Na celebração do dia de Finados podemos nos lembrar que “o caminho da vida é a morte”, como contou Raul Seixas no último verso de sua música “Caminhos”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas esse período, invariavelmente, termina quando ocorre o encontro com a morte.
Também nós, em um escrito para a filosofia, havíamos dito que o sentido da vida é a morte. E, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.
Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados, cemitério e a palavra morte por quatro vezes. E mais, se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?
Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada a uma ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim, pois o finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos; e poderia ser entendido como o dia em que se celebra aqueles que chegaram ao ponto final de suas vidas; aqueles cujas vidas terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.
Mas se atentarmos para as leituras que a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestarmos atenção às leituras notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena.
No texto extraído do livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó! (Jó, 19,23-24). E conclui afirmando que em seu momento final “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar o discurso adiante. A morte é a ponte que liga a vida a outra vida.
Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.
Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai, que é resgatar a todos. Ele afirma: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40).
Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.
Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela esperança que nos faz caminhar. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos.
Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo minha vida?”
Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos antes do dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o dia de finados e o nosso dia final, termos uma vida santa para entregar ao Pai.
Neri de Paula Carneiro
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