quinta-feira, dezembro 21, 2023

Ciclo do Natal: O Natal e as preferências de Deus

Ciclo do Natal: O Natal e as preferências de Deus


Disponível: https://pensoerepasso.blogspot.com/2023/12/o-natal-e-as-preferencias-de-deus.html


Já parou para se perguntar o que celebramos quando celebramos o Natal?

É claro que a maioria das pessoas, principalmente as crianças, associa Natal com troca de presentes, com papai noel, com árvore de Natal, com os enfeites luminosos e pisca-piscantes…. Alguns até falam em presépio!

Quantos de nós nos lembramos que o Natal é muito mais do que o “Dia de Natal”? Quantos de nós nos damos conta de que, para a liturgia da Igreja, além do Dia de Natal existe um “Tempo de Natal” que integra o “ciclo do Natal”? Quantos de nós efetivamente inserimos o Natal no contexto da celebração do nascimento de Jesus, independentemente dos apelos comerciais?

Já sabemos que o Ano Litúrgico começa com o primeiro domingo do Advento, ou seja, quatro domingos antes do Natal. Só depois dessa preparação da comunidade é que celebramos a festa em que o Senhor se “fez menino, dando exemplo de amor”, ou seja, o dia de Natal que, liturgicamente se prolonga pela semana seguinte: é a oitava de Natal. E assim segue o tempo do Natal, que só termina algumas semanas depois, com a celebração do Batismo do Senhor.

Já sabemos, também que o Ano Litúrgico está organizado em dois grandes e principais ciclos: o ciclo do Natal e o ciclo da Páscoa.

Olhemos para o ciclo do Natal. Ele se inicia com o começo do Advento. Aqui está o início do Ano Litúrgico, sendo este um tempo no qual a comunidade e a Igreja preparam-se a fim de acolher o Deus Menino; este também é um tempo de preparação para a segunda vinda de Cristo.

O centro do ciclo do Natal, entretanto, é a celebração do Nascimento do Senhor. Esta é a celebração a partir da qual se estendem as demais festas e solenidades natalinas. Ela ocorre na noite de 24 para 25 de dezembro.

O Nascimento do Senhor, o Natal é a celebração do Glória. Da alegria. Dos anjos cantando. Da superação das dores do mundo. É o ressurgir da esperança. É o ponto de encontro da terra com o céu, pois nessa noite Deus veio nos visitar e se apresentou a partir do útero fértil e bem aventurado de Maria.

Maria, a menina mulher que disse sim e que possibilitou a entrada de Deus no cotidiano da humanidade. A consequência do sim de Maria, celebrado no advento, se manifesta na noite de Natal. E isso nos leva a cantar glória; nos leva a cantar que “toda a terra conta um hino, de louvor ao Criador, que em Belém se fez menino, dando exemplo de amor. É Natal de Jesus, festa de alegria, de esperança e luz”.

Além da celebração do Nascimento, na noite de 24 de dezembro, todo o dia 25 de dezembro continua a celebração do Natal. É como se fosse uma sequência da festa do nascimento; uma sequência de alegria. Mas não é só nesse dia. Durante toda a semana, os oito dias seguintes, continua o clima natalino na oitava de Natal.

Estamos no tempo de Natal. Uma sequência de celebrações que se vinculam ao nascimento do Senhor. A primeira delas é dedicada Maria: a Solenidade da Santa Mãe de Deus. É celebrada no dia primeiro de Janeiro, encerrando a oitava de Natal.

As demais celebrações do tempo de Natal são:

Festa da Sagrada Família, celebrada no domingo que ocorre entre os dias 26 e 31 de dezembro. Caso nesses seis dias não haja nenhum domingo, a festa da Sagrada Família é celebrada no dia 30 de dezembro.

Solenidade da Epifania é a celebração da manifestação de Jesus. O Deus menino manifesta-se a todas as nações do mundo. Elas são representadas pelos “três magos”. Popularmente se diz que essa é a celebração dos “santos reis”. Essa celebração tem a finalidade de nos fazer entender o alcance da salvação oferecida por Deus ao se encarnar e nascer em Belém. A promessa divina não está mais limitada ao povo judeu, ela se concretiza como um dom universal. Embora a data da celebração seja o dia 6 de janeiro, no Brasil a epifania é celebrada no domingo que ocorre entre os dias 2 a 8 de Janeiro.

Festa do Batismo do Senhor é a celebração que encerra o tempo do Natal e o ciclo natalino. Normalmente é celebrada no domingo seguinte à Epifania, quando esta celebração ocorre até o dia 6 de janeiro. Porém, se a Epifania for celebrada dias 7 ou 8 de janeiro o Batismo do Senhor será celebrado no dia seguinte, ou seja, na segunda feira.

A partir da festa do Batismo do Senhor começa o tempo comum. Período no qual a Igreja acompanha e celebra o cotidiano, ou a vida pública, de Jesus.

Cabendo relembrar que este primeiro período do Tempo Comum será interrompido pelo ciclo da Páscoa, quando a Igreja celebra a conclusão da obra terrena de Jesus de Nazaré. Na Páscoa ressoam os últimos sons do glorioso Natal. Ou seja, o Natal acontece para que Deus nos dê a honra de caminhar em nossa história, de modo que na conclusão de sua caminhada terrena estabeleça a ponte de união da humanidade com a divindade que veio a nós.

O Natal, portanto, nada tem a ver com a propaganda apelativa para a comercialização e a troca de presentes numa pandemia de futilidades e de aparência ostensiva. Nada tem a ver com papai noel, figura grotesca de um personagem criado para ludibriar os sonhos infantis, alimentando esperanças que não vão se realizar. Nada tem a ver com mesas fartas e festivas nas quais se esbanjam bebidas e alimentos que faltam nas bocas dos marginalizados.

O Natal só tem um significado: é Deus indicando suas referências. Preferiu a manjedoura aos leitos palacianos; preferiu a gruta à suntuosidade do palácio real; preferiu os pastores, vacas e ovelhas aos sacerdotes e nobres do templo e do palácio; preferiu a visita de viajantes de terras distantes àqueles que, depois se comprovou, o rejeitavam, pois ele “veio para os seus mas os seus o rejeitaram” (Jo 1,11).

O Natal, portanto, além de ser o ponto de partida da história do Deus Conosco (Mt 1,23), é o ponto de partida da afirmação pela qual o Senhor nos ensina que não é Deus de um povo, mas da humanidade. É a primeira afirmação pela qual Deus mostra suas preferências… É a primeira materialização do amor que se confirmará na cruz redentora.




NATAL: Ilumina o ser humano

(Reflexões a partir de Isaías 52,7-10; Hebreus 1,1-6; João 1,1-18)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2020/12/natal-ilumina-o-ser-humano.html

Estamos tão acostumados a celebrar o Natal a partir daquelas belas encenações, normalmente preparadas pelos jovens da comunidade, que quase não nos damos conta de que o Natal não se explica pela gruta, pelos anjos, pelos pastores, pela visita dos três magos… isso faz, parte, mas isso não é o Natal.

O Natal vai além. Como o demonstram Isaías (52,7-10) e o autor da carta aos Hebreus (1,1-6). O Natal é um período fundamental para a liturgia e uma época propícia para acolhermos a Luz divina. E, consequentemente, para nos iluminarmos não só com bons propósitos, mas renascendo para uma nova vida.

Se quiséssemos comparar o ano litúrgico a um veículo, poderíamos dizer que Natal e Páscoa são os dois conjuntos de pneus que fazem com que o veículo da liturgia trafegue ao longo do ano litúrgico. O Natal são os pneus da frente e a Páscoa são os pneus traseiros. O veículo do ano litúrgico não trafegaria sem que ambos estivessem interligados, um existe em função do outro.

Mas não só o ano litúrgico. O mistério de nossa fé cristã também depende desses dois eventos: a Encarnação, no Natal e a Paixão, na Páscoa. E as duas celebrações nos demonstrando o amor especial que Deus tem para conosco. Tanto que enviou seu Filho (Natal) para nos resgatar com seu sangue na cruz (Páscoa).

Pensando em tudo isso é que celebramos a solenidade do Natal, em um clima de anunciação, como ensina Isaías: “Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a felicidade, que traz as boas novas e anuncia a libertação”, (Is 52,7). Uma anunciação que tem um dom de presença, uma vez que depois de ter falado pelos profetas, no mento presente Deus nos fala mediante Jesus que faz história ao nosso lado: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Hb, 1,1-2). O Filho que é o próprio Deus Encarnado, Deus conosco, Deus entre nós, Deus com nossa cara...

E se observarmos bem, notaremos que tanto a mensagem de Isaías como a da carta aos Hebreus, nos propõem: um clima de festividade; um clima de anúncio da presença de Deus entre nós; um clima de vitória de Deus; um clima de adoção, pelo qual o Senhor nos assume como filhos.

Mas esse clima festivo, que se concretiza na noite natalina tem, também, um tom de denúncia, como sugere o prólogo de João (1,1-18)

O clima é de festa, sim, pois “O Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).

Entretanto, apesar desse clima festivo; apesar de temos motivos para festejarmos, pois Deus nos deu um presente que é seu próprio filho, João nos faz um alerta-denúncia. O filho veio a nós, é verdade, mas em muitos casos e situações Ele é rejeitado: “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11). “Como não o recebemos?” dirão alguns. Ocorre que o Senhor, mesmo depois de dois mil anos, continua sendo rejeitado. Principalmente nas festas e comilanças natalinas, pois vamos para a festa de aniversário, mas nos esquecemos do aniversariante!

O evangelista faz outra afirmação: mostra que o mundo é obra do Verbo Encarnado; mostra que Ele, não só estava junto a Deus, desde o princípio, mas que o Verbo/Palavra era Deus e justamente a Palavra de Deus é a origem de tudo que existe (Jo 1,1-30). Ou seja: tudo que existe origina-se em Deus; o que existe nasceu da Palavra de Deus; a Palavra Criadora de Deus é vida e luz para as pessoas (Jo 1,4).

E aqui está mais um problema, denunciado por João: o sentido e significado da luz é resplandecer e iluminar os caminhos, eliminando as trevas. Mas aqueles que andam nas trevas recusam-se a recebê-la e não se deixam envolver pela Luz divina. Eles não compreendem a grandeza da Luz (Jo 1,5). Não percebem o alcance da vida e que a vida é a Luz.

E por não se darem conta disso aqueles que andam nas trevas também não se dão conta da grandeza da afirmação de que “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Só entendendo isso é que entenderemos o sentido do Natal, que vai além do presépio. Vai além dos magos e pastores e gruta… A encarnação do Verbo/Palavra/Luz tem a força de um gesto que só pode ser divino: o fato de Deus fazer-se uma pessoa humana, a fim de levar todos os humanos a Deus. Mas para isso é necessário seguir os passos e fazer o que Jesus fez e ensinou.

Esse é o significado da resplandecência do Natal: mostrar a todas as pessoas o caminho para Deus. Podemos até iluminar nossas casas e ruas e lojas com luzes coloridas; podemos até trocar presentes e desejar “feliz natal”; podemos até participar de alguma celebração natalina… Mas o que realmente conta para se concretizar o Natal é a adesão a um projeto transformador da pessoa e da sociedade, para a construção de um mundo feliz… e não só de uma “noite feliz!”

O mundo melhor, os dias melhores os cumprimentos e tudo que fazemos ao redor do dia de Natal só tem sentido na medida em que passamos a fazer as obras daquele que é o próprio significado da festa. Ao fazermos suas obras daremos demonstração de que estamos recebendo o Verbo Encarnado nele cremos e “a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).




Sagrada Família: Esse Menino

(Reflexões baseadas em Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,22-40)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2020/12/sagrada-familia-esse-menino.html


Ao celebrarmos o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo celebramos o centro da primeira fase do ano litúrgico que, justamente, corresponde ao Ciclo do Natal. O outro é o Ciclo da Páscoa.

O centro do ciclo natalino é o Natal do Senhor. Mas esse ciclo tem um período de preparação: o advento. E um período posterior, o tempo do natal. Na sequência do Natal, no tempo de Natal a Igreja nos propõe alguns eventos importantes para alimentar e enriquecer nossa fé. E também para nos colocar em sintonia com os personagens, com os acontecimento, com proposta que Deus nos apresenta ao nos entregar seu Filho para ser um de nós.

É isso que celebramos na sequencia do Natal. Depois do dia de Natal, a Igreja nos propõe o modelo de vida da Sagrada Família. A primeira orientação vem do livro do Eclesiástico (3,3-7.14-17 a), no qual encontramos algumas importantes orientações para a relação familiar: necessidade não só de interação, mas também de respeito entre os integrantes da família. A convivência baseada no respeito é uma condição para a vida longa e o atendimento das orações (Eclo. 3,4-7).

Também Paulo, escrevendo aos colossenses (3,12-21), afirma que o norte para a boa convivência é o amor. Só o amor gera perdão e conduz à perfeição (Cl 3,13-14). E o apóstolo dá orientações específicas às esposas, em relação aos maridos; aos maridos, em relação às esposas; aos filhos, em relação aos pais e aos pais, em relação aos filhos (Cl 3,18-21).

Se tivéssemos por base da relação familiar apenas as orientações destas leituras já teríamos o suficiente, pois ambas orientam para o amor e o respeito. E nós o sabemos: havendo amor, também existirá o respeito. O respeito é uma forma pela qual as pessoas manifestam seu amor. Ambos andam juntos e um não ocorre sem o outro. Quem ama respeita e quem respeita o faz porque ama.

Mas na celebração da Sagrada Família temos um ingrediente a mais. Esse elemento nos é apresentado quando Lucas (2,22-40) narra o episódio no qual Maria e José levam Jesus ao templo para cumprir a Lei de Moisés: purificar a mãe e o filho, consagrar o menino e oferecer o sacrifício previsto (Lc 2,22-24). A mensagem é clara: O Filho de Deus submete-se e cumpre a lei de Deus!

E justamente no templo é que ocorrem os fatos que iluminam a vida da Sagrada Família: o primeiro já mencionado é o cumprimento das normas da lei; em seguida um encontro com um desconhecido: “Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus” (Lc 2,28). Só esse gesto já é suficiente para que os pais do menino percebam que, realmente, estão diante de algo grandioso. Mas a sequência do discurso de Simeão não é menos intrigante para os jovens pais: “meu olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel” (Lc 2,30-32).

Enquanto o “pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele” (Lc 2,33), Simeão continua surpreendendo-os. Ele abençoa o casal e indica o destino de Jesus. O justo Simeão, certamente olha nos olhos de Maria, para lhe falar algo muito além do que os pais esperam de seus filhos . Esse menino, diz o ancião (Lc 2,34), vai ser causa de queda e reerguimento. E Jesus de fato foi – e continua sendo – elemento decisivo para a vida: tanto para as pessoas aderirem ao projeto de paz, amor a justiça como para evidenciar a marginalização, a exclusão, a segregação. Ele é sinal de contradição, pois quem adere ao seu projeto não consegue aceitar que irmãos sejam explorados e prejudicados pelos representantes do anticristo que geram todo tipo de maldade em relação às pessoas e à natureza. Jesus também faz com que se manifestem os pensamentos das pessoas, pois não há possibilidade de se dizer que aderiu ao projeto salvífico e continuar praticando atos que prejudicam indivíduos, a sociedade e/ou o mundo. Para qualquer pessoa o desafio é o mesmo: ou adere a Jesus ou o rejeita, não há meio termo. A prática de maldades, grandes ou pequenas, somente demonstram a quem se serve: não a Cristo mas ao anticristo.

Outro elemento importante, no gesto da sagrada família, não é tanto a afirmação da espada a transpassar a alma de Maria (Lc 2,35), mas o gesto da profetisa, Ana. Após louvar a Deus, sai falando a respeito “do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.” (Lc 2, 38).

Qual o alcance de tudo isso?

Por um lado, a afirmação da importância da vida comunitária. José e Maria cumpriam os rituais de sua fé, pois estão inserido numa comunidade de fé. Sua devoção os leva a “cumprirem tudo, conforme a Lei do Senhor” (Lc 2,39). Por outro lado, a atitude da Família de Nazaré os insere num ambiente político: a proposta de libertação. A encarnação, no Natal, insere a Sagrada Família no centro da grande questão política do momento: Jesus não está aí para pregar e propor e direcionar a rebeldia ou a reação violenta, mas suas atitudes demonstram, desde o nascimento qual o lado social em que se insere e onde nasce o cristianismo: nasce entre os pobres no meio de animais; é visitado pelos pastores e no templo os pais fazem a oferta dos pobres.

Esse menino, portanto, veio para afirmar a necessidade de se fazer uma opção. Daí a pergunta que se impõe: de que lado nos posicionamos?




Santa Mãe de Deus: guardava e meditava em seu coração

(Reflexões a partir de: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21)


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Uma semana após o Natal estamos celebrando o primeiro encontro de Jesus com alguém que não eram seus pais: os pastores (Lc 2,16-21). Gente pobre! Tanto que passavam a noite ao lado de seu rebanho. E de junto do rebanho foi que correram visitar o recém-nascido, anunciado pelo anjo.

E, no local indicado pelo anjo, o que encontraram? Um casal com seu filho recém-nascido. Aqueles que também não estavam no tumulto da cidade. Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura.” (Lc 2,16).

E assim, ao ouvirmos a mensagem do anjo e vermos o deslocamento dos pastores em direção à gruta de Belém, nos colocamos em contato com a personagem que é o centro desta celebração: Maria, a Santa Mãe de Deus. Aquela que entregou Deus à humanidade permitindo que a humanidade fosse entregue a Deus.

Evidentemente que o centro da fé cristã e de toda celebração é Jesus Cristo. Mas neste dia, ao celebrarmos o supremo sacrifício de Jesus, temos os olhos voltados para sua mãe.

Celebramos Maria porque ela aceitou a primeira missão do cristianismo: ser mãe de Jesus. A maternidade de Maria é sua credencial. É sua demonstração de força e capacidade de cooperação. Sua resposta a um convite divino.

Alguns meses antes, ao ser interpelada pelo anjo, poderia ter dito não. Mas disse sim. Poderia ter feito muitas outras coisas, mas aceitou a missão de mãe, e isso numa circunstância única. Ela assumiu a maternidade ainda não sendo casada o que era um risco: ser rejeitada e ser apedrejada. Mas ela assumiu o risco da maternidade e com a maternidade, assumiu todos os riscos e belezas dessa missão. Ela confiava e sabia que havia encontrado graça diante de Deus. Sabia que Deus não abandona os seus e sabia que José era, também, um homem de Deus.

Ao celebrar a Mãe de Deus, a Igreja quer nos indicar que Deus não abandona seu povo, antes, pelo contrário, oferece uma benção (Nm 6,22-27). Lá no antigo povo, era para que se mantivessem na presença do Senhor. Mediante essa bênção o Senhor se comprometeu a: abençoar, guardar. Ele oferece o brilho de sua face, tem compaixão. Seu olhar que dá a paz (Nm 6,24-26). Para conceder tudo isso o Senhor deseja apenas ser invocado.

Além disso, a Igreja quer nos lembrar que foi mediante a doação de Maria, a Mãe, que Deus se encarnou para nos “resgatar” da escravidão do pecado, nos “adotar” como filhos, nos enviar o Espírito, que nos ensina chamar a Deus de Pai e nos tornar herdeiros do Reino, mediante a ação do Filho encarnado, como nos ensina Paulo, na carta aos Gálatas (4,4-7).

Todo esse processo salvador e libertador somente foi possível porque uma mulher disse sim. Porque uma garotinha mostrou o valor e a capacidade da Mulher. O Filho, manifestou-se ao mundo como Filho, porque foi “nascido de uma mulher” (Gl 4,4). Se é verdade que a mulher se completa na maternidade, Maria se tornou plena ao nos dar Jesus. Por isso a Igreja devota tamanho carinho para com a Mãe. É porque sem a graça materna não teríamos recebido a graça do Filho.

Na maternidade de Maria, o Senhor nos abençoou e guardou; fez sua face brilhar sobre nós, voltou seu rosto para nós a fim de nos dar sua Paz (Nm 6,24-26). Os dons divinos, antes prometidos, se tornaram uma realidade entre nós, mediante a encarnação de Jesus, no Natal. Pelos méritos de Jesus, filho de Maria, a antiga lei foi abolida. E agora, diz Paulo: “Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro; tudo isso, por graça de Deus” (Gl 4,7). E Deus nos entregou tudo isso por meio de Jesus, nascido de uma mulher, Maria.

A grandeza do ato de Maria, além de nos dar Jesus, foi permitir que o Pai nos adotasse e, assim, passamos a herdar a possibilidade de entrarmos no reino do Pai, juntamente com Jesus, nosso irmão por adoção divina.

Mas voltemos nossa atenção, novamente, para a cena: Jesus, Maria e José, na gruta entre os animais. Do ponto de vista humano, é uma cena degradante, pois representa uma pobreza extrema. Mas foi nesse meio que o Senhor se fez presente entre nós. E, como ser humano, Maria não mostrava desespero. Com certeza estava preocupada com o destino de sua família, mas nem isso era motivo de aflição. Mesmo com a chegada dos pastores, também eles, pobres: uma demonstração da opção de Deus: não se aliou aos poderosos, mas aos humildes. Nem essa visita inesperada altera a reação da Mãe, pelo contrário não se nota, em Maria, o menor gesto de aflição ou desespero: apenas doação.

O fato é que no centro dessa cena está uma mulher, uma jovem mãe que, em lugar do desespero, da aflição, da preocupação, simplesmente “guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19).

O que essa cena e a postura de Maria nos ensinam? Primeiro: Deus faz opção e não escolhe os ricos para entregar seu Filho; segundo: Deus orienta seus fiéis sobre sua benção; terceiro: Deus nos adota como filhos, ao nos dar Jesus; quarto: a confiança de Maria lhe permite manter-se calma para guardar e meditar sobre os fatos. E, por último, a atitude de Maria se nos impõe como um modelo de vida a partir da confiança na providência divina. Ela sabe, é Deus quem está no controle.




Epifania: Vimos sua estrela

(Reflexões baseadas em: Isaías 60,1-6; Efésios, 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/epifania-vimos-sua-estrela.html.


Cenas marcantes nos são apresentadas neste tempo de Natal. E, se não formos insensíveis, certamente seremos tocados por elas ou, pelo menos, por algumas delas.

Entre todas as cenas do período natalino, uma delas, certamente é esta em que os três magos chegam onde está o menino (Mt 2,1-12): Quem são eles? De onde vieram? Por que vieram?

Pelo que nos informa Mateus, eles procuravam um rei (Mt 2,2). Por esse motivo, certamente eles acham estranha a cena: esperavam um rei e sua pompa e encontram uns animais, uns pastores e uns pobres coitados, cuidando de uma criança que nem roupa tinha para vestir. Realmente uma cena estranha ou, pelo menos, não esperada...

Olham novamente a cena: Os pais da criança, alojados no curral; a plateia de visitantes uns pastores, certamente também mal vestidos. Toda a cena denota pobreza. Uma cena que, em nada, lembra a pompa da realeza. Eles haviam saído de sua terra para visitar um rei… Mas por algum motivo, certamente por inspiração divina, afinal Deus acompanha os sábios, e até se manifesta como Sabedoria … eles entram na roda de conversa e sentam-se entre os presentes, para conversar.

Na roda de conversa os magos contam sua história: “vimos sua estrela no Oriente” (Mt 2,2). E explicam que partiram tão logo avistaram a estrela mensageira do nascimento do rei. Explicam que procuraram no palácio, pois procuravam o rei dos judeus. Explicam que o rei romano nada sabia do rei recém-nascido. E, principalmente, explicam que o rei, em Jerusalém, solicitava informações a respeito do rei que acabara de nascer, e que ali estava, majestosamente na manjedourauma criança simples, entre animais e pastores!

E eles, principalmente, explicam que não estão entendendo a cena, pois seus estudos e suas observações e suas informações lhes asseguravam que encontrariam um bebê envolto na realeza, mas o que de fato encontraram foi uma criança comum, filho de pessoas comuns… envolvidos, todos, na pobreza! Também isso coisa comum, no meio do povo, que não ostenta riqueza!

Não sabemos se nessa conversa, se foram os pastores, ou foram os pais do menino… ou apenas inspiração divina. O fato é que os magos entenderam a cena. Compreenderamm a natureza do reino do recém-nascido. Quem sabe alguém lhes tenha explicado o significado da profecia de Isaías (60,1-6). Quem sabe alguém lhes tenha dito que, da mesma forma que os magos viram a estrela mensageira, o profeta também anunciara sua visita. Talvez tenham lhes explicado que, com a chegada dessa criança, o mundo passava a ter um novo significado. Talvez tenham lhes explicado que essa era uma criança que estava ali para atrair a si todas as nações. Talvez tenham lhes explicado que o recém-nascido veio para acabar com as trevas que envolviam toda a terra, para que todos os povos pudessem voltar a caminhar na luz (Is 60,2-3).

Não sabemos se entenderam por si mesmos, se lhes foi explicado ou se tudo foi só inspiração divina, mas o fato é que os magos compreenderam que “uma criança nos foi dada” e a criança que nos foi dada é a luz para guiar os povos, como havia guiado os magos.

E todos entenderam, como o entendeu Paulo (Ef, 3,2-3a.5-6): esse recém-nascido, ao crescer vai anunciar uma mensagem transformadora. Não só para transformar as atitudes de quem o ouviria, mas também os rumos da história. Essa criança, ao crescer, anunciou que seu reino não se limita ao povo judeu, mas a todos que aceitarem a nova proposta e eles, os magos, estavam ali para comprovar isso.

Isso Paulo também entendeu e passou a ensinar: o anúncio feito pelo jovem que nasceu na estrebaria; esse mesmo jovem que havia sido anunciado pelo profeta, trouxe uma novidade: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef, 3,6).

E então, tudo passa a fazer sentido para os magos: Deus está se manifestando! Eles entendem que Deus faz opção de classe social. Preferiu não nascer entre os ricos, pois eles já tem de tudo, inclusive seus deuses que satisfazem suas vontades. Entenderam que o rei que está à sua frente, não poderia ter nascido no palácio, pois precisa se manifestar àqueles que nada possuem para, com esse gesto, anunciar que a partir do Natal os deserdados, explorados, injustiçados, marginalizados… podem ter uma certeza: Deus está com eles. Por isso nasceu pobre entre os pobres. Veio para mostrar que um outro modelo de sociedade é possível, sem ser necessário cumprir as vontades do rei maldoso sentado no trono do palácio do mal. Em vez de cumprir com as ordens assassinas do rei eles “não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2,12).

Os magos entendem que outro caminho é possível. Entenderam que o novo rei, não fez questão do luxo. Se o próprio rei nasceu entre os pobres, isso indica que há um caminho alternativo que leva ao Pai e que os empobrecidos são vítimas. Mas podem voltar a ser protagonistas, fazendo com que as vítimas passem a ser os primeiros destinatários da mensagem. E compreendem isso porque “viram o menino com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). Então, percebendo a simplicidade da nova mensagem, reverenciam no novo rei e lhe entregam os presentes.

É assim a manifestação da nova realeza: não na ostentação, mas na simplicidade. Não em meio às artimanhas políticas do palácio, mas no meio do povo, representados pelos pastores. Não em obediência à antiga lei que aprisiona, mas seguindo outro caminho, como o caminho dos magose para seguir o novo rei basta seguir sua estrela.




Batismo do Senhor: Eis meu eleito

(Reflexões a partir de Isaías 42,1-4.6-7; Atos dos Apóstolos 10,34-38; Marcos 1,7-11)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/batismo-do-senhor-eis-meu-eleito.html


As festas do ciclo natalino, que se iniciaram com o Advento e se prolongam com a celebração da Sagrada Família, com a celebração de Maria Mãe de Deus e a Epifania do Senhor.

Depois disso a Igreja nos propões celebrarmos o Batismo do Senhor para darmos sequência ao Ano Litúrgico e prosseguirmos com a primeira parte do “Tempo Comum”, período no qual acompanhamos o início da vida pública de Jesus. Por isso podemos dizer que a celebração do “Batismo do Senhor” é a conclusão do ciclo de Natal e o início do Tempo Comum.

E aqui estamos para celebrar o Batismo do Senhor, celebração que tem a finalidade de nos apresentar Jesus.

E como Ele é apresentado?

Essa apresentação começa com Isaías (42,1-4.6-7). Aqui o Senhor nos é apresentado como o Servo eleito que “promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3). Também os primeiros cristãos nos apresentam Jesus. Nos Atos dos Apóstolos (10,34-38), no discurso de Pedro, o Senhor é apresentado como aquele que andou “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38), uma vez que “Deus não faz distinção entre as pessoas.” (At 10,34). Na narrativa dos evangelistas, Marcos (1,7-11) apresenta Jesus na cena do Batismo. Aqui, entretanto, quem fala a respeito de Jesus não são os profetas nem os apóstolos. Aqui quem fala e apresenta Jesus é o próprio Pai: “Tu és o meu Filho amado” (Mc 1,11).

A questão, agora, é saber: o que significa o fato de Jesus ser apresentado como Servo, como quem não faz distinção entre as pessoas e como Filho amado de Deus?

Foi apresentado como Filho amado de Deus porque, de fato, o é. Jesus é aquele de quem João fala no primeiro capítulo do Evangelho: é o verbo encarnado; é a palavra criadora do Pai (Jo 1,1-18); é aquele que dá o Espírito mediante o batismo (Mc 1,8). Em virtude disso, nós passamos a ser, além de criaturas de Deus, filhos do Pai que nos ama e nos adota mediante a ação do Santo Espírito. Assim sendo, podemos dizer que fazemos parte da família de Deus, pois nos adotou (Gl 4,5-7). É pela graça do Espírito que aprendemos a chamar a Deus de Pai, como Jesus nos ensinou a chamar (Mt 6,7-15).

E por que Jesus é apresentado como Servo?

Porque não se recusou a cumprir os desígnios do Pai. E não se trata de uma servidão, imposta, mas de uma missão assumida. Uma missão que tem objetivos bem específicos: promover o julgamento (Is, 42,1); manter a esperança, pois não “apaga o pavio que ainda fumega” (Is 42,3). O pavio fumegante indica que a chama da vida permanece e se existe vida, há esperança, como apregoa o ditado popular. Isso implica dizer que a vida humana é um dom precioso, pois é no transcurso da vida que nos aproximamos de Deus.

Mesmo que nos afastemos, diminuindo a chama, permanecendo apenas um pavio fumegante, Deus nos oferece novas oportunidades, motivo pelo qual “não quebra a cana rachada”. E essas novas chances nos são oferecidas por Jesus que não se deixa abater (Is 42,4). Ele é a “luz das nações” (Is 42,6). Ele é quem liberta e promove a justiça.

Sabendo que Jesus é aquele que ensina a manter a esperança e a valorizar a vida, somos levados a afirmar que estamos negando a presença de Deus entre nós enquanto existirem situações de exclusão: social, econômica, moral… Em todas as situações em que não há plenitude humana, o que existe é a ausência de Deus e nesse ambiente é que a luz da proposta divina se insere, com a finalidade de restaurar a vida a fim de que a plenitude humana manifeste a presença divina.

O que significa afirmar que em Jesus não existe distinção entre as pessoas?

Trata-se de um prolongamento da ação do Servo, pois não faz distinção justamente porque “ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,35). E, além disso: se somos obra da Palavra criadora, que é o próprio Filho; se somos filhos adotados no sangue de Cristo; se somos herdeiros pela adoção batismal, então não tem como o Senhor preferir a uns mais do que a outros. A todos oferece a mesma proposta de salvação. A todos o Senhor quer junto de si. A única exigência é que sejamos capazes de fazer as obras de Cristo: é necessário que continuemos “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38). A obra iniciada por Jesus Cristo tem que ser continuada por nós, para que, no mundo em que estamos inseridos, cresça a prática da justiça, como um dom de Deus.

Jesus é o eleito do Pai para oferecer a todos a condição de filhos, adotados pelo sangue de Cristo. Assim sendo, não mais um povo, mas a humanidade e cada uma das pessoas é eleita por Deus para a gloria definitiva. Por isso é que se faz necessária a prática da justiça social. A prática do altruísmo, a prática da solidariedade… e quando não fazemos isso ou quando pessoas ou grupos ou estruturas minimizam o ser humano ou geram situações de dor e morte, essas pessoas, grupos ou instituições se fazem representantes do anticristo e o que fazem é se interpor entre Deus e seu povo e destruir o plano da eleição. E, por mais que falem em nome de Deus, suas ações os denunciam como promotores da morte, contra a eleição divina.

Mas quando, no espírito da esperança e do Natal, promovemos a vida, tornamo-nos membros do corpo vivificante de Cristo. Isso ocorrendo, o Senhor Deus não dirá apenas de Jesus Cristo, mas a nosso repeito também dirá: Esse é meu eleito. Esse é meu filho. Esse é meu escolhido. Esse é amado por mim….


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sábado, dezembro 02, 2023

Advento: a vinda e o retorno






A Igreja é sábia. Disso não há dúvidas.

Por esse motivo assimilou dos pagãos a celebração da luz e a identificou com a celebração do nascimento de Jesus, o Sol que a todos ilumina. E assim nasce a celebração do Natal.

O mesmo se pode dizer do advento.

Vários povos pagãos, quando estavam para receber uma autoridade, durante vários dias organizavam a cidade para a festa da chegada. E então ocorria uma recepção festiva para dizer que essa autoridade, seu rei, era uma pessoa querida, bem vista e esperada na cidade.

Observando isso, a Igreja assimilou o modelo e instituiu um período de preparação para o Natal: o Rei dos reis; Sol que nasceu para todos os povos; o Emanoel que não nos abandona.

Em algum lugar, perdido na história, alguém teve a ideia de aproveitar esses costumes pagãos para celebrar o Deus da vida. Foi para celebrar o nascimento de Jesus que nasceu o Advento.

Entretanto, somente a partir do século cinco é que essa prática se popularizou a partir da região que hoje é a Espanha e a França. E nasceu como um tempo de jejum e abstinência pelos quais os catecúmenos se preparavam para o batismo, realizado nas celebrações natalinas.

Alguns séculos depois a Igreja de Roma acrescenta o caráter escatológico. Ou seja, o advento não só prepara para a vinda do Jesus menino, como é um convite para que o cristão faça sua revisão de vida, olhando para o encontro escatológico com Cristo, que virá no fim dos tempos.

Portanto, ao celebrar o advento temos estas duas perspectivas: a festa do Natal, quando Deus vem ao nosso encontro, para nos ensinar os caminhos da solidariedade, da fraternidade na forma do mandamento do amor; além disso, nos convida a nos mantermos em clima de espera para o feliz dia do retorno glorioso do Senhor, no fim dos tempos. Ou seja, o advento tem uma dimensão cotidiana e histórica e um olhar escatológico, aguardando o fim da história.

A sabedoria da Igreja inseriu o advento na liturgia como uma das formas do diálogo de Deus com sua Igreja peregrina. Por isso o tempo de advento corresponde ao início do ano litúrgico. Ou seja, diferentemente do ano civil, o ano litúrgico começa com o primeiro domingo do advento e se encerra com a celebração do Natal do Senhor

O calendário litúrgico organiza o tempo de advento em quatro domingos que antecedem o Natal. E isso por um motivo simples: é no advento que se inicia todo o mistério da salvação. O povo se prepara para receber o Deus supremo que se apresenta como um menino, na celebração do Natal; depois, ao longo do ano, Deus caminha lado a lado conosco no tempo comum até consumar seu ato salvador no sacrifício do mistério pascal.

Tudo isso para nos dizer que a liturgia quer nos ensinar algo muito importante: a encarnação é o primeiro passo da ressurreição.

Durante as quatro semanas do advento, a liturgia nos convida a uma revisão de vida a partir de alguns personagens: os apelos de Isaías que chamam nossa atenção para a necessidade de conversão e o conforto oferecido pelo Senhor. Também recebemos um convite para a revisão de vida feito por João Batista que nos orienta a preparar as veredas, os caminhos do Senhor. Com um carinho muito especial somos convidados a olhar o mistério da encarnação seguindo o exemplo de Maria que se apresenta como a serva do Senhor, aquela que guardava tudo em seu coração. Outro personagem é José em cuja postura somos convidados a olhar um personagem singelo e discreto, mas foi quem deu amparo a Maria para que tivesse condições de gerar o Filho de Deus.

Em síntese, no advento somos convidados a refletir sobre nossas vidas enquanto aguardamos chegada do Deus menino e, ao mesmo tempo, nos preparar para a vinda definitiva do Senhor. Somos convidados a celebrar a alegria, pois Deus vem ao nosso encontro; e também somos convidados a celebrar a nossa reconciliação com Deus, neste tempo penitencial. Sendo uma celebração de alegria pela expectativa da vinda do Senhor, o advento, é também tempo de penitência no qual devemos nos purificar para receber o Deus que vem.





Primeiro domingo do Advento: 

VIGIAI





(Reflexões baseadas em: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1 Coríntios1,3-9; Marcos 13,33-37)








Estamos iniciando um novo ano litúrgico: primeiro domingo do Advento.

Estamos celebrando a esperança: apesar de toda as negligência humana, Deus não nos abandona. Mesmo e apesar da nossa infidelidade, Deus insiste em nos visitar. Ele continua acreditando em nós, apesar de nossa incredulidade; mesmo contra nossa desesperança… Por tudo isso, neste tempo de advento, Deus nos convida a dar mais uma oportunidade à esperança; ainda é possível alimentar a esperança!

É verdade que precisamos abrir um espaço em nossa agenda. E, se fizermos isso, certamente ouviremos o convite: Deus nos chama a rever nossas passos; nos convida a redefinir nossos rumos; nos propõe redefinir nossa trajetória; nos encoraja a buscá-lo em nosso caminhar.

A proposta é bastante clara, pois estamos num ponto em que precisamos tomar uma decisão: continuar nos caminhos tortuosos da indiferença para com a proposta divina degradando o mundo e vitimando nossos irmãos ou aderir ao projeto do Reino.

O profeta Isaías (63,16b-17.19b;64,2b-7) chama nossa atenção para este ponto importante: estamos nos afastando do Senhor. Diz o profeta: “Todos nós nos tornamos imundície e todas as nossas boas obras são como pano sujo. Murchamos todos como folhas e nossas maldades empurram-nos como o vento” (Is 64,5).

E assim, afastados do Senhor, uma vez que “não há quem invoque teu nome” (Is 64,6), estamos completamente atolados em nossos desatinos. Como estamos “à mercê da nossa maldade” (Is 64,6), o trem da história humana encontra-se fora dos trilhos. E, dessa forma, cresce entre nós não o projeto do Reino, mas o anti-Reino alimentado pela maldade humana que, não só cresce como também floresce e frutifica em nossa sociedade.

Prevalecendo a vontade humana e não o projeto de salvação, mesmo as ações aparentemente solidárias, altruístas não passam de “imundície”, pois o motor para essas ações está assentado nas aparências. Por isso o profeta usa a metáfora do “pano sujo” (Is 64,5): quem tenta limpar algo com um pano sujo o que faz é espalhar a sujeira. A melhor obra de caridade e os grandes gestos de solidariedade, quando não são autênticos, mas movidos pelos interesses pessoais (da política, da exploração econômica, da evidência…) ou pela sede da retribuição, pela vontade de se evidenciar… não passa de maldade humana, reflexo da nossa imundície.

Só tem valor, como semeadura do Reino, aquilo que é feito desinteressadamente. O bem que faço a alguém, argumentando que “quando eu precisar alguém fará o mesmo por mim”, não tem valor para o Reino. Nesse caso, estarei fazendo em busca do meu benefício e não pensando no outro. Faço o bem, porque desejo uma retribuição. Nesse caso eu permaneço no centro dos interesses e não na necessidade do outro.

Importa, para frutificar a semente do Reino entre nós, realizarmos não o que nos apetece, mas aquilo que é agradável ao Pai. Importa comportarmo-nos não como donos da verdade, mas como o barro na mão do oleiro, como diz o profeta: “Tu és nosso pai, nós somos o barro; tu és nosso oleiro e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).

Por sua vez, constatando o aumento da maldade humana, as ambições humanas, as atitudes egoístas e interesseiras, entre as pessoas, Paulo orienta a comunidade de Corinto (1Cor 1,3-9), a fim de que permaneçam na graça de Deus, no seguimento de Jesus. E o apóstolo é categórico, dizendo que é Jesus quem “dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível” (1Cor 1,8). A graça cresce e frutifica na mesma proporção da entrega e do “testemunho” sobre Cristo (1Cor 1,6).

A fidelidade de Deus é constante e por isso, dos seus, espera a “comunhão com seu filho, Jesus Cristo” (1Cor 1,9). A fidelidade divina, sendo constante, pede, da parte humana, de nossa parte, também atitudes de fidelidade ao projeto do Reino, que se expressa em atos de “amorização”.

Isso nos conduz à proposta do tempo litúrgico que estamos celebrando: o advento é um Momento propício para deixarmos de lado as posturas tortuosos e trilhas traçadas que nos afastam do Senhor. Daí a recomendação de Jesus, narrada por Marcos (13,33-37): vigilância. Importa a postura de se deixar moldar pelo oleiro divino (Is 64,7). Importa abrir espaço para o crescimento da graça de Deus entre nós. Mas, sobretudo, importa permanecer atentos aos sinais do Reino e ao combate ao anti-Reino.

Como o joio e o trigo, as sementes do Reino e do anti-Reino estão presentes na sociedade humana. A acomodação e a negligência em relação às boas obras são a terra fértil do anti-Reino. Por seu lado a vigilância se expressa nas atitudes em favor do outro, na medida em que cada um cumpre com “sua tarefa” (Mc 13,34) de fazer crescer atos em favor do bem, em favor dos menos favorecidos, em favor de quem precisa.





Segundo domingo do Advento: 

CONSOLAI





(Reflexões baseadas em: Isaías 40,1-5.9-11; 2 Pedro 3,8-14; Marcos 1,1-8)








O tempo do Advento nos enche de inspiração.

No primeiro domingo, fomos convidados à vigilância a fim de alimentar a esperança. Ou seja, rever nossas atitudes e comportamentos a fim de adequá-los à proposta divina da renovação do mundo. Afinal, essa é a esperança que alimenta o mundo.

Neste segundo domingo a proposta nos é feita em vista da consolação. Depois seremos convidados a exultar de alegria porque no quarto domingo nos será comunicada a presença de Deus entre nós.

O apelo à consolação nos é apresentada por Isaías (Is 40,1-5.9-11), quando o profeta explicita a ordem do Senhor: "Consolai, consolai o meu povo” (Is 40,1).

Por que o povo deve ser consolado? Essa é a pergunta inevitável. E a resposta nos é apresentada pelo mesmo profeta, dirigindo-se à “mensageira de sião” (Is 40,9), encarregada de levar ao povo a notícia de que “o seu serviço está cumprido, que a sua iniquidade está expiada, que ela recebeu da mão de Iahweh paga dobrada por todos os seus pecados" (Is 40,2).

O povo havia se distanciado do Senhor e cometera as mais absurdas profanações. Mas o que o povo havia feito de tão ruim, que merecera tamanha punição? Havia seguido lideranças políticas cujas atitudes enganavam ao povo e os distanciavam dos caminhos do Senhor. Ou seja: O povo estava, sim, afastado do Senhor. Mas fizera isso porque se deixara seduzir pelos seus governantes que diziam estar falando em nome do Senhor, mas efetivamente agiam em beneficio próprio.

Algo muito parecido com o que assistimos nos dias atuais. Quando vemos governantes cometendo atrocidades contra os direitos do povo, contra a saúde, contra a vida, contra o ssitema escolar, contra o saber.… E eles fazem isso repetindo o nome de Deus. Mas, na verdade, são representantes do demônio. Suas belas palavras são enganosas, sua boca se abre para a mentira. E todas essas mentiras fazem com que o povo caia na tentação… Pensam que estão seguindo um líder que fala em nome de Deus, mas são enganados pelo representante do Anticristo.

E, se isso é verdade em relação à política, não é menos verdade em relação a muitos líderes religiosos: Gritam o nome de Deus, mas profanam o seu nome quando seu interesse é o dinheiro extorquido dos pobres...

O mesmo alerta emitido por Isaías é repetido na carta de Pedro (2 Pe, 3,8-14).

Em sua carta, o apóstolo reitera que pecado do povo é perdoado, mas isso não afasta nem impede a chegada do “dia do Senhor” que “chegará como um ladrão” (2 Pe 3,10).

O clima de iniquidade é grande, e não é de hoje. Desde os tempos antigos a maldade vem tomando conta das pessoas, das cidades, das nações. Até a literatura já o repetiu, como nos versos de Chico Buarque, quando cantou “Geni e o Zepelim”: “Quando vi nesta cidade tanto horror e iniquidade resolvi tudo explodir”. E o comandante dessa nave só não explode o mundo de iniquidade porque se enamora de uma moça malvista, marginalizada. Por isso condiciona o perdão: “Posso evitar o drama, se aquela formosa dama esta noite me servir”.

Na música, a mulher marginalizada, excluída e estigmatizada salvou aquele povo fictício que representa o povo real que respira maldade. Os canhões do comandante da música se assemelham ao mundo se desfazendo “com estrondo, os elementos, devorados pelas chamas, se dissolverão e a terra, juntamente com as suas obras, será consumida” da carta de Pedro (2Pe 3,10). Também nos faz lembrar dos montes “aplainados” e à necessidade de que “seja entulhado todo vale, todo monte e toda colina sejam nivelados” (Is 40,3-4), a fim de que se instale a glória do Senhor, conforme se lê na carta de Pedro: “aquilo que nós esperamos, conforme a sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2 Pe, 8, 13). Aquela mulher humilhada, pode ser vista como uma metáfora de Jesus que, com seu sofrimento, resgata a todos aqueles que o acolhem. Jesus, é o pastor que cuida do “seu rebanho, com o seu braço reúne os cordeiros” (Is 40,11).

Com esse olhar nos voltamos para Marcos (1,1-8), retomando as palavras de Isaías, para falar do “mensageiro” que vem para “preparar os caminhos do Senhor” (Mc 1,3). Ele “batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,8) a fim de que se instale a Justiça entre os seres humanos.

O mudo corrompido e a sociedade sem rumo é o espaço em que vai agir o mensageiro a fim de anunciar o “novo céu e a nova terra” (2Pe 8,13). Nesse novo mundo a justiça será uma luz guiando a todos. Todos que não estiverem cegos pelos seus próprios interesses, não estiverem cegos pela cobiça, cegos pela exploração dos pobres...

O novo mundo, crescerá por sobre os escombros da sociedade humana, destruída como o foram os montes, para “preparar os caminhos do Senhor, tornando retas as suas veredas” (Mc 1,3)

O novo mundo, onde ajustiça há de reinar, será um espaço em que os pobres não mais chorarão, pois suas necessidades serão atendidas, não por um Deus distante, mas por um Senhor que vem ao nosso encontro. E, então, não mais será necessário apelar para que o povo seja consolado, mas todos se apoiarão mutuamente, todos consolados e saciados pelo Senhor que veio para os seus.




Terceiro domingo do Advento: - 

O ESPÍRITO DO SENHOR





(Reflexões baseadas em: Isaías 61,1-2a.10-11; 1Tessalonicenses 5,16-24; João 1,6-8.19-28)








“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim”, são as primeiras palavras de Isaías (61,1-2a.10-11), na primeira leitura deste terceiro domingo do Advento.

E se atentarmos para a sequência da leitura, veremos a explicação; o porquê da presença do Espírito: a unção, o envio e o tempo da redenção (Is 61,1-2)

A unção, nesse contexto, é uma referência ao caráter messiânico da profecia. Ao receber a unção, recebe-se também a autoridade do Senhor. Por isso o ungido é, também, enviado por Deus para uma missão definitiva: “proclamar o tempo da graça” (Is 61,2a). Ou seja, o ungido recebe a missão de perdoar e salvar. Esse é o motivo da alegria (Is 61,10): em posse do “manto da justiça” o messias (o ungido) “fará germinar a justiça” (Is 61,11). Havendo justiça, existe alegria, pois cessam os sofrimentos.

O “Tempo da Graça” é o tempo do perdão, mas isso só porque é um tempo de justiça. Só é possível o perdão mediante a possibilidade da justiça. Como o Senhor sempre é justo, cabe ao ser humano, se quiser ser perdoado, praticar a justiça, aprendendo e reproduzindo a Justiça do Senhor Justo. A justiça, portanto, é um dom divino a ser praticado e partilhado.

E em que consiste a prática da justiça? Na redenção dos cativos. No contexto em que viveu Isaías muitas pessoas eram escravizadas ou aprisionadas por dívidas. Os cativos, portanto, eram os pobres. Não tendo como saldar as dividas o pobre era feito escravo. E o tempo da graça é o tempo da remissão das dívidas, da libertação dos cativos.

Anunciar a justiça, portanto, implicava em colocar um ponto final à situação de escravidão. Era um gesto e um processo de resgate da dignidade humana. A mesma dignidade que vem sendo negada aos pobres da nossa sociedade aos quais são negados vários direitos. Basta olharmos com os olhos de cristão, para percebermos o que efetivamente ocorre ao nosso redor. Quando deixarmos de olhar o mundo, a sociedade e a relação ente as pessoas com os olhos da ganância, poderemos enxergar a degradação das pessoas que vivem na marginalidade, os empobrecidos.

Somente cumprindo essa condição é que se pode ser feliz, como orienta Paulo na primeira carta aos tessalonicenses (1Tes 5,16-24). Permanecer na alegria (1Ts 5,16) é um bom estado para se permanecer na oração e na ação de graças ( 1Ts 5,17-18). Mas isso somente é possível para aqueles que se afastam da maldade (1 Ts, 5,22). Eliminar a maldade é eliminar a degradação humana. A valorização do ser humano é a condição para permanecer “sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5,23). A preparação para o Natal, para a vinda do Senhor, como podemos perceber, é um convite à valorização do ser humano.

Alguém poderia perguntar: Onde o ser humano é desrespeitado? Ao se lhe negar amplo acesso à saúde, à moradia, à escola, ao trabalho, ao direito de discordar, ao alimento… quando nós ou nossos governantes valorizamos a ostentação, admitimos leis excludentes ou dizemos que o outro é pobre por preguiça… estamos desrespeitando ou apoiando governos e pessoas que desrespeitam o ser humano. E isso não é divino. Por isso a orientação de Paulo “examinai tudo e guardai o que for bom.” (1 Ts 5,21).

Não é demais ressaltar que a obra do anticristo é mostrar a degradação como algo natural. E quando alguém apoia os geradores da degradação humana e ambiental, está apoiando o anticristo, o adversário de Deus.

Com isso em mente podemos observar a postura de João Batista (João 1,6-8.19-28). Como sobre ele pairava o espírito do Senhor, tinha autoridade “para dar testemunho da luz” (Jo 1,6). Tinha autoridade para se apresentar como a voz que gritava no deserto: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” (Jo 1,23).

O batista não pretendia atrair as atenções para si, numa atitude soberba de quem deseja aplausos. Pelo contrário, fugia da ostentação e, indagado sobre sua atuação, mostrava não a sua obra, mas apontava para aquele que era a luz, por ele testemunhada (Jo 1,7-8). Por não desejar ser o centro das atenções, mas para indicar o Messias (ungido), dizia não ser digno de estar aos pés daquele a quem viera anunciar: “Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (Jo 1,27). E podia recriminar seus ouvintes: “no meio de vós está aquele que vós não conheceis” (Jo 1,26).

Talvez essa postura do Batista possa ser, também, um critério para examinarmos nossas atitudes e a daqueles pregadores que buscam os holofotes...

Conhecedor da força do Espírito do Senhor, o Batista podia dar testemunho da luz; apontando aquele que daria o Espírito santificador, podia exigir que se aplainassem os seus caminhos; em nome da luz benfazeja, sabia ser uma voz a clamando a presença do Ungido/Messias e, este sim, Senhor de todo poder, envia a todos, anunciando o tempo da redenção…

E Ele está para chegar! E quando chegar quem sabe nos dará o dom de receber os dons do Espírito do Senhor.





Quarto domingo do Advento:

FAÇA-SE EM MIM




Reflexões baseadas em: 2 Sm 7,1-5.8b-12.14a.16; Romanos 16,25-27; Lucas 1,26-38








O que deixa um pai ou uma mãe orgulhosos?

Saber que seu filho é uma pessoa destacada, bem vista, respeitada na sociedade… Saber e poder divulgar o sucesso de seu filho: Isso deixa os pais orgulhosos; e os pais gostam de fazer isso!

Mas Maria não caiu nessa. É diferente sua postura, segundo nos mostra Lucas (Lc. 1,26-38).

A jovem, “Maria de Nazaré” não entrou na onda do anjo que “rasgava” elogios ao seu filho que ainda nem era nascido e que, aliás, ainda não havia sido concebido. O anjo veio lhe pedir autorização para que a “sombra” ou “o poder do Altíssimo” (Lc 1,35) a cobrisse, para que o filho fosse concebido.

Da resposta de Maria dependeu o futuro da humanidade, pois da mesma forma que ela respondeu sim: “faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38), poderia ter dito não. Poderia ter recusado a proposta… e, certamente, Deus, em sua bondade, não a recriminaria. Ele conhece o ser humano. Sabe de quê é capaz, para o mal e para o bem!

Independentemente de sermos católicos ou de qualquer outra denominação cristã, não podemos negar que, apesar de sua pouca idade, Maria demonstrou profunda maturidade: “Faça-se em mim!”

Essa menina de Nazaré (Lc 1,26) teve uma postura exatamente oposta à de Davi (2 Sm 7,1-5.8b-12.14a.16). Ela, profundamente devota ao seu Deus, deu-se o direito de questionar o anjo: “Como se fará isso?” (Lc 1,34). Certamente ela argumentou, dizendo ao anjo: “Você me aparece, falando belas coisas a respeito de meu filho”; dizendo que ele “será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de nosso pai Davi” (Lc 1,32). E ela conclui seu argumento demonstrando a completa inveracidade da mensagem do anjo: “Como você pode dizer uma coisa dessas se eu nem estou grávida ainda? Aliás, ainda não se consumou meu casamento!”

Exatamente o oposto do que havia feito Davi. Numa atitude soberba o rei estava se comparando a Deus: “Vê: eu resido num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda!” (2Sm 7,2). Nessa postura ostentatória engambela até o profeta que lhe dá razão: “Vai e faze tudo o que diz o teu coração, pois o Senhor está contigo”. (2 Sm 7,3).

O fato é que Deus não está na ostentação. Ele vive no meio do povo simples, humilde, empobrecido! Por isso se opôs aos planos do rei!

Não sendo um Deus de ostentação leva o profeta reformular sua postura e voltar com uma reprimenda ao rei: “Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (2 Sm 7,5). E o Senhor deve ter dito mais. Deve ter falado ao rei: “ponha-se em seu lugar, garoto! Afinal de contas, quem é você?” E leva o rei a uma revisão de sua história: “Fui eu que te tirei do pastoreio, do meio das ovelhas, para que fosses o chefe do meu povo, Israel.” (2Sm 7,8). E o Senhor conclui a conversa dizendo que Ele, Deus, é quem edifica e não o rei. E, no tempo oportuno, de acordo com a vontade de Deus, nascerá um filho do rei. E Deus afirma que nesse filho “Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre” (2 Sm 7,16).

Essa promessa divina se concretiza e se torna definitiva em Jesus Cristo que “reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).

A postura do rei não está adequada ao plano do Senhor. A observação de Davi expressa a vontade humana, não a sintonia com o plano divino.

Essa é a diferença entre a postura de Davi e de Maria: ele quer ostentar poder edificando a casa do Senhor. Por seu lado, questionando o anjo, Maria se coloca nas mãos de Deus: “faça-se em mim de acordo com suas palavras!”

Podemos dizer que esse é o espírito do Avento. Uma proposta de mudança de atitude.

Durante quatro semanas fomos convidados a rever nossas vidas, nossas posturas, nossos projetos… tudo que se adequar ao plano divino de simplicidade, de doação ao outro, de reformulação e reconstrução do mundo e da sociedade… tudo isso está em sintonia com o plano de Deus e adequado ao advento: em sintonia com o sim de Maria e da preparação para a vinda do Senhor. Mas, na medida em que as pessoas se colocam como centro de ostentação, como o fez Davi, estão retardando a implantação do Reino. Por outro lado, aqueles que se dedicam a preparar e ajudar a instalar o Reino, podem dizer, como Paulo (Rm 16,25-27): “Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar” (Rm 16,25) na fé, na esperança e no engajamento em favor do outro. Como nos mostrou a Mãe do Senhor.

Então, como o advento é uma proposta de reflexão, de reformulação, de redefinição, de recondução da vida…. Vamos aproveitar este tempo para reformularmos nossas vidas. Agindo assim nós nos afastaremos da postura de Davi e nos aproximarmos da doação mariana. E nós também saberemos dizer: Faça-se em mim de acordo com suas palavra.





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, novembro 24, 2023

Cristo Rei: o Filho do Homem em sua glória

Reflexões baseadas em: Ez 34,11-12.15-17; 1Cor 15,20-26.28; Mt 25,31-46)







No dia em que a Igreja celebra “Jesus Cristo: Rei do Universo”, ela pode nos dizer muita coisa e nos orientar em relação aos nossos comportamentos. Ela nos diz que Deus cuida dos seus; e nos orienta a respeito às nossas atitudes em relação às outras pessoas.

Além deste ser o último domingo do ano litúrgico, as leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, são um forte convite: ou estamos do lado de Deus ou estamos sem Ele. Não há meio termo. Mas o estar ou não com Deus, não depende do Senhor, mas das nossas opções. Isso fica muito claro nas palavras de Ezequiel (Ez 34,11-12.15-17). E mais nítida ainda é a afirmação de Jesus (Mt 25,31-46). As palavras do Senhor não poderiam ser mais claras: “todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

O profeta mostra a disposição de Deus em cuidar de nós, seu rebanho. Ele afirma: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas”. E por que o Senhor faz isso? Por que vai cuidar de suas ovelhas? Porque os pastores, aqueles que deveriam cuidar do rebanho, as dispersou; os maus pastores deixaram que as ovelhas se perdessem. E quando as ovelhas estavam perdidas o Senhor veio pessoalmente para resgatar o rebanho. Isso no-lo afirma o profeta e o demonstra Jesus Cristo com sua paixão e ressurreição.

Para socorrer as ovelhas extraviadas, feridas, enfraquecidas e doentes (Ez 34,16), o Senhor se coloca como pastor zeloso, cuidadoso, e pronto a fazer justiça (Ez 34,17). Em meio a essa situação catastrófica para com o rebanho, o Senhor, proprietário do rebanho, do curral e das pastagens… vem em defesa das suas ovelhas, mal cuidadas por aqueles que as deviam proteger. E o cuidado do Senhor, não será como a dos pastores irresponsáveis e negligentes. O cuidado do Senhor é feito em sintonia com o direito: contra os pastores negligentes e opressores exerce sua justiça; e, para completar, separa as ovelhas e dos bodes (Ez 34,17).

E em defesa dos marginalizados e sofredores, excluídos e desprezados, Jesus se coloca como Juiz. E assume essa postura não só porque é o Senhor, Filho de Deus feito homem, mas porque é o Rei e soberano do universo (Mt 25,31).

A pergunta que nos colocamos, neste ponto é: por que um Deus tão compassivo e disposto ao perdão assume sua majestade e se coloca como juiz definitivo? Ou, dizendo de outra forma: Por que o Senhor, em sua vinda gloriosa, separará ovelhas e cabritos?

A primeira resposta é a afirmação de que a convivência com os maus pastores corrompeu o rebanho. Por causa dos maus pastores muitos se afastaram da proposta inicial, apresentada ainda no livro do Gênesis: Tudo que Deus fez é muito bom; como tudo é bom e bem feito, deu aos seres humanos uma só missão: Crescer!

A segunda resposta diz respeito a cada um de nós e vale para todos os tempos. Trata-se das nossas atitudes. Noutras palavra: não é o Senhor que fará a separação, mas aquilo que tivermos realizado é que mostrará a nossa essência.

Assentado sobre seu trono de glória, Jesus, o pastor eterno, chamará a todos. Ovelhas e bodes; bons e maus. “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele” (Mt25,32). Então é que fará a seleção. Então é que apresentará sua lista com os critérios seletivos. Então cada um olhará para aquilo que tiver realizado ao longo de sua vida, como quem olha em um espelho. Nesse momento cada um de nós olhará o espelho de sua vida...

E, então, nos veremos como somos.

E, então, não é o Senhor quem julga, mas cada um de nós é que nos aproximaremos do Senhor, em função das nossas obras; ou nos afastaremos dele, envergonhados por tudo que tivermos realizado ao longo de nossa vida.

Os atos dos nossos pais do Gênesis inseriram no mundo o germe da maldade, nos ensina Paulo (1 Cor 15,20-26.28). Mas pelos méritos de Jesus, tivemos nova oportunidade. Mas continuamos livres… podemos ou não, aderir ao projeto de Deus! A escolha é nossa!

E essa nova oportunidade, selada com o sangue na Cruz, é a face do espelho diante do qual nos colocaremos para nos olharmos em plenitude.

Esse espelho nos mostra que não é o Rei do Universo que nos julga, mas as nossas atitudes cotidianas é que nos aproximam ou mostram que nunca aderimos ao projeto de Reino. O juiz definitivo, portanto, não é o Senhor, mas nós mesmos ao percebermos se cumprimos ou não as exigências, os critérios do Reino.

O senhor está de braços abertos para nos acolher. O reflexo das nossas obras nos impulsionará para retribuirmos ao abraço definitivo; ou nos obrigará a nos afastarmos, curtindo uma eternidade de vergonha e remorsos por não termos feito aquilo que poderia sanar a dor dos menores irmãos do Senhor.

O senhor, Rei do Universo, quer a todos em seu reino… mas nem todos estão dispostos a aderir ao seu projeto…

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, novembro 17, 2023

Os talentos

Reflexão baseada em: Provérbios 31,10-13.19-20.30-31; 1Tessalonicenses5,1-6; Mateus 25,14-30




O que nos vem à cabeça quando ouvimos ou falamos ou lemos a palavra talento?

Parece que a maioria de nós pensa em uma determinada habilidade para realizar algo: fulano tem talento para a música; aquele menino tem talento para contar piada. Aquela menina é uma dançarina talentosa… Ou seja, ao mencionarmos talento, estamos nos referindo a uma qualidade; uma característica que tem a ver com algo valoroso. Um valor humano!

E o que nos vem a cabeça quando lemos, nos textos bíblicos, a palavra talento?

Parece que nos vem a cabeça a ideia de moeda, pagamento, recompensa, retribuição… Parece que nos lembramos mais de aspectos econômicos do que de habilidades. Parece que tem algo a ver com valor, sim, mas valor econômico.

Voltemos à questão: o que, exatamente, significa o talento bíblico? Essa é a questão que nos é apresentada por Mateus (Mt 25,14-30), no trecho conhecido como parábola dos talentos. Também o livro dos Provérbios apresenta as características de uma mulher virtuosa (Pr. 31,10-13.19-20.30-31), ou “talentosa” (Pr. 31,10). Até mesmo Paulo, na carta aos Tessalonicenses (1 Ts 5,1-6), chama a atenção para uma virtude, um talento, uma habilidade, que a comunidade deve preservar: a vigilância (1 Ts 5,6)

Então voltemos à questão: o que é o talento, na bíblia?

Não se trata, nem de uma moeda nem de uma virtude ou habilidade. Trata-se de uma unidade de medida de volume. Popularmente chamaríamos de peso. E, mais especificamente, o talento, correspondia ao volume que podia variar entre aproximadamente 30 a 40 quilos, dependendo do lugar e da época. Parece que no tempo de Jesus correspondia a um volume entre 25 a 30 quilos.

Poderíamos dizer, portanto, que na parábola narrada por Mateus os servos receberam, respectivamente (Mt 25,15): o primeiro, cinco talentos correspondendo a aproximadamente 150 quilos dos bens do seu patrão; o outro recebeu dois talentos, que correspondia a aproximadamente 60 quilos dos bens do patrão. E o terceiro recebeu um talento que correspondia a aproximadamente 30 quilos dos bens do patrão.

Esses bens tanto podiam ser em ouro como em prata – ou outro bem. Mas como os dois primeiros aplicaram os talentos e ao retornar o patrão repreende ao terceiro por não ter aplicado nem depositado no banco (Mt 25,27), isso nos leva a supor ou a imaginar que eram moedas de ouro ou prata. O primeiro transformou os cinco em dez; o segundo transformou os dois em quatro. E o terceiro escondeu o tesouro (afinal, trinta quilos de prata/ouro é um tesouro, é um valor alto)…

Agora, convenhamos: será que Jesus estava querendo falar a respeito de riquezas, de ouro e prata? Ou ele queria chamar nossa atenção para algo muito mais valoroso?

Com certeza não estava interessado em ouro ou prata, mas nas posturas, nos comportamentos, nas atitudes. Usa a metáfora, uma parábolas, para chamar nossa atenção em relação a uma postura muito mais importante: ser capaz de agir e não de se esconder. Importa ser capaz de realizar as obras da construção do reino e não se omitir, como o servo que escondeu o tesouro.

Isso nos é demonstrado na descrição da mulher ideal. Notemos que as virtudes elogiadas, em primeiro lugar não são os dotes domésticos, mas o fato de ser merecedora de confiança (Pr 31,11) e promotora da felicidade (Pr 31,12). Suas mãos são elogiadas, por executarem algumas tarefas (Pr 31,13.19), mas sua principal virtude é a generosidade para com o necessitado (Pr 31,20) e sua fé no Senhor (Pr 31,30).

Paulo reforça a importância da postura voltada não para os valores econômicos, mas para aqueles que podem conduzir à vida. O apóstolo não diz que os bens materiais são imprestáveis ou que sua posse é condenável. Afirma que a base da confiança não são os bens, mas a vigilância. Não basta ter tudo e acreditar que isso trará “paz e segurança” (1 Ts 5,3). A verdadeira segurança não se deposita nos bancos, mas está depositada na confiança para com o Senhor. O acúmulo dos bens, ao invés de produzir confiança e agradecimento ao Senhor, leva a acomodação e à displicência. O verdadeiro valor se manifesta na vigilância. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6).

E isso nos traz de volta à narrativa de Mateus. O discurso tem, sim, uma base econômica, mas a parábola, como é de sua natureza, leva para algo que está além; a parábola é uma comparação que arremete àquilo que realmente importa: fazer com que o servo (o cristão) que é fiel, ou seja, aquele que faz de sua vida uma ação transformadora para mais, possa participar das alegrias do Senhor: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25,21.23).

Em compensação, aquele que se diz cristão, mas não faz nenhuma ação transformadora, em sua vida nem na sociedade, esse é o servo “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Esse merece ser descartado pois escolheu esconder sua capacidade de transformar (Mt 25,30).

E a nós, cabe nos perguntarmos: qual tem sido nossa ação? Como temos nos comportado? Qual servo nós somos? O que temos feito com nossos talentos?




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, novembro 09, 2023

O noivo está chegando

Reflexões baseadas em: Sb 6,12-16; 1 Ts 4,13-18; Mt 25,1-13)




No meio da noite, um grito: “O Noivo está chegando!”

Não se preocupe, este não é um conto de suspense: é Mateus (Mt 25,1-13) narrando uma das parábolas de Jesus. Portanto não é um grito de medo, suspense ou terror, mas um alerta e convite para iniciar a recepção daquele que, na cultura judaica, é o centro da cerimônia. Junto com esse grito de alerta está o convite para atender ao apelo da Sabedoria (Sb 6,12-16).

A pergunta que agora se faz é: qual o significado dessa parábola, narrada por Mateus?

No livro da Sabedoria está a primeira dica: mostra algumas características da Sabedoria que, em várias passagens da Bíblia, pode ser identificada com o Espírito Santo. A primeira característica é a afirmação de que a “Sabedoria é luminosa” (Sb 6,12). Essa luz permite que ela seja contemplada e encontrada pelos que a procuram. Ela mostra-se àqueles que a desejam (Sb 6,13). Mas atenção ao detalhe: Ela não só se mostra como também “sai à procura dos que dela são dignos” (Sb 6,16).

Isso implica dizer que a Sabedoria, dom do Espírito, é compartilhada por Deus com quem a procura, mas essa busca implica na dignidade, ou seja, no merecimento.

Isso implica dizer, também, que muitos a buscam, mas são indignos dela. Esses podem até praticar atos inteligentes, ter posturas que aparentam sabedoria, mas não passam de atos interesseiros. Não se trata de sabedoria, mas de esperteza. Aqueles golpes maravilhosos efetuados pelos malandros; aquelas artimanhas e emaranhados de falcatruas dos políticos… aparentam sabedoria, mas demonstram apenas a esperteza, a capacidade de enganar. A esperteza não é uma face da sabedoria e sim uma demonstração da capacidade para enganar os outros. Isso não é divino, pelo contrário: é diabólico. É o diabo quem instrui os enganadores, malandros, mentirosos...

Cada um dos políticos que enganam o povo com belos discursos ou cada golpe dos espertalhões de plantão, não evidenciam uma expressão da sabedoria, mas uma demonstração de sua face diabólica. A esperteza é diabólica, porque não pensa no crescimento coletivo. E, por ser individualista, busca apenas a vantagem pessoal; a sabedoria é divina, porque se preocupa não com o indivíduo mas com a coletividade. A sabedoria busca a satisfação e felicidade de todos.

A sabedoria está representada pelas cinco acompanhantes do cortejo nupcial, que levaram não só as lamparinas acesas, mas também o óleo para reabastecê-las ao longo da festa (Mt 25,4). A esperteza são as cinco acompanhantes que somente levaram as tochas acesas, sem o combustível para abastecimento (Mt 25,2). A esperteza malandra aparece em sua tentativa de se dar bem e tirar proveito da sabedoria das outras, tentando ludibriá-las: “Dá, nos um pouco do seu óleo” (Mt 25,8).

Mas a sabedoria, orienta e corrige a malandragem: “Não podemos fazer isso porque, se o fizermos ficaremos todas desabastecidas e a festa perderá o brilho.” A sabedoria mostra o caminho da honestidade e sensatez: “Da mesma forma que nós fomos ao mercado e compramos, vão vocês também. Comprem o que lhes falta e todos teremos o suficiente” (Mt 25,9).

Só a sabedoria pode se contrapor aos espertalhões. Só a sabedoria pode construir a justiça e a equidade. Só a sabedoria pode desbancar os espertalhões e aproveitadores.

Aqui está um significado da parábola: Jesus mostra que as acompanhantes descuidadas, aproveitadores, não se deram bem; ao terem seu golpe desmascarado, foram obrigadas a buscar, por conta própria, a solução de sua deficiência: “vão vocês mesmas comprar o que lhes falta”. E, por estarem despreparadas; por terem tentado se aproveitar das outras; por terem deixado pra depois; por terem ido às compras fora de hora; por não estarem comprometidas com a festa… as cinco não entraram na festa de Jesus (Mt 25,12). Colheram o resultado de sua ação.

Nessa perspectiva, também podemos entender a carta de Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 4,13-18). Nem na vida nem na morte o cristão pode se esquivar à fazer justiça. Nem na vida nem na morte há privilégios ou privilegiados. O que há é postura comprometida com a equidade e com a ordem estabelecida pelo Senhor.

E, de Jesus, ouvimos o conselho: “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). São necessárias a vigilância e a sabedoria. É a sabedoria que determina o grau de vigilância e o comprometimento com a chegada do Noivo, convidando a todos para a festa no céu, para a qual Jesu nos convida.

O Noivo concede a liberdade para que as pessoas não se preparem, para a festa. E, nesse caso, até tolera e aceita que se tente sanar a deficiência. Mas para isso tem que haver honestidade e não tentativa de se aproveitar do outro.

Todos são convidados para a festa. Só não temos a informação sobre o momento em que ela vai começar. Por isso, é necessária a sabedoria, sem apelar para a postura aproveitadora; por isso é necessário ver o que temos para contribuir e não só quer tirar vantagem.

É a sabedoria que vem de Deus, que é dom do Espírito… e que nos permite, quando soar o grito, acompanhar o Noivo, que é o próprio Jesus em seu regresso.

O grito vai soar, resta saber como estamos cuidando de nossas lâmpadas. Com sabedoria ou com esperteza? Quando menos esperarmos ouviremos o grito: “O noivo está chegando!”




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, novembro 02, 2023

Finados: o sentido da morte é a vida!

(Reflexões baseadas em: João 6,37-40; Jó (19,1.23-27; Rm 5,5-11)




Na celebração do dia de Finados podemos lembrar o que Raul Seixas cantou no último verso de sua música “Caminhos”: “O caminho da vida é a morte”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo, neste mundo, não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas invariavelmente termina no encontro com a morte, companheira do fim da vida.

Num escrito sobre filosofia, tempos atrás, dizíamos que o sentido da vida é a morte. E, antes disso, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.

Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados e cemitério; e por quatro vezes a palavra morte. Assim sendo: se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?

Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada à ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim. Finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos, entendendo a morte como ponto final. É o dia em que se celebra os que chegaram ao final de suas vidas; aquele cuja vida terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.

Mas se atentarmos para a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestamos atenção aos textos bíblicos que a Igreja nos propõe para refletirmos sobre o “dia de finados”, notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena. Ou seja, a morte é uma porta de entrada!

No livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó!” (Jó, 19,23-24). E conclui, sobre seu momento final: “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar adiante o discurso da vida. A morte é a ponte que liga esta vida àquela preparada por Deus.

Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.

Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai: resgatar a todos. “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40). Ressurgindo da morte Jesus, nos dá sua certeza: a nós também ressuscitará.

Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.

Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela que nos faz caminhar, que nos impulsiona. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos e no projeto definitivo junto ao Pai.

Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo esta vida que me levará a uma morte?”. Depois de minha morte viverei com Deus ou sem ele?

Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos ligada ao dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o nosso dia de finado não caiamos no ponto final. A proposta é que em nosso dia final, tenhamos uma vida santa para entregar ao Pai.

Assim sendo, o caminho da vida, sim, é a morte; o sentido da vida, é a morte; o objetivo da vida é a morte… mas o objetivo da morte é a vida!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, novembro 01, 2023

Todos os Santos no sangue do Cordeiro

(Apocalipse 7, 2-4.9-14; 1 Pd 1,14-15; 1 João 3,1-4; Mateus 5,1-12a)




Por que um santo é santo? O que faz um santo ser santo?

Possivelmente seja essa a grande pergunta para a qual todos queremos uma resposta, quando celebramos o dia de Todos os Santos. E, se celebramos “Todos os Santos”, também nos perguntamos por que alguns são santos e outros não? O que diferencia um santo das demais pessoas? Ele passa a ser santo quando a Igreja o denomina ou é santo durante sua vida terrena?

Podemos iniciar compreendendo o significado da palavra “santo”. Além de significar “algo sagrado”, a palavra “santo” tem a conotação de algo ou alguém escolhido por Deus. Como se pode ver na primeira carta de São Pedro aos “eleitos conforme a presciência de Deus Pai e pela santificação do Espírito, para obedecerem a Jesus Cristo” (1 Pd 1,1). Esses “eleitos” sãos os escolhidos por Deus para formar uma “nação santa”, cono diz o apóstolo: “Vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para sua luz maravilhosa.” (1 Pd 2,9).

Mas a santidade não é via de mão única. Não basta a escolha divina. Tem que ter uma resposta humana. Essa é a orientação que podemos ler na primeira carta de Pedro: “Como filhos obedientes, não moldeis a vossa vida de acordo com as paixões de antigamente, do tempo de vossa ignorância. Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo vosso proceder.” (1 Pd 1,14-15). A santidade, portanto, tem a ver com as posturas, com os comportamentos do dia a dia.

Há, portanto, um chamado divino, uma escolha divina e ao ser humano, cabe dar uma resposta. Resposta que se expressa na manutenção de uma vida exemplar; cabe viver num processo de purificação e “praticar um amor fraterno sem fingimento. Amai-vos, pois, uns aos outros, de coração e com ardor”(1 Pd 1,22), orienta Pedro. Sem atos de amor ao outro, não há santidade.

A proposta à santidade vem de Deus, mas a resposta é postura humana, como ensina João, em sua primeira carta (1 Jo. 3,1-3). É necessário, da parte humana, aderir àquele que deu seu sangue purificador: “Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1 Jo 3,3).

A afirmação da importância da adesão, da fé, da esperança, da confiança em Jesus Cristo, pode ser lida em outro escrito joanino. No livro do Apocalipse (7, 2-4.9-14). Aí encontramos os eleitos, aqueles que aderiram ao chamado. Eles formam “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam em pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap 7,9).

E João explica o porquê dessa multidão trajar vestes brancas: isso ocorre porque eles enfrentaram e superaram a “grande tribulação”. A fé, sendo expressa em atos, tem consequências. Essas consequências manifestam-se nas tribulações da vida cotidiana. Por isso, João afirma que, ao enfrentarem, ao passarem e ao superarem, as tribulações, aqueles que formam essa multidão “lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro". (Ap 7,14).

E quem faz parte dessa multidão? Quem nos dá essa resposta é Mateus (Mt 5,1-12a), dizendo que a multidão de eleitos é formada pelos “bem aventurados”: os pobres, os aflitos, os mansos, os que desejam justiça, os misericordiosos, os de coração puro, os promotores da paz, aqueles que são perseguidos por serem justos, aqueles que são injuriados e perseguidos por causa de sua prática cristã. Todos esses são bem aventurados, são os santos, são os eleitos… são os que deram uma resposta ao chamado de Deus. Podemos até dizer mais. Os santos não são aqueles que passam a vida rezando, mas os que fazem de sua vida uma oração constante; são os que colocam sua vida a serviço dos irmãos; são os que não se calam nem se intimidam diante dos podere e poderosos que oprimem ao povo… são esses, todos, os santos porque se distinguem dos demais ao se fazerem agentes do bem contra as cruzadas do mal!

É claro que a Igreja, só para nos evidenciar alguns modelos de virtude, escolhe entre seus santos do cotidiano, alguns para nos servirem como modelos. E a esses santos dedica-lhes um dia específico. Entretanto, a celebração de todos os santos não se destina à exaltação daqueles que já mereceram o destaque dos altares. A celebração de todos os santos é dedicada aos santos do cotidiano.

No dia de todos os santos a Igreja nos convida a prestar homenagem a esses que fazem de sua vida um cotidiano de resposta ao apelo divino. Todos os batizados, são convidados a fazer isso: ser santo em seu dia a dia. Se aceitarmos a proposta, o mundo pode vir a ser melhor: será o mundo de todos os santos. Pois os santos não são santos porque fazem milagres, ou coisas extraordinárias, mas porque fazem sua vida ser extraordinária por fazer de sua vida um serviço em favor do Reino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...