sexta-feira, dezembro 18, 2020

ADVENTO: Faça-se em mim



(Reflexões baseadas em: 2 Sm 7,1-5.8b-12.14a.16; Romanos 16,25-27; Lucas 1,26-38




O que deixa um pai ou uma mãe orgulhosos?

Saber que seu filho é uma pessoa destacada, bem vista, respeitada na sociedade… Saber e poder divulgar o sucesso de seu filho: Isso deixa os pais orgulhosos; e os pais gostam de fazer isso!

Mas Maria não caiu nessa. É diferente sua postura, segundo nos mostra Lucas (Lc. 1,26-38).

A jovem, “Maria de Nazaré” não entrou na onda do anjo que “rasgava” elogios ao seu filho que ainda nem era nascido e que, aliás, ainda não havia sido concebido. O anjo veio lhe pedir autorização para que a “sombra” ou “o poder do Altíssimo” (Lc 1,35) a cobrisse, para que o filho fosse concebido.

Da resposta de Maria dependeu o futuro da humanidade, pois da mesma forma que ela respondeu sim: “faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38), poderia ter dito não. Poderia ter recusado a proposta… e, certamente, Deus, em sua bondade, não a recriminaria. Ele conhece o ser humano. Sabe de quê é capaz, para o mal e para o bem!

Independentemente de sermos católicos ou de qualquer outra denominação cristã, não podemos negar que, apesar de sua pouca idade, Maria demonstrou profunda maturidade: “Faça-se em mim!”

Essa menina de Nazaré (Lc 1,26) teve uma postura exatamente oposta à de Davi (2 Sm 7,1-5.8b-12.14a.16). Ela, profundamente devota ao seu Deus, deu-se o direito de questionar o anjo: “Como se fará isso?” (Lc 1,34). Certamente ela argumentou, dizendo ao anjo: “Você me aparece, falando belas coisas a respeito de meu filho”; dizendo que ele “será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de nosso pai Davi” (Lc 1,32). E ela conclui seu argumento demonstrando a completa inveracidade da mensagem do anjo: “Como você pode dizer uma coisa dessas se eu nem estou grávida ainda? Aliás, ainda não se consumou meu casamento!”

Exatamente o oposto do que havia feito Davi. Numa atitude soberba o rei estava se comparando a Deus: “Vê: eu resido num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda!” (2Sm 7,2). Nessa postura ostentatória engambela até o profeta que lhe dá razão: “Vai e faze tudo o que diz o teu coração, pois o Senhor está contigo”. (2 Sm 7,3).

O fato é que Deus não está na ostentação. Ele vive no meio do povo simples, humilde, empobrecido! Por isso se opôs aos planos do rei!

Não sendo um Deus de ostentação leva o profeta reformular sua postura e voltar com uma reprimenda ao rei: “Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (2 Sm 7,5). E o Senhor deve ter dito mais. Deve ter falado ao rei: “ponha-se em seu lugar, garoto! Afinal de contas, quem é você?” E leva o rei a uma revisão de sua história: “Fui eu que te tirei do pastoreio, do meio das ovelhas, para que fosses o chefe do meu povo, Israel.” (2Sm 7,8). E o Senhor conclui a conversa dizendo que Ele, Deus, é quem edifica e não o rei. E, no tempo oportuno, de acordo com a vontade de Deus, nascerá um filho do rei. E Deus afirma que nesse filho “Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre” (2 Sm 7,16).

Essa promessa divina se concretiza e se torna definitiva em Jesus Cristo que “reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).

A postura do rei não está adequada ao plano do Senhor. A observação de Davi expressa a vontade humana, não a sintonia com o plano divino.

Essa é a diferença entre a postura de Davi e de Maria: ele quer ostentar poder edificando a casa do Senhor. Por seu lado, questionando o anjo, Maria se coloca nas mãos de Deus: “faça-se em mim de acordo com suas palavras!”

Podemos dizer que esse é o espírito do Avento. Uma proposta de mudança de atitude.

Durante quatro semanas fomos convidados a rever nossas vidas, nossas posturas, nossos projetos… tudo que se adequar ao plano divino de simplicidade, de doação ao outro, de reformulação e reconstrução do mundo e da sociedade… tudo isso está em sintonia com o plano de Deus e adequado ao advento: em sintonia com o sim de Maria e da preparação para a vinda do Senhor. Mas, na medida em que as pessoas se colocam como centro de ostentação, como o fez Davi, estão retardando a implantação do Reino. Por outro lado, aqueles que se dedicam a preparar e ajudar a instalar o Reino, podem dizer, como Paulo (Rm 16,25-27): “Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar” (Rm 16,25) na fé, na esperança e no engajamento em favor do outro. Como nos mostrou a Mãe do Senhor.

Então, como o advento é uma proposta de reflexão, de reformulação, de redefinição, de recondução da vida…. Vamos aproveitar este tempo para reformularmos nossas vidas. Agindo assim nós nos afastaremos da postura de Davi e nos aproximarmos da doação mariana. E nós também saberemos dizer: Faça-se em mim de acordo com suas palavra.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sábado, dezembro 12, 2020

ADVENTO: O Espírito do Senhor



(Reflexões baseadas em: Isaías 61,1-2a.10-11; 1Tessalonicenses 5,16-24; João 1,6-8.19-28)







“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim”, são as primeiras palavras de Isaías (61,1-2a.10-11), na primeira leitura deste terceiro domingo do Advento.

E se atentarmos para a sequência da leitura, veremos a explicação; o porquê da presença do Espírito: a unção, o envio e o tempo da redenção (Is 61,1-2)

A unção, nesse contexto, é uma referência ao caráter messiânico da profecia. Ao receber a unção, recebe-se também a autoridade do Senhor. Por isso o ungido é, também, enviado por Deus para uma missão definitiva: “proclamar o tempo da graça” (Is 61,2a). Ou seja, o ungido recebe a missão de perdoar e salvar. Esse é o motivo da alegria (Is 61,10): em posse do “manto da justiça” o messias (o ungido) “fará germinar a justiça” (Is 61,11). Havendo justiça, existe alegria, pois cessam os sofrimentos.

O “Tempo da Graça” é o tempo do perdão, mas isso só porque é um tempo de justiça. Só é possível o perdão mediante a possibilidade da justiça. Como o Senhor sempre é justo, cabe ao ser humano, se quiser ser perdoado, praticar a justiça, aprendendo e reproduzindo a Justiça do Senhor Justo. A justiça, portanto, é um dom divino a ser praticado e partilhado.

E em que consiste a prática da justiça? Na redenção dos cativos. No contexto em que viveu Isaías muitas pessoas eram escravizadas ou aprisionadas por dívidas. Os cativos, portanto, eram os pobres. Não tendo como saldar as dividas o pobre era feito escravo. E o tempo da graça é o tempo da remissão das dívidas, da libertação dos cativos.

Anunciar a justiça, portanto, implicava em colocar um ponto final à situação de escravidão. Era um gesto e um processo de resgate da dignidade humana. A mesma dignidade que vem sendo negada aos pobres da nossa sociedade aos quais são negados vários direitos. Basta olharmos com os olhos de cristão, para percebermos o que efetivamente ocorre ao nosso redor. Quando deixarmos de olhar o mundo, a sociedade e a relação ente as pessoas com os olhos da ganância, poderemos enxergar a degradação das pessoas que vivem na marginalidade, os empobrecidos.

Somente cumprindo essa condição é que se pode ser feliz, como orienta Paulo na primeira carta aos tessalonicenses (1Tes 5,16-24). Permanecer na alegria (1Ts 5,16) é um bom estado para se permanecer na oração e na ação de graças ( 1Ts 5,17-18). Mas isso somente é possível para aqueles que se afastam da maldade (1 Ts, 5,22). Eliminar a maldade é eliminar a degradação humana. A valorização do ser humano é a condição para permanecer “sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5,23). A preparação para o Natal, para a vinda do Senhor, como podemos perceber, é um convite à valorização do ser humano.

Alguém poderia perguntar: Onde o ser humano é desrespeitado? Ao se lhe negar amplo acesso à saúde, à moradia, à escola, ao trabalho, ao direito de discordar, ao alimento… quando nós ou nossos governantes valorizamos a ostentação, admitimos leis excludentes ou dizemos que o outro é pobre por preguiça… estamos desrespeitando ou apoiando governos e pessoas que desrespeitam o ser humano. E isso não é divino. Por isso a orientação de Paulo “examinai tudo e guardai o que for bom.” (1 Ts 5,21).

Não é demais ressaltar que a obra do anticristo é mostrar a degradação como algo natural. E quando alguém apoia os geradores da degradação humana e ambiental, está apoiando o anticristo, o adversário de Deus.

Com isso em mente podemos observar a postura de João Batista (João 1,6-8.19-28). Como sobre ele pairava o espírito do Senhor, tinha autoridade “para dar testemunho da luz” (Jo 1,6). Tinha autoridade para se apresentar como a voz que gritava no deserto: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” (Jo 1,23).

O batista não pretendia atrair as atenções para si, numa atitude soberba de quem deseja aplausos. Pelo contrário, fugia da ostentação e, indagado sobre sua atuação, mostrava não a sua obra, mas apontava para aquele que era a luz, por ele testemunhada (Jo 1,7-8). Por não desejar ser o centro das atenções, mas para indicar o Messias (ungido), dizia não ser digno de estar aos pés daquele a quem viera anunciar: “Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (Jo 1,27). E podia recriminar seus ouvintes: “no meio de vós está aquele que vós não conheceis” (Jo 1,26).

Talvez essa postura do Batista possa ser, também, um critério para examinarmos nossas atitudes e a daqueles pregadores que buscam os holofotes...

Conhecedor da força do Espírito do Senhor, o Batista podia dar testemunho da luz; apontando aquele que daria o Espírito santificador, podia exigir que se aplainassem os seus caminhos; em nome da luz benfazeja, sabia ser uma voz a clamando a presença do Ungido/Messias e, este sim, Senhor de todo poder, envia a todos, anunciando o tempo da redenção…

E Ele está para chegar! E quando chegar quem sabe nos dará o dom de receber os dons do Espírito do Senhor.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


terça-feira, dezembro 08, 2020

GRITO


    Meu grito, não sai naquilo que falo,

    mas sim naquilo que calo.

        Minha dor, não dói naquilo que falo,

        mas sim naquilo que calo.

            Minha ira, não se expressa naquilo que falo,

            mas sim naquilo que calo.

                Minha denúncia, não está naquilo que falo,

                mas sim naquilo que calo.

Minha fala, não está naquilo que falo,

mas sim naquilo que calo.


Escute, não aquilo que falo,

mas sim aquilo que calo.

Reflita, não aquilo que falo,

mas sim aquilo que calo.

Entenda não aquilo que eu falo,

mas sim aquilo que calo.


Eu calo aquilo que falo!


Penetra as entranhas ocultas, não o que calo,

mas falo. 


Neri de Paula Carneiro

sábado, dezembro 05, 2020

Advento: Consolai



(Reflexões baseadas em: Isaías 40,1-5.9-11; 2 Pedro 3,8-14; Marcos 1,1-8)




O tempo do Advento nos enche de inspiração.

No primeiro domingo, fomos convidados à vigilância a fim de alimentar a esperança. Ou seja, rever nossas atitudes e comportamentos a fim de adequá-los à proposta divina da renovação do mundo. Afinal, essa é a esperança que alimenta o mundo.

Neste segundo domingo a proposta nos é feita em vista da consolação. Depois seremos convidados a exultar de alegria porque no quarto domingo nos será comunicada a presença de Deus entre nós.

O apelo à consolação nos é apresentada por Isaías (Is 40,1-5.9-11), quando o profeta explicita a ordem do Senhor: "Consolai, consolai o meu povo” (Is 40,1).

Por que o povo deve ser consolado? Essa é a pergunta inevitável. E a resposta nos é apresentada pelo mesmo profeta, dirigindo-se à “mensageira de sião” (Is 40,9), encarregada de levar ao povo a notícia de que “o seu serviço está cumprido, que a sua iniquidade está expiada, que ela recebeu da mão de Iahweh paga dobrada por todos os seus pecados" (Is 40,2).

O povo havia se distanciado do Senhor e cometera as mais absurdas profanações. Mas o que o povo havia feito de tão ruim, que merecera tamanha punição? Havia seguido lideranças políticas cujas atitudes enganavam ao povo e os distanciavam dos caminhos do Senhor. Ou seja: O povo estava, sim, afastado do Senhor. Mas fizera isso porque se deixara seduzir pelos seus governantes que diziam estar falando em nome do Senhor, mas efetivamente agiam em beneficio próprio.

Algo muito parecido com o que assistimos nos dias atuais. Quando vemos governantes cometendo atrocidades contra os direitos do povo, contra a saúde, contra a vida, contra o ssitema escolar, contra o saber.… E eles fazem isso repetindo o nome de Deus. Mas, na verdade, são representantes do demônio. Suas belas palavras são enganosas, sua boca se abre para a mentira. E todas essas mentiras fazem com que o povo caia na tentação… Pensam que estão seguindo um líder que fala em nome de Deus, mas são enganados pelo representante do Anticristo.

E, se isso é verdade em relação à política, não é menos verdade em relação a muitos líderes religiosos: Gritam o nome de Deus, mas profanam o seu nome quando seu interesse é o dinheiro extorquido dos pobres...

O mesmo alerta emitido por Isaías é repetido na carta de Pedro (2 Pe, 3,8-14).

Em sua carta, o apóstolo reitera que pecado do povo é perdoado, mas isso não afasta nem impede a chegada do “dia do Senhor” que “chegará como um ladrão” (2 Pe 3,10).

O clima de iniquidade é grande, e não é de hoje. Desde os tempos antigos a maldade vem tomando conta das pessoas, das cidades, das nações. Até a literatura já o repetiu, como nos versos de Chico Buarque, quando cantou “Geni e o Zepelim”: “Quando vi nesta cidade tanto horror e iniquidade resolvi tudo explodir”. E o comandante dessa nave só não explode o mundo de iniquidade porque se enamora de uma moça malvista, marginalizada. Por isso condiciona o perdão: “Posso evitar o drama, se aquela formosa dama esta noite me servir”.

Na música, a mulher marginalizada, excluída e estigmatizada salvou aquele povo fictício que representa o povo real que respira maldade. Os canhões do comandante da música se assemelham ao mundo se desfazendo “com estrondo, os elementos, devorados pelas chamas, se dissolverão e a terra, juntamente com as suas obras, será consumida” da carta de Pedro (2Pe 3,10). Também nos faz lembrar dos montes “aplainados” e à necessidade de que “seja entulhado todo vale, todo monte e toda colina sejam nivelados” (Is 40,3-4), a fim de que se instale a glória do Senhor, conforme se lê na carta de Pedro: “aquilo que nós esperamos, conforme a sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2 Pe, 8, 13). Aquela mulher humilhada, pode ser vista como uma metáfora de Jesus que, com seu sofrimento, resgata a todos aqueles que o acolhem. Jesus, é o pastor que cuida do “seu rebanho, com o seu braço reúne os cordeiros” (Is 40,11).

Com esse olhar nos voltamos para Marcos (1,1-8), retomando as palavras de Isaías, para falar do “mensageiro” que vem para “preparar os caminhos do Senhor” (Mc 1,3). Ele “batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,8) a fim de que se instale a Justiça entre os seres humanos.

O mudo corrompido e a sociedade sem rumo é o espaço em que vai agir o mensageiro a fim de anunciar o “novo céu e a nova terra” (2Pe 8,13). Nesse novo mundo a justiça será uma luz guiando a todos. Todos que não estiverem cegos pelos seus próprios interesses, não estiverem cegos pela cobiça, cegos pela exploração dos pobres...

O novo mundo, crescerá por sobre os escombros da sociedade humana, destruída como o foram os montes, para “preparar os caminhos do Senhor, tornando retas as suas veredas” (Mc 1,3)

O novo mundo, onde ajustiça há de reinar, será um espaço em que os pobres não mais chorarão, pois suas necessidades serão atendidas, não por um Deus distante, mas por um Senhor que vem ao nosso encontro. E, então, não mais será necessário apelar para que o povo seja consolado, mas todos se apoiarão mutuamente, todos consolados e saciados pelo Senhor que veio para os seus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sábado, novembro 28, 2020

Advento: Vigiai



(Reflexões baseadas em: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1 Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37)




Estamos iniciando um novo ano litúrgico: primeiro domingo do Advento.

Estamos celebrando a esperança: apesar de toda as negligência humana, Deus não nos abandona. Mesmo e apesar da nossa infidelidade, Deus insiste em nos visitar. Ele continua acreditando em nós, apesar de nossa incredulidade; mesmo contra nossa desesperança… Por tudo isso, neste tempo de advento, Deus nos convida a dar mais uma oportunidade à esperança; ainda é possível alimentar a esperança!

É verdade que precisamos abrir um espaço em nossa agenda. E, se fizermos isso, certamente ouviremos o convite: Deus nos chama a rever nossas passos; nos convida a redefinir nossos rumos; nos propõe redefinir nossa trajetória; nos encoraja a buscá-lo em nosso caminhar.

A proposta é bastante clara, pois estamos num ponto em que precisamos tomar uma decisão: continuar nos caminhos tortuosos da indiferença para com a proposta divina degradando o mundo e vitimando nossos irmãos ou aderir ao projeto do Reino.

O profeta Isaías (63,16b-17.19b;64,2b-7) chama nossa atenção para este ponto importante: estamos nos afastando do Senhor. Diz o profeta: “Todos nós nos tornamos imundície e todas as nossas boas obras são como pano sujo. Murchamos todos como folhas e nossas maldades empurram-nos como o vento” (Is 64,5).

E assim, afastados do Senhor, uma vez que “não há quem invoque teu nome” (Is 64,6), estamos completamente atolados em nossos desatinos. Como estamos “à mercê da nossa maldade” (Is 64,6), o trem da história humana encontra-se fora dos trilhos. E, dessa forma, cresce entre nós não o projeto do Reino, mas o anti-Reino alimentado pela maldade humana que, não só cresce como também floresce e frutifica em nossa sociedade.

Prevalecendo a vontade humana e não o projeto de salvação, mesmo as ações aparentemente solidárias, altruístas não passam de “imundície”, pois o motor para essas ações está assentado nas aparências. Por isso o profeta usa a metáfora do “pano sujo” (Is 64,5): quem tenta limpar algo com um pano sujo o que faz é espalhar a sujeira. A melhor obra de caridade e os grandes gestos de solidariedade, quando não são autênticos, mas movidos pelos interesses pessoais (da política, da exploração econômica, da evidência…) ou pela sede da retribuição, pela vontade de se evidenciar… não passa de maldade humana, reflexo da nossa imundície.

Só tem valor, como semeadura do Reino, aquilo que é feito desinteressadamente. O bem que faço a alguém, argumentando que “quando eu precisar alguém fará o mesmo por mim”, não tem valor para o Reino. Nesse caso, estarei fazendo em busca do meu benefício e não pensando no outro. Faço o bem, porque desejo uma retribuição. Nesse caso eu permaneço no centro dos interesses e não na necessidade do outro.

Importa, para frutificar a semente do Reino entre nós, realizarmos não o que nos apetece, mas aquilo que é agradável ao Pai. Importa comportarmo-nos não como donos da verdade, mas como o barro na mão do oleiro, como diz o profeta: “Tu és nosso pai, nós somos o barro; tu és nosso oleiro e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).

Por sua vez, constatando o aumento da maldade humana, as ambições humanas, as atitudes egoístas e interesseiras, entre as pessoas, Paulo orienta a comunidade de Corinto (1Cor 1,3-9), a fim de que permaneçam na graça de Deus, no seguimento de Jesus. E o apóstolo é categórico, dizendo que é Jesus quem “dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível” (1Cor 1,8). A graça cresce e frutifica na mesma proporção da entrega e do “testemunho” sobre Cristo (1Cor 1,6).

A fidelidade de Deus é constante e por isso, dos seus, espera a “comunhão com seu filho, Jesus Cristo” (1Cor 1,9). A fidelidade divina, sendo constante, pede, da parte humana, de nossa parte, também atitudes de fidelidade ao projeto do Reino, que se expressa em atos de “amorização”.

Isso nos conduz à proposta do tempo litúrgico que estamos celebrando: o advento é um Momento propício para deixarmos de lado as posturas tortuosos e trilhas traçadas que nos afastam do Senhor. Daí a recomendação de Jesus, narrada por Marcos (13,33-37): vigilância. Importa a postura de se deixar moldar pelo oleiro divino (Is 64,7). Importa abrir espaço para o crescimento da graça de Deus entre nós. Mas, sobretudo, importa permanecer atentos aos sinais do Reino e ao combate ao anti-Reino.

Como o joio e o trigo, as sementes do Reino e do anti-Reino estão presentes na sociedade humana. A acomodação e a negligência em relação às boas obras são a terra fértil do anti-Reino. Por seu lado a vigilância se expressa nas atitudes em favor do outro, na medida em que cada um cumpre com “sua tarefa” (Mc 13,34) de fazer crescer atos em favor do bem, em favor dos menos favorecidos, em favor de quem precisa.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, novembro 25, 2020

UMA CANTATA NATALINA

Estamos nos aproximando do final do ano!!!!!!!

E uma das marcas do final do ano são as diferentes comemorações!!!!

Elas podem ocorrer em família. Entre amigos. Entre colegas de trabalho...

E, aqui entre nós, entre estudantes… ou alunos, dependendo do contexto ou do caso.

Cada grupo que comemora o final do ano, tem a sua característica.

Entre os estudantes as comemorações do encerramento do ano é a euforia pela aprovação: aquele grito de “PASSEI!!!!”, precedido de tensão e apreensão e sucedido por uma pequena corrida em direção a um colega de sala: “PASSEI!!!!”. Seguem-se mais uns pulinhos e, às vezes, um abraço no colega e algumas lágrimas que demonstram o alivio e o fim da tensão...

Só que neste fim de ano, talvez não tenhamos isto…

Talvez não tenhamos isto porque não passamos pela tensão de estudar e fazer e tarefa e o professor corrigir e não estar correto e o professor não dar nota e a reclamações contra o professor que não vistou aquela tarefa e aquele caderno e… tudo isso e aquilo e mais um tanto de coisas. Este ano não termos isto. E por não termos isso, talvez não haja empolgação pelo “PASSEI!!!!”. Talvez, até, nem percebamos que terminou o ano letivo...

Simplesmente passaremos……..

Mas, fim de ano não é só isso!

Tem um monte de luzes coloridas pelas ruas, pelas lojas pelas casas… E a luz, além de iluminar, nos propõe rever o caminho percorrido.

Um caminho que, neste ano, foi horrivelmente diferente: ausências, distâncias, silêncios… e, uma palavra que tivemos que, amargamente, aprender seu significado: ISOLAMENTO. Tudo parecendo uma terrível cena de um grotesco filme de suspense e terror… só que é de verdade. E nós estivemos e ainda estamos, inseridos nesse drama.

Mas, fim de ano também tem Natal!

E com o natal vem um montão de coisas e ideias e propósitos e ESPERANÇAS……….

Principalmente a esperança de que no ano que vem tudo seja diferente… e será! E será?



Neri de Paula Carneiro

sábado, novembro 21, 2020

Cristo Rei

A liturgia, do dia em que a Igreja celebra “Jesus Cristo: Rei do Universo”, pode nos dizer muita coisa e nos orientar em relação aos nossos comportamentos. Algo que nos é dito é que Deus cuida dos seus; uma orientação diz respeito às nossas atitudes em relação às outras pessoas.

Além deste ser o último domingo do ano litúrgico, as leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, são um forte convite: ou estamos do lado de Deus ou estamos sem Ele. Não há meio termo. Mas o estar ou não com Deus, não depende do Senhor, mas das nossas opções. Isso fica muito claro nas palavras de Ezequiel (Ez 34,11-12.15-17). E mais nítida ainda é a afirmação de Jesus (Mt 25,31-46). As palavras do Senhor não poderiam ser mais claras: “todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

O profeta mostra a disposição de Deus em cuidar de nós, seu rebanho. Ele afirma: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas”. E por que o senhor faz isso? Por que Ele afirma que vai cuidar de suas ovelhas? Porque os pastores, aqueles que deveriam cuidar do rebanho, as dispersou ou deixaram que se perdessem. E quando as ovelhas estavam perdidas o Senhor veio pessoalmente para resgatar o rebanho. Isso no-lo afirma o profeta e o demonstra Jesus Cristo com sua paixão e ressurreição.

Para socorrer as ovelhas extraviadas, feridas, enfraquecidas e doentes (Ez 34,16), o Senhor se coloca como pastor zeloso, cuidadoso, e pronto a fazer justiça(Ez 34,17). Em meio a essa situação catastrófica para com o rebanho, o Senhor, proprietário do rebanho, do curral e das pastagens… vem em defesa das suas ovelhas, mal cuidadas por aqueles que as deviam proteger. E o cuidado do Senhor, não será como a dos pastores irresponsáveis e negligentes. O cuidado do Senhor é feito em sintonia com o direito: contra os pastores negligentes e opressores; separando as ovelhas e os bodes (Ez 34,17).

E em defesa dos mais marginalizados e sofredores, excluídos e desprezados, Jesus se coloca como Juiz. E assume essa postura não só porque é o Senhor, filho de Deus, mas porque é o Rei e soberano do universo (Mt 25,31).

A pergunta que nos colocamos, neste ponto é: por que um Deus tão compassivo e disposto ao perdão assume sua majestade e se coloca como juiz definitivo? Ou, dizendo de outra forma: Por que o Senhor, em sua vinda gloriosa, separará ovelhas e cabritos?

A primeira resposta é a afirmação de que a convivência com os maus pastores corrompeu o rebanho. Por causa dos maus pastores muitos se afastaram da proposta inicial, apresentada ainda no livro do Gênesis: Deus viu que tudo que havia feito era bom e deu aos seres humanos uma só missão: a missão do crescimento.

A segunda resposta diz respeito a cada um de nós e vale para todos os tempos. Trata-se das nossas atitudes. Noutras palavra: não é o Senhor que fará a separação, mas aquilo que tivermos realizado é que mostrará a nossa essência.

Assentado sobre seu trono de glória, Jesus, o pastor eterno, chamará a todos. Ovelhas e bodes; bons e maus. “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele” (Mt25,32). Então é que fará a seleção. Então é que apresentará sua lista com os critérios seletivos. Então cada um olhará para aquilo que tiver realizado ao longo de sua vida, como quem olha em um espelho.

E, então, nos veremos como somos.

E, então, não é o Senhor quem julga, mas cada um de nós é que nos aproximaremos do Senhor, em função das nossas obras; ou nos afastaremos dele, envergonhados por tudo que tivermos realizado ao longo de nossa vida.

Os atos dos nossos pais do Gênesis inseriram no mundo o germe da maldade, nos ensina Paulo (1 Cor 15,20-26.28). Mas pelos méritos de Jesus, tivemos nova oportunidade.

E essa nova oportunidade, selada com o sangue na Cruz, é a face do espelho diante do qual nos colocaremos para nos olharmos em plenitude.

Esse espelho nos mostra que não é o Rei do Universo que nos julga, mas as nossas atitudes cotidianas. O juiz definitivo, portanto, não é o Senhor, mas nós mesmos ao percebermos se cumprimos ou não as exigências, os critérios do Reino.

O senhor está de braços abertos para nos acolher. O reflexo das nossas obras nos impulsionará para retribuirmos ao abraço definitivo; ou nos obrigará a nos afastarmos, curtindo uma eternidade de vergonha e remorsos por não termos feito aquilo que poderia sanar a dor dos menores irmãos do Senhor.

Neri de Paula Carneiro

sábado, novembro 14, 2020

Os talentos

O que nos vem à cabeça quando ouvimos ou falamos ou lemos a palavra talento?

Parece que a maioria de nós pensa em uma determinada habilidade para realizar algo: fulano tem talento para a música; aquele menino tem talento para contar piada. Aquela menina é uma dançarina talentosa… Ou seja, ao mencionarmos talento, estamos nos referindo a uma qualidade; uma característica que tem a ver com algo valoroso.

E o que nos vem a cabeça quando lemos, nos textos bíblicos, a palavra talento?

Essa é uma das questões que a liturgia nos apresenta neste trigésimo terceiro domingo do tempo comum. Então, de que nos lembramos quando lemos, na bíblia, a palavra talento?

Parece que nos vem a cabeça a ideia de moeda, pagamento, recompensa, retribuição… Parece que nos lembramos mais de aspectos econômicos do que de habilidades. Parece que tem algo a ver com valor, sim, mas valor econômico.

Voltemos à questão: o que, exatamente, significa o talento bíblico? Essa é a questão que nos é apresentada por Mateus (Mt 25,14-30), no trecho conhecido como parábola dos talentos. Também o livro dos Provérbios apresenta as características de uma mulher virtuosa (Pr. 31,10-13.19-20.30-31), ou “talentosa” (Pr. 31,10). Até mesmo Paulo, na segunda leitura, da carta aos Tessalonicenses (1 Ts 5,1-6), chama a atenção para uma virtude, um talento, uma habilidade, que a comunidade deve preservar: a vigilância (1 Ts 5,6)

Então voltemos à questão: o que é o talento, na bíblia?

Não se trata, nem de uma moeda nem de uma virtude ou habilidade. Trata-se de uma unidade de medida de volume. Popularmente chamaríamos de peso. E, mais especificamente, o talento, correspondia ao volume que podia variar entre aproximadamente 30 a 40 quilos, dependendo do lugar e da época. Parece que no tempo de Jesus correspondia a um volume entre 25 a 30 quilos.

Poderíamos dizer, portanto, que na parábola narrada por Mateus os servos receberam, respectivamente (Mt 25,15): o primeiro, cinco talentos correspondendo a aproximadamente 150 quilos dos bens do seu patrão; o outro recebeu dois talentos, que correspondia a aproximadamente 60 quilos dos bens do patrão. E o terceiro recebeu um talento que correspondia a aproximadamente 30 quilos dos bens do patrão.

Esses bens tanto podiam ser em ouro como em prata – ou outro bem. Mas como os dois primeiros aplicaram os talentos e ao retornar o patrão repreende ao terceiro por não ter aplicado nem depositado o dinheiro no banco (Mt 25,27), isso nos leva a supor ou a imaginar que eram moedas de ouro ou prata. O primeiro transformou os cinco em dez; o segundo transformou os dois em quatro. E o terceiro escondeu o tesouro (afinal, trinta quilos de prata/ouro é um tesouro, é um valor alto)…

Agora, convenhamos: será que Jesus estava querendo falar a respeito de riquezas, de ouro e prata? Ou ele queria chamar nossa atenção para algo que vai além e muito superior ao valor econômico?

Com certeza não estava interessado em ouro ou prata. Estava interessado nas posturas. Nos comportamentos, nas atitudes. Usa a metáfora do talento, por isso o gênero literário das parábolas, para chamar a atenção em relação a uma postura muito mais importante: ser capaz de agir e não de se esconder. Importa ser capaz de realizar as obras da construção do reino e não se omitir, como o servo que escondeu o tesouro.

Isso nos é demonstrado na descrição da mulher ideal. Notemos que as virtudes elogiadas, em primeiro lugar não são os dotes domésticos, mas o fato de ser merecedora de confiança (Pr 31,11) e promotora da felicidade (Pr 31,12). Suas mãos são elogiadas, por executarem algumas tarefas (Pr 31,13.19), mas sua principal virtude é a generosidade para com o necessitado (Pr 31,20) e sua fé no Senhor (Pr 31,30).

Paulo reforça a importância da postura voltada não para os valores econômicos, mas para aqueles que podem conduzir à vida. O apóstolo não diz que os bens materiais são imprestáveis ou que sua posse é condenável. Afirma que a base da confiança não são os bens, mas a vigilância. Não basta ter tudo e acreditar que isso trará “paz e segurança” (1 Ts 5,3). A verdadeira segurança não se deposita nos bancos, mas está depositada na confiança para com o Senhor. O acúmulo dos bens, ao invés de produzir confiança e agradecimento ao Senhor, leva a acomodação e à displicência. O verdadeiro valor se manifesta na vigilância. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6).

E isso nos traz de volta à narrativa de Mateus. O discurso tem, sim, uma base econômica, mas a parábola, como é de sua natureza, leva para algo que está além; a parábola é uma comparação que arremete àquilo que realmente importa: fazer com que o servo (o cristão) que é fiel, ou seja, aquele que faz de sua vida uma ação transformadora para mais, possa participar das alegrias do Senhor: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25,21.23).

Em compensação, aquele que se diz cristão, mas não faz nenhuma ação transformadora, em sua vida nem na sociedade, esse é o servo “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Esse merece ser descartado (Mt 25,30).

E a nós, cabe nos perguntarmos: qual tem sido nossa ação? Como temos nos comportado? Qual servo nós somos?




Neri de Paula Carneiro

domingo, novembro 08, 2020

O noivo está chegando


“O Noivo está chegando” (Mt 25,6), foi o grito que se ouviu no meio da noite. Claro que esse grito, avisando a chegada daquele que, na cultura judaica, é o centro da cerimônia. Esse grito mostra a essência da mensagem de Mateus (Mt 25,1-13), neste trigésimo segundo domingo do tempo comum, quando somos convidados atender ao apelo da Sabedoria.

A pergunta que agora se faz é: qual o significado dessa parábola, narrada por Mateus? A resposta está no conjunto das leituras que a Igreja nos apresenta para esta celebração.

O livro da Sabedoria (Sb 6,12-16) dá a primeira dica: mostra algumas características da Sabedoria que, em várias passagens da Bíblia, pode ser identificada com o Espírito Santo. A primeira característica é a afirmação de que a “Sabedoria é luminosa” (Sb 6,12). Essa luz permite que ela seja contemplada e encontrada pelos que a procuram. Ela mostra-se àqueles que a desejam (Sb 6,13). Mais do que isso, a Sabedoria não só se mostra como também “sai à procura dos que dela são dignos” (Sb 6,16).

Isso implica dizer que a Sabedoria, dom do Espírito, é compartilhada por Deus com quem a procura, mas essa busca implica na dignidade, ou seja, no merecimento.

Isso implica dizer,também, que muitos a buscam, mas são indignos dela. Esses podem até praticar atos inteligentes, ter posturas que aparentam sabedoria, mas não passam de atos interesseiros. Não se trata de sabedoria, mas de esperteza. Aqueles golpes maravilhosos efetuados pelos malandros; aquelas artimanhas e emaranhados de falcatruas dos políticos… aparentam sabedoria, mas demonstram apenas a esperteza. A esperteza que não é uma face da sabedoria, mas uma demonstração de capacidade para enganar os outros. Isso não é divino, pelo contrário: é diabólico.

Cada um dos políticos que enganam o povo com belos discursos ou cada golpe dos espertalhões de plantão, não evidenciam uma expressão da sabedoria, mas uma demonstração de sua face diabólica. A esperteza é diabólica, porque não pensa no crescimento coletivo. E, por ser individualista, busca apenas a vantagem pessoal; a sabedoria é divina, pois sua preocupação é o crescimento de todos; é a satisfação e felicidade de todos.

A sabedoria, são as cinco acompanhantes do cortejo nupcial, que levaram não só as lamparinas acesas, mas também o óleo para reabastecê-las ao longo da festa (Mt 25,4). A esperteza são as cinco acompanhantes que somente levaram as tochas acesas, sem o combustível para abastecimento (Mt 25,2). E, pior ainda, em sua tentativa de se dar bem e tirar proveito da sabedoria das outras, tentaram extorquí-las: “Dá, nos um pouco do seu óleo” (Mt 25,8).

Mas a sabedoria, orienta e corrige a malandragem, sem ser mesquinho: “Não podemos fazer essa doação porque, se a fizermos ficaremos todas desabastecidas e a festa perderá o brilho.” A sabedoria mostra o caminho da honestidade e sensatez: “Da mesma forma que nós fomos ao mercado e compramos, vão vocês também. Comprem o que lhes falta e todos teremos o suficiente” (Mt 25,9). 

Só a sabedoria pode se contrapor aos espertalhões. Só a sabedoria pode construir a justiça e a equidade. Só a sabedoria pode desbancar os espertalhões e aproveitadores.

Por isso, na parábola, Jesus mostra que as acompanhantes descuidadas, mas aproveitadores, não se deram bem, pois ao terem seu golpe desmascarado, foram obrigadas a buscar, por conta própria, a solução de sua deficiência: “vão vocês mesmas comprar o que lhes falta”. E, por não estarem preparadas; por terem tentado se aproveitar das outras; por terem deixado pra depois; por terem ido às compras fora de hora… essas cinco moças foram deixadas de fora e não puderam participar da festa (Mt 25,12).

Nessa perspectiva, também podemos entender a carta de Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 4,13-18). Nem na vida nem na morte o cristão pode se esquivar à fazer justiça. Nem na vida nem na morte há privilégios, há apenas compromisso com a equidade e com a ordem estabelecida pelo Senhor.

E, de Jesus, ouvimos o conselho: “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). São necessárias a vigilância e a sabedoria. É a sabedoria que determina o grau de vigilância e o comprometimento com a chegada do Noivo, convidando a todos para a festa no céu.

O Noivo concede a liberdade para que as pessoas não se preparem, para a festa. E, nesse caso, até tolera e aceita que se tente sanar a deficiência. Mas para isso tem que haver honestidade e não tentativa de se aproveitar do outro.

Todos são convidados para a festa. Só não temos a informação sobre o momento em que ela vai começar. Por isso, é necessário sermos sábios, sem apelar para a postura aproveitadora; por isso é necessário ver o que temos para contribuir e não só quer tirar vantagem.

É a sabedoria que nos permitirá acompanhar o Noivo quando soar o grito: “O noivo está chegando!”




Neri de Paula Carneiro

domingo, novembro 01, 2020

Finados: um exame de vida

Na celebração do dia de Finados podemos nos lembrar que “o caminho da vida é a morte”, como contou Raul Seixas no último verso de sua música “Caminhos”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas esse período, invariavelmente, termina quando ocorre o encontro com a morte.

Também nós, em um escrito para a filosofia, havíamos dito que o sentido da vida é a morte. E, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.

Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados, cemitério e a palavra morte por quatro vezes. E mais, se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?

Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada a uma ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim, pois o finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos; e poderia ser entendido como o dia em que se celebra aqueles que chegaram ao ponto final de suas vidas; aqueles cujas vidas terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.

Mas se atentarmos para as leituras que a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestarmos atenção às leituras notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena.

No texto extraído do livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó! (Jó, 19,23-24). E conclui afirmando que em seu momento final “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar o discurso adiante. A morte é a ponte que liga a vida a outra vida.

Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.

Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai, que é resgatar a todos. Ele afirma: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40).

Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.

Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela esperança que nos faz caminhar. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos.

Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo minha vida?”

Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos antes do dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o dia de finados e o nosso dia final, termos uma vida santa para entregar ao Pai.

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, outubro 30, 2020

Todos os Santos

O que faz um santo ser santo?

Possivelmente seja essa a grande pergunta para a qual todos queremos uma resposta, quando celebramos o dia de Todos os Santos. E, se celebramos “Todos os Santos”, também nos perguntamos por que alguns são santos e outros não? O que diferencia um santo das demais pessoas? O Santo passa a ser santo quando a Igreja assim o denomina ou é santo durante sua vida terrena?

Podemos iniciar compreendendo o significado da palavra “santo”. Além de significar “algo sagrado”, a palavra “santo” tem a conotação de algo ou alguém escolhido por Deus. Como se pode ver na primeira carta de São Pedro aos “eleitos conforme a presciência de Deus Pai e pela santificação do Espírito, para obedecerem a Jesus Cristo” (1 Pd 1,1). Esses “eleitos” sãos os escolhidos por Deus para formar uma “nação santa”, cono diz o apóstolo: “Vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para sua luz maravilhosa.” (1 Pd 2,9).

Mas a santidade não é via de mão única. Não basta a escolha divina. Tem que ter uma resposta humana. Essa é a orientação que podemos ler na primeira carta de Pedro: “Como filhos obedientes, não moldeis a vossa vida de acordo com as paixões de antigamente, do tempo de vossa ignorância. Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo vosso proceder.” (1 Pd 1,14-15). A santidade, portanto, tem a ver com as posturas, com os comportamentos do dia a dia.

Há, portanto, um chamado divino, uma escolha divina e ao ser humano, cabe dar uma resposta. Uma resposta que se expressa na manutenção de uma vida exemplar; cabe viver num processo de purificação e “praticar um amor fraterno sem fingimento. Amai-vos, pois, uns aos outros, de coração e com ardor”(1 Pd 1,22), orienta Pedro. Sem atos de amor ao outro, não há santidade.

A proposta à santidade é de origem divina, mas a resposta é postura humana, como ensina João, em sua primeira carta (1 Jo. 3,1-3). É necessária, da parte humana, aderir àquele que deu seu sangue purificador: “Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1 Jo 3,3).

A afirmação da importância da adesão, da fé, da esperança, da confiança em Jesus Cristo, pode ser lida em outro escrito joanino. No livro do Apocalipse (7, 2-4.9-14). Os eleitos e que aderiram ao chamado, formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap 7,9).

E João explica o porquê dessa multidão trajar vestes brancas: isso ocorre porque eles enfrentaram e superara a “grande tribulação”. A fé, sendo expressa em atos, tem consequências. Essas consequências manifestam-se nas tribulações da vida cotidiana. Por isso, João afirma que, ao enfrentarem, ao passarem e ao superarem, as tribulações, aqueles que formam essa multidão “lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro". (Ap 7,14).

E quem faz parte dessa multidão? Quem nos dá essa resposta é Mateus (Mt 5,1-12a), dizendo que a multidão de eleitos é formada pelos “bem aventurados”: os pobres, os aflitos, os mansos, os que desejam justiça, os misericordiosos, os de coração puro, os promotores da paz, aqueles que são perseguidos por serem justos, aqueles que são injuriados e perseguidos por causa de sua prática cristã. Todos esses são bem aventurados, são os santos, são os eleitos… são os que deram uma resposta ao chamado de Deus. Podemos até dizer mais. Os santos não são aqueles que passam a vida rezando, mas os que fazem de sua vida uma oração.

É claro que a Igreja, só para nos evidenciar alguns modelos de virtude, escolhe entre seus santos do cotidiano, alguns para nos servirem como modelos. Entretanto, a celebração de todos os santos não se destina à exaltação daqueles que já mereceram destaque.

No dia de todos os santos a Igreja nos convida a prestar homenagem a esses que fazem de sua vida um cotidiano de resposta ao apelo divino.

Neri de Paula Carneiro

sábado, outubro 24, 2020

Não maltrates

Quem lê a bíblia pode perceber as maravilhas que Deus faz em favor de seu povo. O livro do Êxodo é um exemplo disso. E hoje, neste trigésimo domingo do tempo comum, ao lermos Ex 22,20-26, podemos superar qualquer dúvida: O senhor, definitivamente, toma o partido de seu povo. Mas, em meio ao povo, faz escolhas e opções de classe: opta pelo estrangeiro (Ex 22,20), pelo órfão e sua mãe viúva (Ex 22,21) mas, principalmente, faz uma opção pelo pobre (20,24).

É maravilhosa a forma como Deus defende o indefeso; como se coloca ao lado daquele que não tem companhia; como faz questão de ameaçar aqueles que ameaçam aos fracos. Mostra que sabe usar sua mão poderosa e a força de sua ira: “minha ira se inflamará” (Ex 22,23) contra aquele que causa a dor do indefeso, diz o Senhor. Mas, por outro lado, mostra sua compaixão, mostra sua face amorosa quando defende o fraco que clama por justiça e diz que “eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” (Ex 22, 26).

Então, se você ouvir por aí, ou ler em algum lugar, alguém dizendo que não se pode misturar a prática religiosa com questões sociais, com política… pode crer que esse faz parte do time do anticristo. Pois Deus não é apartidário. Pelo contrário, Ele toma partido contra os poderosos opressores e defende as vítimas do sistema sócio-econômico ou da ambição dos usurários e banqueiros. “Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não agirás como um agiota.” (Ex 22, 24).

Essa postura do Deus do antigo testamento, defendendo o fraco, repercute na postura de Paulo, hoje na carta aos tessalonicenses (1Ts 1,5c-10). Aparece justamente quando o apóstolo elogia, não eventuais orações vazias, mas atitudes de solidariedade. Paulo elegia os tessalonicenses porque depois de terem ouvido a Boa Nova, anunciada pelo apóstolo, eles tornaram-se “um modelo para todos os fiéis” (1Ts1,7). O exemplo dessa comunidade foi tão convincente que passou a ser mais eficiente que a própria pregação (1 Ts 1,8), “pois todos contam como fomos recebidos por vós” (1Ts 1,9). Sua solidariedade perdurou por séculos, tanto que nos dias atuais somos convidados a olhar nossas atitudes tendo como parâmetro o que fizeram os tessalonicenses.

E se tudo isso ainda não for suficiente para demonstrar a necessidade da prática da fé, Mateus (22,34-40), mostra como Jesus subverte os valores antiquados e resume todos os mandamentos e ensinamentos dos profetas (Mt 22,40. E acaba mostrando que todos os mandamentos se resumem em dois, que na prática são um só: trata-se do mandamento do AMOR. Um amor que, ao mesmo tempo, está voltado para Deus, sem deixar de estar voltado para o outro. Amar a Deus e amar ao próximo: essa é a lei!

E Jesus é bem específico, ao dizer que “toda a lei e os profetas DEPENDEM desses dois mandamentos”. Ou seja, não adianta nenhuma outra atitude, dita cristã, se essa outra atitude não for pautada pelo mandamento do amor.

A questão, agora, é saber o porquê dessa opção em favor do amor para com o outro; o porquê da defesa do pobre, do fraco, do injustiçado.

A resposta ou o porquê disso é porque aqueles que estão em situação de vulnerabilidade não têm ninguém em sua defesa. E estão nessa situação, justamente, por estarem abandonados.

É a existência de pessoas não amadas, sofrendo, sendo vítimas de todo tipo de espertalhão é que o Livro Sagrado fala em sua defesa. E a lei, ou a nova lei, vale enquanto persistirem as situações contra as quais ela foi criada. Enquanto existirem pessoas sendo enganadas, ludibriadas, extorquidas, roubadas em seus direitos… vale advertência do livro do Êxodo: quando o pobre gritar em seu sofrimentos “eu ouvirei seu clamor. Minha ira se inflamará, e eu vos matarei à espada” (Ex 22,22-23).

E você: não quer ser destinatário da ira do Senhor? Então não maltrates aqueles que convivem com você. Mas não seja bonzinho apenas por medo da Ira do Senhor. Seja justo e honesto em todas as suas atitudes porque essa é a coisa certa a ser feita.

E se alguém ainda te disser que não deve misturar coisas da religião com a busca pela justiça social, então essa pessoa não deve ser levada a sério, pois: ou não entende nada do que o Senhor fala pela bíblia, ou faz parte do time do anticristo. Quanto a nós que abraçamos aquilo que o Senhor nos ensina, sigamos sua orientação: “não maltrates!”

Neri de Paula Carneiro

sábado, outubro 17, 2020

Para que todos saibam

Quais os planos de Deus? Quem é escolhido por Deus? O que deve ser ofertado a Deus?

Estas são algumas indagações que podemos nos fazer, diante das leituras que a Igreja nos apresenta neste vigésimo nono domingo do tempo comum.

A primeira indagação tem a ver com a primeira leitura, retirada do profeta Isaías (Is 45,1.4-6). Nestes poucos versículos o profeta mostra como Ciro, rei persa, portanto um estrangeiro, é visto e indicado como emissário de Deus. O contexto é o final do período exílico, quando Ciro vence os babilônios e o profeta vê nisso um indício de que o fim do cativeiro está próximo, pois o jovem rei está vencendo seus inimigos. E, do ponto de vista político, trata-se de uma leitura simples: derrotando os adversários, Ciro pode ser visto como aliado do povo hebreu, que fora exilado quando Nabucodonosor dominou Jerusalém.

Os dados históricos são fáceis de entender. A grande questão é saber qual o propósito de Deus em permitir que seu povo seja dominado e exilado. A resposta histórica: porque o império babilônico está em expansão e os descendentes de abraão estão em decadência moral e política. Mas do ponto de vista religioso, pode-se dizer que o cativeiro ocorreu porque os dirigentes do povo se corromperam, aderiram a outros deuses e aceitaram os valores das nações dominantes. Ou seja, a corrupção da classe dirigente respingou malefícios sobre o povo.

Como o Senhor não abandona os seus, Isaías vê em Ciro o enviado de Deus, para purificar o povo, depois de “dobrar o orgulho dos reis” (Is 45,1). O rei persa é escolhido pelo nome, “por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel” (Is 45,4), diz o Senhor que se apresenta como único Deus (Is 45,5-6).

Qual o plano de Deus? Apresentar-se: “Eu sou o Senhor, não há outro”!

Paulo (1 Ts 1,1-5) vai acrescentar um ingrediente novo: vai mostrar que esse único Deus é, também, trino. E por ser trino, uma comunidade, mobiliza a comunidade para a união e a oração, como a comunidade de Tessalônica, “reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1), mediante a força do Espírito Santo (1Ts 1,5). É a ação da trindade.

Com isso, Paulo mostra que, não só o estrangeiro Ciro é escolhido pelo Senhor, mas o próprio Senhor se manifesta aos estrangeiros, pois a comunidade cristã à qual o apóstolo dirige esta carta é uma comunidade sediada numa cidade grega. Ou seja, a Igreja que nasceu do sangue derramado do cordeiro, nasce com vocação para ir além das fronteiras. É uma igreja missionária.

Sendo uma comunidade missionária, o que a Igreja pode entregar a Deus?

Evidentemente não vai ser a atitude vil dos representantes do povo, como mostra Mateus (Mt 22,15-21). Aqueles que se fazem representantes do povo traçam planos para enganar e tirar proveito próprio. Mesmo sendo de grupos adversário como os fariseus e os herodianos (Mt 22, 15-16) são capazes de se unir para praticar maldades. O mesmo que fazem atualmente os partidos adversários que se unem com o objetivo de alcançar o poder… e os benefícios que ele confere.

Esse exemplo nefasto se perpetuou e muitos daqueles que, atualmente, são ou pretendem ser representantes do povo manobram para enganar à população. Da mesma forma que tentaram enganar a Jesus. Aqueles foram desmascarados pelo Mestre. Cabe a nós, nos dias atuais, não nos deixarmos levar na onda dos espertalhões. Desmascarar aqueles que nada plantam junto ao povo, mas em tempos eleitoreiros querem colher votos dos desavisados.

É claro que o imposto devido, se justo e retornável em forma de benefícios sociais, devem ser pagos. Por isso, Jesus admite que se deve dar “a César o que é de César”. Isso porque o cristão não está aqui para desestabilizar o sistema. Mas, por outro lado, o cristão é aquele que dá “a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,21)

Em que consiste isso?

Consiste em manter uma atitude, ao mesmo tempo orante e atuante na sociedade. Deus não perde nem lhe é acrescentado nada, se apenas nos prostrarmos em recitações do orações ou estardalhosa profusão de preces. Ao Senhor importa a atitude e a postura diante e ao longo da vida.

Ciro, o persa, deu a liberdade ao cativos. A comunidade de Tessalônica deu, segundo escreve Paulo, “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança” (1 Ts, 1,3). A postura de Ciro e a dos tessalonicenses foi semelhante: fizeram algo pelo outro. A fé, a caridade e a esperança dos tessalonicenses tinham o objetivo de ajudar.

O que se deve ofertar a Deus, portanto, muito mais do a orações vazias de ação, são as ações em forma de oração, para que todos saibam que o quê nos move não é só a fé. Somos movidos, também pela esperança… e principalmente pela caridade comprometida.

Neri de Paula Carneiro

domingo, outubro 11, 2020

Nossa Senhora Aparecida

Além de ser dia das crianças, no dia 12 de outubro também se comemora o dia de Nossa Senhora Aparecida.

Quando se fala isso, não são poucas as pessoas que argumentam: “Não entendo: Tem Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Guadalupe… e Nossa Senhora Aparecida, além de outras. Afinal de contas, quantas Nossas Senhoras existem?”

A resposta, com sabemos é esta: só existe uma, que é Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Essa é a Nossa Senhora. E é Nossa Senhora por ser a mãe de Nosso Senhor, como nos diz a canção do Padre Zezinho:

“O povo te chama de Nossa Senhora

por causa de Nosso Senhor

O povo te chama de Mãe e Rainha

Porquê Jesus Cristo é o Rei do céu

E por não te ver como desejaria

Te vê com os olhos da fé

Por isso ele coroa a tua imagem Maria

Por seres a mãe de Jesus

Por seres a mãe de Jesus de Nazaré

Como é bonita uma religião

Que se lembra da mãe de Jesus

Mais bonito é saber quem tu és

Não és deusa, não és mais que Deus

Mas depois de Jesus, o Senhor

Neste mundo ninguém foi maior”

Como podemos ver, a canção nos explica o porquê da devoção a Nossa Senhora: por ser a mãe do Nosso Senhor; é rainha porque Jesus é o Rei dos céus; não é deusa, nem maior do que Deus. Mas neste mundo ninguém foi maior, pois só ela teve a graça de nos dar Jesus de presente.

Mas, antes de entendermos as “tantas nossas senhoras”, vamos entender porque fazemos preces a Maria, mãe de Jesus. É a mesma canção do pe Zezinho que explica:

“Aquele que lê a palavra Divina

Por causa de Nosso Senhor

Já sabe que o livro de Deus nos ensina

Que só Jesus Cristo é o intercessor

Porém se podemos orar pelos outros

A Mãe de Jesus pode mais

Por isto te pedimos em prece oh! Maria

Que leves o povo a Jesus

Porque de levar a Jesus entendes mais”

Só Jesus leva ao Pai, mas Maria leva a Jesus. Levou, ou seja, carregou Jesus em seu ventre, por isso pode nos levar, ou seja, conduzir a Jesus, e Ele nos leva ao Pai. Aliás esse é sentido do texto do Evangelho (Jo 2, 1-11) que a Igreja nos convida a refletir no dia de Nossa Senhora: Maria viu que havia um problema: o vinho estava acabando. Não teve dúvidas, foi até Jesus como a mãe que vai ao filho: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).

Podemos até pensar que Jesus foi grosseiro com sua mãe. Mas Ele somente argumentou: “O que você está me pedindo, mãe? Minha hora ainda não chegou. Mas pode deixar que dou um jeito” (Jo 2,4). E ela, com a certeza de que um filho não se nega a atender à mãe, dirigiu-se aos garçons: “Confiem no meu filho. Ele vai tirar vocês do apuro. Vai salvar a festa e o casamento. Façam o que ele disser” (Jo 2,5).

A postura de Maria, na festa de Caná, foi semelhante à atitude da rainha Ester (5,1b-2; 7,2b-3): ambas são intercessoras em favor do povo. Maria intercede em favor da felicidade do casal, pois a família é importante. Tão importante que começa numa festa. E Maria intercede para que a festa continue e a família possa iniciar sem contratempos. Da mesma forma Ester, intercede pela vida de seu povo: "Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!(Es 7,3).

E assim chegamos aos títulos de Nossa Senhora. A mesma e única Maria de Nazaré, cultuada, venerada, admirada, amada de várias formas. Por ensinar a rezar: Nossa Senhora do Rosário; Por ser luz no caminho das pessoas: Nossa Senhora das Candeias. Por ter se manifestado nas localidades de Fátima, Lourdes: Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Por ser protetora e defensora dos índios: Nossa Senhora de Guadalupe, manifestando-se na cidade de Guadalupe, no México. E Nossa Senhora Aparecida, a protetora da nação brasileira, que escolheu se manifestar entre os pobres, pescadores, escravos… vítimas dos exploradores do povo. Essa é a Nossa Senhora Aparecida, pois apareceu em favor dos que dela precisavam.

Nos dias que estamos vivendo, com tanto sofrimento no meio do povo, podemos nos apegar com Maria, a Nossa Senhora e, talvez, devamos confiar mais nela. Talvez devamos nos dirigir a Maria, não como quem vai ao mercado, mas como o filho que confia na mãe. Talvez devamos confiar na mãe de Jesus como confiaram os garçons e os pescadores do rio Paraíba do Sul.

E vamos pensar juntos: se podemos manter uma boa relação com Maria, seguramente teremos boa amizade com seu filho; uma relação de amizade, a partir da qual podemos até dizer que somos da família do Pai, do Filho e do Santo Espírito, pois a mão já nos adotou.

E se ainda temos alguma dúvida, vamos cantar com os versos do pe Zezinho:

“Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia

Quando por entre as redes, aquela imagem aparecia

Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor

Agradeceram todos à mãe de Cristo por tanto amor!




Quero entender o culto que começou, desde aquele dia

Muitos não compreendem, dizendo ser uma idolatria

Mas neste simbolismo daquela imagem, de negra cor

Chega-se com Maria ao santuário do salvador!




Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente

Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente

Numa nação, aonde imperava a mancha da escravidão

Nossa senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos”

Com a ajuda da mãe, talvez sejamos capazes de ajudar no processo de libertação contra os opressores do povo. Pois é em favor do povo é que “a mãe de Jesus está presente” (Jo 2,1).




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

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