sábado, outubro 17, 2020

Para que todos saibam

Quais os planos de Deus? Quem é escolhido por Deus? O que deve ser ofertado a Deus?

Estas são algumas indagações que podemos nos fazer, diante das leituras que a Igreja nos apresenta neste vigésimo nono domingo do tempo comum.

A primeira indagação tem a ver com a primeira leitura, retirada do profeta Isaías (Is 45,1.4-6). Nestes poucos versículos o profeta mostra como Ciro, rei persa, portanto um estrangeiro, é visto e indicado como emissário de Deus. O contexto é o final do período exílico, quando Ciro vence os babilônios e o profeta vê nisso um indício de que o fim do cativeiro está próximo, pois o jovem rei está vencendo seus inimigos. E, do ponto de vista político, trata-se de uma leitura simples: derrotando os adversários, Ciro pode ser visto como aliado do povo hebreu, que fora exilado quando Nabucodonosor dominou Jerusalém.

Os dados históricos são fáceis de entender. A grande questão é saber qual o propósito de Deus em permitir que seu povo seja dominado e exilado. A resposta histórica: porque o império babilônico está em expansão e os descendentes de abraão estão em decadência moral e política. Mas do ponto de vista religioso, pode-se dizer que o cativeiro ocorreu porque os dirigentes do povo se corromperam, aderiram a outros deuses e aceitaram os valores das nações dominantes. Ou seja, a corrupção da classe dirigente respingou malefícios sobre o povo.

Como o Senhor não abandona os seus, Isaías vê em Ciro o enviado de Deus, para purificar o povo, depois de “dobrar o orgulho dos reis” (Is 45,1). O rei persa é escolhido pelo nome, “por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel” (Is 45,4), diz o Senhor que se apresenta como único Deus (Is 45,5-6).

Qual o plano de Deus? Apresentar-se: “Eu sou o Senhor, não há outro”!

Paulo (1 Ts 1,1-5) vai acrescentar um ingrediente novo: vai mostrar que esse único Deus é, também, trino. E por ser trino, uma comunidade, mobiliza a comunidade para a união e a oração, como a comunidade de Tessalônica, “reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1), mediante a força do Espírito Santo (1Ts 1,5). É a ação da trindade.

Com isso, Paulo mostra que, não só o estrangeiro Ciro é escolhido pelo Senhor, mas o próprio Senhor se manifesta aos estrangeiros, pois a comunidade cristã à qual o apóstolo dirige esta carta é uma comunidade sediada numa cidade grega. Ou seja, a Igreja que nasceu do sangue derramado do cordeiro, nasce com vocação para ir além das fronteiras. É uma igreja missionária.

Sendo uma comunidade missionária, o que a Igreja pode entregar a Deus?

Evidentemente não vai ser a atitude vil dos representantes do povo, como mostra Mateus (Mt 22,15-21). Aqueles que se fazem representantes do povo traçam planos para enganar e tirar proveito próprio. Mesmo sendo de grupos adversário como os fariseus e os herodianos (Mt 22, 15-16) são capazes de se unir para praticar maldades. O mesmo que fazem atualmente os partidos adversários que se unem com o objetivo de alcançar o poder… e os benefícios que ele confere.

Esse exemplo nefasto se perpetuou e muitos daqueles que, atualmente, são ou pretendem ser representantes do povo manobram para enganar à população. Da mesma forma que tentaram enganar a Jesus. Aqueles foram desmascarados pelo Mestre. Cabe a nós, nos dias atuais, não nos deixarmos levar na onda dos espertalhões. Desmascarar aqueles que nada plantam junto ao povo, mas em tempos eleitoreiros querem colher votos dos desavisados.

É claro que o imposto devido, se justo e retornável em forma de benefícios sociais, devem ser pagos. Por isso, Jesus admite que se deve dar “a César o que é de César”. Isso porque o cristão não está aqui para desestabilizar o sistema. Mas, por outro lado, o cristão é aquele que dá “a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,21)

Em que consiste isso?

Consiste em manter uma atitude, ao mesmo tempo orante e atuante na sociedade. Deus não perde nem lhe é acrescentado nada, se apenas nos prostrarmos em recitações do orações ou estardalhosa profusão de preces. Ao Senhor importa a atitude e a postura diante e ao longo da vida.

Ciro, o persa, deu a liberdade ao cativos. A comunidade de Tessalônica deu, segundo escreve Paulo, “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1 Ts, 1,3). A postura de Ciro e a dos tessalonicenses foi semelhante: fizeram algo pelo outro. A fé, a caridade e a esperança dos tessalonicenses tinham o objetivo de ajudar.

O que se deve ofertar a Deus, portanto, muito mais do a orações vazias de ação, são as ações em forma de oração, para que todos saibam que o quê nos move não é só a fé. Somos movidos, também pela esperança… e principalmente pela caridade comprometida.

Neri de Paula Carneiro

domingo, outubro 11, 2020

Nossa Senhora Aparecida

Além de ser dia das crianças, no dia 12 de outubro também se comemora o dia de Nossa Senhora Aparecida.

Quando se fala isso, não são poucas as pessoas que argumentam: “Não entendo: Tem Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Guadalupe… e Nossa Senhora Aparecida, além de outras. Afinal de contas, quantas Nossas Senhoras existem?”

A resposta, com sabemos é esta: só existe uma, que é Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Essa é a Nossa Senhora. E é Nossa Senhora por ser a mãe de Nosso Senhor, como nos diz a canção do Padre Zezinho:

“O povo te chama de Nossa Senhora

por causa de Nosso Senhor

O povo te chama de Mãe e Rainha

Porquê Jesus Cristo é o Rei do céu

E por não te ver como desejaria

Te vê com os olhos da fé

Por isso ele coroa a tua imagem Maria

Por seres a mãe de Jesus

Por seres a mãe de Jesus de Nazaré

Como é bonita uma religião

Que se lembra da mãe de Jesus

Mais bonito é saber quem tu és

Não és deusa, não és mais que Deus

Mas depois de Jesus, o Senhor

Neste mundo ninguém foi maior”

Como podemos ver, a canção nos explica o porquê da devoção a Nossa Senhora: por ser a mãe do Nosso Senhor; é rainha porque Jesus é o Rei dos céus; não é deusa, nem maior do que Deus. Mas neste mundo ninguém foi maior, pois só ela teve a graça de nos dar Jesus de presente.

Mas, antes de entendermos as “tantas nossas senhoras”, vamos entender porque fazemos preces a Maria, mãe de Jesus. É a mesma canção do pe Zezinho que explica:

“Aquele que lê a palavra Divina

Por causa de Nosso Senhor

Já sabe que o livro de Deus nos ensina

Que só Jesus Cristo é o intercessor

Porém se podemos orar pelos outros

A Mãe de Jesus pode mais

Por isto te pedimos em prece oh! Maria

Que leves o povo a Jesus

Porque de levar a Jesus entendes mais”

Só Jesus leva ao Pai, mas Maria leva a Jesus. Levou, ou seja, carregou Jesus em seu ventre, por isso pode nos levar, ou seja, conduzir a Jesus, e Ele nos leva ao Pai. Aliás esse é sentido do texto do Evangelho (Jo 2, 1-11) que a Igreja nos convida a refletir no dia de Nossa Senhora: Maria viu que havia um problema: o vinho estava acabando. Não teve dúvidas, foi até Jesus como a mãe que vai ao filho: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).

Podemos até pensar que Jesus foi grosseiro com sua mãe. Mas Ele somente argumentou: “O que você está me pedindo, mãe? Minha hora ainda não chegou. Mas pode deixar que dou um jeito” (Jo 2,4). E ela, com a certeza de que um filho não se nega a atender à mãe, dirigiu-se aos garçons: “Confiem no meu filho. Ele vai tirar vocês do apuro. Vai salvar a festa e o casamento. Façam o que ele disser” (Jo 2,5).

A postura de Maria, na festa de Caná, foi semelhante à atitude da rainha Ester (5,1b-2; 7,2b-3): ambas são intercessoras em favor do povo. Maria intercede em favor da felicidade do casal, pois a família é importante. Tão importante que começa numa festa. E Maria intercede para que a festa continue e a família possa iniciar sem contratempos. Da mesma forma Ester, intercede pela vida de seu povo: "Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!(Es 7,3).

E assim chegamos aos títulos de Nossa Senhora. A mesma e única Maria de Nazaré, cultuada, venerada, admirada, amada de várias formas. Por ensinar a rezar: Nossa Senhora do Rosário; Por ser luz no caminho das pessoas: Nossa Senhora das Candeias. Por ter se manifestado nas localidades de Fátima, Lourdes: Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Por ser protetora e defensora dos índios: Nossa Senhora de Guadalupe, manifestando-se na cidade de Guadalupe, no México. E Nossa Senhora Aparecida, a protetora da nação brasileira, que escolheu se manifestar entre os pobres, pescadores, escravos… vítimas dos exploradores do povo. Essa é a Nossa Senhora Aparecida, pois apareceu em favor dos que dela precisavam.

Nos dias que estamos vivendo, com tanto sofrimento no meio do povo, podemos nos apegar com Maria, a Nossa Senhora e, talvez, devamos confiar mais nela. Talvez devamos nos dirigir a Maria, não como quem vai ao mercado, mas como o filho que confia na mãe. Talvez devamos confiar na mãe de Jesus como confiaram os garçons e os pescadores do rio Paraíba do Sul.

E vamos pensar juntos: se podemos manter uma boa relação com Maria, seguramente teremos boa amizade com seu filho; uma relação de amizade, a partir da qual podemos até dizer que somos da família do Pai, do Filho e do Santo Espírito, pois a mão já nos adotou.

E se ainda temos alguma dúvida, vamos cantar com os versos do pe Zezinho:

“Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia

Quando por entre as redes, aquela imagem aparecia

Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor

Agradeceram todos à mãe de Cristo por tanto amor!




Quero entender o culto que começou, desde aquele dia

Muitos não compreendem, dizendo ser uma idolatria

Mas neste simbolismo daquela imagem, de negra cor

Chega-se com Maria ao santuário do salvador!




Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente

Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente

Numa nação, aonde imperava a mancha da escravidão

Nossa senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos”

Com a ajuda da mãe, talvez sejamos capazes de ajudar no processo de libertação contra os opressores do povo. Pois é em favor do povo é que “a mãe de Jesus está presente” (Jo 2,1).




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

sexta-feira, outubro 09, 2020

Para todos os povos

Quem deve ser convidado para uma festa de casamento?

Essa parece ser a pergunta central, colocada pelo Evangelho segundo Mateus (22,1-14), na liturgia deste vigésimo oitavo domingo do tempo comum.

Estamos numa situação festiva. O rei esta preparando a festa para o casamento de seu filho (Mt 22,2). Emitiu os convites (Mt 22,3). Mas os destinatários recusaram ou desdenharam do convite e foram se dedicar a outros afazeres (Mt 22,4-6).

Entretanto o casamento e a festa não poderiam deixar de acontecer apenas porque os principais convidados não compareceram; ou não foram “dignos” de estar presente (Mt 22,8). Então o rei, abre as portas e convida outras pessoas (Mt 22,9-10) e a festa acontece.

E não é qualquer festa. Trata-se de uma festa de casamento. E nisso estão presentes dois elementos importantes: primeiro a alegria de conviver e comemorar, ou seja o fato de estar juntos na alegria pode ser visto como um sinal do paraíso, que é a felicidade plena. A comemoração tem relação com a saciedade e a convivência diz respeito à vida em comum; em segundo lugar, o fato do casamento. Não se trata apenas da alegria da vida em comum ou de estar juntos. O casamento diz respeito à corresponsabilidade do ser humano no projeto da criação. Casamento não é só um homem e uma mulher se entregando por amor, mas é Deus compartilhando com as pessoas a responsabilidade pela continuação da vida. O casamento, portanto é uma extensão da obra criadora de Deus, sendo prosseguida pela complementariedade das pessoas que se entregam. A festa, portanto, é um sinal do amor de Deus manifestando-se entre as pessoas.

Por causa dessa vida em comum que é um prenúncio do paraíso e da complementariedade da obra da criação, presente no casamento foi que o rei, da parábola, fez questão de que sua sala de festas estivesse repleta de convidados. Por isso, a insistência para que seus servidores saíssem às ruas convidando a todos para se fazerem presentes.

Esse convite nos é feito pelo próprio Deus, como o demonstra Isaías (25, 6-10a). É o convite para o paraíso. Para um encontro definitivo, com o Senhor, ocasião em que ele “eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces” (Is 25,8). Trata-se de um convite “para todos os povos” participarem de “um banquete de ricas iguarias”. Nessa festa não haverá sofrimento, pelo contrário, haverá “um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro” (Is 25,6).

O critério, ou a porta de entrada, para a participação nessa festa é a solidariedade. O ingresso para a festa definitiva é a atenção à necessidade do outro. É o que sugere Paulo (Fl 4,12-14.19-20). Ele, ao suportar as dificuldades, ensina como sobreviver pois a força está não nas coisas que se pode ter, mas naquele que dá a força: “tudo posso naquele que me dá forças” (Fl 4,13). A importância da solidariedade, ensina o apóstolo, é porque quem partilha com quem precisa, recebe de Deus a recompensa: “Fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades” (Fl 4, 14). Àquele que se solidariza “Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus.” (Fl 4,19).

E assim voltamos à festa oferecida pelo Rei. Uma festa para a qual todos foram convidados e deram as mais divergentes respostas, recusando ao convite. Mas o fato é que o rei encheu sua sala de festas.

E aqui surge um episódio intrigante. Depois de tanto insistir para que a sala estivesse repleta de convidados, parece estranha a atitude do rei mandando retirar da festa aquele que ali se encontrava “sem o traje de festa” (Mt 22,11-12).

Para entender isso, precisamos de um pouco de atenção. Todos são convidados. Todos entram na sala de festa. E só depois, durante a festa, é que o rei se dirige àquele sem o devido traje. E depois de interpelar o convidado o rei o manda retirar da sala (Mt 22,13). Por qual motivo?

Aparentemente a expulsão ocorre pela ausência do traje adequado. Mas se os convidados estavam pelas “encruzilhadas dos caminhos” (Mt 22,9), seguramente também não trajavam roupas de festa. Então o que ocorre?

Ocorre que o rei interpela o convidado. Mas este não tem resposta. O rei pergunta: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?” (Mt 22,12). A ausência do traje foi o motivo do questionamento. Mas diante da pergunta, o convidado nada responde. Se não ocorreu a resposta não aconteceu interação. E se não ocorre interação, entre os convidados, a festa perde o sentido.

A festa é para todos os povos, diz Isaías (25,6). Mas antes da festa, no cotidiano, deve ocorrer a partilha solidária, diz Paulo (Fl 4,14). Faltando isso, falta interação. E se falta interação, não ocorre a alegria da festa, nem a participação e compromisso com o projeto da criação. A ausência desse comprometimento produz a escuridão e o choro pelo vazio da existência.

Neri de Paula Carneiro

sábado, outubro 03, 2020

Esperava deles frutos de justiça

Que espera o agricultor, quando lança a semente ao chão? Que espera o operário, ao fim de um período de trabalho? Que esperam os pais, depois dos filhos crescidos? Que espera o professor, ao longo da jornada de ensino? Que espera alguém que faz planos e projetos para sua vida e seu viver…? Que esperar…? Essas são algumas das indagações que se pode fazer neste vigésimo sétimo domingo do tempo comum.

As condições para um bom relacionamento entre as pessoas; para a felicidade da família; para o pleno desenvolvimento das pessoas; para um mundo justo; para a plenitude humana; para a harmonia entre os diferentes… Para haver sucesso nessas e noutras situações, as condições nos são oferecidas. Mais do que oferecidas: nos são dadas. São dons divinos em nós e para nós. E o quê fazemos com tudo que nos é entregue, gratuitamente, pelo Senhor da vida?

Essas situações e indagações nos são apresentadas por Isaías (5,1-7) ao falar do vinhedo que só “produziu uvas selvagens”, apesar de ter sido preparada para “que produzisse uvas boas” (Is 5,2).

As condições para a implantação do bem, são dadas como graça divina em plenitude. Tanto que o Senhor se pergunta: “que mais poderia eu ter feito?” (Is 5,4). A pergunta, na verdade, é uma afirmação: “já fiz tudo”. Ou seja, a plenitude da graça é dada, mas as pessoas preferem recusar o dom recebido. Em Isaías, o vinhedo é o povo de Israel que está, cada vez mais, afastado dos caminhos do Senhor. E por isso o profeta anuncia a devastação (Is 5,5-6).

Os dirigentes do povo causaram a ruína do povo. “Eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade.” (Is 5,7). Mas o povo também erra, pois segue aos dirigentes inescrupulosos. Por esse motivo os dirigentes do povo e o próprio povo sofrem as consequências, que se concretizou como a ruína da nação, invadida por uma potência estrangeira. E a consequência definitiva foi o “cativeiro na Babilônia”. E trazendo para o nosso cotidiano e para a atualidade de nossa vida: como estão agido nossos dirigentes? E nós, os estamos seguido no mar de corrupção ou lutamos por um país melhor? E se lutamos por algo melhor por que eles continuam lá? É necessário darmos uma resposta, sob pena de sermos igualados às videiras que só produziram uvas imprestáveis.

De acordo com a narrativa de Mateus (21,33-43) e da mesma forma que Isaías, Jesus se dirige aos dirigentes do povo, “sumos sacerdotes e os anciãos do povo” (Mt 21,41). Mas Jesus vai além do profeta. Ele mostra que o problema não está no parreiral, que é o povo, nem do proprietário do plantação, que é o Senhor, mas nos vinhateiros, que são os dirigentes do povo. Esses mataram os enviados (os profetas) do dono da vinha (Mt 21,35-36) e também mataram o filho do proprietário. Tudo com o propósito de roubar a herança (Mt 21,38). Todas as ações dos dirigentes do povo foram desonestas. E sua desonestidade causou dificuldades para o povo que acabou sendo iludido pelos seus dirigentes.

Que fazer com esses administradores desonestos?

Na proposta de Isaías, perderam a nacionalidade e foram exilados. Mas depois de quatro décadas de exílio o Deus clemente e pleno de graça e perdão, concede o retorno dos exilados com o propósito de reestruturar a fé, desenvolvendo a crença que alimentou a esperança na vinda do Messias.

Ocorreu que os novos dirigentes, que deveriam reconhecer o Messias não o fizeram e, por isso perderam, não mais o território, mas a primazia de ser o povo luz do mundo. 21Diante da perversidade dos dirigentes do povo, Mateus anuncia a sentença: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43). E assim nasce uma nova fé: a crença daqueles que acreditam em Jesus, os cristãos encarregados de construir um mundo de justiça.

Com a finalidade de evitar que este novo povo se desvirtue, Paulo (Fl 4,6-9) faz recomendação e dá as diretrizes. O objetivo é que essa comunidade possa crescer, não só na caridade mas, principalmente, na justiça que é uma das formas de manifestar a fé.

O apóstolo, constatando que na comunidade de Filipos existem alguns problemas, faz a recomendação: “Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.” (Fl 4,8). Mas sabendo que até isso poderia não ser entendido ou seguido, o apóstolo se oferece como modelo, dizendo algo como: “Em vez de fazer as besteiras costumeiras, façam aquilo que ensinei.”

Nas palavras do apóstolo: “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim o Deus da paz estará convosco.” (Fl 4,9). E talvez o apóstolo tenha completado, ao falar pessoalmente: “Façam o que ensinei e que suas ações ampliem os meus atos, para que em sua vida e em sua comunidade ocorra a plenitude da justiça”

Neri de Paula Carneiro

sábado, setembro 26, 2020

O outro é mais importante

Qual é a conduta correta? Por que Cristo foi exaltado? Quem faz a vontade do pai? São, estas, algumas das perguntas que a liturgia deste vigésimo sexto domingo do tempo comum, nos apresenta. Como respondê-las?

O próprio Ezequiel (18,25-28) se encarrega de responder à sua indagação. A conduta correta é arrepender-se da maldade e praticar a justiça. E, dessa forma, é possível conservar a vida. (Ez 18,27). E o profeta explica: quando alguém se “desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado” (Ez 18,26) que ele morre.

Cabe ressaltar que a morte à qual o profeta está se referindo, diz respeito distanciamento completo de Deus, ao final da vida terrena. E, também, talvez seja por isso que se popularizou a afirmação de que o mal que atrai o mal; e o bem atrai o bem!

Em seguida vem a outra indagação, sobre o porquê de Cristo ter sido exaltado. A resposta é apresentada por Paulo, na carta aos Filipenses (Fl 2,1-11). Cristo foi exaltado porque não se apegou ao seu ser igual a Deus (Fl 2,6). Pelo contrário, abriu mão de tudo para se igualar a nós (Fl 2,7). E, mais ainda, não só se igualou a nós, mas entregou-se à morte por nós. “E morte de cruz” (Fl 2, 8), explica o apóstolo dos gentios. A morte de Cristo, portanto, é uma morte redentora, que pode conduzir à vida, ou seja à convivência definitiva com Deus.

Dissemos que “pode conduzir à vida” porque essa convivência definitiva com o Senhor, não depende de Deus, mas de nós. A decisão cabe a cada um de nós. Deus oferece; nós aceitamos ou recusamos… como fizeram os dois irmãos, mencionados por Mateus (21,28).

E assim chegamos à terceira indagação, apresentada por Mateus (21,28-32). Trata-se de um discurso a respeito da postura de dois irmãos que agem diferentemente das respostas que deram ao seu pai. Falam o oposto daquilo que realmente executam. E a partir disso é que Jesus pergunta àqueles que são representantes do povo: “quem fez a vontade do pai?” (Mt 21,31) E os representantes do povo, mesmo não fazendo o que lhes é de obrigação fazer, souberam responder corretamente. Fez a vontade do pai aquele que lhe disse não, mas executou o trabalho. Eles sabiam qual a resposta correta, mas não estavam tendo a postura correta, pois sabiam como conduzir o povo para Deus, mas agiam como se isso não tivesse a menor importância.

E Jesus os repreende, não por causa de sua resposta, mas por causa de sua postura. Não adiante nada saber o que se tem que fazer, mas não realizar essa obra.

E, neste ponto, não é excessivo reiterar a afirmação de que é necessário tomar cuidado para não realizar algo que deve ser feito por “competição ou vanglória”. As obras do bem não devem ser feitas porque se pretende mostrar a capacidade de fazer o bem, como oriente Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória,mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante” (Fl 2,3). Além disso, a boa ação para o outro deve ser “para o outro” e não uma ação/ajuda pensando na retribuição que se pode receber, por ter feito algo de bom. Se o bem é feito pensando na retribuição a receber, não foi um bem, mas uma troca de favores...

Isso implica dizer que não é o fato de poder ostentar o bem realizado que conta; também não importa saber do bem a realizar, sem, no entanto, fazê-lo. Nessas circunstâncias não há mérito naquilo que se realiza. Para o Senhor importa não o que se sabe ou o que se mostrou…, mas o que vai no coração. Isso é o que ensina Ezequiel ao dizer que “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” (Ez 18, 26-27). No caso dos dois irmãos, em Mateus: não fez a vontade do pai aquele que concordou com ele, mas o filho que depois de discordar realiza a sua vontade.

Podemos não entender o que Deus nos reserva, mas isso não nos impede de realizar sua vontade. E, além disso, todo aquele que se ocupa em fazer algo pensando no outro, esse tem a aprovação divina. Esse está realizando a vontade do Pai.

Neri de Paula Carneiro

sábado, setembro 19, 2020

Pagarei o que for justo

Em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça do pagamento do salário?

Estas indagações nos chegam a parir da proposta de Jesus (Mt 20,1-16a), neste vigésimo quinto domingo do tempo comum. Essa proposta nos apresenta um patrão que, ao longo do dia, contratou trabalhadores em diferentes horários e, ao final do expediente, a todos deu o mesmo pagamento.

Esse gesto do patrão, pagando a todos igualmente, independentemente do tempo trabalhado, gerou descontentamento entre os operários que trabalharam mais tempo ou o dia inteiro. Reclamaram porque os últimos só trabalharam uma hora e receberam o mesmo valor daqueles que haviam trabalhado a jornada inteira. “Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’” (Mt 20,11-12).

Relendo essa parábola podemos dizer que muitos de nós, com certeza, daríamos razão aos trabalhadores resmungões. Afinal de contas se quem trabalhou só uma hora recebeu uma diária, aquele que trabalhou o dia inteiro deveria receber muito mais. Entretanto, é bom nos lembrarmos que este é o pensamento capitalista. Economicista. Interesseiro. Egoísta… não é uma postura cristã!

Neste ponto é que se encaixam nossas indagações iniciais: em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça do pagamento do salário?

Para entender isso e saber o porquê de Jesus ter contado essa parábola, temos que nos atentar às palavras de Isaías (55,6-9). Principalmente quando o profeta diz: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos quanto está o céu acima da terra” (55,8-9). Ou seja, o ser humano tem dificuldade para entender o projeto de Deus.

O fato é que Jesus está se referindo à justiça do Reino, onde não há um que recebe uma graça maior do que a graça que o outro recebeu, pois todos recebem, plenamente, a graça de Deus. E se a graça é plena, não tem um que a receba mais do que o outro. E quem recebe a graça não a recebe por mérito próprio, mas porque Deus a deu. Por isso é graça, é dom de Deus. Por isso Paulo (Fl 1,20c-24.27a), faz esta afirmação precisa: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo.” (Fl 1,27). Essa é a base sobre a qual se realiza a justiça divina: viver em sintonia com o Evangelho.

Mas então reflitamos nossas indagações.

Quem paga está retribuindo algo que recebeu. Houve uma troca. E, para ocorrer a troca, as partes envolvidas estabelecem, antecipadamente, os valores. Trata-se de uma negociação, mais ou menos nestes termos: “eu te dou isto em troca daquilo. Você aceita a troca?” Se as partes entrarem num acordo e ambos aceitarem e concordarem que “isto” pode pode ser trocado por “aquilo” então a transação acontece de foma justa: os dois lados concordaram.

Mas pode acontecer que ocorra um “acordo” forçado por alguma circunstância, de modo que “isto”, de fato, tenha um valor menor do que “aquilo”. E o possuidor “daquilo” seja como que obrigado a aceitar “isto” como pagamento. Nesse caso não será um pagamento justo, pois uma das partes foi obrigada a aceitar o que de fato não aceitaria se as circunstâncias fossem outras.

O pagamento dos salários, por exemplo. Não são um pagamento justo, embora estejam protegidos pela lei. O salário, portanto, está dentro da legalidade, mas não se enquadra na justiça. E por que não é justo? Porque o assalariado não tem poder de negociação. Ele tem que aceitar o que lhe foi imposto. Pode até não aceitar esse salário e não trabalhar, mas, nesse caso, ficará em uma situação de maior penúria ainda. Então, forçado pela necessidade aceita. Por outro lado, todos sabemos que aquele que lhe paga o salário se beneficia muito mais com os resultados do trabalho do trabalhador do que o trabalhador com o salário recebido. E por isso o pagador de salário cria mecanismos para justificar (as leis) e convencer o recebedor de salário de que foi uma relação/troca justa. Para sabermos se houve justiça basta invertermos os papéis para ver se o pagador consegue e aceita sobreviver com aquilo que paga. Se não aceita lucrar somente o valor que paga como salário, é porque sabe que o que está pagando não é justo. Pode até criar mil e uma justificativas para dizer de suas responsabilidades… etc… mas se não aceita viver com o que paga a quem produz é porque sabe que não está praticando justiça. Seria feita justiça se todos os envolvidos no processo usufruíssem dos mesmos benefícios, sem que um fosse mais beneficiado que os outros.

Qual foi a proposta de Jesus? Com aqueles que contratou de madrugada, combinou uma “uma moeda de prata” (Mt 20,2). Com aqueles das nove horas combinou pagar “o que for justo” (Mt 20,4). Ao meio dia e às três horas “fez a mesma coisa” (Mt 20,5), isto é, prometeu “o que for justo”. E na última hora, àqueles a quem “ninguém contratou” (Mt 20,7) nada prometeu. Mesmo sem promessa de pagamento, foram ao trabalho. E, no acerto das contas, foram os primeiros a receber “uma moeda de prata” (Mt 20,9).

Por que pagou a todos igualmente? Por que disse: “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti (Mt 20,14)? Certamente não foi pelo volume da produção. O que estava em jogo não era a produção, mas a sobrevivência. Tanto os primeiros como os últimos, tinham que sobreviver, por isso receberam o mesmo pagamento.

Esse é o gesto da graça divina. Não é dada pelo mérito do trabalho realizado, mas pela vontade de quem pediu para o trabalho ser feito. É o dom da graça que permite a afirmação: “Pagarei o que for justo” (Mt 20,4)

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, setembro 11, 2020

Quantas vezes?

Pedro, sem sombra de dúvidas, é um dos personagens mais importantes, na literatura dos evangelhos. E não estamos falando isso porque Jesus o colocou como chefe da Igreja ou por outra virtude apostólica. Sua importância é, realmente, como personagem literário. É dele que saem algumas das perguntas mais instigantes para e propulsoras de nos ensinamentos do Senhor.

Por vezes a pergunta de pedro pode parecer meio infantil ou de quem não entendeu a proposta do Mestre. Entretanto, do ponto de vista literário, representam a continuidade de um discurso, a proposta de um aprofundamento ou mesmo a proposição de uma nova temática.

Neste vigésimo quarto domingo do tempo comum temos mais um exemplo da importância desse personagem. Mais uma vez nos deparamos com uma pergunta a partir da qual Jesus reformula uma norma que era para ser maravilhosa, mas que ficou engessada no legalismo judaico.

Do evangelho segundo Mateus (18,21-35) é que nos vem a pergunta petrina que já vimos, lemos, repetimos e, muitos de nós, até já comentamos: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21).

Evidentemente, do ponto de vista literário, a pergunta tem a finalidade de promover um novo discurso; um novo ensinamento. Poderíamos até dizer que a pergunta de Pedro, aponta para uma teologia da reciprocidade.

E Jesus responde. Muito mais do que um discurso sobre o perdão, Jesus subverte os valores, apresentando a norma da reciprocidade positiva. Não mais o antiquado “olho por olho, dente por dente”, mas a proposição de uma nova postura. Jesus ensina que o perdão não é para ser dado sete vezes, mas setenta vezes sete, que também não é somente quatrocentas e noventa vezes. A intenção do mestre é dizer: “Perdoa sempre!”

Podemos imaginar que Jesus tenha dito mais. Possivelmente ele disse: “perdoa sempre, porque é melhor, é mais saudável; é mais divino, ter um coração amoroso do que um coração repleto de rancor”

“Deus perdoa sempre!”, possivelmente disse Jesus, ao complementar seu discurso. “Você deve perdoar sempre, porque é assim que faz o Pai. Por ser plenamente amoroso, o Pai perdoa sempre.” Jesus, com certeza, exemplificou seu discurso, retomando o livro do Eclesiástico (27,33–28,9). É bastante provável que tenha se reportado à afirmação do Eclesiástico, dizendo que “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las.” (Eclo 27,33). E nós poderíamos dizer que qualquer pessoa sensata não realimenta o rancor e a raiva.

Esses sentimentos existam em nós. Nos os experimentamos diante das adversidades e contrariedades. Dá para dizer mais: esses sentimentos permanecem em nós somente se os alimentarmos; e desaparecem com o tempo, quando alimentamos o bem querer. Aliás, é o conselho do Eclesiástico (28,9) “Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia!”.

Isso implica dizer que as causas dos nossos descontentamentos, que produzem a ira, o ódio, o rancor, a raiva, a sede de vingança… existem e nós as experimentamos. Mas está em nosso poder alimentá-los ou dominá-los, como sugere o Eclesiástico.

Com Paulo (Rm 14,7-9) podemos dizer que nossa vida é para o Senhor e, portanto, devemos alimentar não os sentimentos de ira, de rancor, de raiva, de vingança…, mas, pelo contrário, o sentimento de “ser para o outro” uma vez que “ninguém dentre nós vive para si mesmo” (Rm 14,7). E se não vivemos para nós mesmos, como ensina o apóstolo, vivemos para outro: primeiro para o Senhor, mas nossa vida para Deus só se realiza no viver para as pessoas.

E aqui cabe a indagação fundamental: como queremos ser tratados quando cometemos um deslize ou magoamos alguém? Ou quando pecamos ou fizemos algo que não deveria ser feito? Será que gostaríamos de ser odiados, tratados com ira, com rancor e raiva? Então vale o sentimento recíproco, caso alguém nos ofenda ou faça algo indevido, cometa pecado, um deslize…

E não se trata de fazer aos outros o que queremos que nos façam porque queremos receber a recompensa. Caso assim fosse estaríamos apenas fazendo um negócio. Se faço o bem, querendo receber um bem em troca, não estou fazendo o bem para quem recebeu o bem que fiz, mas estou fazendo em meu próprio benefício. Então, nesse caso o bem feito ao outro não teve valor de bem, mas um valor comercial. O bem feito só tem valor, só é um bem, quando é feito para o outro. A reciprocidade positiva implica nisso: fazer o bem (perdoar; apagar o rancor; eliminar a raiva, o ódio e a sede de vingança…) significa fazer o que tem que ser feito.

É a lição de Jesus na parábola do devedor maldoso. Ele foi perdoado em suas dívidas, ou seja, em seus inúmeros pecados. E foi perdoado não porque pediu, mas por benevolência ou pela “compaixão” do patrão: “o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. (Mt 18,27). Mas o devedor não agiu com a mesma compaixão com seu companheiro e por isso perdeu o privilégio do perdão. O ato do perdão, portanto, não envolve o que pode vir depois como recompensa, mas como retransmissão do bem recebido. E isso tem que ser feito com o coração (Mt 18,35).

Então, quantas vezes perdoar? Jesus ensina que não se trata de quantidade, mas de intensidade. Nossa medida é intensidade da misericórdia e da compaixão divina.



Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, setembro 04, 2020

Se ele te ouvir

O trecho do evangelho, segundo Mateus (Mt 18,15-20), que a Igreja nos propõe à reflexão, neste vigésimo terceiro domingo do tempo comum, nos traz uma frase frequentemente repetida por muitos de nós: “onde dois ou três estiverem reuni, quedos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).

Entretanto, seria interessante situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada, mas num contexto de orientação e de missão.

Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos. E essas orientações, evidentemente, são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial elas são dirigidas àquelas pessoas que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a condução da Igreja recém nascida e que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores.

É como se estivéssemos numa escola, e a atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria para preparar os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade está agindo de forma desarmoniosa.

A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia.

Deve-se notar, também, que há uma espécie de paralelo entre a proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, deve ser lido em paralelo ao versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus.

Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra.

Os alertas, o convite à harmonia, é a proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo(Rm 13,8-10), retomando as palavras de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu. E se esse interlocutor "te ouvir", diz o Senhor, (Mt 18,20) a harmonia será restituida onde há divisão.

Mas a proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem, pois, certamente, alguém "ouviu". E, então, restaura-se a harmonia;  e, então, poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus.




Neri de Paula Carneiro

sábado, agosto 29, 2020

Em troca de sua vida

“Que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26) A pergunta de Jesus pode ser um norte para nossa vida. Afinal, o que vale a nossa vida? Qual o preço de uma vida?

A liturgia deste vigésimo segundo domingo do tempo comum está nos propondo refletir o sentido da vida. E uma resposta para essa indagação que fundamenta a vida não sai das palavras que podemos proferir, mas do rumo que empreendemos à nossa existência. De uma forma mais poética: o sentido da vida pode ser expresso nos passos que direcionam nosso caminhar.

Essa indagação é tão fundamental para a condução da vida que Paulo, dirigindo-se aos romanos (Rm 12, 1-2), os convida a redimensionar a vida: “eu vos exorto” (Rm 12,1), dia o apóstolo.

Exorta a quê?, poderíamos perguntar. A se oferecer a Deus, nos responde o apóstolo: “a vos oferecerdes em sacrifício vivo”. Só lembrando que sacrifício não é um ato ou situação de sofrimento, mas de entrega a Deus. O sacrifício vivo é, portanto, a entrega total a Deus,

Por que o apóstolo faz essa exortação? O raciocínio é simples: o apóstolo orienta a comunidade porque a comunidade de Roma não está se comportando em consonância com o plano de Deus, como seria de se esperar dos seguidores do Cristo, como ensinam os livros sagrados e os evangelhos. Por isso a exortação, ou seja, a orientação do apóstolo à comunidade dos romanos – e a nossa também: “Não vos conformeis com o mundo” (Rm 12,2). E aqui vale o mesmo princípio. Se a orientação é para não se conformar com o mundo é porque a comunidade está conformada. Então, em quê consiste esse “conformar”.

Inicialmente pode-se entender como aceitação. Uma pessoa que está triste por ter perdido algo, ao se conformar, aceita essa perda. Mas, parece que a intenção do apóstolo vai um pouco além: conformar, pode ser entendido, também, como entrar na forma, no jeito de ser. Assim, “não se conformar com o mundo” significa não deixar que o mundo direcione nossa vida. Conformar-se nada mais é do que viver não mais com os valores cristãos, mas com os valores do mundo. E isso não é para acontecer, diz o apóstolo. O cristão, portanto, não se deve deixar dominar pelo mundo, mas ser sinal para o mundo.

Dessa forma, também, não se conformar, ou seja, não se deixar levar pelos valores do mundo, significa, segundo Paulo, transformar-se e renovar-se. “Transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar” (Rm 12,2). Mas isso com que finalidade? Com a finalidade de “distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom” (Rm 12,2). Isso significa que o apóstolo sabe que a comunidade sediada em Roma – e hoje também a nossa comunidade – não está seguindo a vontade de Deus; não está fazendo o que é bom; não está fazendo o que lhe agrada e é perfeito… por não estarem fazendo nada disso é que o apóstolo os exorta – e também a nós – a fazer essas coisas. Se já estivessem fazendo isso, não haveria necessidade dessas orientações. Eis, portanto, um sentido para a vida: encontrar a “vontade de Deus”, realizar “o que é bom”.

A busca pelo sentido da vida e do viver, pode ser notada na curva da vida, em Jeremias (20,7-9). O que vemos acontecer com o profeta, seguidamente ocorre conosco, frente as dificuldades. A tendência, para quase todos nós, é nos abatermos; fraquejarmos diante das adversidades. É a postura de Jeremias (20,7-9). Num primeiro momento a euforia: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte” (Jr 20,7). Mas, em seguida, vem a recaída diante das dificuldades: “A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e gozação” (Jr 20;8) e por esse motivo, diz o profeta, “nunca mais hei de lembrá-lo, não falo mais em seu nome!” (Jr 20,9).

Mas essa postura de afastamento, de descompromisso, não dura muito, pois o fogo da Palavra mobiliza e o profeta reconsidera sua atitude. “Parecia haver um fogo a queimar-me por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei aguentar, não fui capaz.” (Jr 20,9). Ele sabe que só no Senhor está a paz e o bem. No Senhor está o sentido da vida.

Por fim, ninguém melhor do que Jesus para, não só dizer, mas mostrar o sentido da vida. Jesus demonstra que para entender o sentido da vida, é necessário entender o sentido da dor. Por isso ele deve “ir à Jerusalém e sofrer muito” (Mt 16,21). Mas Pedro não entende isso, e se contrapõe ao plano do Mestre. “Deus não permita tal coisa” (Mt 16,22).

Pedro ainda não havia entendido que o sentido da vida é a entrega. Por estranho ou paradoxal que possa parecer, Jesus afirma – e demonstra com sua entrega – que as coisas dos homens não são coisas de Deus (Mt 16,23); que a renúncia de si é condição para o seguimento (Mt 16,24). Mostra que para ocorrer a salvação da vida é necessário entregá-la (Mt 16,25). Mostra que o mundo vale menos que a vida (Mt 16,26) e, finalmente, assegura que a entrada no Reino depende da conduta de cada um, e em seu retorno glorioso “retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.” (Mt 16,27).

Aqui está o sentido da pergunta: Que é necessário para ganhar a vida gloriosa? O que “dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26). É necessário dar a vida! A vida gloriosa é o sentido desta vida.




Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, agosto 21, 2020

E vós?

O Senhor cobra um posicionamento daqueles que o cercam, que dizem ter fé, que são seus anunciadores, que são seus emissários. Daqueles que se dizem cristãos, que frequentam os templos e recitam orações. A esses, a nós todos, o Senhor faz a pergunta decisiva: “quem Sou Eu, para você?”

Refletindo sobre as leituras que a liturgia deste vigésimo primeiro domingo do tempo comum nos propõe, somos apresentados a este questionamento. E se o questionamento nos é feito, de nosso lado somos convidados a dar uma resposta. Da mesma forma que o Senhor nos questiona, cabe também a nós colocarmo-nos diante da pergunta: “quem é Deus, para mim?”

Fazendo uma leitura atenta da profecia de Isaías (22,19-23), notaremos que o Senhor está descontente com o ministro Sobna, administrador do palácio real. Mas por qual motivo o Senhor está irritado com essa pessoa? Porque a ele coube dirigir uma parcela do povo de Deus, mas não estava cumprindo com essa missão. E por isso foi substituído por alguém mais dedicado às necessidades do povo. Um novo líder que “será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá.” (Is 22,21). Essa missão em favor do bem do povo é atribuída a todos, mas de modo especial e com mais intensidade, essa é a missão de todos aqueles que são revestidos de alguma autoridade.

Todos os que detêm um poder ou uma autoridade, tem a obrigação, moral e religiosa, de converter esse poder em bem estar para o povo. Caso a autoridade não o faça isso, deve ser destituída do poder. Esse foi o exemplo ensinado pelo Senhor

Paulo, na carta aos Romanos (11,33-36), acrescenta um novo motivo pelo qual cada um de nós e, principalmente aqueles que são revestidos de alguma autoridade, devemos nos colocar a serviço de todos. O apóstolo nos informa: “tudo é dele, por ele, e para ele” (11,36). isso significa que, se tudo pertence ao Senhor, não temos direito de profanarmos a obra de Deus: sua criação e as pessoas (a natureza a nós doada, não por nossos méritos, mas pela grandeza da graça do Pai, deve ser reverenciada; as pessoas, nossos semelhantes, merecem de nós aquilo que nós gostaríamos de receber deles!). Portanto, se tudo pertence ao Senhor, quem somos nós para agredirmos essa obra? Com que direito concentramos poderes e riquezas enquanto milhares de pessoa passam dificuldades?

Não é diferente aquilo que Jesus afirma. Nas palavras de Jesus, segundo o evangelho de Mateus (16,13-20) a orientação sobre a postura de todos nós nasce de duas indagações: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). E os discípulos informam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas.” (Mt 16,14). Ou seja, as pessoas, mesmo aqueles que estão próximas dos ensinamentos, ainda não conhecem o Senhor.

Deus sabe quem é, o que se propõe e qual sua proposta para as pessoas. Mas também deseja que lhe apresentemos uma resposta decisiva. Por isso Jesus é incisivo na outra indagação: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).

E assim voltamos à indagação inicial: “quem é Deus, para mim?”

É evidente que todos nós responderemos: “É meu salvador!”; “É a razão de meu existir!”; “É a luz da minha vida!”; “Deus é tudo para mim!”… Mas, muito além daquilo que podemos dizer: “quem é Deus, para mim, não em meu discurso, mas em minha vida?”

E a verdadeira resposta não nascerá nem se apresentará em palavras por meio de um belo discurso… Tudo que se possa dizer, pode ser apenas para cumprir com as convenções, para manter as aparências, para satisfazer as ambiguidades de cada um.

A verdadeira resposta, não está nas palavras, mas nos comportamentos. Eu, e você também, externaremos nossa resposta com nossas atitudes.

Talvez por isso, quando Pedro disse que Jesus é “o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), tenha recebido o poder das chaves (Mt 16,19, da mesma forma que fora prometido a Eliacim, na profecia de Isaías 22,22). Ou seja, aquele que reconhece Jesus, recebe, também uma autoridade… e uma missão: ser ponte!

Resta, talvez, uma última indagação: por que Jesus pede segredo em relação àquilo que Pedro revelou? “Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.” (Mt 1620).

Uma possível resposta, que também depende de nossa postura, é que Jesus continua fazendo a pergunta a cada pessoa. E espera de cada um a sua resposta pessoal e existencial. Uma resposta que vai além das palavras para se manifestar nas atitudes.

A cada instante Jesus nos dirige a pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”

Qual vai ser a tua resposta?

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, agosto 14, 2020

Realizou-se a salvação

Celebramos hoje a Assunção de Nossa Senhora. Dessa forma, o centro da liturgia que, neste domingo, correspondente ao vigésimo do tempo comum, converte-se numa solenidade com tonalidade de esperança.

Isso é o que nos mostra o livro do Apocalipse (11,19a; 12,1-6a.10ab). O conjunto das dificuldades, simbolizados no perigo do dragão diante da mulher que está para dar a luz (Ap 12,1) é superado justamente com o nascimento da criança. A vida nova, o Filho de Deus, não só representa uma promessa, como também uma esperança. Por isso, Deus arrebata a criança para junto de si. É a esperança de superação das dores do dia a dia.

O poder destrutivo do dragão da maldade, (Ap 12,4) torna-se impotente diante do poder salvífico de Deus. E assim, o Filho que veio para guiar os seres humanos; o “filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro” (Ap 12,5) nasceu em segurança. E isso se torna uma promessa e um sinal de esperança.

Até mesmo sua mãe recebeu a proteção divina pois, “a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). O lugar preparado para ela, é o seio de Deus, na festa da Assunção.

Vendo que a mãe e o filho estão protegidos, o anjo protetor pode anunciar: "Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo" (Ap 12,10).

A mãe e a criança, arrebatados, protegidos pelo poder de Deus indicam o caminho para nós preparado: o caminho para o convívio com Deus.

A mulher protegida por Deus tem uma dupla representação: primeiro representa a Igreja, o povo de Deus a caminho que se ampara e protege sob a sombra do poder divino; e também representa a mãe, Nossa Senhora, que hoje celebramos porque a acreditamos junto de Deus. E nisso consiste nossa esperança: da mesma forma que Jesus voltou para junto do Pai, na sua vitoriosa ressurreição, assim também, convidou e levou para junto de si aquela que mereceu carregá-lo no ventre, após cumprir sua jornada terrena. Ela nos antecedeu por seus méritos e pelos méritos da graça divina.

E a esperança consiste justamente nisso: a morte não é o fim, mas, podemos dizer, um momento de transição desta vida para a vida definitiva junto ao Pai.

Isso nos ensina Paulo, na primeira carta aos coríntios (15,20-26.28). Diz o apóstolo que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1 Cor, 15,20). Ele é o primeiro, porque nos está indicando o caminho. O caminho que Ele percorreu e por onde levou a mãe.

E o apóstolo diz isso como a dizer que a vida no mundo é importante, sem dúvida, mas a morte não é menos importante, pois é por ela que se chega ao Pai. O próprio Cristo, para retornar ao Pai, passou pela morte. Como ensina o apóstolo: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1 Cor, 15,23).

Mais um sinal da esperança, anunciada na liturgia de hoje é a vitória sobre a morte “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15,26). com a morte da morte haverá plenitude de vida.

Nossa Senhora é o modelo da vitória da vida sobre a morte. E a solenidade da Assunção de Nossa Senhora, nos indica esse caminho. Ao passar pelo portal da morte, da mesma forma que a mãe do Senhor, seremos assumidos pela Trindade Santa no reino definitivo. Assim, podemos dizer que Nossa Senhora é a precursora, foi chamada ao céu para nos dizer e indicar o caminho que devemos seguir.

E qual é o caminho indicado pela Senhora Assunta ao Céu? Pode ser lido no programa de vida apresentado por Maria, ao visitar Isabel, como nos indica a perícope de Lucas 1,39-56. Maria, uma adolescente prestes a dar a luz, enfrentando suas dificuldades, não exitou em pegar a estrada para ajudar Isabel. A vida em favor do outro: esse é o sentido da vida.

Maria sabia disso de forma plena. Essa plenitude está expressa em sua exclamação: “O Poderoso fez por mim maravilhas e Santo é o seu nome!” (Lc 1,49). As maravilhas não são somente em favor da Mãe. Estão, também, à nossa disposição.

Além disso, a esperança se manifesta numa prática de justiça e equidade. O senhor que faz maravilhas, em favor dos que o temem – e praticam suas obras – porque “derruba os orgulhosos”; “exalta os humildes”; “sacia os famintos” (Lc 1,51-53).

Maria como modelo, por suas virtudes; Maria como precursora, por suas ações; Maria como sinal de esperança, porque não só carregou Jesus no ventre e nos braços, mas porque intercedeu em favor dos menos favorecidos. E, nossa esperança nos diz, continua atuando como nossa intercessora, como “advogada nossa”. Também por meio de Maria, Deus realizou e continua oferecendo a salvação.




Neri de Paula Carneiro

quarta-feira, agosto 05, 2020

Por que duvidaste?

Um convite à confiança. Podemos dizer que essa é uma das propostas que Deus nos faz, neste 18º domingo do tempo comum.

Comecemos analisando o panorama que as leituras nos apresentam: Elias (1 Rs 19,9a.11-13a) está escondido numa gruta. Paulo (Rm 9,1-5) confessa uma tristeza e Pedro, o fundamento da Igreja (Mt 14,22-33), assusta-se com o vento e as águas.

Por que essas cenas nos são apresentadas? Para nos lembrar da necessidade de confiança depositada no Senhor.

E nós, como nos posicionamos diante de Deus e de seu convite? Nos escondemos? Lamentamos as dores? Temos medo de submergir nas tempestades da vida? Ou confessamos, com nossa vida e nossos atos, diante de Jesus: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33)?

Não é demais nos perguntarmos o porquê de Elias estar se escondendo; de Paulo estar angustiado e de Pedro estar afundando.

No primeiro livro dos Reis Elias é um dos personagens mais importantes. Tanto que é perseguido pelo rei, após ter eliminado os falsos profetas. Venceu-os em nome de Deus, mas temeu perder a vida pela ira do rei. Por isso o encontramos escondido numa gruta onde é localizado pelo Senhor. Só que o Senhor não se manifestou em nenhum dos terríveis fenômenos da natureza. Passaram o vento forte (tempestade), o terremoto e o fogo. Mas nada disso foi capaz de manifestar a presença de Deus (1 Rs 19,12-13)

O Senhor não se deu a conhecer no medo nem na insegurança. Somente no “murmúrio” da “brisa leve” Elias reconheceu a presença de Deus e, por isso, “cobriu o rosto” (1 Rs 19,13). Somente ao reconhecer o Senhor teve coragem de sair da gruta. Fugiu ao sentir medo, mas foi capaz de sair porque confiou.

E nós, em que situação reconhecemos o Senhor, para sairmos de nossos esconderijos? Ou, antes disso, o que nos assusta ao ponto de fazer com que entremos no esconderijo?

Podemos até ter feito grandes coisas em nome de Deus, como Elias, mas se não tivermos confiança absoluta no Senhor, Ele não se manifestará a nós na mansidão. Se não confiarmos absolutamente em sua graça, nós o confundiremos com os fogo, o vento ou o terremoto.

Com Paulo não é diferente. Está angustiado, pois seus irmãos israelitas não aderiram a Cristo. Reconhece que “a eles pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas” (Rm 9,4). Entretanto, também para o apóstolo, é a confiança que lhe permite reconhecer em Jesus aquele que havia sido prometido aos antigos. Mas que só pode ser reconhecido mediante um ato de fé. Numa profissão de confiança o apóstolo reconhece que Cristo “está acima de todos”. Ele é o “Deus bendito para sempre” (Rm 9,5).

E nós, reconhecemos o Cristo, o prometido, na pessoa de Jesus de Nazaré? E se reconhecemos, porque ainda não mudamos nossos comportamentos?

Que dizer, então de Pedro?

Um homem que conviveu com Jesus; viu o milagre da partilha; ouviu de Jesus a afirmação: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27) e tendo recebido o convite para ir ao encontro de Jesus (Mt 14, 29)… teve medo!

A falta de confiança, de Pedro, o estava fazendo afundar. Num rompente de coragem ele havia descido da barca. Mas isso parece ter sido muito mais um gesto ditado pela empolgação do que pela confiança. A empolgação não é um ato de fé.

Em Pedro o ato de fé se expressou no auge do desespero. Somente expressou sua confiança quando sentiu que estava afundando (nas águas e na vida), por isso o desespero. Somente quando “sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me!'” (Mt 14,30) ...somente nesse momento pode ser salvo. Não sem antes ter ouvido de Jesus a recriminação: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).

Como estão navegando as barcas de nossas vidas? Quais são os ventos que estão nos levando para o fundo das águas do mar da vida? Estamos vendo Jesus sobre as águas, ou apenas um fantasma? (Mt 14, 26).

É possível superar as dificuldades. É possível vencer os medos. É possível enfrentar os dissabores e as dúvida e as incertezas… mas isso só será possível quando houver entrega absoluta, para não mais ouvirmos: “por que duvidaste?” Isso é possível se mantivermos a mesma atitude daqueles que estavam no barco e formos capazes de dizer, não só com palavras, mas com o gesto de nossa vida: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”

Neri de Paula Carneiro

quinta-feira, julho 30, 2020

Vinde

O que Deus está nos propondo neste 18º domingo do tempo comum?

A resposta, se a quiséssemos de uma forma rápida e simplificada, seria dizer que o Senhor nos apresenta uma descrição do Reino de Deus, instalado entre os seres humanos.

Mas, a curiosidade humana nos leva a perguntar: em que consiste esse Reino?

Essa resposta foi-nos apresentada ao longo dos três domingos precedentes, nos quais líamos o capítulo 13 de Mateus. Ali Jesus nos descrevia o Reino, mediante parábolas.

Agora a liturgia nos convida a um passo a mais. Nos convida a olhar por dentro do Reino apresentado por Jesus.

Como sempre, trata-se de uma proposta. É como se Deus dissesse: “Isto é o que tenho para lhe oferecer!” Esta proposta vem na forma de uma ilustração do Reino! É como se olhássemos o Reino por dentro, depois dele consumado, instalado, entre nós.

Aos que aderem a essa proposta, Paulo, na carta aos Romanos (8,35.37-39), apresenta a força dessa promessa, com uma pergunta: “Quem nos separará?” (Rm 8,35). Aqueles que aderem à proposta, mesmo passando por dificuldades, perseveram, pois “Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37). Jesus é a força e nos dá força para perseverarmos; para nos mantermos fiéis ao Reino.

Àqueles que ainda estão em dúvida, Isaías (55,1-3) convida: “Vinde” (55,1.3). Diante da sede ou da fome o profeta apresenta o convite do Senhor: “vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem necessidade de pagamento” (Is 55,1).

Notemos que o apóstolo e o profeta nos apresentam um primeiro retrato do Reino: superação das dificuldades e satisfação das necessidades.

É claro que cada um de nós, individualmente, pode se recusar a entrar nesse Reino. Mas para aqueles que aderem à proposta, que respondem “Sim, eu vou”, “Sim, eu quero”, o Reino nos é apresentado em sua plenitude.

Aos que aderem à proposta do Reino, Paulo diz que nada “será capaz de nos separar do amor de Deus por nós” (Rm 8,39). E isso por um motivo simples e quase evidente: Deus não quer que ninguém se perca; Deus não quer o sofrimento; Deus não quer as dificuldades. A proposta do Reino é superação e satisfação plenas e de forma definitiva.

Mesmo que enfrentemos as piores dificuldades, e o apóstolo faz uma breve lista delas, “Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada?” (Rm 8,35), Deus nos dará a força necessária para a superação e, antecipadamente, já podemos comemorar a vitória, pois “em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37).

Nascemos para a vitória sobre os dissabores, neste mundo; e na instalação do Reino receberemos as recompensas. Por isso, o profeta insiste no convite do Senhor: “Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida; farei convosco um pacto eterno” (Is 55,3)

Outra amostra do Reino é a prática de Jesus, como nos mostra Mateus (14,13-21). Ele tem “compaixão” (Mt 14,14) e por isso cura e dá o alimento (Mt 14,19), com fartura (Mt 14,20).

Mas qual é a novidade desta imagem do Reino?

Talvez o fato de que sua instalação depende de nós! Talvez por isso sua apresentação em algumas etapas: a primeira é o fato de ser gratuito, é dom. Deus o oferece gratuitamente. Mas é um dom que tem que ser buscado: as multidões “saíram das cidades e o seguiram” (Mt 14,13). Certamente muitas outras pessoas havia nas cidades, e não seguiram Jesus, nem foram por ele curadas nem alimentadas. Mas quem o buscou recebeu o que buscava. Ou seja, o Reino está à nossa disposição, mas nós temos que desejá-lo, seguindo o mestre. Ele é dado para aquele que o procura.

Outra etapa é o fato de que o reino se instala pela mediação humana. Evidentemente Jesus poderia ter alimentado a multidão com seus próprios meios divinos. Mas à multidão faminta, Jesus envia os discípulos. Por seu lado, querendo desfazer-se do problema, os discípulos pretendem dispensar a multidão: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (Mt 14,15).

Outro aspecto está no fato de Jesus mostrar que a solução dos problemas não ocorre pela sua rejeição ou quando o passamos adiante, para que outro resolva. O reino exige comprometimento com o outro. Por isso Jesus não aceita a solução fácil e diz aos discípulos: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Mas tem outro ingrediente: é necessário dar o que se tem. Era quase nada, mas havia algo a oferecer: “Só temos” (Mt 14,17).

A próxima etapa é o fato da organização. “Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama” (Mt 14,19). Na balbúrdia e cada um buscando seu próprio interesse, não há possibilidade de se alcançar o bem comum. A multidão, organizada e buscando objetivos comuns, torna-se Igreja.

Havendo busca, por parte do ser humano, havendo a mediação de uns intervindo em favor de outros, havendo comprometimento e organização, o passo seguinte é a oração. Tendo o povo se organizado, concretiza-se a imagem definitiva do reino. Aí, então, Jesus “pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães” (Mt 14,19).

A supressão das dificuldades, o compromisso com o outro, é o objetivo. E, àquele que busca, o Senhor convida: pelo profeta “Vinde”; pelo mestre “Vinde benditos de meu pai” (Mt 25,34).

Neri de Paula Carneiro

domingo, julho 19, 2020

Dou-te um coração

Deus está fazendo uma oferta a Salomão e, por extensão, também a nós, neste 17º domingo do tempo comum. Salomão fez sua escolha (1 Rs 3,5.7-12). E nós, qual será nosso pedido?

Numa situação destas, com certeza, muitos de nós agiríamos como se estivéssemos diante do "gênio da lâmpada", na história das “Mil e uma noites”. Lá o “gênio da lâmpada” concede três pedido, ao ser libertado. Como o Senhor Deus é muito melhor e mais benevolente que o gênio, oferece uma oportunidade mais ampla: “pede o que desejas” (1 Rs 3,5), sem limites de quantidade de pedidos, pois nesse "pede o que desejas" está implícito um "tudo". Portanto Deus está dizendo: "Pede TUDO que desejas"

Diante de uma oportunidade dessas, a maioria de nós pediríamos: dinheiro, saúde, longevidade…. Alguns ainda pediriam poder… e, em muitos casos, a ruína dos inimigos…

Diante da oferta do Senhor, Salomão não pensou primeiro em si. Penou em seu povo. Pensou em sua responsabilidade diante desse povo. Pensou no outro.

E nisso está o valor da decisão de Salomão. Podendo pedir tudo, o jovem rei nada pede em benefício próprio. Pede algo em favor dos outros. E ele recebe, mas para o uso em favor do outro: seu povo. Seria isso uma lição para nossas lideranças políticas?

Em vez de se vangloriar por ser um jovem rei, reconheceu sua inexperiência: “eu não passo de um jovem, que não sabe comandar” (1 Rs 3,7). Essa postura, confessando a pequenez, mostrou sua grandeza. E essa condição foi a a condição de seu pedido: “Dá, pois, a teu servo um coração que escuta para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal”(1 Rs 3,9).

O tamanho da oferta do Senhor é a medida do coração de quem faz o pedido. Por esse motivo, ao dar o que Salomão pediu, um coração compreensivo, o Senhor lhe concede além do desejado: Concede sabedoria, riqueza e glória. O Senhor lhe informa: “Vou satisfazer o teu pedido; dou-te um coração sábio e inteligente” (1Rs 3,12). E se continuarmos a leitura veremos o alcance dos dons divinos. “E também o que não pediste, eu te dou: riqueza e glória” (1Rs 3,12).

Qual a explicação para a postura de Salomão e para a resposta de Deus?

A explicação nos vem da carta ao Romanos (8,28-30). Paulo, da mesma forma que Salomão, não queria algo para si. Deu-se, completamente, à comunidade. Em vários momentos, nas várias cartas paulinas, podemos ler a afirmação do apóstolo, dizendo que está completamente a serviço do evangelho e, portanto, da comunidade. Em razão desse ministério ele, acima de tudo, sabia que “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação” (Rm 8,28).

O dom de Deus é sempre infinito, cabe a nós acolhê-lo. Quem o acolhe é porque ama a Deus e manifesta esse amor na doação aos outros. Na doação aos irmãos. Na entrega em favor da comunidade.

Assim o fez Salomão, pedindo em favor do povo. Assim o fez Paulo, explicando que os dons são concedidos “aqueles que Deus contemplou com seu amor”. Esses são chamados a “serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,29). Essa multidão de irmãos Deus “chamou”, “tornou justa” e, principalmente, “glorificou” (Rm 8,30).

A proposta divina do chamado, da justificação e da glorificação é como que o destino ou o objetivo da humanidade. A proposta é para todos, mas não são todos que optam por responder ao chamado, por assumir a tarefa de se tornar justo e, como consequência, receber a glória dos céus. A glória de poder participar do Reino dos Céus.

Mas Jesus insiste na explicação e no convite-oferta-chamado para o Reino. Ele, no desejo de que a multidão opte pelo reino (Mt 13,44-52) o apresenta, dizendo o que é “reino dos céus”. O reino é: “um tesouro escondido” (Mt 13,44); é “uma pérola de grande valor” (Mt 13,46); é “uma rede lançada ao mar”.

O reino é uma proposta de Jesus. Da mesma forma que a Salomão é feita uma proposta (pode pedir) e da parte de Paulo vem o chamado, de Jesus vem o convite para fazer uma escolha. Sabendo o que é o reino, ou sabendo do seu valor, Jesus convida à opção. E diz o que ocorrerá no final do período das escolhas: “Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos” (Mt 13,49).

Os maus serão descartados.

Os bons, já em vida, farão as obras do Senhor, como “discípulos do reino dos céus” (Mt 13,52) e depois merecerão o Reino que é um valor em si mesmo. Mas para merecê-lo o “discípulo do Reino” tem que estar voltado para o outro. Com o coração no outro. Um coração compreensivo. E, então, fazendo para o outro, ouvirá de Deus: “Dou-te um coração sábio”.

Em que consiste a sabedoria? Em fazer para o outro… Como anda o teu coração?
Deus está te fazendo uma oferta. O que você vai escolher?




Neri de Paula Carneiro

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...