sexta-feira, abril 29, 2022

Páscoa: Obedecer a Deus, não aos homens

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 21,1-19)



Quais as consequências daquilo que falamos ou do que fazemos?

A indagação tem razão de ser, pois tudo que dizemos ou fazemos tem repercussão: positivas ou negativas…grandes ou pequenas! Mas sempre tem consequência, reações… O que fazemos repercute de alguma forma ou em algum lugar, sobre algo ou sobre alguém!

A consequência da vida de Jesus,do que fez e ensinou, foi sua morte na cruz (At 5,27b-32.40b-41); a consequência ou o resultado de sua morte foi nos mostrar o caminho da ressurreição além de receber todas as honrarias na corte celeste (Ap 5,11-14). A consequência da pregação dos apóstolos foram as perseguições e dores que sofreram, mas graças a isso também puderam contemplar o Ressuscitado (Jo 21,1-19) e aprender dele a última lição da partilha.

Os apóstolos, ao anunciar que o crucificado ressuscitou, foram perseguidos, presos e torturados (At 5,40). Mas seu anúncio resultou na adesão de muitas pessoas que passaram a acreditar na afirmação de que por trás daquele nome estava uma mensagem salvadora. Uma mensagem redentora. Uma mensagem que conduzia a uma nova vida. Uma mensagem capaz de curar o corpo e a alma. Ou seja, a consequência da pregação dos apóstolos produziu um redirecionamento na vida de muitas pessoas.

E isso foi possível porque os apóstolos optaram por Jesus e preferiram ouvir não aos homens, não aos sacerdotes assassinos, mas a Deus que ressuscitou Jesus, o Deus da vida! “Então Pedro e os outros apóstolos responderam: É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens” (At 5,29). Atender ao apelo daqueles que representavam o poder estabelecido, implicaria em seguir os caminhos da morte; os caminhos da tortura. Implicava em apoiar aqueles que torturaram e mataram Jesus. Os caminhos daqueles que assassinaram Jesus e não atendiam aos apelos, anseios e necessidades do povo.

E, ainda hoje, seguir a Jesus implica não só renunciar aos disseminadores de maldade e falsos pregadores que denigrem a imagem de Jesus, mas também denunciá-los como representantes das forças do mal, da morte. Qualquer líder (religioso ou político…) que valoriza mais o dinheiro, as aparências, o poder, o status… em detrimento das pessoas e suas vidas, efetivamente representa as forças que mataram Jesus; essa pessoa está usurpando o lugar de Deus. E se existe quem mereça louvor, honra, glória… é Deus. Se existe quem realmente é poderoso, esse é o Senhor que concede a vida. “Ouvi também todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe, e diziam: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre” (Ap 5,13).

E isso podemos comprovar observando a atitude de Jesus. Passou a vida mostrando que só Deus é o centro de tudo. Morreu por testemunhar que Deus opta pelos excluídos.Passou a vida mostrando que as ações de Deus ocorrem como amparo aos pequeninos. E depois, quando ressuscitado, não se apresentou com pompa nem com alarde. Pelo contrário, deu-se no pão e no vinho. Entregou a força do Espírito de Vida. Compartilhou pão e peixe, na beira do mar…. “Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. Jesus disse-lhes: Trazei alguns dos peixes que apanhastes (Jo 21, 9-10).

Observando tudo isso somos levados a entender que Jesus alimenta um prazer que lhe confere alegria: seu prazer é receber a oferta e a vida das pessoas. As pessoas podem oferecer a Deus sua própria vida. E isso gera sua alegria que é vivenciar e incentivar a partilha… Ele poderia dar pão e peixe aos pescadores, mas preferiu dar do que tinha e, ao mesmo tempo, receber o que os pescadores podiam oferecer!

E isso nos leva de volta à afirmação de Pedro, diante dos sacerdotes que entregaram Jesus à morte. Os mesmos que agora estavam perseguindo os seguidores de Jesus; os mesmos que tentaram impedir que a mensagem salvadora se propagasse. Diante desses falsos pregadores Pedro não teve dúvidas em fazer a denúncia e estabelecer os critérios a partir dos quais se pode observar as consequências: “Pedro e os outros apóstolos responderam: 'É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados.” (At 5,29-31)

Então, a quem ouviremos? E é importante saber a resposta, pois dela nascem consequências. O que falaremos? Também a isto temos que dar uma respostas que seja expressão de nossa vida. Mas o fato é que a Palavra Santa nos orienta, pelas palavras de Pedro: É preciso obedecer a Deus e não aos homens… e, fazendo isso, teremos consequências que abrem caminhos para a vida!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Os africanos no Brasil

A partir do descobrimento, os portugueses iniciaram o processo de ocupação do Brasil. Entretanto a colonização efetiva começou com as capitanias hereditárias e o cultivo da cana na região do atual Pernambuco.

Para esse processo colonizador, os portugueses apelaram, inicialmente, para a mão de obra indígena. Mas por várias circunstâncias tiveram que mudar a estratégia.

Começou uma das mais tristes e sombrias paginas de nossa história: o tráfico negreiro.

Os portugueses que já exploravam regiões da África passaram a trazer para o brasil pessoas capturadas naquele continente. Da mesma forma que já faziam em Açores e Cabo Verde, por exemplo.

Desde o início da colonização os portugueses valeram-se da exploração coercitiva da mão de obra. Dessa forma os africanos trazidos para o Brasil não tiveram outro destino: foram feitos escravos. Mas isso somente foi possível porque africanos e portugueses já conheciam a prática escravocrata. De seu lado os lusitanos já escravizavam africanos em suas colonias nas ilhas atlânticas. Os africanos, por sua vez, praticavam a escravidão em diferentes situações. Os portugueses se aproveitaram disso, incentivaram e tiraram proveito dessa característica da cultura africana, radicalizando-a

Prisioneiros de guerra, endividados, condenados pela justiça, entre outras eram algumas das condições pelas quais os povos africanos escravizavam concidadãos. Explorando essas condições, principalmente estimulando a guerra entre povos e nações africanas, os portugueses mantiveram uma fonte inesgotável de pessoas a serem escravizadas.

Não só a prática da escravidão, mas todo o processo era altamente desumano. Não só o trabalho forçado, mas os castigos físicos; não só as condições de transporte, nos navios negreiros, eram desumanas como a alimentação era escassa. O fato é que todos esses maus tratos provocavam muitas mortes na captura, no transporte e nas condições de trabalho dos escravizados.

O fato é que, ainda nos dias atuais, a mancha da escravidão encobre a possibilidade do brilho de nossa história, feita de lutas, dificuldades e vitórias.......

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, abril 22, 2022

Páscoa: Muitos sinais e maravilhas

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19-31)




O livro dos Atos dos Apóstolos (5,12-16) nos informa que “Muitos sinais e maravilhas eram realizados entre o povo pelas mãos dos apóstolos”.Ou seja a fé no Ressuscitado estava em expansão e isso oferecia aos apóstolos oportunidade para demonstrar a força da fé.

A fé que levou o autor do apocalipse (1,9-11a.12-13.17-19) a redigir a mensagem do Ressuscitado. Mensagem pela qual aquele que é o Primeiro e o Último afirma ser o Senhor da vida e da morte. Aquele que pode dizer: “Estive morto, mas agora estou vivo para sempre”. E está vivo para mostrar o caminho da vida para aqueles que acreditam no Senhor Jesus.

Por sua vez, o Senhor Jesus manifesta-se aos seus para lhes dar o poder do Espírito (João 20,19-31). E, ao fazer isso ensina que a fé não pode se basear nos sinais, mas que deve ser desenvolvida em vista do testemunho. Por isso recrimina quem pede provas para crer: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” O que implica dizer que toda crença que se baseia nos milagres não é fé, pois bem aventurado são os que acreditam sem ver! Além disso, os sinais falam por si mesmos, sendo desnecessária a fé.

Tudo isso nos permite concluir que o tempo pascal nos coloca diante de uma indagação: somos pessoas de fé? E, se temos fé, em que ela se baseia?

Ofato é que os apóstolos, anunciando a mensagem do Ressuscitado atraiam a atenção de tantos que os ouviam. Esse era o principal sinal e a maior maravilha realizada pelos apóstolos. Suas palavras, anunciando a vida, fazia com que crescesse “o número dos que aderiam ao Senhor pela fé; era uma multidão de homens e mulheres” (At 5,14). Uma multidão que encontrava nessas palavras de vida a única esperança que ainda lhes restava. Por isso traziam seus enfermos: para o último alento. E isso não era negado pelos apóstolos… pelo contrário, era oferecido sem custos, diferente do que fazia a religião oficial e diferente do que fazem muitos credos atuais. As maravilhas do Senhor eram dons da pura Graça do Senhor e eram concedidas pelas mãos dos apóstolos não em troca de algum pagamento ou benefício, mas em resposta à um ato de fé!

Mas essa adesão à fé e pela fé, gerava desconforto. Gerava inveja. Gerava perseguição. Gerava dor e sofrimento.

Quanto maior era a adesão à nova fé, mais a religião oficial, que buscava recompensa financeira e defendia o poder estabelecido, promovia resistência e tribulações aos seguidores daquele que oferecia um novo e definitivo caminho. Para manter a alimentar a foi que o autor do apocalipse se apresenta como “companheiro na tribulação”.Apresenta-se como alguém que, em meio aos sofrimentos, foi arrebatado “por causa da Palavra de Deus e do testemunho que eu dava de Jesus” (Ap 1,9). Um arrebatamento que teve uma finalidade, estabelecida pela voz que lhe dizia: “O que vais ver, escreve-o num livro” (Ap 1,11).

Qual era a finalidade desse livro? Alimentar, ao mesmo tempo, a fé e a Esperança. Por isso que aquele que é o Primeiro e o Último diz: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos” (Ap 1,18). Então a mensagem é simples e definitiva: Aquele que está vivo tem as chaves para a vida. Só ele pode abrir as portas da vida. E fará isso para todos aqueles que acreditam não por que viram algo maravilhoso, mas mediante um ato de fé!

Vale ressaltar que o ato de fé não supõe os sinais e maravilhas, mas o contrário: os sinais são resultantes do ato de fé. A fé opera milagres e não o milagre gera fé. A fé que nasce do milagre, tem vida curta, pois termina com o fim do sinal.

Aqui é que entendemos o diálogo de Jesus e Tomé, o que diz só acreditar se puder ver. Mas aquele que acredita porque vê, não tem fé. O fato de ver, a presença da evidência, dispensa a fé. Por isso Jesus, além de lhe mostrar as mãos e pés trespassados, lhe diz quem são os bem aventurados: os que não precisam de sinais para crer. Esses que creem sem ter visto são capazes de realizar muitos sinais e maravilhas, pois são movidos pela fé.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sábado, abril 16, 2022

Sábado da Luz: Aquele que está vivo

(Reflexões baseadas em: Gênesis 1,1–2,2; Êxodo 14,15–15,1; Lucas 24,1-12)



A conclusão da Semana Santa ocorre num ambiente de Luz. E não podia ser diferente!

Depois de celebrar a completa entrega de Jesus, estamos celebrando as consequências ou o prêmio por tamanha doação: a Luz da Restauração da Vida.

A celebração da luz começa com o próprio ato criador, no livro do Gênesis (1,1–2,2), pois ao criar o céu e a terra, a primeira Palavra Criadora diz: “Faça-se a luz! E a luz se fez” (Gn 1,3).

Mas não só fez a luz, o Senhor, também entregou ao mundo algo que era bom, pois separava as trevas da luz. A luz, dom de Deus, é entregue para permitir ao ser humano construir coisas boas. Deus deu a luz como dom do Espírito iluminando as tomadas de decisões.

Mas também acompanhamos a Luz Protetora na cena do Êxodo (14,15–15,1), na caminhada para a Libertação.

A Páscoa dos Judeus se conclui com a travessia do Mar. Com a caminhada pelo deserto protegidos por uma nuvem que, para os hebreus era proteção e para os egípcios era assustadora.Posicionada entre os hebreus e seus perseguidores a nuvem divina tinha duas funções: “Para aqueles a nuvem era tenebrosa, para estes, iluminava a noite. Assim, durante a noite inteira, uns não puderam aproximar-se dos outros” (Ex 14,20).

Por meio dessa nuvem protetora o Senhor se posicionava em favor dos seus escolhidos. “O Senhor lançou um olhar, desde a coluna de fogo e da nuvem, sobre as tropas egípcias e as pôs em pânico” (Ex 14,24). Ou seja, a proteção divina se dá de forma luminosa. E, ao mesmo tempo, quando invocada pelo justo, a luz divina põe a perder as armadilhas dos maldosos, como o fez com os carros e soldados do Faraó. A luz divina “Livrou Israel da mão dos egípcios”. A luz do Senhor ao proteger seu povo alimentou a fé desse povo (Ex 14,30-31)

É assim a celebração da luz no sábado em que comemoramos a Ressurreição de Jesus: Deus dando seu Filho para redimir sua criação e mostrando o caminho da redenção por meio do ato da Ressurreição (Lucas 24,1-12).

As trevas cobriram o mundo quando as ações humanas proliferaram na geração da maldade. As nuvens tenebrosas afastaram as pessoas da prática do bem. As trevas estavam embaçando os olhos dos promotores do bem. As nuvens da maldade estavam se instalando entre as pessoas… e tudo isso estava afastando as pessoas do convívio divino. Toda a maldade humana estava afastando o ser humano de seu destino, que repousar no colo do Criador.

Por isso Jesus se fez Luz para todos. Para iluminar novos caminhos, Jesus recupera a vida e faz de sua vida Plena Luz para cada ser humano que o procura.

De dentro da escuridão do sepulcro, a Luz divina se reapresenta como plenitude de vida, re-entregando a vida ao autor da vida. E Jesus sai do túmulo não como um derrotado, mas como aquele que indica o caminho da vitória. O caminho da vitória da vida sobre a morte.

O caminho da vitória da vida começa a ser indicado com as mulheres chegando ao túmulo e o encontrando aberto.Elas “não encontraram o corpo do Senhor Jesus” (Lc 24,2-30. Não o encontraram porque ele estava vivo!

Em seguida elas viram a Luz divina na “roupa brilhante” dos dois homens que lhes comunicaram: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou” (Lc 24, 4-6).

E a indicação do caminho da Luz prossegue na postura das mulheres. Mesmo com medo elas se fazem mensageiras da vida. Mesmo sabendo-se fracas, levam a mensagem de vida. Mesmo estando mergulhadas na dor, recordam o que ouviram e se fazem as primeiras a anunciar que a nova vida é possível. Tão possível que Jesus as precedeu. Tão possível que Jesus está mostrando o caminho: “Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus. Voltaram do túmulo e anunciaram tudo isso aos Onze e a todos os outros (Lc 24, 8-9).

O caminho da nova vida, o caminho da luz, o caminho da redenção é esse percorrido pelas mulheres assustadas: anunciar que a morte foi derrotada. Anunciar que Jesus venceu a morte. Anunciar que Jesus está vivo.

Jesus é aquele que está vivo e mostra o caminho da vida para a Luz.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, abril 15, 2022

Paixão do Senhor: Tomou nossas enfermidades e sofreu nossas dores

(Reflexões baseadas em: Isaías 52,13–53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1-19,42)




Sabemos que a Semana Santa: a quinta, a sexta e o sábados perfazem o grande momento da vida de Jesus, no qual ele faz o coroamento de sua missão no mundo humano.

Por esse motivo, é claro que a Semana Santa é um tempo de recolhimento. É evidente que na Sexta Feira Santa somos convidados a intensificar o Jejum, a oração, a caridade… e todas as virtudes cristãs.

Pensando na concretização desse projeto foi que a Igreja assumiu a narrativa de Isaías (52,13–53,12), sobre o Servo Sofredor. E a Igreja faz isso justamente para mostrar que, se Jesus “entregou seu corpo à morte” não foi por ter fracassado em sua missão. Pelo contrário, ao fazer isso “ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores” (Is 53,12).

E, podemos dizer, Jesus é identificado com o Servo Sofredor não porque sofreu todas as humilhações e dores e castigos e foi abandonado pelos discípulos…. Claro que tudo isso produziu dores e ele sofreu por causa delas. Entretanto o Servo do Senhor é sofredor, antes disso, porque viu seu povo se afastando do Pai. É sofredor porque sofreu sabendo que as pessoas tinham tudo para viver em um mundo de paz, alegria e justiça… mas afastaram-se desse projeto e, ao se engajarem num projeto de morte, começaram a matar a santidade, ameaçaram a paz, destruíram a justiça, implantaram o pecado… e tudo isso faz o Servo sofrer.

Então o sofrimento do Servo, tem um significado. Ele sofreu porque “tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores”. O Servo sofreu “por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,4-5).

Assim sendo, se para nos resgatar, esse foi o preço pago pelo Servo Sofredor torturado pelos poderosos de seu tempo e na cruz, cabe a nós a postura de quem aceita essa redenção. Mas não um aceitar com palavras e orações vazias. Não com a ostentação da opulência e da riqueza. Não com a busca de privilégios e troca de favores, como é comum no jogo político, como narra João (18,1–19,42), na cena da condenação de Jesus.

Cena na qual Jesus foi condenado não por ser culpado de algo, mas por conta dos interesses políticos de seus acusadores: “Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam: 'Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César'. Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado 'Pavimento', em hebraico 'Gábata'. Era o dia da preparação da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: 'Eis o vosso rei!' Eles, porém, gritavam: 'Fora! Fora! Crucifica-o!' Pilatos disse: 'Hei de crucificar o vosso rei?' Os sumos sacerdotes responderam:'Não temos outro rei senão César'. Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.” (Jo 19, 12-16).

Olhando para tudo isso, para os jogos de interesses em nossa sociedade e para o desejo de Deus em nos purificar, cabe a nós corresponder sendo parceiros do Servo Ressuscitado na construção do mundo novo onde impera não não a maldade e exclusão mas a partilha solidária. Não os privilégios dos poderosos, mas justiça dos preferidos de Deus. Não os interesses dos torturadores que provocaram as dores do Servo Sofredor, mas a paz de quem sabe em quem confiar.

Isso porque, para nós, Jesus não é só o Servo Sofredor, mas é também o único mediador (Hebreus 4,14-16; 5,7-9) entre nosso mudo de maldades e o Reino definitivo. Esse mediador, que também nos representa é o próprio Filho que conheceu as dores humanas ao ser torturado. E por tê-las conhecido, as redimiu.

Isso nos diz a carta aos Hebreus: “Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” ( Hb 4,14-15).

Jesus, o Servo de Deus, continua sendo vítima dos torturadores atuais. Mas de uma vez por todas e definitivamente “tomou nossas dores” e assim “a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). Resta saber se vamos colaborar na obra da redenção e se estamos merecendo essa redenção mediante nossa e colaborando com a obra da salvação.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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terça-feira, abril 12, 2022

Lava Pés - Se eu não te lavar

(Reflexões baseadas em: Êxodo 12,1-8.11-14; 1 Coríntios 11,23-26; João 13,1-15)




A Semana Santa nos convida a diferentes reflexões. Uma delas pode ser feita a partir da celebração da Quinta Feira Santa: o “Lava Pés” (João 13,1-15).

Todos os anos revivemos os passos de Jesus, nos últimos dias de sua caminhada terrena. E também os últimos momentos, a partir do “Lava Pés”, na Quinta Feira Santa, quando Jesus surpreende os presentes, mais uma vez fazendo aquilo que ninguém esperava.

O“Lava Pés” é o momento no qual Jesus dá mais uma amostra de sua humanidade e de sua paixão pelas pessoas. E demonstra isso no gesto de lavar os pés dos discípulos. Algo completamente diferente da função do Mestre. Um gesto que o Mestre executa, justamente para ensinar mais uma lição! A lição de servir: Deus que se fez homem para ensinar o ser humano a servir aos semelhantes!

O gesto de Jesus também pode ser entendido como um sinal de escolha. Ao escolher os doze apóstolos, lhes confere uma missão. E o gesto de lavar os pés reforça o significado dessa missão: o discípulo é escolhido não para o privilégio, mas para o serviço. Aquele que se faz chamar cristão, mas que não se coloca a serviço, que não se faz promotor do bem… não entendeu a mensagem do Senhor! E, portanto, não se fez discípulo!!!

O simbolo da escolha, da eleição e do compromisso não se manifesta apenas no gesto de Jesus. Também aparece na cena do livro do Êxodo (12,1-8.11-14), na qual o Senhor orienta Moisés: os hebreus devem colocar um sinal diferenciador no portal de suas casas.

Para o povo eleito, a celebração da Páscoa não foi só a preparação para a travessia do deserto; nem só um projeto de libertação. Foi, antes disso, o gesto do sacrifício do cordeiro e aspersão dos portais com seu sangue: e isso foi a concretização da Aliança, a demonstração da eleição. A redenção dos sofrimentos e a libertação da escravidão tiveram um sinal distintivo: o portal assinalado. O sangue do cordeiro foi sinal de preservação de vida, na Antiga Aliança.

Em Jesus, novo cordeiro, o sangue é sinal de uma Nova Aliança. O novo povo escolhido, agora é marcado com o sinal da predileção divina: o sangue do Novo Cordeiro. Um Cordeiro que não foi apanhado entre outros tantos, dentro de um cercado, mas é aquele que se oferece voluntariamente. E isso quem nos explica é Paulo escrevendo à comunidade de Corinto (1 Cor 11,23-26).

O apóstolo afirma que está transmitindo o que recebeu dos companheiros de Jesus e do próprio Senhor que lhe aparece na caminhada. O apóstolo faz a memória do gesto de doação: “O Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: 'Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória'. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: 'Este cálice é a nova aliança, em meu sangue.” (1 Cor 11,23-25).A Memória e a Aliança são concretizadas no pão e vinho, corpo e sangue oferecidos.

A diferença é que agora não é um sacerdote que executa o sacrifício do Cordeiro, mas e o próprio Cordeio que se oferece: sacrifica-se, por aqueles a quem escolheu.

Sua oferenda, que consiste em lavar a maldade das pessoas com seu sangue revitalizante, começa com o gesto de lavar os pés dos discípulos.Lavar os pés dos discípulos, que é uma lição de serviço, demonstra que o mestre não é aquele que se põe acima, mas o que serve, por isso está aos pés. Não é quem recebe os aplausos, mas quem convida para a doação. Não é quem oferece poder, mas quem pode redefinir e dar nova direção à vida das pessoas.

Mas as pessoas nem sempre percebem isso;nem sempre entendem o significado do gesto. Como o fez Pedro: “Tu nunca me lavarás os pés!” (Jo 13,8). Por isso o argumento de Jesus, referindo-se não só ao “lavar” com as águas da bacia, mas o banho com seu sangue. Ou seja, o “lavar os pés” é uma preparação para lavar a vida, com o sangue redentor. Daí a profundidade do argumento de Jesus: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8). ou seja: agora lavo teus pés, na cruz lavo tua vida!

O fato é que Jesus, realizou o gesto de lavar os pés e a vida de todos. Resta saber: com nossos gestos e nossa vida estamos nos deixando lavar ou estamos recusando o banho salvador?Estamos aceitando o banho salvador ou nos sujando e sujando o mundo? Resta saber se aprendemos a lição do serviço, realizado cotidianamente em favor daqueles que estão ao nosso redor. Resta saber se estamos ouvindo o argumento de Jesus: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, abril 07, 2022

Ramos – Tornou-se igual aos homens

(Reflexões baseadas em: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 22,14-23,56)




A celebração do domingo de Ramos chama nossa atenção para a condição humana de Jesus. E quem nos informa isso é Paulo na carta aos Filipenses (2,6-11). E, ao mesmo tempo, o Profeta Isaías (50,4-7) mostra alguns aspectos da humanidade desse rapaz, tão diferente e, ao mesmo tempo, tão igual a todas as pessoas. Não esquecendo que o próprio Jesus (Lucas 22,14-23,56) demonstra sua humanidade ao se oferecer na partilha do pão e do vinho, na ceia.

Esse rapaz, o jovem de Nazaré, o Galileu, o Filho do Carpinteiro, o Filho de Maria, esposa de José… esse rapaz saiu por aí… e falava e curava e ensinava e anunciava a proximidade do Reino e dizia que todos são chamados para esse Reino e que para entrar no Reino tem que seguir seus passos… numa opção definitiva: promover a transformação das condições e relações entre as pessoas, fazendo com que estas relações passem a ser fundamentadas no amor, realizadas com amor, movidas pelo amor… amorizando tudo!

Esse rapaz dizia que seus seguidores deveriam agir, continuando a realizar suas obras: falar das coisas divinas que estão entre os serem humanos; curar as dores do corpo e da alma; ensinar os caminhos que conduzem ao Pai; anunciar a proximidade do Reino e, como ele, se preciso dar a vida para que o Reino de Amor se instale…

E aqueles que se fizeram chamar Cristãos, ao longo dos últimos vinte séculos, vêm tentando cumprir esse preceito; vêm tentando vivenciar esse ensinamento.

Nestas alturas alguém pode perguntar: Que tem isso a ver com o domingo de Ramos?

Antes de responder, e para começar a responder, é bom lembrar que esse rapaz foi chamado de louco, por causa de suas ideias. Foi perseguido por causa de suas pregações. Foi preso por causa de suas afirmações e foi condenado por causa de seus ensinamentos. Mesmo assim muita gente o seguiu. Muitos acreditaram. E, ao longo destes últimos vinte séculos, muita gente trilhou seus passos e deu a vida por suas ideias.

Por isso é que tudo tem a ver. E tem a ver justamente com a proposta de Jesus.

Só que nem todos entenderam a proposta. E os que não a entenderam o receberam festivamente, quando entrou em Jerusalém. E, por não terem entendido sua proposta, festejaram como Mestre, quando ele ensinou o caminho para ser discípulo: “O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida; ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo.” (Is 50,4). Somete quem se faz discípulo aprende a usar o dom da palavra (língua) para dizer boas palavras! Mas quem não o entende cria uma fé de aparências e de luxo.

Não é essa a proposta de Jesus e nisso está sua humanidade. Mesmo sendo Deus, fez-se homem; sofreu como homem. Por esse motivo compadeceu-se do ser humano. Por ser um Deus amoroso, fez-se homem para mostrar ao ser humano os caminhos da superação. Com essa perspectiva é que entendemos seu sofrimento salvador.

Diz o apóstolo Paulo: Jesus abriu mão da sua condição divina “tornando-se igual aos homens” (Fl 2,7). E como um homem, Jesus aceitou a humilhação da morte na cruz. Como ser humano, naturalmente morreria, mas ele deu novo sentido à morte: sua morte não foi ao fim de uma vida tranquila depois de ter feito o bem. Pelo contrário: no auge da vida ele a ofereceu em favor de todos. E foi essa oferta que o Pai levou em consideração. Por causa dessa morte, resultado de sua doação em favor de todos, foi que “Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9).

Outra amostra de sua humanidade, Jesus a apresenta em sua despedida. Confessa que desejou comer a ceia com os discípulos, e sabe que vai sofrer. Sabe que essa é uma despedida. Mas também sabe que esse é o caminho para o Reino, para uma Ceia eterna, na Páscoa definitiva (Lc 22,15-16). E nisso aparece mais um gesto humano, na ação de Jesus: deixar uma lembrança no abraço de despedida. Foi o que fez!

Na partilha do pão e do vinho, recebidos da graça divina, criou um novo sentido para o pão, para o vinho e para a própria partilha: o vinho passa a ser sangue, o pão torna-se corpo e a partilha é o próprio gesto de se doar. Ao entregar o cálice, disse para reparti-lo como “a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vós”. O mesmo fez ao partir o pão. Entregou-o como seu corpo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” (Lc 22,17-20).

É o gesto de quem parte mas quer permanecer. E, para permanecer, fez-se pão e vinho. Tudo isso porque, mesmo sendo de condição divina, tornou-se igual aos homens!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, abril 01, 2022

Quaresma 5 – Isto diz o senhor

(Reflexões baseadas em: Isaías 43,16-21; Filipenses 3,8-14; João 8,1-11)




Por que Jesus não deu atenção aos acusadores da mulher adúltera (João 8,1-11) e continuou escrevendo no chão, mesmo quando eles pretendiam apedrejá-la, segundo a lei de Moisés?

O que Jesus escrevia no chão, enquanto os acusadores esbravejavam contra a vida da mulher?

Qual é a atitude de Jesus diante dos pecadores e como ele responde aos que tentam condená-los? Por que Jesus age dessa forma?

Essas são algumas das indagações que podemos nos fazer, se quisermos desenvolver uma fé esclarecida; se quisermos aderir de corpo e alma à proposta de Jesus.

Ea resposta às indagações nos são oferecidas pelo próprio Senhor, ao se dirigir à mulher prostrada à sua frente. Primeiro ele se dirige à mulher, indagando sobre os acusadores: “Ninguém te condenou?” E ela, certamente tremendo de medo: “Ninguém, Senhor”. Nessa hora é que Jesus explica o motivo de sua postura: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,10-11)

Condenar a mulher pecadora, não é o objetivo de Jesus. Deus não criou este mundo maravilhoso, pondo nele o ser humano como o ponto mais alto da criação, para condená-lo. Não é para a condenação que o ser humano existe, mas sim para a adesão a Deus, para o seguimento de Jesus Cristo.

Por isso Jesus diz: “Não te condeno”. E Ele diz mais: “Não peques mais!”

Quer dizer: Deus oferece o perdão a todo aquele que se percebe caindo pelas fraquezas humanas. Mais ainda: Ele deu a vida para nos livrar do pecado.Por isso, ao dizer “não peques mais” disse também: Eu te perdoo. Afaste-se daquilo que pode te lavar a morte. Fique comigo para ter vida.

O apedrejamento seria a morte. Ao evitar que a mulher fosse apedrejada, Jesus lhe oferece nova vida. Mas, para isso: “Não peques mais”. Quer dizer, mude de vida! A vida envolvida no pecado leva à morte, não do corpo, mas da vida eterna. Só o seguimento de Jesus nos mantém no caminho da vida.

Isso nos ajuda a entender o que afirma Isaías (43,16-21), ao exaltar os feitos de Deus para com seu povo.

Efaz isso para exaltar a libertação do povo que estava em situação de opressão e de morte; para conduzi-lo em direção à vida. Para que esse povo tenha vida, diz o profeta, oferecendo sua voz ao Salvador: “Fiz brotar água no deserto e rios na terra seca para dar de beber a meu povo, a meus escolhidos. Este povo, eu o criei para mim e ele cantará meus louvores” (Is 43,20-21).

Aqueles que caminham para a vida plena cantam os louvores de Deus pois sabem que receberam a vida como dom de Deus.

Em nome dessa vida e direcionando-se para essa meta, prometida por Jesus, é que o apóstolo Paulo faz sua aposta (Filipenses 3,8-14).

Notemos a radicalidade de sua aposta: Tudo é um nada diante da proposta e promessa do Senhor: “Na verdade, considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele eu perdi tudo. Considero tudo como lixo”. A aparente perda de tudo, significa um ganho supremo, pois isso implica fazer a aposta “para ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele” (Fl 3,8).

Então voltemos à nossa indagação inicial:Por que Jesus não deu atenção aos acusadores da mulher adúltera e continuou escrevendo no chão? O que escrevia?

Sabemos que Jesus não quer a condenação e morte, mas a contrição e a vida. Talvez por isso é que, passou a escrever na areia alguns sinais de vida ao invés de confrontar os acusadores que desejam a morte. Talvez tenha escrito que mais grave que um erro carnal é a traição em relação à vida, um dom de Deus. Talvez os acusadores, querendo matar a mulher, não tivessem percebido que, eles sim, estavam traindo o preceito divino de preservar a vida. Talvez a partir de seu pecado de acusar, condenar e querer executar a mulher, não estivessem percebendo que se deve condenar o erro e o pecado, mas é necessário oferecer condições de perdão e recuperação ao pecador.

“Isto diz o Senhor”, fala Isaías. E Jesus repete: “Não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais.”




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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