sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Santa Mãe de Deus - Senhor te abençoe e te guarde!

(Reflexões baseadas em: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21)




Nossa celebração de hoje está voltada para Santa Maria, Mãe de Deus.

Essa solenidade se deve ao fato de que, no catolicismo, existe uma postura diferente das Igrejas Irmãs, em relação a José e Maria, os pais de Jesus.

Para os cristãos católicos, a família de Jesus é muito importante, pois foram eles que deram o suporte humano para que o Filho de Deus pudesse desenvolver-se dentro da sua humanidade e assim pudesse bem assumir sua divindade.

A teologia católica afirma que Deus quis contar com a ajuda humana para que a divindade de Jesus se encarnasse e se humanizasse.Só assim Deus, encarnado como Filho, realizou sua entrega humana de forma que sua vida se tornou modelo de vida e, com sua total entrega, realizou a completa redenção. Foi com sua família, seu pai e sua mãe, que Jesus de Nazaré aprendeu a valorizar os dramas humanos a fim de libertar ser humano das dores desses dramas.

Com essa perspectiva é que, uma semana após o Natal do Senhor voltamos nossos olhos para a Mãe desse Senhor, o Deus que vem a nós com um recém nascido. Um nascimento que trouxe a nós uma bênção (Números 6,22-27). Da mesma forma que na Antiga Aliança o povo recebeu a bênção pela invocação do nome do Senhor, Maria, a recebeu na forma da maternidade divina (Lucas 2,16-21).

Sobre o povo, Moisés deveria invocar a bênção de Deus cuja face brilha e tem compaixão. Um Senhor que dá a paz! E o livro dos Números diz algo mais: o nome do Senhor da paz sendo invocado para a paz será, também, motivo de bênção. “Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei” (Nm 6,27).

Hoje, nos “tempos da Igreja”, pedimos a paz ao Senhor Jesus, o príncipe da paz. Mas também pedimos a intercessão da Mãe de Deus, pois só ela “guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19); e diante das necessidades ela insiste: “Fazei tudo que ele vos disser” (Jo 2,5).

Hoje sabemos que toda mãe só se sente bem quando vê os atos, desejos e sonhos do filho sendo realizados. Nós, os seguidores do filho de Maria, sabemos que Jesus promoveu a paz; que ele deu a paz aos seus seguidores. Por isso, nos tempos da Igreja, a mãe de Jesus também é conhecida como Rainha da Paz. E essa é mais uma bênção que a Mãe de Deus pede ao Filho a fim de partilhar com o mundo que crê naquele que ela embalou no ventre de mãe.

Além disso tudo, temos algo a mais a aprender com Maria, mãe de Jesus. Ela pode ser vista como exemplo de quem sabe seu lugar. Em mais de um momento, nas narrativas dos evangelhos, podemos acompanhar a postura de Maria. Não como quem pretende se impor sobre o filho, mas como quem educa para seguir o caminho humano que leva a Deus. Mostrou que não se deve cair em desespero se o filho foge do alcance dos olhos. Sentindo sua ausência, na caravana, manteve a serenidade e o encontra entre os doutores da lei. E ali, serenamente orienta o filho a não deixar os pais preocupados (Lc 2,48).

Naquela festa de casamento mostra ao Filho que, além de se divertir,o convidado pode ficar atento e ajudar os noivos. Por isso o alerta sobre a falta de vinho (Jo 2,3) prefigurando a oferta do sangue entregue no vinho… Quer dizer, a mãe não se sobrepõe ao Filho, mas o orienta. Exerce o papel de mãe, mesmo sabendo ser ele o Filho de Deus. Ela sabe que até Deus precisou viver humanamente para que os seres humanos pudessem entender seu valor e perceber a grandeza do plano de Deus.

O fato é que ninguém foi tão decisivo para que Deus chegasse a nós, vivesse entre nós, e aprendesse o sentido da vida humana,como a Mãe de Deus (Gálatas 4,4-7). O fato é que Deus olhou para a grandeza daquela simples menina, Maria de Nazaré. E Deus a escolheu para cumprir seu plano de amor; Deus a escolheu para ajudar na consumação do plano de salvação; Deus a escolheu como simbolo de doação. Por tê-la escolhido foi que “quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei” (Gal 4,4).

Enfim, pela maternidade de Maria, a Mãe de Deus, recebemos a adoção divina. Pela maternidade de Maria, em Jesus, podemos chamar a Deus de Pai, como ele ensinou. “E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá - ó Pai! Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro: tudo isso, por graça de Deus” (Gal 4,6-7). E, como tudo é graça e dom de Deus, Ele também nos deu uma Mãe, que é a própria Mãe do seu Filho.

E assim, olhando para seu modelo de vida, ousamos pedir sua intercessão para que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor se compadeça de ti e te dê a paz!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Natal: Glória a Deus e paz na terra

(Reflexões baseadas em: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14)





Estamos comemorando o Natal!

E quando comemoramos o Natal, a maioria de nós tem em mente as festas e as trocas de presentes. O clima de alegria e a confraternização. Isso sem falar do Papai Noel e das mesas ostentando ceias fartas… Ah! Também tem alguns que se solidarizam e ajudam a preparar cestas básicas, com alimentos para serem entregues às famílias carentes: “No Natal ninguém deveria ficar sem comer!” é a justificativa para o ato.

Nas igrejas se canta glória Deus, pois foi assim que os anjos anunciaram o Natal! Os ritmos e melodias vão se alternando, enquanto as pessoas se confraternizam; trocam palavras de cordialidade; votos de felicidade. O clima é de festa!

Mas será que é disso que precisamos para comemorar essa data, tão importante para o mundo cristão?E depois, no dia seguinte? Na semana seguinte? No ano seguinte… Como serão as relações entre as pessoas?

Cestas básicas? Evidente que são importantes. Mas qual é a transformação social que se realiza com o simples fato da distribuição das cestas básica, no Natal? O que o cristão, ou a entidade que distribui as cestas, está fazendo para que num futuro bem próximo a distribuição de cestas básicas não mais seja necessária? As cestas são importantes, mas seria muito mais cristão e estaria mais em sintonia com o espírito do Natal, se as pessoas fizessem tudo para que não houvesse necessidade de se dar cestas básicas; a cesta, por mais recheada que seja, termina, mas a necessidade de quem a recebeu… vai continuar… então o que fazer para acabar com essas necessidades?

Confraternização e festas? Claro que são importantes. Mas como se prolongarão as relações entre as pessoas, depois das festas de fim de ano? Trocamos votos de felicidades, mas ao longo do ano que segue quase nunca nos recordamos das pessoas que abraçamos no Natal. E, o que é pior: muitas vezes, muitos de nós, infernizamos a vida de pessoas próximas de nós: em casa, no trabalho, na escola, no lazer, na roda de amigos… “viu o que fulano aprontou, desta vez…?”; “Sabe o fulano…., pois é ele...”… Dessas atitudes não nos lembramos quando nos aproximamos do Natal. Dessas atitudes nos aproximamos quando nos afastamos do Natal!

Considerando tudo isso, vamos nos perguntar: Exatamente o que comemoramos na festa do Natal? Exatamente o que é o Natal para nós?

O profeta Isaías (9,1-6) nos diz: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu”. E em seguida completa: “Porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho; ele traz aos ombros a marca da realeza; seu nome é: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da Paz”. Por fim, diz o profeta “Grande será o seu reino e a paz não há de ter fim … e ele irá consolidar e confirmar em justiça e santidade, a partir de agora e para todo o sempre”. Tudo isso como a nos dizer: Natal não é só um dia. Natal tem consequências… ou não é Natal!

O apóstolo Paulo, escrevendo a Tito (2,11-14), também chama nossa atenção para os atos que devem brotar do Natal. Quem celebra o Natal deve “abandonar a impiedade e as paixões mundanas e viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade.” Isso porque Jesus quer “nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem.” Não só no dia do seu aniversário, mas cotidianamente!

Isso tem que ser lembrado, porque Jesus não apenas nasceu, mas nasceu dentro de circunstâncias sociais, politicas e econômicas adversas (Lucas 2,1-14)… como a denunciá-las.

Foi obrigado a nascer longe de casa devido censo decretado pelo Imperador: “Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal.” José e Maria não tiveram escolha. Não por maldade dos hospedeiros, mas por exigência do poder estabelecido: “Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria.” Essa situação de marginalidade atraiu aqueles que viviam a mesma condição de exclusão. Por isso o anjo dá a boa notícia aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo… nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor.”

Celebrar o Natal é importante? Sim, mas não se pode perder o significado da celebração: Justiça e paz. Comemorar com mesa farta? Sim, mas ela tem que ser farta todos os dias… para todos. Abraçar e desejar felicidades? Sim, mas também colaborar para que o abraço e as palavras sejam verdadeiras e não explosão de um momento festivo.

E, por fim, Deus não nasceu entre nós apenas para comemorarmos seu nascimento. Ele veio nos cobrar um renascimento: na construção de uma sociedade justa e sem exclusões; de fartura e sem necessitados… se não construirmos, pelo menos isso, será apenas comércio e aparências… e não Natal de Jesus!


Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


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Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Advento 4 – A virgem conceberá e dará à luz

(Reflexões baseadas em: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus 1,18-24)




Os dias de alegria, de festas, para comemorar a concretização da esperança, estão para chegar. Entretanto, como esse dia ainda estão por vir, cada um de nós ainda tem tempo para fazer uma revisão de vida a fim de saber se poderá participar da festa. Afinal, o convite foi feito, mas nem todos se prepararam para ela...

Além disso,enquanto se aguarda a grande festa e no processo de revisão de vida, vai ser possível entender que as provações do caminho são indicativos da necessidade de conversão: pessoal e social, pois a sociedade é reflexo do que somos.

Essa foi a proposta feita ao rei Acaz (Isaías 7,10-14). Porém sua soberba impediu que ele compreendesse os favores que recebia de Deus. Desacreditando disso continuou se corrompendo e desencaminhando seu povo. E, dessa forma, não só ele como também seu povo tiveram que conviver com as consequências de seus atos, longe da graça de Deus. Ou seja, as atitudes do rei andando no mal caminho trouxeram como consequência a ruína para o povo.

Essa situação provocou o brado do profeta: “Ouvi então, vós, casa de Davi; será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus?” (Is 7,13). Mas a fidelidade de Deus se mantém e, mesmo contra toda idolatria do rei e descaminho percorrido pelo povo, o Senhor sabe que sempre um resto se mantém fiel. A esses anuncia: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel”. O mesmo anúncio repetido por Mateus (Mt 1,18-24), a respeito do nascimento do libertador, o Deus conosco, cuja presença humana é confirmada por Paulo, quando escreve aos romanos (Rm 1,1-7).

ODeus conosco, caminhando os caminhos humanos é o indicativo de que Deus quer o ser humano caminhando os caminhos de Deus. Por isso o convite para a grande e eterna festa na casa do Pai.

Assim como o evangelista, o apóstolo nos informa que, se por um lado as maldades de um homem mau, o Rei Acaz, trouxeram como consequência a ruína de um povo, por outro lado, agora por meio de um homem justo, José, a salvação veio e permanece à disposição das pessoas que aderirem ao projeto do bem. Paulo explica que isso é um dom de Deus. A adesão ao projeto do Pai se dá mediante a adesão ao projeto do Filho que convida para a salvação: “É por Ele que recebemos a graça da vocação para o apostolado, a fim de podermos trazer à obediência da fé todos os povos pagãos, para a glória de seu nome” (Rm 1,5).

O apóstolo deixa claro que a salvação é uma proposta para todos e por isso pode ser dirigida a quem ouve e aceita a proposta de ser discípulo, “Entre esses povos estais também vós, chamados a ser discípulos de Jesus Cristo” (Rm 1,6). E, embora dirigindo-se à comunidade de Roma, as palavras do apóstolo se estendem a todos que fazem a revisão de vida no advento a fim de comemorar a festa do Natal; é dirigida aos que fazem propósitos de levar uma vida melhor e agir para que toda a sociedade seja espaço propício para a implantação do reino definitivo. Foi pensando nisso que o apóstolo deseja graça e paz a fim de que as comunidades cresçam no amor. “A vós todos que morais em Roma, amados de Deus e santos por vocação, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e de nosso Senhor, Jesus Cristo” (Rm 1,7).

Os dias de festa, que serão eternos na casa do Pai, começam com a comemoração do Natal. Entretanto, para que aconteça o Natal, não só no espaço do templo, não só numa celebração litúrgica durante alguns momentos numa noite determinada, mas aconteça ao longo da vida e em toda a sociedade, é necessário observarmos a postura de José. Decidido a abandonar sua prometida, pensando mal da donzela, muda a postura ao se deixar tocar pela voz de Deus, transmitida pelo anjo. “Eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria’” (Mt 1,20). Então ele assume a paternidade do Filho de Deus; a recebe como dom, pois foi capaz de ouvir a Deus.

E para que sejamos capazes de adotar novas posturas e traçar novos planos precisamos estar atentos ao chamado de Deus; precisamos dar espaço e permitir que a voz de Deus se manifeste. Só teremos condições de participar da festa definitiva se nosso natal for como o de José. E isso ocorrerá quando a virgem der a luz… não só naquela longínqua noite de natal, mas quando criarmos as condições para que Maria nos dê a luz de Jesus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Advento 3 – Deus vem para salvar

(Reflexões baseadas em: Isaías 35,1-6a.10; Tiago 5,7-10; Mateus 11,2-11)




Serão dias de eterna alegria.

Isso é o que anuncia, Isaías (35,1-6a.10) depois de ter falado sobre o dia do juízo. Agora ele anuncia o que vem depois. Mas não anuncia os dias de felicidade como resultado da punição sobre os maus nem como quem procura o que sobrou depois da devastação. Anuncia um dom divino!

Haverá consequências doloridas e catastróficas, sim. Entretanto ela somente atingirá aqueles que optarem pelo afastamento de Deus. Para aqueles que preferiram a violência em vez da paz, a maldade no lugar do amor. Por outro lado, a recompensa virá pelo dom de amor e vontade do Senhor e estará disponível aos seus adoradores.

Note-se, no entanto,que Deus não levará em conta os louvores que nascem e morrem nos lábios. Os louvores daqueles que não expressam em ações o seu louvor. Dizer “meu Deus, eu te amo e adoro” é fácil difícil é mostrar essa adoração em obras solidárias.

O fato é que a recompensa divina virá na forma de alegria florescendo “como um lírio” (Is 35,1): flor frágil que germina e floresce na adversidade, anunciando a paz. E os que receberem esse dom divino passarão a cantar “louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos: cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto” (Is 35,10)

A alegria dos dias felizes, será instalada, pela graça de Deus e em resposta à fidelidade dos que mantiverem a fé (Tiago 5,7-10). Haverá provações, é verdade, mas é necessário manter a fidelidade à mensagem dos profetas. Como o afirma Jesus (Mateus 11,2-11), ao atender à indagação de João, aquele que veio para “preparar os caminhos” para o Senhor.

Sendo assim, o que esperar, como promessa do Senhor, nestes tempos de Advento?

Devemos esperar que da parte do Senhor serão cumpridas todas as promessas, tanto aquelas feitas aos antigos pais, como aqueles feitas por Jesus e seus discípulos: tempos melhores estão por vir.

Entretanto não só do Senhor devemos esperar. Há, também a nossa parte. De nós também se espera algo, para concretizar o advento, para que ocorra um novo Natal.

A primeira coisa, não é algo que devemos esperar do Senhor, mas deve ser uma atitude nossa: a postura de quem faz uma revisão de vida, reconhece os comportamentos contrários ao Plano de Deus e se propõe a mudar de vida. Uma nova postura, comprometendo-se a ajudar na preparação para a instalação do Reino. Essa deve ser nossa preparação, nosso advento: arrumar a casa como quem se prepara para receber uma visita impostante.

Outra atitude a ser assumida, é ensinada por Tiago que nos orienta a “ficar firme”: esperando a vinda do Senhor, como o agricultor que “espera o precioso fruto da terra”, fortalecendo o coração na esperança e prática do amor, pois o Senhor não tardará (Tg 5,7-8).

Além disso, devemos dar nossa contribuição para que os atos indicativos de salvação e remissão se manifestem. Temos que nos perguntar como podemos contribuir para se concretizar, em nosso dia a dia, o que Jesus mostrou aos discípulos de João: “os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” (Mt 11,5). Ou seja, nossas ações cotidianas devem contribuir para concretizar e manifestar os sinais do Reino, que Jesus mostrou a João.

Mas não só. Também é atitude de quem está em clima de advento, não só com tempo litúrgico, mas com quem faz da vida uma estrada para a nova vinda do Senhor. Isso porque o advento litúrgico se repete todos os anos a fim de nos prepararmos para a celebração do Natal litúrgico. Daí o desafio e proposta de fazer da vida um advento, o que significa adotar em nosso cotidiano a postura vivida por João Batista: fazer da vida uma dinâmica preparação dos caminhos do Senhor. E essa preparação não se resume aos dias que antecedem o Natal, mas deve ser o cotidiano de quem prepara e espera o retorno do Senhor, para que se instale o Reino de amor.

Por fim, o advento nos propõe a indagação de Jesus aos discípulos: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?” (Mt 11,7). O deserto é o lugar do encontro pessoal com Deus. Não é lugar da ostentação criada pela riqueza, mas onde se manifesta a essência da natureza humana. É no deserto que se manifesta nosso verdadeiro tamanho: aquilo que realmente somos diante de Deus. É no deserto de nossa vida que se concretizará nosso advento, pois aí encontraremos aquele que vem para salvar.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Advento 2 - O Reino dos Céus está próximo

(Reflexões baseadas em: Isaías 11,1-10; Romanos 5, 4-9; Mateus 3, 1-12)





Nem tudo está perdido.

Somos convidados ao processo da purificação.

A necessidade de purificação é anunciada por João Batista (Mateus 3, 1-12), com seu batismo em água; e também por Jesus, que entrega o Espírito de Vida.

O Espírito que purifica com fogo anuncia que ainda há tempo para a purificação. Nem tudo está perdido.

João anuncia que o machado está pronto para derrubar a árvore do mal e, com isso purificar o mundo. Mesmo assim e justamente por isso nem tudo está perdido! É verdade que no mundo e as pessoas distanciam-se da luz, do bem, do amor… essa situação exige a ação do machado cortando a raiz do mal… a extinção do mal é prova de que nem tudo está perdido.

Se nem tudo está perdido, ainda existe esperança.

Vários outros antes dele, mas o tom de esperança nos é apresentado, hoje, por Isaías (11,1-10). Mas não se trata de uma esperança gratuita. Ela nasce de um processo de conversão, expressa no Advento: o convite é para uma conversão universal, com uma face pessoal e outra social.

Deve-se notar, entretanto, que essa exigência de conversão pessoal, social e universal não vai ficar nem terá por base as aparências, ou os atos externos.O senhor quer a totalidade. “Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer; mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos; fustigará a terra com a força da sua palavra e destruirá o mau com o sopro dos lábios.” (Is 11,3-4).

A consequência dessa ação purificadora do Senhor é que um novo mundo surgirá, com uma nova sociedade na qual vivem pessoas renovadas. Nela não haverá maldade, pois tudo e todos que aderiram ao Plano do Senhor converteram-se e aderiram ao projeto.

Se alguém está pensando que isso é proposta para o Antigo Testamente; e que a Antiga Aliança foi superada e abolida pela proposta de Jesus, essa pessoa está enganada. Paulo (Romanos 5, 4-9) é enfático: tanto o povo da Antiga Aliança como os cristãos são convidados ao mesmo processo de conversão para edificação do novo mundo, no qual Cristo será tudo em todos. Dessa forma o Senhor confirma “as promessas feitas aos pais” ao mesmo tempo que as pessoas da Nova Aliança “glorificam a Deus, em razão da sua misericórdia” (Rm 5,8-9).

O apóstolo não vacila ao afirmar a importância do que disseram os antigos e que hoje se cumpre em Jesus Cristo.Mensagem dos antigos, dirigidas a nós. Por isso afirma: “Tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que, pela nossa constância e pelo conforto espiritual das Escrituras, tenhamos firme esperança” (Rm 5,4).

Tudo o que afirmaram os antigos, cumpre-se em Jesus de Nazaré. Quem no-lo afirma é João, o Batista, exortando os ouvintes à conversão. Ao mesmo tempo que acolhia quem desejava o caminho da conversão, João denunciava a hipocrisia daqueles que o buscavam em razão dos próprios interesses. Aos primeiros batizava e exortava a mudar de vida: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). Aos outros que o queriam testar, lançava o alerta: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? Produzi frutos que provem a vossa conversão” (Mt 3,7-8).

Entretanto, como nem tudo está perdido, João anuncia aquele que vem para cumprir as escrituras. Mas, nos diz João, o Messias vem para concluir o que havia sido anunciado pelos profetas. Vem para acolher aqueles que aderirem ao projeto de amor. Vem para descartar os que promoveram todos os tipos de maldades e dores, todos promotores de violência e marginalização, todos os que enganam, ludibriam e usam do nome de Deus para implantar seus próprios projetos de morte. Ele vem para limpar os caminhos do Reino. “Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará num fogo que não se apaga” (Mt 3,12).

Depois de tudo, quando tudo se concluir, quando as forças e raízes do mal tiverem sido derrotadas, será instalado o reino definitivo. O reino da paz, como anunciado pelo profeta: Reino onde lobo e cordeiro não se agredirão; bezerro e leão comerão juntos. Um reino no qual “a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa; e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente” (Is 11,6-8).

O mal será extinto e o bem será instalado com a participação dos filhos da luz. Para que isso se concretize, João nos convida: “preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!” (Mt 3,3). Ainda dá tempo, pois o Reino dos Céus está próximo. Nem tudo está perdido!
Neri de Paula Carneiro.


Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador


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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Advento 1- Nos últimos tempos

(Reflexões baseadas em: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14; Mateus 24,37-44)




O período do Advento chama nossa atenção para o sentido de algumas profecias anunciando os últimos tempos.

Uma delas nos é apresentada por Isaías (2,1-5) afirmando que nos últimos tempos as nações procurarão a casa de Deus a fim de seguir seus preceitos. Também Paulo, escrevendo aos Romanos (13,11-14), nos ajuda a entender o sentido dessa busca: ele nos diz que a salvação está cada dia mais próxima.

Há, entretanto, uma ressalva a ser feita: essa busca e a proximidade do dia da salvação devem ser compreendidas na relação com o anúncio de Jesus (Mateus 24,37-44): O Reino aproxima-se, mas é necessário estar preparado para ele, pois apesar de todos recebem o chamado, nem todos aderem a ele. Preferem seguir os próprios caminhos que os distanciam do Senhor da Vida.

Aqui,vamos dirigir nosso olhar para um Isaías esperançoso, em relação aos últimos tempos. É fato que por muitas vezes a Palavra do Senhor nos informa que haverá um fim. Um ponto final para todas as dores. Um ponto final para todas as maldades. Um dia de julgamento de tudo e de todos. E, como consequência desse ponto final, a libertação completa dos que trilharam as pegadas do Mestre, plantando a semente do amor, na busca do paraíso definitivo e, ao mesmo tempo a condenação definitiva para os que se mantiveram na estrada da maldade.

Mas aqui, vemos um Isaías esperançoso!

Nos últimos tempos, superando os males do mundo, o profeta convida a “subir ao Monte do Senhor”. E, tendo feito isso, no Monte Santo pedirão ao Senhor: “nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos” (Is 2, 3). Esses que subirem para a casa ou o Monte do Senhor, vão se deixar “guiar pela luz do Senhor”. Então acontecerá o julgamento, de modo que “estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate” (Is 2,4-5).

Esse é o Isaías esperançoso; é a utopia do profeta: espera a conversão e adesão ao projeto divino. Nem que isso venha a ocorrer no fim dos tempos. E, como tudo está a caminho do dia do juízo, Paulo acrescenta as orientações necessárias para um bom encontro. Na noite das dores e sofrimentos, a maldade humana se sobrepõe criando mais dores e sofrimentos para os seguidores da Luz. Por isso o apóstolo alerta: “Já é hora de despertar”. Diz mais, “agora a salvação está mais perto de nós” (Rm 13,11).

Essa é a constatação:“a noite já vai adiantada”. Ou seja, aqueles que produzem as dores, estão prevalecendo sobre os Santos. Daí o convite do apóstolo: “Despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz. Procedamos honestamente” (Rm 13,12-13). enquanto as trevas estão no mundo, aqueles que são das trevas se esbaldam espalhando maldade: explorando, mentindo, enganando, supervalorizando as coisas e desvalorizando a vida, promovendo a marginalização e tirando proveito da inocência das pessoas da luz. Mas, por outro lado, as pessoas da luz, mesmo caminhando entre os propagadores das trevas, mantêm-se na luz e são luz. Daí o alerta do apóstolo: “é hora de despertar”; “o dia já vem chegando”; “vistamos as armas da luz”.

Confirmando essa situação em que as pessoas são convidadas a optar entre o mundo das trevas e o mundo da luz; entre praticar o mal e edificar o bem; entre produzir guerra e morte em oposição a paz e a vida… Jesus anuncia que seu retorno será feito de surpresa; quando ninguém estiver esperando.

Da mesma forma que no tempo de Noé, diz o Mestre, assim também em seu retorno. Sua vinda, portanto, é anunciada, mas virá de forma inesperada. “Nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem” (Mt 24,38-39).Ao cristão, portanto, cabe permanecer atento, vigilante e na luz!

Nesse momento definitivo nada do que é mau prevalecerá. Só o bem e os bondosos serão arrebatados. Por isso é que o Senhor explica: Naquele dia “Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada”.(Mt 23,40-41)

Como saber quando e quem será levado na arca da salvação, para habitar a casa do Senhor? Para isso não há resposta. “Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 23,44).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Cristo Rei: Lembra-te de mim, quando vieres em teu reino

(Reflexões baseadas em: 2 Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43)




Quer aprender com a sabedoria da Igreja? Uma das maneiras é acompanhar o ciclo das celebrações ao longo do “Ano Litúrgico”.

A Igreja tem uma proposta muito sábia, em relação à liturgia. Ela distribui os principais fatos da vida de Jesus de Nazaré ao longo de um ano. Essa é a ideia do Ano Litúrgico, ou seja, a contemplação da vida de Jesus ao longo dos doze meses. E, com isso, faz uma catequese, uma apresentação, uma explicação dos mistérios divinos, manifestados por Jesus de Nazaré.

Há, entretanto, uma diferença em relação ao nosso ano civil que começa em janeiro e termina em dezembro. O Ano Litúrgico começa com o Advento (período de preparação para o Natal) e termina com a celebração Jesus Cristo, Rei do Universo.

Por que comemoramos a realeza de Jesus? Primeiro porque em sua convivência humana mostrou que o sentido da vida é a VALORIZAÇÃO DA VIDA. Para mostrar esse valor curou pessoas enfermas; ensinou o significado do respeito à pessoa humilhada e marginalizada; alimentou as pessoas famintas; mostrou que a pessoa vale mais que as coisas; defendeu a paz; condenou a violência e, principalmente, manteve-se fiel ao Plano que o Pai lhe tinha reservado: dar sua vida em favor da vida de todos.

Em segundo lugar porque o Senhor da Vida, também é Senhor da morte. Ele entregou sua vida e a resgatou. Venceu a morte, mostrando o caminho da Ressurreição. E tudo isso numa caminhada de paz, harmonia, identificação com os sofredores e marginalizados.

Alguém poderia perguntar com base em quê afirmamos a realeza de Jesus? Em que nos baseamos para refletirmos a respeito da solenidade em que celebramos Jesus como Rei do Universo? Em que podemos nos basear para nos aproximarmos desse homem magnífico, o Filho de Deus que se apresentou como Senhor absoluto da Vida e da Morte?

Podemos entender a realeza de Jesus da mesma forma que Davi (2 Samuel 5,1-3) foi aclamado depois foi ungido pelo povo como rei e fez com eles uma aliança, a fim de os conduzir. Assim também o Senhor Jesus, foi ungido pelo Espírito e em seu sangue vertido na cruz, fez uma aliança definitiva, unindo o povo fiel ao Deus da Vida.

Além disso, com Paulo (Col 1,12-20) aprendemos que sua ressurreição o torna Senhor da Morte. Um senhorio que não se limita à sua passagem pela terra, mas que sua vida terrena o capacita a se apresentar como caminho, como inspiração para a caminhada e como meta definitiva para a vida vindoura.

Graças a isso a morte deixa de ser um ponto final para ser percebida como uma porta de entrada na participação “da luz que é a herança dos Santos” (Col 1,12). Sendo luz a guiar os povos Jesus é também “a Cabeça do corpo, isto é, da Igreja. Ele é o Princípio, o Primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo ele tem a primazia,” (Col 1,18). Além disso, Jesus é Rei do universo porque “Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Col 1,19-20).

Ou seja, nada do que existe, existe sem a intervenção divina. Graças a isso, toda a existência é redimida pelo amor que motivou a entrega na cruz e, ao mesmo tempo presenteou o mundo com o dom da ressurreição. Ao ressuscitar, vencendo a morte, Jesus redime tudo e todos, pois só ele tem o poder de dominar as forças da morte.

É fato, entretanto, que nem todos entendem ou aceitam a realeza de Jesus. Por isso a zombaria durante o supremo ato da cruz (Lucas 23,35-43).

Nesse momento redentor assistimos a uma cena em que as garras do mal se apresentam ameaçadoras sobre o Senhor da Vida. As forças da morte zombam da fragilidade da vida. Ridicularizam o único que lhes pode salvar. São vários a zombar e várias as zombarias, manifestando uma profunda incredulidade.Chefes do povo, soldados e malfeitores zombam: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”, diziam os chefes do povo. E os soldados: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”. Os malfeitores com ironia: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,35-39).

Por outro lado, aqueles que acreditam a se entregam nas mãos do Senhor da vida e Rei do Universo imploram, como o outro condenado: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino”. Como ele, todos que aderem à proposta de vida poderão ouvir a promessa, e experimentar a redenção: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 42-43).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Não ficará pedra sobre pedra

(Reflexões baseadas em: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19)



Diversos trechos da bíblia nos informam que se aproxima um fim catastrófico, para as pessoas e o mudo.

Podemos mencionar, entre esses trechos podemos, as palavras de Malaquias (3,19-20), anunciando um fogo abrasador sobre os ímpios. Com isso o profeta indica que a ação de Deus colocará um ponto final sobre a maldade humana.

Por sua vez, Paulo, escreve aos tessalonicenses (2 Ts 3,7-12) que esperavam um fim iminente, representado pelo retorno escatológico de Jesus.

Nessa carta o apóstolo procura corrigir a compreensão equivocada de alguns membros da comunidade. Chama a atenção para a necessidade de se viver às custas do próprio trabalho, pois isso, além de ser mais honroso, promove a independência e liberdade das pessoas; sem contar que pelo trabalho as pessoas dão continuidade à obra da criação.

Diante dessas trechos falando do fim podem surgir indagações. Uma delas: Essas cenas, mencionando a consumação dos tempos, pretendem nos assustar com o anúncio do fim ou querem nos alertar e indicar um caminho a seguir?

Evidentemente que não se pretende negar que haverá um fim. Ele virá, pois foi afirmado pelo próprio Senhor. Mas, assim nos parece, antes de ser um anúncio do fim, essas narrativas são um convite para que as pessoas revejam seus comportamentos. Redirecionem seus passos. Aproximem-se da proposta divina. “Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas” (Ml 3,20). Ou seja, no ponto final, o amor prevalece.

O mal será vencido.Porém aqueles que não seguem os preceitos divinos de humildade, da bondade, do amor, esses sim receberão o destino dos “soberbos e ímpios”: queimarão como palha. Deles não sobrará “raiz nem ramo” (Ml 3,19).

Falando aos discípulos, Jesus(Lc 25,5-19) mostra o poder da maldade e confirma seu impulso destrutivo. O mal é destrutivo: quer destruir o bem, mas também destrói a si mesmo.

A maldade humana, na medida em que se afasta do plano amoroso de Deus, gera mais maldade. Entra numa espiral crescente de maldade fazendo com que pessoas e instituições maldosas se agridam mutuamente. Partindo disso podemos dizer que não será Deus a provocar o fim de todas as coisas, mas o próprio mal promove seu fim. “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país” (Lc 21,10). Dessa forma o mal se alastra e produz as condições para se extinguir. Antes, evidentemente, crescerá de forma avassaladora, como uma tempestade, a assustar muita gente. Mas após a tempestade, o sol volta a brilhar.

A outra forma de vencer o mal, ao contrário disso, é atender ao convite divino para a prática do amor solidário. Diante do apelo divino as pessoas podem responder com a pronta adesão. E assim, como num círculo virtuoso, o mal pode ser extinto numa sucessão de atos amorosos.

Então voltemos à nossa indagação: Na bíblia, os tantos anúncios do fim dos tempos pretendem nos assustar ou nos convidar a trilhar os caminhos do Senhor?

É fato que Jesus anuncia o fim. Mas também orienta aos discípulos: diante das notícias de “guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim” (Lc 21,9). Aumentará o sofrimento das pessoas por causa das reações da natureza e da mesquinharia humana na forma de “terremotos, fomes e pestes”. Mas, antes disso, aqueles que são de Cristo serão “presos e perseguidos” (Lc 21,11-12). Há, ainda, o risco de ser ludibriado pelos falsos messias. Mas Jesus é taxativo: “Não sigais essa gente!” (Lc 21,8), pois representam as forças do mal, da mentira, da enganação…

Mas tudo isso é necessário ocorrer, pois antecede o fim. As forças do mal irão se impor, enganando as pessoas, criando divisão e ampliando o terror. A maldade se infiltrará até no coração das famílias, gerando discórdia e divisão. “Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos” (Lc 21,16). Enfim, o mal se espalhará e as pessoas pensarão que ele venceu.

Entretanto, a verdade é outra. As forças do mal somente estarão fazendo com que os corações se manifestem em suas verdadeiras intenções. Os bons ampliarão sua rede do bem, aproximando-se do Senhor; os maus, ao ampliar a maldade, estarão dando passos definitivos para seu próprio fim. “Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,18-19).





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Todos os santos: Bem aventurados!

(Reflexões baseadas em: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1 jo 3,1-3; Mateus 5,1-12)




Quem são os santos? De onde vieram os santos? O que os torna santos?

Estas – e possivelmente outras – indagações podem surgir quando a Igreja nos propõe celebrar o “Dia de Todos os Santos”. Celebração essa que encontra uma de suas bases no livro do Apocalipse (Apocalipse 7,2-4.9-14).

Para entender, observamos o anjo de Deus em ação.

Na atuação do anjo que “trazia a marca do Deus vivo” podemos encontrar uma resposta. Ela aparece quando grita aos outros quatro anjos para conter os danos que deviam provocar sobre a terra o mar e as árvores. Seu grito era para conter a danação “até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap 7,2-3).

Com isso somos informados que são Santos os assinalados como servos de Deus. Mas a visão joanina diz mais. Ela parte da afirmação de que a terra, o mar e as árvores passarão por uma grande devastação. Como consequência disso, as pessoas serão atingidas. Por isso é que, antes da grande catástrofe, os santos devem ser assinalados a fim de serem poupados.

Assistindo a tudo isso, João vê três grupos de pessoas. No primeiro estão os filhos de Israel, já separados. Ao seu lado estão os cristãos. Formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7,4.9). E eles distinguiam-se dos demais por que “trajavam vestes brancas”. Estes afirmam com segurança: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. Essa multidão é formada por todos os que “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,10.14).

O terceiro grupo, não está bem definido, mas são aqueles que não receberam o sinal de Deus. Mas, pior do que isso, ainda estão colaborando para a devastação da terra, das águas e das florestas (as árvores). Não serão assinalados, pois seus atos cotidianos, lhes impede de pertencer ao grupo dos seguidores do cordeiro.

Os três grupos formam uma multidão, mas só mereceram a atenção do anjo de Deus aqueles os assinalados e os que receberiam o sinal divino. O terceiro grupo optou por se distanciar do Plano de Deus pois colaborou com os males do mundo e do ambiente. E sofrerá as consequências da devastação do mundo e a ser provocada pelos quatro anjos.

Entretanto, diz João para os Santos, em sua primeira carta (3,1-3). Estão reservadas as maravilhas do Reino. Àqueles que superarem as tribulações, está reservado um “presente” de Deus: neste mundo serão “chamados filhos de Deus”. (1Jo 3,1)

Em seguida João explica: os que receberam o sinal de Deus, pelas águas do Batismo, e se portaram como cristãos ao longo da vida são os “filho de Deus”. E diz, ainda “nem sequer se manifestou o que seremos”. Os santos, os que seguirem os passos do Ressuscitado “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2).

O modelo de santidade não são os outros santos, mas o próprio Jesus Ressuscitado. Esse é o modelo e caminho a trilhar: “purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1Jo 3,3).

Assim chegamos ao ponto de nos indagarmos: como entrar no caminho da santidade? Como entrar nesse processo de purificação, que nos assemelha a Jesus? Qual o caminho para atingir a santidade? É Jesus quem oferece a resposta, conforme ensina Mateus (5,1-12).

O manual de santidade está no chamado “Sermão do monte” ou da montanha. Numa série de nove afirmações que se popularizaram como as “bem aventuranças”. Nesse, que podemos chamar de poema, estão algumas situações desafiadoras. Cada bem aventurança faz uma denúncia. Denuncia uma situação a ser superada a fim de que se realize a promessa.

Denuncia o orgulho e a soberba com a proposta da mansidão; denuncia as situações que geram angústia para anunciar o consolo; denuncia a maldade dos agressores para anunciar a mansidão; denuncia as injustiças para que haja espaço para a transformação social; denuncia os que almejam maldade e vingança para plantar misericórdia; denuncia as situações de pecado pessoal e social como impedimento para ver a Deus; denuncia a violência e a guerra para construir a filiação divina. E, acima de tudo, quem lutar para a concretização destes anúncios vai sofrer perseguições, vai perder a vida, vai ser injuriado...mas estes verão a Deus. Terão uma grande “recompensa nos céus”.

O caminho da santidade, o mérito de ser assinalado com a marca de Deus, não são os santos, mas o seguimento do manual de Jesus Cristo. Quem trilhar esse caminho será bem aventurado.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Finados: Deus, tudo em todos

(Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27; 1 Coríntios 15,20-28; Lucas 12,35-40)




Raramente, numa conversa com as pessoas, encontramos alguém que não fique perturbado diante do único fato indiscutivelmente presente na vida de todas as pessoas: a Morte que, como cantou Raul Seixas, “talvez seja o segredo desta vida”.

Sendo assim, o chamado “Dia de Finados” se presta a fazermos algumas considerações.

Aquele que se popularizou como “Dia de Finados” é o dia em que a Igreja celebra “Todos os fiéis defuntos”.

Primeiro, por que “fiéis defunto”?

Porque a Igreja entende que após esta vida terena, aqueles que confessaram a fé cristã, recebem nossas orações, nossas lembranças, nossa sintonia com eles e com o Pai. Ou seja, no pós morte a vida continua...

Em segundo lugar, por que, dizemos que nossos mortos são “finados” e a Igreja fala em “defunto”?

Na realidade a duas palavras querem dizer a mesma coisa. Referem-se a uma pessoa que findou (Finados) ou cumpriu sua jornada neste mundo terreno e entrou numa outra esfera da realidade, juntamente com todas as demais pessoas que já terminaram sua jornada na terra. O defunto é aquela pessoa que está fora desta realidade, também porque concluiu sua tarefa no mundo terreno, em nosso cotidiano.

Mas, do ponto de vista cristão, nenhum dos termos, a rigor, contrapõe os vivos, referindo-se a todas as pessoas que permanecem nas realizações terrenas; e os mortos, referindo-se àqueles que deixaram de existir neste mundo. Isso porque os vivos, na terra, após sua morte, ou seja ao se finarem ou tornarem-se defuntos, permanecem vivos para o convívio definitivo com Deus ou numa outra vida, eternamente afastada dos dons divinos. A vida, portanto, continua sendo vida, após a morte!

Essa certeza nos é apresentada por Jó (19,1.23-27) e também por Paulo, escrevendo à comunidade da cidade de Corinto (1Cor 15,20-28).

O sábio e sofredor Jó fala sobre essa esperança da vida depois da vida: “meu redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó” (Jó 19,25). Assinala aqui, não só a fé na vida depois da vida terrestre, mas também indica os fundamentos de um princípio da fé cristã: o redentor que se levanta do pó é uma referência à ressurreição de Cristo, nosso modelo.

Jó não se limita a anunciar que Deus retorna à vida. Ele acredita na sua própria restauração pois, o Deus que retorna do pó também o tirará das mãos da morte. “Depois do meu despertar, levantar-me-á junto dele, e em minha carne verei a Deus” (Jó 19,26).

Por sua vez, Paulo explica em que consiste essa vida após a morte: trata-se de uma vida em Cristo,contemplando o Pai. Trata-se de ressuscitar para uma nova vida, como Cristo ressuscitou. Trata-se de ser vivificado em Cristo, uma vez que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados” (1Cor 15,20-22).

Além disso, o apóstolo indica que a morte não é o fim. Ela também será derrotada pela vida em Cristo. “Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,25-26). Ao instalar o Reino definitivo, cessarão todas as dores, inclusive aquilo que sentimos como a dor da separação, causada pela morte. Também por isso a morte acaba sendo vista como uma inimiga a ser vencida pela vida definitiva no Reino.

Mas a lição definitiva é ensinada pelo próprio Jesus (Lucas 12,35-40), o enviado do Pai para ser o primeiro vencedor da Morte. Ele ensina que ao ser humano cabe viver em seu cotidiano. Esse viver, entretanto, tem que ser atento: a qualquer momento será interrompido pela morte. E, não custa nada repetir, contra ela não existem alternativas. Ela se instala na vida de todos, como ponte para outra vida: com ou sem Deus, depende de cada um!

Daí a necessidade de viver com intensidade,sim, mas em sintonia com o Senhor da vida. Com alegria e sem medo, sim, mas tendo o cuidado de não desprezar os preceitos divinos; com desprendimento de tudo e de todos, sim, mas em perfeita união com o Pai, pois dele vem a definição para a consumação da vida de cada um e dos tempos.

Por isso sua recomendação,dirigida aos discípulos e a cada um de nós: “Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12,40). E por ocasião desse retorno, a morte será derrotada e a vida será plena e, como diz Paulo, Deus será tudo, em todos!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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