E Jesus responde. Muito mais do que um discurso sobre o perdão, Jesus subverte os valores, apresentando a norma da reciprocidade positiva. Não mais o antiquado “olho por olho, dente por dente”, mas a proposição de uma nova postura. Jesus ensina que o perdão não é para ser dado sete vezes, mas setenta vezes sete, que também não é somente quatrocentas e noventa vezes. A intenção do mestre é dizer: “Perdoa sempre!”
Podemos imaginar que Jesus tenha dito mais. Possivelmente ele disse: “perdoa sempre, porque é melhor, é mais saudável; é mais divino, ter um coração amoroso do que um coração repleto de rancor”
“Deus perdoa sempre!”, possivelmente disse Jesus, ao complementar seu discurso. “Você deve perdoar sempre, porque é assim que faz o Pai. Por ser plenamente amoroso, o Pai perdoa sempre.” Jesus, com certeza, exemplificou seu discurso, retomando o livro do Eclesiástico (27,33–28,9). É bastante provável que tenha se reportado à afirmação do Eclesiástico, dizendo que “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las.” (Eclo 27,33). E nós poderíamos dizer que qualquer pessoa sensata não realimenta o rancor e a raiva.
Esses sentimentos existam em nós. Nos os experimentamos diante das adversidades e contrariedades. Dá para dizer mais: esses sentimentos permanecem em nós somente se os alimentarmos; e desaparecem com o tempo, quando alimentamos o bem querer. Aliás, é o conselho do Eclesiástico (28,9) “Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia!”.
Isso implica dizer que as causas dos nossos descontentamentos, que produzem a ira, o ódio, o rancor, a raiva, a sede de vingança… existem e nós as experimentamos. Mas está em nosso poder alimentá-los ou dominá-los, como sugere o Eclesiástico.
Com Paulo (Rm 14,7-9) podemos dizer que nossa vida é para o Senhor e, portanto, devemos alimentar não os sentimentos de ira, de rancor, de raiva, de vingança…, mas, pelo contrário, o sentimento de “ser para o outro” uma vez que “ninguém dentre nós vive para si mesmo” (Rm 14,7). E se não vivemos para nós mesmos, como ensina o apóstolo, vivemos para outro: primeiro para o Senhor, mas nossa vida para Deus só se realiza no viver para as pessoas.
E aqui cabe a indagação fundamental: como queremos ser tratados quando cometemos um deslize ou magoamos alguém? Ou quando pecamos ou fizemos algo que não deveria ser feito? Será que gostaríamos de ser odiados, tratados com ira, com rancor e raiva? Então vale o sentimento recíproco, caso alguém nos ofenda ou faça algo indevido, cometa pecado, um deslize…
E não se trata de fazer aos outros o que queremos que nos façam porque queremos receber a recompensa. Caso assim fosse estaríamos apenas fazendo um negócio. Se faço o bem, querendo receber um bem em troca, não estou fazendo o bem para quem recebeu o bem que fiz, mas estou fazendo em meu próprio benefício. Então, nesse caso o bem feito ao outro não teve valor de bem, mas um valor comercial. O bem feito só tem valor, só é um bem, quando é feito para o outro. A reciprocidade positiva implica nisso: fazer o bem (perdoar; apagar o rancor; eliminar a raiva, o ódio e a sede de vingança…) significa fazer o que tem que ser feito.
É a lição de Jesus na parábola do devedor maldoso. Ele foi perdoado em suas dívidas, ou seja, em seus inúmeros pecados. E foi perdoado não porque pediu, mas por benevolência ou pela “compaixão” do patrão: “o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. (Mt 18,27). Mas o devedor não agiu com a mesma compaixão com seu companheiro e por isso perdeu o privilégio do perdão. O ato do perdão, portanto, não envolve o que pode vir depois como recompensa, mas como retransmissão do bem recebido. E isso tem que ser feito com o coração (Mt 18,35).
Então, quantas vezes perdoar? Jesus ensina que não se trata de quantidade, mas de intensidade. Nossa medida é intensidade da misericórdia e da compaixão divina.
Neri de Paula Carneiro
Por vezes a pergunta de pedro pode parecer meio infantil ou de quem não entendeu a proposta do Mestre. Entretanto, do ponto de vista literário, representam a continuidade de um discurso, a proposta de um aprofundamento ou mesmo a proposição de uma nova temática.
Neste vigésimo quarto domingo do tempo comum temos mais um exemplo da importância desse personagem. Mais uma vez nos deparamos com uma pergunta a partir da qual Jesus reformula uma norma que era para ser maravilhosa, mas que ficou engessada no legalismo judaico.
Do evangelho segundo Mateus (18,21-35) é que nos vem a pergunta petrina que já vimos, lemos, repetimos e, muitos de nós, até já comentamos: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21).
Evidentemente, do ponto de vista literário, a pergunta tem a finalidade de promover um novo discurso; um novo ensinamento. Poderíamos até dizer que a pergunta de Pedro, aponta para uma teologia da reciprocidade.
E Jesus responde. Muito mais do que um discurso sobre o perdão, Jesus subverte os valores, apresentando a norma da reciprocidade positiva. Não mais o antiquado “olho por olho, dente por dente”, mas a proposição de uma nova postura. Jesus ensina que o perdão não é para ser dado sete vezes, mas setenta vezes sete, que também não é somente quatrocentas e noventa vezes. A intenção do mestre é dizer: “Perdoa sempre!”
Podemos imaginar que Jesus tenha dito mais. Possivelmente ele disse: “perdoa sempre, porque é melhor, é mais saudável; é mais divino, ter um coração amoroso do que um coração repleto de rancor”
“Deus perdoa sempre!”, possivelmente disse Jesus, ao complementar seu discurso. “Você deve perdoar sempre, porque é assim que faz o Pai. Por ser plenamente amoroso, o Pai perdoa sempre.” Jesus, com certeza, exemplificou seu discurso, retomando o livro do Eclesiástico (27,33–28,9). É bastante provável que tenha se reportado à afirmação do Eclesiástico, dizendo que “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las.” (Eclo 27,33). E nós poderíamos dizer que qualquer pessoa sensata não realimenta o rancor e a raiva.
Esses sentimentos existam em nós. Nos os experimentamos diante das adversidades e contrariedades. Dá para dizer mais: esses sentimentos permanecem em nós somente se os alimentarmos; e desaparecem com o tempo, quando alimentamos o bem querer. Aliás, é o conselho do Eclesiástico (28,9) “Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia!”.
Isso implica dizer que as causas dos nossos descontentamentos, que produzem a ira, o ódio, o rancor, a raiva, a sede de vingança… existem e nós as experimentamos. Mas está em nosso poder alimentá-los ou dominá-los, como sugere o Eclesiástico.
Com Paulo (Rm 14,7-9) podemos dizer que nossa vida é para o Senhor e, portanto, devemos alimentar não os sentimentos de ira, de rancor, de raiva, de vingança…, mas, pelo contrário, o sentimento de “ser para o outro” uma vez que “ninguém dentre nós vive para si mesmo” (Rm 14,7). E se não vivemos para nós mesmos, como ensina o apóstolo, vivemos para outro: primeiro para o Senhor, mas nossa vida para Deus só se realiza no viver para as pessoas.
E aqui cabe a indagação fundamental: como queremos ser tratados quando cometemos um deslize ou magoamos alguém? Ou quando pecamos ou fizemos algo que não deveria ser feito? Será que gostaríamos de ser odiados, tratados com ira, com rancor e raiva? Então vale o sentimento recíproco, caso alguém nos ofenda ou faça algo indevido, cometa pecado, um deslize…
E não se trata de fazer aos outros o que queremos que nos façam porque queremos receber a recompensa. Caso assim fosse estaríamos apenas fazendo um negócio. Se faço o bem, querendo receber um bem em troca, não estou fazendo o bem para quem recebeu o bem que fiz, mas estou fazendo em meu próprio benefício. Então, nesse caso o bem feito ao outro não teve valor de bem, mas um valor comercial. O bem feito só tem valor, só é um bem, quando é feito para o outro. A reciprocidade positiva implica nisso: fazer o bem (perdoar; apagar o rancor; eliminar a raiva, o ódio e a sede de vingança…) significa fazer o que tem que ser feito.
É a lição de Jesus na parábola do devedor maldoso. Ele foi perdoado em suas dívidas, ou seja, em seus inúmeros pecados. E foi perdoado não porque pediu, mas por benevolência ou pela “compaixão” do patrão: “o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. (Mt 18,27). Mas o devedor não agiu com a mesma compaixão com seu companheiro e por isso perdeu o privilégio do perdão. O ato do perdão, portanto, não envolve o que pode vir depois como recompensa, mas como retransmissão do bem recebido. E isso tem que ser feito com o coração (Mt 18,35).
Então, quantas vezes perdoar? Jesus ensina que não se trata de quantidade, mas de intensidade. Nossa medida é intensidade da misericórdia e da compaixão divina.
Neri de Paula Carneiro
sexta-feira, setembro 04, 2020
Se ele te ouvir
O trecho do evangelho, segundo Mateus (Mt 18,15-20), que a Igreja nos propõe à reflexão, neste vigésimo terceiro domingo do tempo comum, nos traz uma frase frequentemente repetida por muitos de nós: “onde dois ou três estiverem reuni, quedos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).
Entretanto, seria interessante situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada, mas num contexto de orientação e de missão.
Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos. E essas orientações, evidentemente, são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial elas são dirigidas àquelas pessoas que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a condução da Igreja recém nascida e que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores.
É como se estivéssemos numa escola, e a atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria para preparar os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade está agindo de forma desarmoniosa.
A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia.
Deve-se notar, também, que há uma espécie de paralelo entre a proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, deve ser lido em paralelo ao versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus.
Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra.
Os alertas, o convite à harmonia, é a proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo(Rm 13,8-10), retomando as palavras de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu. E se esse interlocutor "te ouvir", diz o Senhor, (Mt 18,20) a harmonia será restituida onde há divisão.
Mas a proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem, pois, certamente, alguém "ouviu". E, então, restaura-se a harmonia; e, então, poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus.
Neri de Paula Carneiro
Entretanto, seria interessante situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada, mas num contexto de orientação e de missão.
Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos. E essas orientações, evidentemente, são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial elas são dirigidas àquelas pessoas que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a condução da Igreja recém nascida e que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores.
É como se estivéssemos numa escola, e a atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria para preparar os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade está agindo de forma desarmoniosa.
A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia.
Deve-se notar, também, que há uma espécie de paralelo entre a proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, deve ser lido em paralelo ao versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus.
Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra.
Os alertas, o convite à harmonia, é a proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo(Rm 13,8-10), retomando as palavras de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu. E se esse interlocutor "te ouvir", diz o Senhor, (Mt 18,20) a harmonia será restituida onde há divisão.
Mas a proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem, pois, certamente, alguém "ouviu". E, então, restaura-se a harmonia; e, então, poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus.
Neri de Paula Carneiro
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