sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O absurdo lugar do humilde

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14)




As coisas de Deus parecem absurdas.

Dizendo melhor, as coisas de Deus, aos olhos humanos, são absurdas. Por isso são divinas! Caso contrário seriam apenas coisas humanas. Mas, então, em que consiste o absurdo das coisas de Deus? Por que são absurdas?

Para entender isso, olhemos para o livro do Eclesiástico (3,19-21.30-31). Em relação aos valores do nosso mundo sem juízo, é uma loucura convidar alguém a viver a humildade. Entretanto, o Eclesiástico, afirma a necessidade de realizar tudo com base na mansidão (Ecle 3,19), com base na humildade (Eclo 3,20). E isso porque “para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele” (Eclo, 3,30). Ou seja o orgulhoso, aquele que quer “se mostrar”, tentando se sobrepor aos demais, numa postura oposta à humildade, age dessa forma porque nele existe uma raiz de pecado.

Então o que resta ao ser humano? Viver na simplicidade e buscar a sabedoria, que é um dom de Deus. “O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31).

Aos olhos de Deus o que conta não são as aparências, nem as coisas que se tem, nem a ostentação, nem as posturas do orgulhoso.

O que conta, aos olhos de Deus,são as atitudes. E a melhor atitude é a humildade. O oposto disso, nos sugere a carta aos Hebreus (12,18-19.22-24), é “escuridão, trevas e tempestade”. Mas o coração humilde conduz à “cidade do Deus vivo”; conduz à “assembleia dos primogênitos”. A atitude humilde conduz àquele que fez de sua vida um caminho de humildade, o “mediador da nova aliança”, ou seja ao próprio Jesus Cristo.

Mas, então o que vem a ser humildade?

Tem a ver com a capacidade de se reconhecer e se assumir com as qualidades e defeitos que se tem, sem querer ser mais nem menos do que aquilo que se é. É uma palavra derivada do latim, humus, que significa chão, a base a partir de onde se edificam as coisas ou de onde crescem as plantas. A humildade tem a ver com o próprio Jesus, como ensina o apóstolo Paulo (Fl 2,6-8), ao dizer que Jesus se “esvaziou” de sua condição divina para assumir a condição humana.

O humilde não é aquele que se deixa minimizar, que aceita ser humilhado, pisado. Pelo contrário. O humilde é aquele que assume seu espaço, seu papel, sua condição de base; que se coloca como o chão a partir de onde se podem construir os demais valores. Nisso reside sua força

Nas palavra de Lucas (14,1.7-14) é isso que ensina Jesus na parábola do convite.

Ao perceber que as pessoas queriam se destacar no grupo de convidados, contou a parábola, dizendo que não é conveniente, ao chegar em uma festa, ocupar os primeiros bancos, os lugares de destaque. Pois pode ser que esse espaço tenha sido reservado para convidados especiais. E, se isso ocorrer, imagina o “mico”tendo que se levantar e ir ocupar um lugar lá nos fundos?… “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: 'Dá o lugar a ele'. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar” (Lc 12,8-9).

Essa não é a postura nem a posição do humilde. Pelo contrário. Essa é uma situação humilhante, na qual aquele que não é humilde é obrigado, por outros, a deixar a postura ostensiva e colocar-se em seu lugar, pois estava tentando usurpar o que não era o seu.

Nessa parábola Jesus ensina qual deve ser a postura daquele que é humilde, que sabe qual é sua posição. É a postura daquele que não busca ostentação nem quer se mostrar acima dos demais. Sabe qual é o seu chão e, por isso, não busca mais do que sabe merecer. Mas também sabe que pode ser destacado por ser o que é. E, novamente, é a palavra de Jesus quem nos explica isso: “Quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: 'Amigo, vem mais para cima'. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 12,10).

E isso nos leva à indagação: qual é o lugar da pessoa humilde?

Seu lugar, como diz o Eclesiástico é o do homem inteligente pois ele “reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31). Seu lugar, ensina Jesus, é o daquele que, ao dar uma festa não convida quem lhe pode retribuir. Pelo contrário convida os pobre e marginalizados, aqueles que não tem como retribuir. Fazendo isso, diz Jesus, “tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14).

Como se vê, as coisas de Deus parecem absurdas!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Uma mulher vestida de sol

(Reflexões baseadas em: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1 Coríntios15,20-27a; Lucas 1,39-56)




Uma mulher vestida de sol (Mulher especial, brilhante, portadora da luz) está para dar a luz um filho que vem para realizar a salvação, da parte de Deus. Entretanto um dragão pretende lhe devorar o filho. Esta cena do apocalipse (11,19a; 12,1.3-6a.10ab) apresenta-se como uma tragédia. E, de fato, não dá para negar a tragédia em andamento.

A tragédia só são se concretiza porque “a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). O Deus da vida tomou a defesa da mulher e de seu filho.

Quem é essa “mulher vestida de sol”? Quem é essa criança, protegida por Deus?

Trata-se, inicialmente, de uma recordação da experiência de Maria, a mãe de Jesus, quando precisou fugir para o deserto e se refugiar no Egito, a fim de proteger o menino Jesus, recém nascido. Maria, mãe de Deus, protege seu filho e é protegida pelo Senhor. E isso ocorre porque o Senhor, que se encarnou a fim de nos mostrar o caminho do Reino, precisou crescer entre nós, provando das nossas dores.

Mas também representa a Igreja, sofrendo perseguições, ao longo dos dois mil anos de história do cristianismo.

A Igreja (entendendo as diferentes denominações cristãs) nos dias atuais, sofre com as agressões e ameaças dos monstros/dragões que são sedentos de dinheiro e poder; que ostentam o poder das armas, da corrupção, da mentira; que estão disfarçados de bons meninos e cidadãos de bem, escondidos na política, nos púlpitos das igrejas, na venda de milagres, no discurso da violência; que veneram o deus poder e riqueza, sugando a vida e os direitos dos trabalhadores, atirados aos braços da miséria. Esse monstro, o dragão dos dias atuais, do meio da lama, quer devorar os filhos da Igreja, os santos de Deus, ameaçados pelo poder do mal que cresce e seduz. É o poder de morte querendo ser maior que o Deus da vida

Mas a mulher vestida de Sol, salva pelo poder de Deus, lança um brado de esperança. Diz à criança/Igreja ameaçada: Esse momento de provação é um tempo em que se purificam e se separam aqueles que são de Deus e os que pertencem ao dragão do mal: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo” (Ap 12,10), pois o tempo está próximo.

Sabemos disso porque o apóstolo nos ensina (1Cor 15,20-27). Interpretando os sinais de seu tempo, Paulo demonstra que, da mesma forma que Cristo superou as dores e a morte “como primícias dos que morreram” (1Cor 15,20) assim também os que são de Cristo. Haverá um tempo de provação e “a seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força” (1Cor 15,24).

Os poderes da morte tentam se sobrepor ao dom da vida, ministrado pela Igreja (diferentes denominações cristãs). Os poderes de morte se infiltram entre as pessoas, seduzidas pelo adoradores da discórdia e violência; das armas e da mentira. Mas o poder da morte será destruído: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,26).

Nestas alturas vamos ouvir Maria, mãe de Jesus (Lc 1,39-56): primeiro ela dirige-se a Isabel, sua prima; mas também fala a nós que seguimos as palavras de seu filho.

Isabel recebe Maria, a mãe de Jesus, como aquela que mereceu a bênção de Deus e a chama de bendita por dois motivos: porque se fez mãe do portador da benção divina e porque acreditou que “será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,42.45). Maria assume a predileção divina e seu papel como colaboradora no plano da salvação.

Maria, a mulher vestida de sol, modelo de Igreja, assume e explicita o momento da separação entre os preferidos de Deus e aqueles que provocam as dores do povo: afirma que Deus é misericordioso, mas também mostra a força de seu braço para dispersar os promotores de maldade; destrói os poderes de morte e os ricos que os apoiam; tem um amor especial para com os sofredores e famintos. “O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,49-53).

Nestas alturas podemos nos indagar: como está nossa relação com a mulher vestida de sol? Estamos aderindo às propostas de seu filho, que foi salvo do dragão ou estamos nos deixando seduzir pelo monstro promotor da morte?

Que a luz dessa mulher luminosa nos ajude a perceber e seguir o Cristo da luz e da vida, recusando os poderes de morte; que a mulher esplendorosa nos ensine a perceber que o caminho da vida se constrói com atitudes de paz!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Fogo sobre a terra

(Reflexões baseadas em: Jeremias 38,4-6.8-10; Hebreus 12,1-4; Lucas Lucas 12,49-53)




Quem seriam os homens que procuraram o rei a fim de solicitar a morte do profeta Jeremias (38,4-6.8-10)?

É claro que a bíblia não registrou seus nomes. Não mereceram essa honra! Mas eles, certamente se apresentavam ao rei como homens de bem. Cidadãos de bem. Assíduos frequentadores do templo… E mesmo assim pediram a morte do profeta, acusando-o de falar ao povo; acusando-o de abrir os olhos do povo contra a vilania de uns tantos exploradores da boa fé das pessoas.

Não só pediram a morte do profeta, como ludibriaram o rei e lançaram Jeremias ao fundo de um poço (Jr 38,6). Na lama do fundo do poço, pois não havia água. E assim o profeta estava afundando na lama do poço enquanto a sociedade afundava na lama social...

O texto nos sugere que a sociedade toda estava afundando na lama:da corrupção, da mesquinharia, da inveja, da maledicência, da maldade, dos golpes políticos, da enganação, da mentira… e muito mais….

Podemos dizer mais, sem medo de cair me equivoco: na sociedade do tempo de Jeremias os chamados homens bons, os cidadãos de bem, aqueles que eram assíduos ao templo… na realidade eram os mais perversos moradores da cidade! Eles eram os que usavam de seu poder e prestigio social para se impor sobre o povo; indicar quem devia viver ou morrer! Da mesma forma que nos dias de hoje, aqueles que se diziam cidadãos de bem, eram os principais bandidos da sociedade: fraudando, corrompendo, extorquindo, mentindo… Quando olharmos nossa sociedade podemos ver o retrato da sociedade do tempo de Jeremias.

Mas o profeta foi salvo porque alguém de bom senso abriu os olhos do rei: “Ó rei, meu senhor, muito mal procederam esses homens em tudo o que fizeram contra o profeta Jeremias, lançando-o na cisterna para aí morrer de fome; não há mais pão na cidade” (Jr 38,9).

De que combate a carta aos hebreus (12,1-4) está falando?

Tudo indica a necessidade de uma tomada de decisão. Como se fosse um convite: aderimos ou não à proposta salvadora de Jesus.Trata-se, portanto, de uma batalha para a qual a vitória está destinada àqueles que se deixam conduzir por alguém que já venceu a morte e está vivo, sentado “à direita do trono de Deus”. Esse alguém é o próprio Cordeiro que venceu a cruz.

Somos levados a entender que ao cristão importa o empenho “com perseverança no combate que nos é proposto” (Hb 12,1). Tendo por modelo o próprio Jesus, aqueles que “suportou a cruz não se importando com a infâmia” nem com qualquer adversidade. E assim, com o sabor da vitória sobre as dores, as tristezas e, principalmente sobre a morte, Jesus “assentou-se à direita do trono de Deus” (Hb 12,2) dando-nos o modelo da esperança que conduz a uma certeza: as dores não são o fim. Haverá um depois, uma vitória, da mesma forma que ocorreu com Jeremias...

A certeza dessa vitória, acenada pela carta aos Hebreus, leva-nos a uma profunda sintonia com Jesus a fim de não nos deixarmos levar pelo desânimo: “Pensai pois naquele que enfrentou uma tal oposição por parte dos pecadores, para que não vos deixeis abater pelo desânimo” (Hb 12.3).

A certeza da vitória vai para além da esperança, pois está fundamentada na fé. Quem tem esperança, está num bom caminho, está numa caminhada; mas quem tem fé já deu o passo seguinte que consiste em realizar as obras daquele no qual acredita: a promoção da sociedade do amor.

Isso nos coloca diante das palavras de Jesus e nos leva a indagar: por que Ele afirma ter vindo trazer o fogo e não a paz (Lc 12,49-53)?

Em resposta observemos a natureza do fogo: Trata-se de um elemento que produz uma radical transformação naquilo com o que faz contato. O fogo é um elemento purificador!

Portanto, se o Senhor vem trazer o fogo, vem para promover a purificação. Se vem trazer a divisão, vem tirar a aparente paz daqueles que estão instalados nos projetos do mal. E isso que ocorre na sociedade, começa nas famílias divididas: enquanto alguns andam nas trilhas do Senhor outros preferem os caminhos da maldade, corrupção… e, outra vez, isso nos arremete àquilo que ocorreu com Jeremias… atirado na lama da sociedade que está mergulhada na lama!

E, sendo assim, observando o que ocorre em nosso mundo, somos levados não só a entender o porquê de Jesus propor o fogo purificador, mas também somos levados a pedir: vem logo, Senhor, purifica nosso mundo. Traz teu fogo e purifica nosso mundo!




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

A importância da fé

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-19; Lucas 12,32-48)




Qual a importância da fé? Onde a fé pode nos levar?

Essa poderia ser uma das questões mais importantes a ser respondida por cada um de nós que dizemos crer em Jesus.

Mostrando essa importância o livro da Sabedoria (18,6-9) chama nossa atenção para um “pacto divino” pelo qual os justos serão salvos e separados dos “adversários”. E na base desse pacto está um ato de fé, visto que o pacto se baseia na fé.

E quem são os adversários? Aqueles que não acreditam no Deus da vida;aqueles que não aderiram ao Senhor para quem “os piedosos filhos dos bons ofereceram sacrifícios”. Portanto são adversários do Deus da vida aqueles que não têm fé no Deus que caminha junto com seu povo na sua história.

E de que pacto se está falando? O acordo pelo qual “os santos participariam solidariamente dos mesmos bens” e que tem como consequência a a salvação para os santos e a “perdição para os inimigos”. Um acordo baseado na fé… que leva a uma esperança… que se traduz numa perspectiva nova de vida e de vida nova…Um pacto de vida para a vida.

E vale a pena investir na esperança, nos diz a carta aos Hebreus (11,1-2.8-19). Vale a pena alimentar a expectativa de chegar àquilo que se almeja. Vale a pena apostar no sonho. Tudo isso vale a pena porque essa expectativa e esse sonho podem ser construídos a partir de nosso cotidiano. Não se trata de algo inatingível. Aí está a base da fé esperançosa: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem. Foi a fé que valeu aos antepassados um bom testemunho”(Hb 11,1-2).

A esperança, baseada na fé, foi o que permitiu a Abraão tornar-se o pai da fé. Abraão e todos os que o sucederam alimentaram a mesma fé, alimentaram a mesma esperança. Essa fé esperançosa abre as portas para a recompensa divina. Ou seja, o porvir se constrói a partir do cotidiano: “Eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste. Por isto, Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus. Pois preparou mesmo uma cidade para eles” (Hb 11,16). A recompensa final será no porvir, mas ela se enraíza no aqui e agora; o mundo que virá tem que ser construído com as obras do dia a dia.

É verdade que o futuro é um ponto de interrogação. É uma estrada da a qual não conhecemos o trajeto. É um caminhar sem que saibamos onde colocaremos o pé para o passo seguinte… mas é, também, o único sentido do caminhar. O único sentido do viver. O único sentido para esperar, numa espera ativa visto que está sempre em construção….

E, justamente por ser um caminhar para o desconhecido, é que se faz necessária a fé e a esperança. Todos encaminhamos para o futuro: indo com nossos próprios meios, como quem corre em direção a um abraço e para os braços de Deus, ou sendo arrastados pelas circunstancias, como quem já sabe não ter feito uma boa aposta. Por isso, o caminho para o futuro pode representar uma caminhada de medo. Mas também pode ser um ato de fé, como nos ensina Jesus (Lucas 12,32-48).

O ato de fé implica, portanto, um gesto de esperança. E a esperança leva à superação do medo. “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino” (Lc 12,32).

Assim deve ser nossa postura em relação à vida, pois a vida também é uma sucessão de escolhas: optar por seguir as trilhas da esperança, da fé, da coragem… sabendo que esse caminho por mais tortuoso e difícil, leva à vitória. Ou optando pela desesperança, pela incerteza do medo, sem confiança na vitória definitiva junto àquele que é o autor da vida, Senhor de nossos destinos e sentido de nossas vidas.

Esse é um ensinamento do próprio Senhor. Orienta-nos a nos mantermos preparados, atentos, vigilantes… pois a vida é sempre uma resposta humana a um chamado divino. E o caminho da esperança e da fé, cobra de nós a postura de quem deseja dar aquela resposta do trabalhador prudente; que estará acordado na chegada do Senhor.

Então, qual a importância da fé? Onde a fé pode nos levar?

Como não existe uma reposta final e definitiva, no caminhar humano, vale nos guiarmos pelas palavras do mestre: “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34)




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 29 de julho de 2022

Tudo é vaidade

 (Reflexões baseadas em: Eclesiastes (1,2; 2,21-23); Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas (12,13-21)

 

Uma das grandes questões dos dias atuais está colocada hoje pela Palavra de Deus. Trata-se do sentido da existência e dos bens acumulados. Da mesma forma que no livro do Eclesiastes (1,2; 2,21-23) Jesus, na narrativa de Lucas (12,13-21), levanta a indagação: qual o sentido de passar a vida a acumular coisas? E essa indagação nos leva a outras: qual o sentido da vida humana? Qual o sentido da existência? O que necessitamos para viver?

O bom senso nos permite refletir sobre o sentido da vida e das coisas. Afinal, qual o sentido de passar a vida acumulando coisas se essas coisas não podem prolongar em nada a vida da pessoa. E essa reflexão nasce justamente da necessidade de resposta a esta indagação: Qual o sentido de acumular coisas, sabendo que ao partir toda a herança ficará com “outro que em nada colaborou” (Ecl. 2,21) para esse acúmulo. Algo semelhante sai da boca de Jesus, na parábola do rico acumulador: “Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?” (Lc 12,20).

O autor do livro do Eclesiastes dá uma resposta à essa indagação. Não tem sentido, pois tudo não passa de vaidade: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Mas, então, o que significa “Vaidade”? Inutilidade, futilidade, coisa vã, algo que não tem sentido em si mesmo, algo sem sentido...

Assim sendo, se tudo é vaidade, a posse dos bens também é uma vaidade. Uma vaidade que se manifesta com o nome de ganância. Mas, também em relação a isso, diz a palavra de Deus, pela boca do Filho de Deus: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). O que muito possui e o que nada tem, chegarão ao mesmo fim e nada levarão do que acumularam, apenas as obras realizadas.

A vida humana, portanto, não pode se resumir às vaidades, ou seja, às coisas inúteis, fúteis... A vida não pode se resumir ao “sem sentido” da existência. E o sentido da existência não pode ser confundida com o acúmulo de bens... tanto isso é verdade que a ganância não cessa e por mais que alguém possua, sempre deseja ter mais e faz de sua vida um tormento em busca dos bens que não lhe acrescentarão sequer um segundo à sua linha da vida! E, o que é pior, ao final da vida, tudo que foi acumulado, fica para ser desfrutado... ou desperdiçado, por outros...

Qual é, então, o sentido das coisas? Se perguntarmos a um aleijado qual o sentido de sua muleta ou sua cadeira de rodas, ele nos responderá que são instrumentos para sua locomoção. O aleijado não quer nem a muleta nem a cadeira de rodas. Ele quer a capacidade de se locomover. Essa pessoa não precisa de dez pares de muletas, nem de uma coleção de cadeiras de roda. Essa pessoa não terá maior mobilidade se sua muleta for de uma madeira simples ou de ouro... essa pessoa precisa apenas de seu ponto de apoio para se locomover... Essa é a condição humana. As coisas são as muletas e todas as que não usamos são inúteis... e, pior, podem estar faltando ao outro...

Isso posto, podemos entender as palavras de Paulo aos Colossenses (3,1-5.9-11). Nessa carta o apóstolo propõe uma ressignificação de tudo. Apresenta um sentido para o trabalho e para as coisas que se podem conseguir como fruto do trabalho. Diz o apóstolo: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Col 3,1-2).

Agora podemos retomar a indagação: qual o sentido da vida? Das coisas? Do trabalho? Qual o sentido da existência? O apóstolo dá a resposta. Nada tem sentido em si mesmo. As coisas e a vida e a existência somente têm sentido a partir da opção por Jesus. Ele é o sentido de tudo e sem ele nada do que existe tem sentido.

Não adianta ter coisas, se essas coisas não são usadas a partir do critério de Cristo. As coisas ou a vida, se não estiverem pautadas a partir de Jesus, o Cristo de Deus, podem até alegrar alguma vida, mas não conduzem à Vida Plena. “Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória” (Col 3,3-4) ... levando não as coisas, mas as obras! Pois as coisas estão no círculo das vaidades... resta saber como assinalamos nossas obras.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ensina-nos a rezar

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13)

 

Imagino que com você ocorre o mesmo que acontece comigo: ao ler ou ouvir referências a Sodoma e Gomorra, vem à mente a destruição de uma cidade pecaminosa. Creio que poucas vezes as pessoas se recordam da intervenção de Abraão, em defesa da cidade (Gênesis 18,20-32). Poucas vezes as pessoas se dão conta de que o Senhor atende às solicitações de Abraão que apela para a clemência do Senhor em favor dos moradores daquela cidade.

A clemência do Senhor é, também, o tema de Paulo, escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos, conforme lemos na carta a essa comunidade (Col 2,12-14). E o apóstolo ensina que apesar dos pecados se avolumando na vida de muitas pessoas, a doação de Jesus e seu sangue vertido na cruz, lavou todos os pecados de todas as pessoas e, graças a isso, a humanidade que estava mergulhada nos sinais de morte pode se reencaminhar na direção de uma nova vida na companhia do Cristo Ressuscitado.

Isso nos coloca diante de Jesus, sendo interpelado por alguém, querendo aprender a orar (Lucas 11,1-13). E Jesus ensina a orar. Ensina, como sempre, apresentando uma novidade: desta vez a novidade consiste em mostrar uma nova face de Deus. Mostrar a proximidade de um Deus que, não só caminha com quem O procura, mas que estende a mão como um Pai ao socorrer as necessidades do filho carente. Um pai que ouve o clamor de seu filho que lhe pede a solução de um problema, o encaminhamento diante de um desafio, o socorro numa necessidade.

Essa nova face do Deus Conosco, nos permite entender que não mais necessitamos de alguém para interceder por nós, como o fizera Abraão, em favor da cidade do pecado. Olhando a lição de oração de Jesus, podemos nos dirigir diretamente ao Pai. A Ele podemos apresentar nossas necessidades, nossas angústias, nossos desejos, nossas dores, nossas alegrias, nossa súplica e nossa gratidão. Podemos rezar pelo pão e pelo perdão; pela instalação do Reino e para sermos capazes de superar as tentações. E podemos tudo isso porque agora sabemos que temos um Deus que é Pai. Que é um Pai Nosso.

Alguém poderia dizer que agora a relação com Deus depende unicamente do orante em sintonia com o Pai. Isso porque Jesus também disse que no momento de oração a pessoa deve se colocar no isolamento do seu quarto (Mt 6,6), para ser atendido pelo Senhor que conhece as necessidades daquele que suplica.

Isso, entretanto, não invalida a importância da Igreja, a comunidade orante, pois Jesus a instituiu e a edificou sobre o alicerce de Pedro (“sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, Mt 16,18). E disse que permaneceria com a Igreja santificada pelo Espírito de Vida. E, principalmente, garantiu sua presença na união de dois ou mais que estejam unidos em seu nome e em oração (Mt 18,20). Portanto, se por um lado podemos nos dirigir, confiantes, ao Deus Pai Nosso, também devemos fazê-lo em comunidade, como Igreja, corpo de Cristo.

Então, o que aprendemos com isso?

Aprendemos que Deus não quer a ingratidão do pecado, mas está disposto a perdoar o pecador, como assegurou a Abraão: poupar a cidade do pecado se ali houver alguém merecedor do perdão, se houver arrependimento. Aprendemos que Deus aceita dialogar com o orante, como dialogou com Abraão, o intercessor, mas para isso precisamos iniciar o diálogo. Aprendemos que Deus não quer a destruição do ingrato, mas o seu arrependimento.

Além e acima de tudo isso, aprendemos que Deus é um Pai bondoso: que tem um nome santo; que oferece seu Reino de amor; que dá o pão de cada dia, mas também quer que o distribuamos àqueles que dele têm necessidade; que perdoa o pecador arrependido, mas também deseja que as pessoas aprendam a perdoar; que as pessoas aprendam a repartir o pão, pois o que sobra na mesa de um é o que falta para todos os outro; que deseja ouvir nosso pedido para não cair na tentação e no pecado. Enfim, Jesus nos ensina que Deus, nosso Senhor, é um Pai bondoso, que concede o Espírito de Vida: “Se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

Mas, ainda precisamos temos muito a aprender. Jesus e o Pai Nosso que nos dá o Espírito de Vida, quer que aprendamos a rezar, não só suplicando graças, mas também agradecendo a graça da vida cotidiana, mesmo com seus altos e baixos. Então, como o fez o discípulo, contemplando o exemplo do Mestre, sejamos capazes de pedir: “Senhor, ensina-nos a rezar!!!”

 

Neri de Paula Carneiro.

 

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

 

Outros escritos do autor:

 

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

 

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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Escolher a melhor parte

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42)




Talvez, nem todos entendam o que significa enfrentar o maior calor do dia, numa região desértica. Nesse momento de extremo calor foi que Abraão recebeu a visita do Senhor (Gênesis 18,1-10a).

Talvez, para quem não se solidariza com a dor do outro, seja difícil entender a postura de Paulo (Colossenses 1,24-28) oferecendo-se em favor dos irmãos.

E somente quem se coloca ao lado do Mestre pode entender o que escolher e como escolher a melhor parte (Lucas 10,38-42).

Nos tempos atuais, quando a violência é uma constante em nossa sociedade, causa estranheza a cordialidade da recepção de Abraão oferecida aos três estranhos. O fato é que ele os acolheu, ofereceu-lhes abrigo no momento em que eles necessitavam. Não lhes perguntou as intenções, nem se preocupou com mais nada. Apenas lhes ofereceu abrigo, água e alimento (Gn 18,3-5).

Não pediu nada em troca, apenas queria o bem estar daqueles estranhos viajantes.

E justamente por isso recebeu a melhor retribuição que nunca imaginava ser possível. Uma promessa: nova visita e o prêmio de uma nova vida. “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,10).O filho, sem dúvida, é a forma pela qual Deus concede ao ser humano a honra de continuar sua obra criadora! A criação divina se polonga nos filhos que geramos...

Qual foi a ação de Abraão, para merecer a retribuição dessa honra? Oferecer abrigo, água e comida a quem estava em dificuldade: o calor agressivo do deserto.

Por seu lado, Paulo, ao escrever à comunidade dos Colossenses, fala dos seus sofrimentos. As duras penas enfrentadas para ser fiel ao centro de suas pregações: “O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos” (Col 1,26). E o que Deus está revelando mediante a pregação paulina? A riqueza da glória divina, manifestada aos seus; a presença salvadora de seu Cristo; a esperança da vida gloriosa (Col 1,27).

O anúncio dessa esperança,se por um lado enche o apóstolo de alegria por estar colaborando no projeto de instalação do Reino de Deus, por outro lado cousa-lhe grandes transtornos e dores, pois seus adversários não estão para brincadeira: o aprisionam e o destinam à morte. Mas nem isso o intimida. E por isso vibra: “completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Col 1,24). Ou seja, o apóstolo é solidário com a comunidade, com a Igreja, com o projeto de salvação.

Assim como Abraão fez algo em favor daqueles que necessitavam, também Paulo. Enquanto Abraão recebe o dom de vida, continuando a obra da criação, com a vida de seu filho, Paulo recebe o dom de continuar a obra da salvação, continuando a obra do Próprio Salvador.

Talvez, com isso, o Senhor esteja querendo nos dizer: preciso de você para continuar minha obra. Talvez Deus esteja nos dizendo, enquanto o Reino não se instala, completamente, preciso de tua ajuda para continuar a obra da criação. Talvez Cristo esteja nos mostrando que depende de nossa ajuda para continuar a obra da salvação. Talvez, com isso, querendo nos dizer que a grandeza da obra divina, não está no milagre da criação nem da salvação, por serrem realizações divinas, mas são coisas grandiosas porque o Senhor Deus confiou a nós a missão de continuá-la. A missão humana, portanto, é gigantesca, pois tem a envergadura de uma obra divina.

Dessa forma podemos entender a situação das duas irmãs. Não que o trabalho de Marta, em seus afazeres cotidianos não sejam importantes(Lc 10,40). São importantes, pois é no cotidiano de nossa vida que se planta, germinam e crescem as sementes do Reino. Mas para que essas sementes sejam frutuosas é necessária a sintonia com o mestre.

Por isso Jesus afirma que só uma coisa é necessária: a sintonia com o projeto do Reino. E isso deve ser feito a partir de nosso cotidiano. Entretanto esse projeto tem que ser feito em sintonia com o Mestre. E Maria entendeu isso, por isso escolheu a melhor parte, que “não lhe será tirada” (Lc 10,42).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Quem é meu o próximo?

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 30,10-14; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37)




Quem está familiarizado com a leitura da Bíblia, neste caso com os evangelhos, vai entender: Jesus passou sua vida de pregador sendo tentado, testado, provado, provocado… pelos Doutores da Lei: homens conhecedores de todos os preceitos divinos, ensinados no Antigo Testamento, mas incapazes de vivenciá-los.

Esses personagens não questionavam Jesus querendo aprender com Ele nem porque o admiravam. Fazia isso porque, na sua visão, Jesus era um impostor e devia ser desmascarado. E também porque haviam se encaminhado por uma vereda que os afastava do espírito do ensinamento divino, contido nas escrituras. Sua preocupação estava na exterioridade da religião ao passo que Jesus demostra que o importante não são as aparências, mas aquilo que se vive, os motivos que leva cada um a fazer o que faz.

Tendo isso presente podemos entender a indagação que o “mestre da lei” lança a Jesus (Lc 10,25-37): “Quem é o meu próximo?”

E, diante da autoridade do mestre da lei, fala a autoridade do Filho de Deus (Colossenses 1,15-20), o Mestre da vida. E isso fez a diferença porque aquilo que Jesus ensina supervaloriza e aperfeiçoa o argumento de Moisés (Dt 30,10-14). Para seus concidadãos, Moisés ensina: “Ouve a voz do Senhor teu Deus, e observa todos os seus mandamentos e preceitos”. E o servo do Senhor explica o porquê dessa orientação. Os israelitas deveriam cumprir esse “mandamento” porque ele “não é difícil demais, nem está fora do teu alcance” (Dt 30,10-11).

A Palavra de Deus, saindo da boca de Moisés, insiste na necessidade de se cumprir os preceitos divinos: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30,14). A proposta divina, portanto, não é apenas para ser anunciada (por isso não está apenas “na boca”) mas para ser vivenciada no cotidiano. Por isso, além da boca, está no coração, ou seja, para ser executada, para que possa ser cumprida.

O problema é que os “sábios” de Israel queriam compreender a lei, mas não tinham predisposição para colocá-la em prática. Ensinavam, mas não havia compromisso com a vida cotidiana, nem com a prática concreta. Por isso o mestre da lei, pergunta ao Mestre da Vida: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”

Jesus não responde como os mestres da lei e sim como Senhor da Vida. Afinal de contas “por causa dele, foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Col 1,16).Sendo diferente dos mestres da lei a resposta de Jesus é uma pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

Como especialista, o mestre sabe o que diz a lei: amar a Deus e amar ao próximo. Mas não sabe como ler esse ensinamento. E por isso continua indagando: “quem é meu próximo?” (Lc 10,29). Jesus poderia falar que todas as pessoas com as quais se convive, são nossos próximos. Mas quis dizer de forma enfática, ensinando a vivenciar, a fazer uma experiência de amor, pois somente o amor pode mostrar quem é o próximo. E assim Jesus mostra: nem o sacerdote nem o levita atenderam à necessidade do homem que havia sido assaltado, mas apenas um desconhecido. Praticantes da religião oficial, de exterioridades e formalidades, não se fizeram próximos do necessitado. Seguiam os precitos da lei e não do amor.

Por isso, a pergunta definitiva de Jesus: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). Jesus não pergunta o que diz a lei. Quer saber como o indivíduo se posiciona: “Na tua opinião...”

O princípio da lei está claro: amar a Deus e ao próximo. Quem é o próximo? Aquele que precisa de ajuda. Quem é o próximo do necessitado….? Não são aqueles que fazem discursos sobre isto ou aquilo. Não são aqueles que apontam armas, como se a força fosse solução. Não são aqueles que vivem nos casarões e servem seus restos, como quem trata de um cão.Não são entidades políticas que defendem interesses de grandes corporações.

“Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” pergunta Jesus, Mestre da Vida. “Aquele que usou de misericórdia para com ele”, responde o mestre da lei.

Então vá e faça o mesmo, ensina Jesus (Lc 10,36-37). E a lição permanece atual. E a indagação, continua a ser feita, diariamente, a cada um de nós: quem é o próximo daquele que sofre as necessidades impostas pelos donos do poder, da lei, da riqueza…? Quem é o próximo dos excluídos…?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 1 de julho de 2022

Pedro e Paulo: O Senhor enviou seu anjo

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 12,1-112º Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19)


Pedro e Paulo dois personagens completamente diferentes, mas com um elo que os uniu ao redor de uma proposta: a adesão apaixonada por Jesus, o homem de Nazaré, o Cristo Senhor… Adesão essa que ambos levaram até as últimas consequências… E que os levou ao martírio: dar a vida em nome da fé no Ressuscitado.

Ambos, ao longo da vida, protagonizaram cenas memoráveis.

Pedro, convivendo com o Senhor, vivenciou cenas com atitudes extremas. Sempre pronto a confessar: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,13-19; ou como o afirma Lucas: “Tu és o Cristo de Deus! (Lc 9,20). É aquele sujeito impetuoso que deseja andar sobre as águas para encontrar o Senhor, mas tropeça nas ondas e pede que o senhor lhe estenda a mão (Mt, 14,28-29). Disposto a defender o Senhor, com a espada na mão, no que é repreendido por Jesus (Jo 18,10-11)… Corre ao sepulcro, para encontrá-lo vazio (Jo 20,6); mergulha nas águas revoltas para encontrar Jesus na praia (Jo 21,7)… O fato é que Pedro é o discípulo da radicalidade, tal é sua fé e disposição para seguir o Senhor!

Essa radialidade no seguimento lhe rende prisões, como narrado nos Atos dos Apóstolos (12,1-11). O risco de morte era iminente. Outros companheiros já haviam sido executados. Isso, entretanto, não foi motivo para se deixar abater. Ele sabia-se amparado por aquele que passou a ser o centro de sua vida. Tal é sua confiança, que segue seu libertador e, ao se ver livre confessa a confiança: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar” (At 12,11).

Essa postura de Pedro, sabendo que podia confiar, nos ajuda a entender os mártires do nossos dias: tanto aqueles que são assassinados em virtude da pregação da Palavra Libertadora, como aqueles que militam em causas sociais como os mártires ambientalistas que são, vitimados pelo poder atual.

Com Paulo as coisas não foram diferentes. Inicialmente radical perseguidor dos discípulos de Jesus.

Combatendo os discípulos de Jesus, assistiu, com um certo prazer jubiloso, a execução de Estevão (At 8,1). Mais do que isso, arrastava homens e mulheres para os prender (At 8,3). Não satisfeito, dirigiu-se a cidade de Damasco…. Foi nesse trajeto que se deu a grande mudança (At 9,1-22). Então começou uma nova fase na vida desse homem dos extremos.

Deixou de perseguir e usou todo seu ardor, seu saber e sua fé para pregar a nova mensagem. Comprova isso suas várias cartas exortando, encorajando, corrigindo, orientando, dando broncas e fazendo amplos elogios…. É todo coração amoroso e, ao mesmo tempo, racional e meticuloso. Usa a fé hebraica, mas fundamenta-a com profundas reflexões filosóficas, como o faziam os pensadores gregos.

Convida a mergulhar no seguimento ao Cristo Ressuscitado, em busca da vida eterna mas, ao mesmo tempo, cobra dos discípulos do Senhor, a mesma coerência do mestre: mostra que a fé se manifesta na prática da justiça social, na defesa dos sofredores e marginalizados; insiste na esperança de uma vida eterna, mas sem desgrudar o pé do cotidiano… enfim, só um passeio pelas suas cartas pode nos dar mais luz e admiração por esse personagem que, podemos dizer, colocou as bases para a catolicidade, a universalidade, da mensagem cristã.

Tanto fez que em favor da proposta e mensagem de Jesus que isso lhe rendeu inúmeras prisões. E no momento em que escreve ao companheiro Timóteo , aquele que honra a Deus (Timao: honra; Teo: Deus), informa-o de que sua vida terrena está chegando ao fim (2 Tm 4,6-8.17-18).

Lendo a conjuntura, sabe que seu fim se aproxima. Mas nem por isso se deixa abater: “já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Tm 4,6-8). E, da mesma forma que Pedro, Paulo sabe que apesar das dores e perseguições e dissabores… “O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste” (2 Tm 4,18).

Os traços da personalidade desses dois grandes homens levou Jesus a escolhê-los. E os colocou como fundamentos da Igreja: “Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). tudo isso nos levar a olhar para ambos como os anjos do Senhor, estabelecendo as bases da Igreja...

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 24 de junho de 2022

É para a liberdade

(Reflexões baseadas em: 1Reis 19,16b.19-21; Gálatas 5,1.13-18; Lucas 9,51-62)




Como responder ao chamado de Deus?

Pode ser como o fizeram Eliseu ( 1Reis 19,16b.19-21) e os jovens que se aproximaram de Jesus (Lucas 9,51-62). Nas duas situações os interpelados estabeleceram condições: “Deixa-me, primeiro...” (1Rs,19,20; Lc 9,59.61).

Eliseu foi convocado. Desempenhava uma importante função: era um produtor. Foi convocado por Elias, a mando do Senhor. Estabeleceu uma condição: Despedir-se de sua família. Mas não fez só isso: o que tinha repartiu com “com sua gente”. “Tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente” (1Rs 19,21).

Na condição estabelecida por Eliseu não havia interesses pessoais. Era, podemos dizer, resultado da satisfação em ter sido considerado digno do chamado divino. Comemorou a alegria do chamado e, depois da partilha, respondeu ao convite acompanhando Elias.

Os que foram chamado por Jesus também queriam ‘primeiro” fazer algo:então é Jesus quem estabelece as condições do seguimento. Condições, aliás, que podem parecer exageradas, muito “duras” ou desumanas. Não posso enterrar meu pai? Não posso me despedir da família?

Então termos que entender o que disse Jesus.

“Deixe que os mortos enterrem seus mortos”, diz Jesus. E completa: “Vai anunciar o Reino de Deus”(Lc 9,59-60). Tudo começa com o chamado. Para Eliseu, foi um chamado para a unção profética (1Rs 19,16) e, feliz, faz festa. Também Jesus convida: “segue-me”. E já define o objetivo: Anunciar o Reino, que é vida, que é dinamicidade, que é proposta de transformações, que é vida nova, que é superação dos sinais de morte, que é libertação do mundo que produz a morte.

Pode parecer o contrário, mas Jesus não diz para se desvincular da família. Diz para não se prender àquilo que leva à morte, não se prender às amarras do dia a dia.

Essas amarras são“os mortos” que devem “enterrar seus mortos”. Ou seja, tudo que não adere à proposta do Reino é morte, produz morte, conduz à morte. Então, aqueles que não se aliam à proposta do Reino estão mortos e não conseguem conviver com a vida: a antiga lei não liberta; os antigos costumes não geram vida; a falsa profecia não gera esperança…

Mortos a enterrar mortos é a ausência da vida nova proposta pelo Reino. Os mortos(ausência de vida), enterram os mortos, ou seja aqueles que não aderem a novidade do Reino.

Por isso, também, a figura do arado.O agricultor que conduz o animal arrastando o arado, não pode dar atenção aos sulcos deixados para trás. Deve estar atento em conduzir seu instrumento de trabalho a fim de bem preparar a terra para o plantio. Olhando para frente. Por isso, aquele que “põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,61-62). Não está livre, como indica Paulo (Gálatas5,1.13-18).

A proposta, portanto, é olhar para o horizonte que se oferece à frente.É ser livre para optar. A proposta do Reino não é uma imposição – por isso não tem sentido ficar preso aos sinais de morte; a proposta do Reino é liberdade – por isso olhar para a frente, projetando uma nova sociedade baseada no amor, solidariedade, caridade… (Gl 5,13). A liberdade, portanto, é um dom de Cristo. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

O fato é que o mundo presente tem propostas tentadoras e, por isso mesmo, aprisionantes.O desejo de ficar com os “mortos” é uma forma de prisão e, por isso mesmo, produtora de morte. Os mortos ficam e enterram seus mortos porque não se preparam para uma caminhada em direção à vida. Lembrando que somente é capaz de fazer a caminhada em direção à vida, no Reino, quem se desapegou do mundo. Ou aquele que sabe utilizar os valores do mundo como ferramenta para instalar as novidade do Reino que cobra desapego.

“Eu te seguirei para onde quer que fores”, diz aquele que deseja se engajar na implantação do Reino. E Jesus responde: Pode vir. Seja bem vindo. Mas não se esqueça que “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9, 57-58).

Aqui está, portanto, é a proposta, se nada nos aprisiona, somos livres para a liberdade do Reino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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