sexta-feira, 29 de julho de 2022

Tudo é vaidade

 (Reflexões baseadas em: Eclesiastes (1,2; 2,21-23); Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas (12,13-21)

 

Uma das grandes questões dos dias atuais está colocada hoje pela Palavra de Deus. Trata-se do sentido da existência e dos bens acumulados. Da mesma forma que no livro do Eclesiastes (1,2; 2,21-23) Jesus, na narrativa de Lucas (12,13-21), levanta a indagação: qual o sentido de passar a vida a acumular coisas? E essa indagação nos leva a outras: qual o sentido da vida humana? Qual o sentido da existência? O que necessitamos para viver?

O bom senso nos permite refletir sobre o sentido da vida e das coisas. Afinal, qual o sentido de passar a vida acumulando coisas se essas coisas não podem prolongar em nada a vida da pessoa. E essa reflexão nasce justamente da necessidade de resposta a esta indagação: Qual o sentido de acumular coisas, sabendo que ao partir toda a herança ficará com “outro que em nada colaborou” (Ecl. 2,21) para esse acúmulo. Algo semelhante sai da boca de Jesus, na parábola do rico acumulador: “Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?” (Lc 12,20).

O autor do livro do Eclesiastes dá uma resposta à essa indagação. Não tem sentido, pois tudo não passa de vaidade: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Mas, então, o que significa “Vaidade”? Inutilidade, futilidade, coisa vã, algo que não tem sentido em si mesmo, algo sem sentido...

Assim sendo, se tudo é vaidade, a posse dos bens também é uma vaidade. Uma vaidade que se manifesta com o nome de ganância. Mas, também em relação a isso, diz a palavra de Deus, pela boca do Filho de Deus: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). O que muito possui e o que nada tem, chegarão ao mesmo fim e nada levarão do que acumularam, apenas as obras realizadas.

A vida humana, portanto, não pode se resumir às vaidades, ou seja, às coisas inúteis, fúteis... A vida não pode se resumir ao “sem sentido” da existência. E o sentido da existência não pode ser confundida com o acúmulo de bens... tanto isso é verdade que a ganância não cessa e por mais que alguém possua, sempre deseja ter mais e faz de sua vida um tormento em busca dos bens que não lhe acrescentarão sequer um segundo à sua linha da vida! E, o que é pior, ao final da vida, tudo que foi acumulado, fica para ser desfrutado... ou desperdiçado, por outros...

Qual é, então, o sentido das coisas? Se perguntarmos a um aleijado qual o sentido de sua muleta ou sua cadeira de rodas, ele nos responderá que são instrumentos para sua locomoção. O aleijado não quer nem a muleta nem a cadeira de rodas. Ele quer a capacidade de se locomover. Essa pessoa não precisa de dez pares de muletas, nem de uma coleção de cadeiras de roda. Essa pessoa não terá maior mobilidade se sua muleta for de uma madeira simples ou de ouro... essa pessoa precisa apenas de seu ponto de apoio para se locomover... Essa é a condição humana. As coisas são as muletas e todas as que não usamos são inúteis... e, pior, podem estar faltando ao outro...

Isso posto, podemos entender as palavras de Paulo aos Colossenses (3,1-5.9-11). Nessa carta o apóstolo propõe uma ressignificação de tudo. Apresenta um sentido para o trabalho e para as coisas que se podem conseguir como fruto do trabalho. Diz o apóstolo: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Col 3,1-2).

Agora podemos retomar a indagação: qual o sentido da vida? Das coisas? Do trabalho? Qual o sentido da existência? O apóstolo dá a resposta. Nada tem sentido em si mesmo. As coisas e a vida e a existência somente têm sentido a partir da opção por Jesus. Ele é o sentido de tudo e sem ele nada do que existe tem sentido.

Não adianta ter coisas, se essas coisas não são usadas a partir do critério de Cristo. As coisas ou a vida, se não estiverem pautadas a partir de Jesus, o Cristo de Deus, podem até alegrar alguma vida, mas não conduzem à Vida Plena. “Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória” (Col 3,3-4) ... levando não as coisas, mas as obras! Pois as coisas estão no círculo das vaidades... resta saber como assinalamos nossas obras.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ensina-nos a rezar

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13)

 

Imagino que com você ocorre o mesmo que acontece comigo: ao ler ou ouvir referências a Sodoma e Gomorra, vem à mente a destruição de uma cidade pecaminosa. Creio que poucas vezes as pessoas se recordam da intervenção de Abraão, em defesa da cidade (Gênesis 18,20-32). Poucas vezes as pessoas se dão conta de que o Senhor atende às solicitações de Abraão que apela para a clemência do Senhor em favor dos moradores daquela cidade.

A clemência do Senhor é, também, o tema de Paulo, escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos, conforme lemos na carta a essa comunidade (Col 2,12-14). E o apóstolo ensina que apesar dos pecados se avolumando na vida de muitas pessoas, a doação de Jesus e seu sangue vertido na cruz, lavou todos os pecados de todas as pessoas e, graças a isso, a humanidade que estava mergulhada nos sinais de morte pode se reencaminhar na direção de uma nova vida na companhia do Cristo Ressuscitado.

Isso nos coloca diante de Jesus, sendo interpelado por alguém, querendo aprender a orar (Lucas 11,1-13). E Jesus ensina a orar. Ensina, como sempre, apresentando uma novidade: desta vez a novidade consiste em mostrar uma nova face de Deus. Mostrar a proximidade de um Deus que, não só caminha com quem O procura, mas que estende a mão como um Pai ao socorrer as necessidades do filho carente. Um pai que ouve o clamor de seu filho que lhe pede a solução de um problema, o encaminhamento diante de um desafio, o socorro numa necessidade.

Essa nova face do Deus Conosco, nos permite entender que não mais necessitamos de alguém para interceder por nós, como o fizera Abraão, em favor da cidade do pecado. Olhando a lição de oração de Jesus, podemos nos dirigir diretamente ao Pai. A Ele podemos apresentar nossas necessidades, nossas angústias, nossos desejos, nossas dores, nossas alegrias, nossa súplica e nossa gratidão. Podemos rezar pelo pão e pelo perdão; pela instalação do Reino e para sermos capazes de superar as tentações. E podemos tudo isso porque agora sabemos que temos um Deus que é Pai. Que é um Pai Nosso.

Alguém poderia dizer que agora a relação com Deus depende unicamente do orante em sintonia com o Pai. Isso porque Jesus também disse que no momento de oração a pessoa deve se colocar no isolamento do seu quarto (Mt 6,6), para ser atendido pelo Senhor que conhece as necessidades daquele que suplica.

Isso, entretanto, não invalida a importância da Igreja, a comunidade orante, pois Jesus a instituiu e a edificou sobre o alicerce de Pedro (“sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, Mt 16,18). E disse que permaneceria com a Igreja santificada pelo Espírito de Vida. E, principalmente, garantiu sua presença na união de dois ou mais que estejam unidos em seu nome e em oração (Mt 18,20). Portanto, se por um lado podemos nos dirigir, confiantes, ao Deus Pai Nosso, também devemos fazê-lo em comunidade, como Igreja, corpo de Cristo.

Então, o que aprendemos com isso?

Aprendemos que Deus não quer a ingratidão do pecado, mas está disposto a perdoar o pecador, como assegurou a Abraão: poupar a cidade do pecado se ali houver alguém merecedor do perdão, se houver arrependimento. Aprendemos que Deus aceita dialogar com o orante, como dialogou com Abraão, o intercessor, mas para isso precisamos iniciar o diálogo. Aprendemos que Deus não quer a destruição do ingrato, mas o seu arrependimento.

Além e acima de tudo isso, aprendemos que Deus é um Pai bondoso: que tem um nome santo; que oferece seu Reino de amor; que dá o pão de cada dia, mas também quer que o distribuamos àqueles que dele têm necessidade; que perdoa o pecador arrependido, mas também deseja que as pessoas aprendam a perdoar; que as pessoas aprendam a repartir o pão, pois o que sobra na mesa de um é o que falta para todos os outro; que deseja ouvir nosso pedido para não cair na tentação e no pecado. Enfim, Jesus nos ensina que Deus, nosso Senhor, é um Pai bondoso, que concede o Espírito de Vida: “Se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

Mas, ainda precisamos temos muito a aprender. Jesus e o Pai Nosso que nos dá o Espírito de Vida, quer que aprendamos a rezar, não só suplicando graças, mas também agradecendo a graça da vida cotidiana, mesmo com seus altos e baixos. Então, como o fez o discípulo, contemplando o exemplo do Mestre, sejamos capazes de pedir: “Senhor, ensina-nos a rezar!!!”

 

Neri de Paula Carneiro.

 

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

 

Outros escritos do autor:

 

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

 

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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Escolher a melhor parte

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42)




Talvez, nem todos entendam o que significa enfrentar o maior calor do dia, numa região desértica. Nesse momento de extremo calor foi que Abraão recebeu a visita do Senhor (Gênesis 18,1-10a).

Talvez, para quem não se solidariza com a dor do outro, seja difícil entender a postura de Paulo (Colossenses 1,24-28) oferecendo-se em favor dos irmãos.

E somente quem se coloca ao lado do Mestre pode entender o que escolher e como escolher a melhor parte (Lucas 10,38-42).

Nos tempos atuais, quando a violência é uma constante em nossa sociedade, causa estranheza a cordialidade da recepção de Abraão oferecida aos três estranhos. O fato é que ele os acolheu, ofereceu-lhes abrigo no momento em que eles necessitavam. Não lhes perguntou as intenções, nem se preocupou com mais nada. Apenas lhes ofereceu abrigo, água e alimento (Gn 18,3-5).

Não pediu nada em troca, apenas queria o bem estar daqueles estranhos viajantes.

E justamente por isso recebeu a melhor retribuição que nunca imaginava ser possível. Uma promessa: nova visita e o prêmio de uma nova vida. “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,10).O filho, sem dúvida, é a forma pela qual Deus concede ao ser humano a honra de continuar sua obra criadora! A criação divina se polonga nos filhos que geramos...

Qual foi a ação de Abraão, para merecer a retribuição dessa honra? Oferecer abrigo, água e comida a quem estava em dificuldade: o calor agressivo do deserto.

Por seu lado, Paulo, ao escrever à comunidade dos Colossenses, fala dos seus sofrimentos. As duras penas enfrentadas para ser fiel ao centro de suas pregações: “O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos” (Col 1,26). E o que Deus está revelando mediante a pregação paulina? A riqueza da glória divina, manifestada aos seus; a presença salvadora de seu Cristo; a esperança da vida gloriosa (Col 1,27).

O anúncio dessa esperança,se por um lado enche o apóstolo de alegria por estar colaborando no projeto de instalação do Reino de Deus, por outro lado cousa-lhe grandes transtornos e dores, pois seus adversários não estão para brincadeira: o aprisionam e o destinam à morte. Mas nem isso o intimida. E por isso vibra: “completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Col 1,24). Ou seja, o apóstolo é solidário com a comunidade, com a Igreja, com o projeto de salvação.

Assim como Abraão fez algo em favor daqueles que necessitavam, também Paulo. Enquanto Abraão recebe o dom de vida, continuando a obra da criação, com a vida de seu filho, Paulo recebe o dom de continuar a obra da salvação, continuando a obra do Próprio Salvador.

Talvez, com isso, o Senhor esteja querendo nos dizer: preciso de você para continuar minha obra. Talvez Deus esteja nos dizendo, enquanto o Reino não se instala, completamente, preciso de tua ajuda para continuar a obra da criação. Talvez Cristo esteja nos mostrando que depende de nossa ajuda para continuar a obra da salvação. Talvez, com isso, querendo nos dizer que a grandeza da obra divina, não está no milagre da criação nem da salvação, por serrem realizações divinas, mas são coisas grandiosas porque o Senhor Deus confiou a nós a missão de continuá-la. A missão humana, portanto, é gigantesca, pois tem a envergadura de uma obra divina.

Dessa forma podemos entender a situação das duas irmãs. Não que o trabalho de Marta, em seus afazeres cotidianos não sejam importantes(Lc 10,40). São importantes, pois é no cotidiano de nossa vida que se planta, germinam e crescem as sementes do Reino. Mas para que essas sementes sejam frutuosas é necessária a sintonia com o mestre.

Por isso Jesus afirma que só uma coisa é necessária: a sintonia com o projeto do Reino. E isso deve ser feito a partir de nosso cotidiano. Entretanto esse projeto tem que ser feito em sintonia com o Mestre. E Maria entendeu isso, por isso escolheu a melhor parte, que “não lhe será tirada” (Lc 10,42).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 8 de julho de 2022

Quem é meu o próximo?

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 30,10-14; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37)




Quem está familiarizado com a leitura da Bíblia, neste caso com os evangelhos, vai entender: Jesus passou sua vida de pregador sendo tentado, testado, provado, provocado… pelos Doutores da Lei: homens conhecedores de todos os preceitos divinos, ensinados no Antigo Testamento, mas incapazes de vivenciá-los.

Esses personagens não questionavam Jesus querendo aprender com Ele nem porque o admiravam. Fazia isso porque, na sua visão, Jesus era um impostor e devia ser desmascarado. E também porque haviam se encaminhado por uma vereda que os afastava do espírito do ensinamento divino, contido nas escrituras. Sua preocupação estava na exterioridade da religião ao passo que Jesus demostra que o importante não são as aparências, mas aquilo que se vive, os motivos que leva cada um a fazer o que faz.

Tendo isso presente podemos entender a indagação que o “mestre da lei” lança a Jesus (Lc 10,25-37): “Quem é o meu próximo?”

E, diante da autoridade do mestre da lei, fala a autoridade do Filho de Deus (Colossenses 1,15-20), o Mestre da vida. E isso fez a diferença porque aquilo que Jesus ensina supervaloriza e aperfeiçoa o argumento de Moisés (Dt 30,10-14). Para seus concidadãos, Moisés ensina: “Ouve a voz do Senhor teu Deus, e observa todos os seus mandamentos e preceitos”. E o servo do Senhor explica o porquê dessa orientação. Os israelitas deveriam cumprir esse “mandamento” porque ele “não é difícil demais, nem está fora do teu alcance” (Dt 30,10-11).

A Palavra de Deus, saindo da boca de Moisés, insiste na necessidade de se cumprir os preceitos divinos: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30,14). A proposta divina, portanto, não é apenas para ser anunciada (por isso não está apenas “na boca”) mas para ser vivenciada no cotidiano. Por isso, além da boca, está no coração, ou seja, para ser executada, para que possa ser cumprida.

O problema é que os “sábios” de Israel queriam compreender a lei, mas não tinham predisposição para colocá-la em prática. Ensinavam, mas não havia compromisso com a vida cotidiana, nem com a prática concreta. Por isso o mestre da lei, pergunta ao Mestre da Vida: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”

Jesus não responde como os mestres da lei e sim como Senhor da Vida. Afinal de contas “por causa dele, foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Col 1,16).Sendo diferente dos mestres da lei a resposta de Jesus é uma pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

Como especialista, o mestre sabe o que diz a lei: amar a Deus e amar ao próximo. Mas não sabe como ler esse ensinamento. E por isso continua indagando: “quem é meu próximo?” (Lc 10,29). Jesus poderia falar que todas as pessoas com as quais se convive, são nossos próximos. Mas quis dizer de forma enfática, ensinando a vivenciar, a fazer uma experiência de amor, pois somente o amor pode mostrar quem é o próximo. E assim Jesus mostra: nem o sacerdote nem o levita atenderam à necessidade do homem que havia sido assaltado, mas apenas um desconhecido. Praticantes da religião oficial, de exterioridades e formalidades, não se fizeram próximos do necessitado. Seguiam os precitos da lei e não do amor.

Por isso, a pergunta definitiva de Jesus: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). Jesus não pergunta o que diz a lei. Quer saber como o indivíduo se posiciona: “Na tua opinião...”

O princípio da lei está claro: amar a Deus e ao próximo. Quem é o próximo? Aquele que precisa de ajuda. Quem é o próximo do necessitado….? Não são aqueles que fazem discursos sobre isto ou aquilo. Não são aqueles que apontam armas, como se a força fosse solução. Não são aqueles que vivem nos casarões e servem seus restos, como quem trata de um cão.Não são entidades políticas que defendem interesses de grandes corporações.

“Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” pergunta Jesus, Mestre da Vida. “Aquele que usou de misericórdia para com ele”, responde o mestre da lei.

Então vá e faça o mesmo, ensina Jesus (Lc 10,36-37). E a lição permanece atual. E a indagação, continua a ser feita, diariamente, a cada um de nós: quem é o próximo daquele que sofre as necessidades impostas pelos donos do poder, da lei, da riqueza…? Quem é o próximo dos excluídos…?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 1 de julho de 2022

Pedro e Paulo: O Senhor enviou seu anjo

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 12,1-112º Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19)


Pedro e Paulo dois personagens completamente diferentes, mas com um elo que os uniu ao redor de uma proposta: a adesão apaixonada por Jesus, o homem de Nazaré, o Cristo Senhor… Adesão essa que ambos levaram até as últimas consequências… E que os levou ao martírio: dar a vida em nome da fé no Ressuscitado.

Ambos, ao longo da vida, protagonizaram cenas memoráveis.

Pedro, convivendo com o Senhor, vivenciou cenas com atitudes extremas. Sempre pronto a confessar: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,13-19; ou como o afirma Lucas: “Tu és o Cristo de Deus! (Lc 9,20). É aquele sujeito impetuoso que deseja andar sobre as águas para encontrar o Senhor, mas tropeça nas ondas e pede que o senhor lhe estenda a mão (Mt, 14,28-29). Disposto a defender o Senhor, com a espada na mão, no que é repreendido por Jesus (Jo 18,10-11)… Corre ao sepulcro, para encontrá-lo vazio (Jo 20,6); mergulha nas águas revoltas para encontrar Jesus na praia (Jo 21,7)… O fato é que Pedro é o discípulo da radicalidade, tal é sua fé e disposição para seguir o Senhor!

Essa radialidade no seguimento lhe rende prisões, como narrado nos Atos dos Apóstolos (12,1-11). O risco de morte era iminente. Outros companheiros já haviam sido executados. Isso, entretanto, não foi motivo para se deixar abater. Ele sabia-se amparado por aquele que passou a ser o centro de sua vida. Tal é sua confiança, que segue seu libertador e, ao se ver livre confessa a confiança: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar” (At 12,11).

Essa postura de Pedro, sabendo que podia confiar, nos ajuda a entender os mártires do nossos dias: tanto aqueles que são assassinados em virtude da pregação da Palavra Libertadora, como aqueles que militam em causas sociais como os mártires ambientalistas que são, vitimados pelo poder atual.

Com Paulo as coisas não foram diferentes. Inicialmente radical perseguidor dos discípulos de Jesus.

Combatendo os discípulos de Jesus, assistiu, com um certo prazer jubiloso, a execução de Estevão (At 8,1). Mais do que isso, arrastava homens e mulheres para os prender (At 8,3). Não satisfeito, dirigiu-se a cidade de Damasco…. Foi nesse trajeto que se deu a grande mudança (At 9,1-22). Então começou uma nova fase na vida desse homem dos extremos.

Deixou de perseguir e usou todo seu ardor, seu saber e sua fé para pregar a nova mensagem. Comprova isso suas várias cartas exortando, encorajando, corrigindo, orientando, dando broncas e fazendo amplos elogios…. É todo coração amoroso e, ao mesmo tempo, racional e meticuloso. Usa a fé hebraica, mas fundamenta-a com profundas reflexões filosóficas, como o faziam os pensadores gregos.

Convida a mergulhar no seguimento ao Cristo Ressuscitado, em busca da vida eterna mas, ao mesmo tempo, cobra dos discípulos do Senhor, a mesma coerência do mestre: mostra que a fé se manifesta na prática da justiça social, na defesa dos sofredores e marginalizados; insiste na esperança de uma vida eterna, mas sem desgrudar o pé do cotidiano… enfim, só um passeio pelas suas cartas pode nos dar mais luz e admiração por esse personagem que, podemos dizer, colocou as bases para a catolicidade, a universalidade, da mensagem cristã.

Tanto fez que em favor da proposta e mensagem de Jesus que isso lhe rendeu inúmeras prisões. E no momento em que escreve ao companheiro Timóteo , aquele que honra a Deus (Timao: honra; Teo: Deus), informa-o de que sua vida terrena está chegando ao fim (2 Tm 4,6-8.17-18).

Lendo a conjuntura, sabe que seu fim se aproxima. Mas nem por isso se deixa abater: “já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Tm 4,6-8). E, da mesma forma que Pedro, Paulo sabe que apesar das dores e perseguições e dissabores… “O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste” (2 Tm 4,18).

Os traços da personalidade desses dois grandes homens levou Jesus a escolhê-los. E os colocou como fundamentos da Igreja: “Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). tudo isso nos levar a olhar para ambos como os anjos do Senhor, estabelecendo as bases da Igreja...

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 24 de junho de 2022

É para a liberdade

(Reflexões baseadas em: 1Reis 19,16b.19-21; Gálatas 5,1.13-18; Lucas 9,51-62)




Como responder ao chamado de Deus?

Pode ser como o fizeram Eliseu ( 1Reis 19,16b.19-21) e os jovens que se aproximaram de Jesus (Lucas 9,51-62). Nas duas situações os interpelados estabeleceram condições: “Deixa-me, primeiro...” (1Rs,19,20; Lc 9,59.61).

Eliseu foi convocado. Desempenhava uma importante função: era um produtor. Foi convocado por Elias, a mando do Senhor. Estabeleceu uma condição: Despedir-se de sua família. Mas não fez só isso: o que tinha repartiu com “com sua gente”. “Tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente” (1Rs 19,21).

Na condição estabelecida por Eliseu não havia interesses pessoais. Era, podemos dizer, resultado da satisfação em ter sido considerado digno do chamado divino. Comemorou a alegria do chamado e, depois da partilha, respondeu ao convite acompanhando Elias.

Os que foram chamado por Jesus também queriam ‘primeiro” fazer algo:então é Jesus quem estabelece as condições do seguimento. Condições, aliás, que podem parecer exageradas, muito “duras” ou desumanas. Não posso enterrar meu pai? Não posso me despedir da família?

Então termos que entender o que disse Jesus.

“Deixe que os mortos enterrem seus mortos”, diz Jesus. E completa: “Vai anunciar o Reino de Deus”(Lc 9,59-60). Tudo começa com o chamado. Para Eliseu, foi um chamado para a unção profética (1Rs 19,16) e, feliz, faz festa. Também Jesus convida: “segue-me”. E já define o objetivo: Anunciar o Reino, que é vida, que é dinamicidade, que é proposta de transformações, que é vida nova, que é superação dos sinais de morte, que é libertação do mundo que produz a morte.

Pode parecer o contrário, mas Jesus não diz para se desvincular da família. Diz para não se prender àquilo que leva à morte, não se prender às amarras do dia a dia.

Essas amarras são“os mortos” que devem “enterrar seus mortos”. Ou seja, tudo que não adere à proposta do Reino é morte, produz morte, conduz à morte. Então, aqueles que não se aliam à proposta do Reino estão mortos e não conseguem conviver com a vida: a antiga lei não liberta; os antigos costumes não geram vida; a falsa profecia não gera esperança…

Mortos a enterrar mortos é a ausência da vida nova proposta pelo Reino. Os mortos(ausência de vida), enterram os mortos, ou seja aqueles que não aderem a novidade do Reino.

Por isso, também, a figura do arado.O agricultor que conduz o animal arrastando o arado, não pode dar atenção aos sulcos deixados para trás. Deve estar atento em conduzir seu instrumento de trabalho a fim de bem preparar a terra para o plantio. Olhando para frente. Por isso, aquele que “põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,61-62). Não está livre, como indica Paulo (Gálatas5,1.13-18).

A proposta, portanto, é olhar para o horizonte que se oferece à frente.É ser livre para optar. A proposta do Reino não é uma imposição – por isso não tem sentido ficar preso aos sinais de morte; a proposta do Reino é liberdade – por isso olhar para a frente, projetando uma nova sociedade baseada no amor, solidariedade, caridade… (Gl 5,13). A liberdade, portanto, é um dom de Cristo. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

O fato é que o mundo presente tem propostas tentadoras e, por isso mesmo, aprisionantes.O desejo de ficar com os “mortos” é uma forma de prisão e, por isso mesmo, produtora de morte. Os mortos ficam e enterram seus mortos porque não se preparam para uma caminhada em direção à vida. Lembrando que somente é capaz de fazer a caminhada em direção à vida, no Reino, quem se desapegou do mundo. Ou aquele que sabe utilizar os valores do mundo como ferramenta para instalar as novidade do Reino que cobra desapego.

“Eu te seguirei para onde quer que fores”, diz aquele que deseja se engajar na implantação do Reino. E Jesus responde: Pode vir. Seja bem vindo. Mas não se esqueça que “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9, 57-58).

Aqui está, portanto, é a proposta, se nada nos aprisiona, somos livres para a liberdade do Reino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Tome sua cruz

(Reflexões baseadas em: Zacarias 12,10-11;13,1. Gálatas 3,26-29. Lucas 9,18-24)




Voltar-se para Deus; encontrar-se com Deus; reconhecer-se em Deus; saber quem é Deus…. Onde nos situamos? Ou, para nós, Deus é apenas mais uma palavra sem maiores preocupações ou compromisso? Qual o sentido de nossa cruz de cada dia?

É fato que, para a muitas pessoas, Deus não passa de uma palavra meio sem sentido. Ou um ser ao qual se recorre nos momentos de dificuldade. Quando pesa a cruz!

De acordo com o profeta Zacarias (12,10-11;13,1), por saber dessa característica do ser humano, o Senhor Deus derramará uma chuva de bençãos (graça e oração) sobre o povo. Isso fará com que todos reconheçam suas faltas. E, então, haverá arrependimento e as pessoas se voltarão para Deus. Desejarão encontrá-lo pois terão consciência de que Dele e Nele se originam todas as bençãos. E, diz o profeta, “naquele dia, haverá uma fonte acessível à casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém, para ablução e purificação” (Zc 13,1).

E todos os purificados poderão, não só voltar-se para Deus, não só encontrar-se com Ele, não só reconhecer-se em Deus, mas principalmente saber-se acolhidos pelo Senhor.

E por que isso? Somos obras de suas mãos. “Herdeiros de sua promessa” (Gl 3,29).

Mas se, por acaso, alguém ainda não se encontrou com Deus, não se reconheceu em Deus ou ainda está em dúvida se vale ou não a pena entregar-se em suas mãos… tem que atentar para as palavras e Paulo (Gálatas 3,26-29).

O apóstolo das gentes afirma, com todas as letras, a nossa filiação divina. Afirma com toda segurança e certeza: mesmo que não o reconheçamos, mesmo que sejamos indiferentes, mesmo que não tenhamos nos dado conta ou reconhecido… Deus tem uma atenção especial para cada um de nós.

Não importa a origem, cor, raça... Não importa ser possuidor de muitos bens materiais ou alguém que vive na extrema pobreza… não importa. A ação gratuita de Deus destina-se a todos, indistintamente. “O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só, em Jesus Cristo” (Gl 3,28). O olhar amoroso do Senhor Deus não vê as distinções, os rótulos… Não olha para as pessoas com os critérios e valores humanos. Só o que vê é a resposta que cada um dá ao seu convite!

Por isso é que Jesus indaga aos discípulos sobre a opinião das pessoas a seu respeito (Lc 9,18-24). E, também, é compreensível a resposta das pessoas. Mesmo convivendo entre elas, as pessoas ficam em dúvida a respeito daquele que lhes apresenta uma proposta radical: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou” (Lc 9,19).

Percebendo que a indagação não tem um resposta clara, o Senhor indaga diretamente aos seus discípulos: quem sou eu, para vocês? “O cristo de Deus” responde Pedro (Lc 9,20). Mas hoje a pergunta é dirigida a nós. Jesus se dirige a cada um de nós, individualmente… quem sou eu, para você?

E,então, para que não reste dúvidas ou para que não se dê uma resposta apressada, Jesus explica seu programa de vida. Programa que é extensivo a cada um dos que pretendem reconhecê-lo como Senhor. Seu programa de vida, é muito semelhante à vida cotidiana de cada um de nós: carregar uma cruz. No caso dele, além da cruz cotidiana, carregou também aquela pesada, de madeira, sobre a qual estavam nossas vida. Por isso ele explica: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22).

Mas não para nisso. Explica que aqueles que desejarem segui-lo devem assumir a cruz. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23). Jesus vai adiante e explica o sentido da cruz. Explica que todos aqueles que fizerem isso serão recompensados. Deve-se notar, entretanto, que a recompensa não virá por carregar a cruz do dia a dia, mas por aderir ao seu projeto de vida. “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24).

E assim voltamos à indagação inicial: Voltar-se para Deus; encontrar-se com Deus; reconhecer-se em Deus; saber quem é Deus…. Onde nos situamos? Mais ainda, como encaramos nossa cruz de cada dia?

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 16 de junho de 2022

Corpo e Sangue de Cristo: cinco pães e dois peixes

(Reflexões baseadas em: Gênesis 14,18-20; 1 Coríntios 11,23-26; Lucas 9,11b-17)




Você já se perguntou qual é o grande milagre realizado por Jesus na narrativa sobre a multiplicação dos pães (Lucas 9,11b-17)? Em que consiste esse milagre? Ou não se trata de um Milagre?

Outra pergunta,nesta celebração do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo é sobre a benção de Melquisedec a Abraão: quem seriam os inimigos de Abraão? (Gênesis 14,18-20). Se Abraão era escolhido pelo Deus Altíssimo, seus inimigos seriam aqueles que não creem no Deus Altíssimo? Se é assim, atualmente ainda existem muitos inimigos, pois são muitos que não caminham na direção do Reino de Deus e se opõem à sua instalação.

Mais uma indagação que pode ser feita na festa do Corpo e Sangue de Cristo refere-se à fé na presença real de Jesus, naquilo que a Igreja chama de Eucaristia. Uma ação de graças, um agradecimento por Jesus ter se dado como alimento para nossas vidas. Isso é o que nos ensina Paulo, ao escrever para os coríntios (1Cor 11,23-26).

O livro do Gênesis nos coloca diante de Melquisedec, que ao reconhecer a sintonia de Abraão com o Senhor invoca sobre ele as bençãos de Deus. E assim os dois personagens oferecem aquilos que possuem, numa relação de amizade para glorificar Senhor. Ou seja, ambos não pedem algo para si; eles intercedem em favor do povo. As pessoas são os destinatários das preocupações dos seus líderes. Com isso mostrando a grandeza da liderança: Melquisedec pede a benção em favor de Abraão e seu povo e por seu lado Abraão oferece o dízimo dos seus bens. Ambos autênticos representantes do povo.

Isso monstra que muitos que se apresentam como líderes do povo, são falsos! São enganadores do povo! Mesmo usando o nome de Deus, agem contra o bem popular! Sendo assim podemos apresentar esta lição para nossas lideranças políticas e religiosas: pensar no bem do povo e não alimentar as ambições e ampliar os saques àquilo que pertence ao povo!

A postura destes personagens nos leva ao ensinamento de Paulo. O apóstolo nos apresenta Jesus, não como grande pregador, mas como aquele que se compadece dos seus e se dá como alimento. Um alimento que não se destina apenas ao corpo, mas nutre para a vida eterna. Jesus se oferece como pão e vinho de forma inequívoca. Sobre o pão, afirma: “Isto é o meu corpo que é dado por vós”; e sobre o vinho, afirma: esta é uma “nova aliança, em meu sangue” (1Cor, 11,24-25). Ou seja, o pão e o vinho não são símbolos, nem representam… mas são o próprio Jesus que se dá como alimento. E não se trata de uma refeição qualquer. Trata-se de um ponto de transição: Uma refeição para o corpo e para a vida. “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha”(1 Cor 11,26). E esta é uma verdade “de fato”!

Por sua vez, Jesus mostra a diferença entre o pensamento mesquinho do ser humano e a proposta de Deus. Diante da multidão, o pensamente humano: “A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos aproximaram-se de Jesus e disseram: Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto" (Lc 9,12). a postura humana: cada um que se vire!

Outra é a postura de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”(Lc 9,13). Ou seja, a responsabilidade sobre o ser humano é do próprio ser humano. Não cabe a Deus fazer aquilo que as pessoas tem as condições e os meios de realizar: a partilha! Se fome existe não é por falta de comida, mas por falta de partilha. O que comer existe, mas a fome aumenta porque existe concentração dos bens. E Jesus se dirige a nós: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. E aqui acontece, não o milagre de fazer brotar comida do nada. Ocorre o milagre de tocar o ser humano para desenvolver o sentimento de solidariedade. "Só temos cinco pães e dois peixes”.

E aqui vale a lógica do comportamento humano.

Se os discípulos, seres humanos que são, haviam se precavido, levando seu lanche, com certeza outros também o faziam. E se Jesus mostrou que os seus cinco pães e os dois peixes estavam à disposição de todos, todos também se sentiram tocados a partilhar o que estavam levando. “Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão” (Lc 9,16).

Então qual é o grande milagre? Não é fazer surgir do nada, na aparência de um truque de mágica. Não é multiplicar indefinidamente como uma fonte de água límpida. Neste caso, o milagre não foi feito por Deus, mas pelas pessoas que se sentiram tocadas e promoveram a partilha. Deus não faz o que nós podemos fazer. Alimentar as pessoas, promover a partilha, esse é o milagre que Deus quer que realizemos. Isso está ao nosso alcance! Cinco pães e dois peixes podem mobilizar o milagre da partilha!

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, 10 de junho de 2022

Santíssima Trindade: A melhor comunidade

(Reflexões baseadas em: Pr 8,22-31; Rm 5,1-5; Jo 16,12-15)




Já parou para pensar em qual é o modelo para as nossas comunidades cristãs? Onde nossas comunidades devem se espelhar, para viver a plenitude do ensinamento de Jesus de Nazaré?

A resposta nos é oferecida pela Palavra Sagrada. Uma face na qual podemos nos espelhar é a própria Sabedoria de Deus, como ela se apresenta no livro dos Provérbios (8,22-31). Outra é a face do próprio Jesus de Nazaré, como nos ensina Paulo, escrevendo aos Romanos (5,1-5). Uma terceira face é Jesus quem nos apresenta ao falar de seu Espírito de Verdade e Santidade (João 16,12-15).

E as três faces, emoldurando o modelo de comunidade, perfazem o próprio Deus que é Trindade. Ou seja, como o afirmam os teólogos, mostram que a Santíssima Trindade é a melhor comunidade e, portanto, qualquer comunidade cristã que deseje mostrar seu caráter cristão tem que se modelar nessa Comunidade de amor que se constitui justamente por ser uma comunidade de amor.

O livro dos Provérbios dá testemunho disso, não só porque apresenta lições de sabedoria para a vida cotidiana, mas porque mostra que a Sabedoria é um dos principais atributos da Trindade. Sendo assim numa comunidade cristã, não devem faltar decisões sábias. As decisões da comunidade cristã, devem ter por base o projeto criador do Pai. E assim como a Sabedoria estava junto ao Pai, desde antes do ato da criação, a comunidade cristã pode ser criativa por inspiração divina e, dessa forma, ser uma comunidade servidora.

Assim a Sabedoria divina se apresenta: “O Senhor me possuiu como primícia de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas;desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra.” (Pv 8,22-23). Por que a comunidade cristã deve espelhar-se nesse dom da Trindade? Porque é a Sabedoria quem orienta as ações divinas. Na aurora do mundo a Sabedoria orientava os atos da criação. “Quando fixava ao mar os seus limites - de modo que as águas não ultrapassassem suas bordas - e lançava os fundamentos da terra, eu estava ao seu lado como mestre de obras” (Pv 8,29-30).

A comunidade cristã tem mais um fundamento para suas ações: a Fé.

Este ensinamento nos é oferecido por Paulo, ao dizer que a fé nos coloca na paz de Deus; nos concede a graça da esperança de participar da glória divina (Rm 5,1-2).

O dom da esperança tem consequências para a vida da comunidade e para a vida dos indivíduos, na condução do dia a dia. A comunidade movida por esperança lança sementes que fazem germinar as flores de novos e melhores dias. Mas quem lança as sementes são os indivíduos da comunidade esperançosa. Portanto, não basta a comunidade falar em esperança. É necessários que os indivíduos sejam movidos pela fé que alimenta a esperança.

A fé, geradora de esperança, confere a capacidade de vencer as tribulações e as dificuldades; condições para superar as dores e vislumbrar a plenitude da vida e os caminhos do Reino. “E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Em terceiro lugar,Jesus, orientando seus discípulos, mostra outra face da comunidade cristã: a Verdade.

Ao prometer e conceder o Espírito da Verdade, Jesus ensina aos seus que a verdade, além de ser libertadora, é um dom do Espírito de Deus. Assim, Jesus de Nazaré ensina que entrega o “Espirito da Verdade ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16,13).

Na comunidade cristã, portanto, não deve faltar a verdade, pois, sendo libertadora, ela se manifesta como elemento aglutinador. Note-se que, se por um lado a mentira gera divisão, que é a essência do Inimigo, a verdade conduz à união. E a união move o amor que é a essência da comunidade divina e, por extensão, a essência da comunidade cristã.

Assim, se por um lado aqueles que espalham mentiras são promotores de tudo que é diabólico, quem semeia a verdade é conduzido pelo Espírito de Verdade, que é a face do próprio Deus.

Ese nos perguntássemos como se deve constituir e agir a comunidade cristã, teríamos como resposta a afirmação de que ela deve se pautar pela sabedoria criadora, pela fé esperançosa e pela verdade libertadora. Esse é o retrato da comunidade cristã, reflexo da comunidade da Trindade Santa que é a melhor comunidade.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, 2 de junho de 2022

Pentecostes: Recebei o Espírito Santo



(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1 Coríntios 12, 3b-7.12-13; João 20, 19-23)




Quando lemos a passagem do livro dos Atos dos Apóstolos que menciona o dia de Pentecostes (At 2,1-11), certamente ficamos admirados com tantos fenômenos e, com certeza, nos fazemos algumas indagações, querendo entender aquelas maravilhas.

Se Jesus tinha atribuído a missão de sair pregando, porque os discípulos ainda estavam reunidos em Jerusalém? Eles ouviram um barulho “como se fosse uma forte ventania”. Os discípulos viram “línguas como de fogo”. Se é “como se fosse”, então não ocorreu ventania nem fogo? Cheios do Espírito, os discípulos começaram a falar em outras línguas, isso ocorreu como um milagre ou já conheciam essas outras línguas? Eram, de fato, muitas línguas ou uma só? Afinal, que língua era essa?

Entretanto, será que estamos fazendo a pergunta correta? O que Deus está querendo nos dizer no dia de Pentecostes? Será que, no dia de Pentecostes, em vez dos fenômenos, não devêssemos olhar para o gesto de Jesus? (Jo 20,19-23).

Pra começar, nossa fé nos ensina que a celebração do Pentecostes (ou seja, cinquenta dias após a Páscoa) quer chamar nossa atenção para um fato: estamos celebrando o que se pode chamar de manifestação sensível da ação do Espírito de Deus. Não que o Santo Espírito não estivesse agindo; nem que nunca tivesse se manifestado na história sagrada. Pelo contrário, o Espírito sempre agiu ao longo da história. Acompanhou o plano divino desde sempre e, no ato da criação, pairava sobre as águas junto com o Verbo Divino.

Ocorre que a ação criadora, no início, foi um ato do Pai. Na comunhão com o Filho e o Espírito, o Pai fez com que tudo passasse a existir. A ação salvadora coube ao Filho. O Verbo divino, pela ação do Espírito de Vida, encarnou-se no ventre de Maria, fez-se humano e habitou entre nós, nascido da mulher Maria. E em sua pregação Jesus estabeleceu as bases da Igreja, a comunidade do Povo de Deus.

Cabe, portanto, ao Espírito de Luz, guiar as ações da Igreja para que a Igreja continue colaborando na obra criadora de Deus. Por isso os discípulos estavam reunidos, esperando a manifestação do Espírito a fim de serem revestidos pela força do Senhor. E eis que vem o Espírito de todas as Graças e concede a cada um aquilo que é o seu dom. Ou seja, a cada indivíduo o Espírito concede o dom com o qual ele pode fazer a Igreja de Cristo crescer e o mundo ser melhor. E isso nos leva ao ensinamento de Paulo (1Cor 12, 3b-7.12-13): há diversidade de dons, diversidade de ministérios, diversidade de atividades… mas é o mesmo Espírito que age em todos.

O Espírito de unidade concede o dom com o qual cada indivíduo pode colaborar para o bem de todos os demais indivíduos e crescimento da Igreja, a comunidade dos que acreditam. “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,7). E, para que não restem dúvidas o apóstolo explica novamente, reafirmando: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12,13).

Essas palavras do apóstolo nos ajudam entender: não importa se houve ou não línguas de fogo. Não importa se houve ou não um vento forte ou só uma brisa suave. Não importa se os discípulos falaram usando esta ou aquela língua… não importam os sinais externos, nem se foram coisas simples ou eventos maravilhosos .

O que é realmente importa?

Que o Espírito de Amor, de união, de sabedoria, de coragem; o Espírito eclesial, de comunidade solidária… Esse Espírito foi dado, não como um presente, mas como um companheiro, um amigo que estimula para a realização de coisas grandiosas… para o bem de todos, para o bem comum, para o bem da comunidade…

Notemos que quando Jesus, fazendo-se presente no grupo reunido, concede o Espírito Santo, não o faz de forma suntuosa, mas com um sopro de amizade, com um gesto de carinho, com uma demonstração de amor. Primeiro dá a paz. Depois dá a missão. Só então, para firmar o compromisso e fortalecer a missão de servir é que sopra o Espírito Santo. “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). E o Espírito é dado em vista do bem comum.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

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