sábado, 12 de dezembro de 2020

ADVENTO: O Espírito do Senhor



(Reflexões baseadas em: Isaías 61,1-2a.10-11; 1Tessalonicenses 5,16-24; João 1,6-8.19-28)







“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim”, são as primeiras palavras de Isaías (61,1-2a.10-11), na primeira leitura deste terceiro domingo do Advento.

E se atentarmos para a sequência da leitura, veremos a explicação; o porquê da presença do Espírito: a unção, o envio e o tempo da redenção (Is 61,1-2)

A unção, nesse contexto, é uma referência ao caráter messiânico da profecia. Ao receber a unção, recebe-se também a autoridade do Senhor. Por isso o ungido é, também, enviado por Deus para uma missão definitiva: “proclamar o tempo da graça” (Is 61,2a). Ou seja, o ungido recebe a missão de perdoar e salvar. Esse é o motivo da alegria (Is 61,10): em posse do “manto da justiça” o messias (o ungido) “fará germinar a justiça” (Is 61,11). Havendo justiça, existe alegria, pois cessam os sofrimentos.

O “Tempo da Graça” é o tempo do perdão, mas isso só porque é um tempo de justiça. Só é possível o perdão mediante a possibilidade da justiça. Como o Senhor sempre é justo, cabe ao ser humano, se quiser ser perdoado, praticar a justiça, aprendendo e reproduzindo a Justiça do Senhor Justo. A justiça, portanto, é um dom divino a ser praticado e partilhado.

E em que consiste a prática da justiça? Na redenção dos cativos. No contexto em que viveu Isaías muitas pessoas eram escravizadas ou aprisionadas por dívidas. Os cativos, portanto, eram os pobres. Não tendo como saldar as dividas o pobre era feito escravo. E o tempo da graça é o tempo da remissão das dívidas, da libertação dos cativos.

Anunciar a justiça, portanto, implicava em colocar um ponto final à situação de escravidão. Era um gesto e um processo de resgate da dignidade humana. A mesma dignidade que vem sendo negada aos pobres da nossa sociedade aos quais são negados vários direitos. Basta olharmos com os olhos de cristão, para percebermos o que efetivamente ocorre ao nosso redor. Quando deixarmos de olhar o mundo, a sociedade e a relação ente as pessoas com os olhos da ganância, poderemos enxergar a degradação das pessoas que vivem na marginalidade, os empobrecidos.

Somente cumprindo essa condição é que se pode ser feliz, como orienta Paulo na primeira carta aos tessalonicenses (1Tes 5,16-24). Permanecer na alegria (1Ts 5,16) é um bom estado para se permanecer na oração e na ação de graças ( 1Ts 5,17-18). Mas isso somente é possível para aqueles que se afastam da maldade (1 Ts, 5,22). Eliminar a maldade é eliminar a degradação humana. A valorização do ser humano é a condição para permanecer “sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5,23). A preparação para o Natal, para a vinda do Senhor, como podemos perceber, é um convite à valorização do ser humano.

Alguém poderia perguntar: Onde o ser humano é desrespeitado? Ao se lhe negar amplo acesso à saúde, à moradia, à escola, ao trabalho, ao direito de discordar, ao alimento… quando nós ou nossos governantes valorizamos a ostentação, admitimos leis excludentes ou dizemos que o outro é pobre por preguiça… estamos desrespeitando ou apoiando governos e pessoas que desrespeitam o ser humano. E isso não é divino. Por isso a orientação de Paulo “examinai tudo e guardai o que for bom.” (1 Ts 5,21).

Não é demais ressaltar que a obra do anticristo é mostrar a degradação como algo natural. E quando alguém apoia os geradores da degradação humana e ambiental, está apoiando o anticristo, o adversário de Deus.

Com isso em mente podemos observar a postura de João Batista (João 1,6-8.19-28). Como sobre ele pairava o espírito do Senhor, tinha autoridade “para dar testemunho da luz” (Jo 1,6). Tinha autoridade para se apresentar como a voz que gritava no deserto: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” (Jo 1,23).

O batista não pretendia atrair as atenções para si, numa atitude soberba de quem deseja aplausos. Pelo contrário, fugia da ostentação e, indagado sobre sua atuação, mostrava não a sua obra, mas apontava para aquele que era a luz, por ele testemunhada (Jo 1,7-8). Por não desejar ser o centro das atenções, mas para indicar o Messias (ungido), dizia não ser digno de estar aos pés daquele a quem viera anunciar: “Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (Jo 1,27). E podia recriminar seus ouvintes: “no meio de vós está aquele que vós não conheceis” (Jo 1,26).

Talvez essa postura do Batista possa ser, também, um critério para examinarmos nossas atitudes e a daqueles pregadores que buscam os holofotes...

Conhecedor da força do Espírito do Senhor, o Batista podia dar testemunho da luz; apontando aquele que daria o Espírito santificador, podia exigir que se aplainassem os seus caminhos; em nome da luz benfazeja, sabia ser uma voz a clamando a presença do Ungido/Messias e, este sim, Senhor de todo poder, envia a todos, anunciando o tempo da redenção…

E Ele está para chegar! E quando chegar quem sabe nos dará o dom de receber os dons do Espírito do Senhor.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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