quinta-feira, novembro 02, 2023

Finados: o sentido da morte é a vida!

(Reflexões baseadas em: João 6,37-40; Jó (19,1.23-27; Rm 5,5-11)




Na celebração do dia de Finados podemos lembrar o que Raul Seixas cantou no último verso de sua música “Caminhos”: “O caminho da vida é a morte”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo, neste mundo, não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas invariavelmente termina no encontro com a morte, companheira do fim da vida.

Num escrito sobre filosofia, tempos atrás, dizíamos que o sentido da vida é a morte. E, antes disso, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.

Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados e cemitério; e por quatro vezes a palavra morte. Assim sendo: se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?

Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada à ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim. Finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos, entendendo a morte como ponto final. É o dia em que se celebra os que chegaram ao final de suas vidas; aquele cuja vida terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.

Mas se atentarmos para a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestamos atenção aos textos bíblicos que a Igreja nos propõe para refletirmos sobre o “dia de finados”, notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena. Ou seja, a morte é uma porta de entrada!

No livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó!” (Jó, 19,23-24). E conclui, sobre seu momento final: “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar adiante o discurso da vida. A morte é a ponte que liga esta vida àquela preparada por Deus.

Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.

Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai: resgatar a todos. “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40). Ressurgindo da morte Jesus, nos dá sua certeza: a nós também ressuscitará.

Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.

Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela que nos faz caminhar, que nos impulsiona. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos e no projeto definitivo junto ao Pai.

Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo esta vida que me levará a uma morte?”. Depois de minha morte viverei com Deus ou sem ele?

Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos ligada ao dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o nosso dia de finado não caiamos no ponto final. A proposta é que em nosso dia final, tenhamos uma vida santa para entregar ao Pai.

Assim sendo, o caminho da vida, sim, é a morte; o sentido da vida, é a morte; o objetivo da vida é a morte… mas o objetivo da morte é a vida!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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Um comentário:

  1. Muita boa a reflexão, eis o verdadeiro sentido da vida, caminhar para uma boa morte e depois dela conquistar a vida eterna....

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