sábado, junho 26, 2021

Menina, levanta-te!

(Reflexões baseadas em: Sb 1,13-15;2,23-24; 2Cor 8,7.9.13-15; Mc 5,21-43)




Estamos acostumados a fazer afirmações com certezas que nem sempre se podem confirmar. Por exemplo, costumamos dizer que Deus criou tudo. Será, isso, uma verdade?

Porém, no livro da Sabedoria (Sb 1,13-15;2,23-24) deparamo-nos com outras informações: Nem tudo! Por exemplo, a morte não é criação divina; o mal não vem de Deus!

Nem sempre pautamos nossa vida pelo amor. E nos justificamos dizendo que estamos retribuindo o que recebemos

Porém, dirigindo-se à comunidade de Corinto (2Cor 8,7.9.13-15), Paulo nos informa que a generosidade de Jesus é que deve ser o modelo, quando nos ensina a superar as necessidades com generosidade.

Essas passagens (ou perícopes) nos indicam que, efetivamente, Deus está interessado em nos conceder vida e não morte. Alegria e não sofrimento.

Mas, sendo assim, se Deus não criou a morte, de onde ela vem e porque amedronta tando o ser humano? Qual a origem das dores humanas?

O livro da sabedoria nos informa que todas as criaturas são saudáveis. Deus “criou todas as coisas para existirem” (Sb 1,14), e não para perecerem. E o ser humano para a imortalidade. Deus fez o ser humano à imagem de sua própria natureza: um ser para a vida. (Sb 1,23)

Confirmando tudo isso, Jesus, de acordo com Marcos (Mc 5,21-43), enfrenta a morte e a enfermidade: cura a mulher enferma e restitui a vida da criança. Ele quer a saúde e a vida!

Na primeira cena, impedindo que continue se esvaindo a vida de uma senhora. Aquela que, movida pela fé, toca as roupas do mestre recebe um novo fluído de vida: “Tua fé te curou” (Mc 5-34). Isso para nos dizer que não só as crianças são privilegiadas, mas também aqueles que já estão num estágio maduro de sua vida. Para esses também Deus oferece uma vida melhor.

Essa defesa da vida é reforçada na segunda cena, quando Jesus traz de volta à vida uma criança já morta. O que uma criança significa? Vida! Início e plenitude de vida. Notemos alguns detalhes apresentados por Marcos, sobre a recuperação da menina. Começa com a súplica do pai, pedindo pela filha: “Vem e põe as mãos sobre ela, para que ela sare e viva!” (Mc 5,23). Se a menina estava doente, não era suficiente sarar? O pai quer a recuperação da saúde, sim, mas também quer que a filha participe da vida. Então, que ela sare e viva, e isso é dom de Deus.

E o que faz Jesus? Pega as mãos da criança, como a conduzi-la. E de fato Jesus a conduz da morte para a vida. Ela é reintroduzida na vida: “Menina, levanta-te!” Por que levantar-se? Para se colocar na postura de quem está disposto a caminhar. E ela “começou a andar” na vida nova. Mas, para que a vida não se enfraqueça, Jesus manda que ela seja alimentada, para fortalecer a vida (Mc 5,41-43). A falta de alimento prejudica a vida, desumaniza. A fome, num mundo com tanta comida, prejudica a humanidade, prejudica a vida.

Milhares de pessoas, adultos e crianças, passando fome ao redor do mundo, não é vontade de Deus; a fome no mundo é produto humano. A pobreza, no mundo, é produto humano. Contra essa situação é que se coloca o discurso de Paulo: primeiro afirmando a necessidade da generosidade. E com isso colocando as bases de uma sociedade comunista, de partilha. Não se trata de tomar de um para dar ao outro. Trata-se, apenas de ter um coração generoso e aberto à partilha: “Não se trata de vos colocar numa situação aflitiva para aliviar os outros; o que se deseja é que haja igualdade. Nas atuais circunstâncias, a vossa fartura supra a penúria deles” (2Cor 8,13-14), ensina o apóstolo. E isso foi ensinado antes de qualquer ideologia político-partidária ou econômica!

Como se vê o problema do mundo, não é a fome nem a pobreza, mas o fato de que alguns possuem mais do que o necessário par sua existência; esse excedente é o que falta à quele que só possui a penúria.

E isso no leva, de volta, ao livro da Sabedoria, informando-nos que Deus fez todas as coisas com saúde, para a vida e não para a morte. E, mais ainda, “Deus criou o homem para a imortalidade (Sb 2,23). Sendo assim voltamos à indagação inicial: De onde vem a morte e os sofrimentos?

O autor do livro da Sabedoria é taxativo: Isso não é coisa de Deus. “Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na os que a ele pertencem” (Sb 2,24) (E aqui se está falando da morte como ausência de Deus e não como finitude da matéria). Ou seja, o mal entrou no mundo pelas mãos do ser humano, mas sob orientação do “Pai da Discórdia”.

E todos “os que a ele pertencem” disseminam o mal, as dores, os sofrimentos… a morte. Em cada ato ou palavra que nega ou dificulta a plenitude da vida está uma ação demoníaca. Deus fez o ser humano com capacidade para resolver os problemas que enfrenta. Mas impedir que as soluções se disseminem melhorando a vida de todos, é coisa do anticristo.

Os representantes e disseminadores da maldade, que não é coisa de Deus, tanto podem estar na política como no mundo dos negócios; tanto podem estar nas relações familiares como na divulgação de fofocas e mentiras. Tanto podem estar num líder comunitário que alimenta a discórdia como num líder religioso em busca de autopromoção e dinheiro. Tanto podem estar nas igrejas, que supervalorizam as coletas e dízimos, como no sistema médico ou jurídico que não tem o ser humano como referência. Um político que cria dificuldade para que um medicamento chegue ao enfermo, um marido que maltrata ou atormenta a vida da esposa ou dos filhos, um médico que se preocupa mais com seus honorário que com a vida dos pacientes… e todos aqueles que pensam mais em si e se colocam acima dos outros… são representantes do Pai da Maldade. E isso não é de Deus!

A solução e alternativa para tanta maldade está no exemplo de Jesus, que não quis ostentar sua ação na cura da menina. Apenas a tomou pela mão e a convidou: menina, levanta-te!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador.

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

domingo, junho 20, 2021

OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Nem sempre nos damos conta disso, mas a história e a geografia são importantes luzeiros para nos ajudar a entender fenômenos sociais. E também para nos ajudar a entender o desenvolvimento do saber. Vamos procurar entender o desenvolvimento da filosofia levando isso em consideração.





O Ambiente grego

A realidade humana não é determinada, mas fruto de circunstâncias e atitudes humanas inseridas num ambiente específico. Assim nasceu o que podemos chamar de filosofia grega.

Aquilo que hoje chamamos de Grécia, no início era apenas um conjunto de ilhas e cidades-estado independentes entre si. Por vezes relacionando-se amistosamente outras vezes guerreando entre si. Mas, também mantinham em comum alguns elementos culturais. Um desses traços comuns era a língua e o panteão (conjunto de deuses) mítico

Em função de seu relevo, distingue-se a Grécia continental, a região insular e as colonias gregas. E tanto nas ilhas como no continente desenvolveram-se as cidades-estado; muitas dessas cidades, em virtude da exiguidade territorial formaram colônias no litoral do mar Egeu, e Mediterrâneo o que formava a Magna Grécia.

Essas colônias tiveram importância fundamental no desenvolvimento da filosofia grega. Devido à intensa movimentação comercial desenvolveu-se profunda interação cultural e mútuas influências, formando o mundo grego.

Essa interação cultural possibilitou comparações entre os diferentes grupos envolvidos no processo. E isso gerou a pergunta: Se estamos falando sempre do mesmo mundo e das mesmas realidade, por que tantas respostas diferentes para explicar a mesma realidade? Onde está a verdade?

Aqui, entretanto, cabe uma observação: Embora o período áureo da filosofia tenha se concentrado em Atenas, os primeiros filósofos são originários das colônias. Por exemplo, Tales é da cidade de Mileto, Pitágoras é de Samos, Demócrito é de Abdera, Aristóteles é de Estagira.

Não se pense, entretanto, que as explicações míticas foram abandonadas da noite para ao dia. Pelo contrário. Houve um longo processo de transição pelo qual as explicações míticas foram sendo postas em cheque, enquanto se buscavam novos conhecimentos.





Períodos filosóficos

Atualmente é dada pouca ênfase à periodização da história. Valoriza-se a afirmação de que toda a história é um só encadeamento de fatos. Esse mesmo princípio vale para a filosofia. Mesmo assim, apenas para facilitar a situação temporal, com finalidade puramente ilustrativa, pode-se dizer que a história da filosofia pode ser estudada em seis etapas ou períodos:

Pré-Socráticos: O inicio, nas colônias gregas;

Período Clássico: Atuação de Sócrates, Platão e Aristóteles;

Período Helênico: Depois de Aristóteles até o inicio da Idade Média;

Período Medieval: Toda a Idade Média;

Período Moderno: Do Renascimento até a Revolução Francesa;

Período Contemporâneo: Da Revolução Francesa até nossos dias.

Em seu nascimento, a filosofia grega tinha um objetivo: explicar racional e coerentemente o mundo. Com o transcorrer dos anos esse objetivo foi se aprimorando e novas temáticas foram sendo incorporadas à reflexão filosófica. Hoje podemos estudar a história da filosofia tanto pela sua evolução cronológica como pelas abordagens temáticas.

E mais ainda: a história da filosofia não se faz da mesma forma que a história geral da humanidade. A história da Filosofia é a história de como e porque o pensamento filosófico assumiu determinadas característica, em cada época.

Na realidade a história da filosofia também é um exercício filosófico.





Os filósofos da Natureza

O primeiro grupo de pensadores dos quais temos notícias foram os que realizaram a transição das explicações míticas para a explicação filosófica.

Esses pensadores queriam entender e explicar a mecânica e as origens do mundo. São conhecidos como pré-socráticos ou filósofos da natureza.

Isso significa que se fosse feita uma pergunta sobre o tema central desenvolvido por esses primeiros pensadores veremos que se ocuparam em explicar de que se constitui a natureza, o mundo.

Infelizmente pouco restou de seus estudos, na forma escrita. O que nos restam são fragmentos ou o que dizem deles os que os sucederam. Notemos que aqui já temos uma questão para a história da filosofia: Por que pré-socráticos? Porque filósofos da natureza? Por que os autores se referem a esses pensadores de diferentes formas? Se pouco restou desses escritos, como saber que efetivamente são importantes?

A importância dos pré-socráticos não está no fato de terem dado o pontapé inicial para a filosofia grega, mas porque seus sucessores nos remetem a eles e às suas intuições e descobertas. Aristóteles e Platão frequentemente os mencionam para reforçar suas afirmações.

Nossa experiência cotidiana nos mostra isso: quando precisamos de ajuda buscamos quem tem condições de nos socorrer. Assim também no universo do saber. Daí a referência aos pré-socráticos, uma vez que colocaram questões que ainda hoje são pertinentes.

No livro: “O mundo de Sofia”, J Gaarder, faz o seguinte comentário a respeito da filosofia dos pré-socráticos: “Acima de tudo, procuravam compreender os processos da natureza através da observação da própria natureza. Isso é completamente diferente da explicação do relâmpago e do trovão, do Inverno e da Primavera, por meio da referência aos acontecimentos no mundo dos deuses. Desta forma, a filosofia libertou-se da religião. Podemos afirmar que os filósofos da natureza deram os primeiros passos em direção a um modo de pensar “científico”. Assim, abriram caminho a toda a posterior ciência da natureza .





Por que pré-socráticos?

Essa denominação pode nos conduzir a equivoco, pois não se refere, exclusivamente, a um grupo anterior a Sócrates (470-399aC). Alguns inclusive foram seus contemporâneos, como Leucipo e Demócrito (460-370aC).

Inicialmente pode-se dizer que essa é uma distinção didática. Serve como elemento diferenciador de um grupo de pensadores para outro grupo.

São, também, chamados de pré-socráticos porque dedicam-se a uma temática diferente daquela inaugurada por Sócrates e Platão.

Os pré socráticos queriam entender os mecanismos da natureza, ao passo que Sócrates voltou-se para a compreensão do ser humano, seus comportamentos em sociedade. Daí que os pré-socráticos também são chamados e filósofos da natureza enquanto Sócrates e seus sucessores são vistos como penadores do período antropológico (ocupam-se com o ser humano)

Outra vez podemos nos valer das palavras de J Gaarder, no livro “O mundo de Sofia”, dizendo que:

“Era comum entre os primeiros filósofos acreditarem que havia um elemento primordial responsável por todas as transformações. A forma como teriam chegado a este pensamento não é clara. Sabemos apenas que ele surgiu da concepção, segundo a qual, teria de haver um elemento primordial, que daria origem a todas as transformações da natureza.

[…]

Podemos constatar que se questionavam sobre a forma como aconteciam certas transformações na natureza. Procuravam descobrir algumas leis naturais eternas. Desejavam compreender os fenômenos da natureza, sem recorrer aos mitos tradicionais.”

Em síntese, podemos dizer que a temática dos filósofos deste período era a natureza, procurando entender como e porque ela apresenta esse e não outro processo; como e porque ocorrem os diferentes fenômenos. Temática esta que permanecerá até o período socrático, quando os temas se voltarão para o homem e a vida em sociedade.





As escolas

A não ser com algumas exceções, não temos mais acesso ao que escreveram os pré-socráticos. Por esse motivo somente os conhecemos porque foram mencionados pelos seus sucessores, que comentaram seus ensinamentos; ou mediante algumas fragmentos do que disseram.

Alguns autores agrupam os vários pensadores desse período a partir de sua localidade de atuação. Esses grupos são chamados de Escolas.

Temos assim uma Escola Jônica, referindo-se aos pensadores que viveram nessa região. Quase todos na cidade de Mileto. Assim temos: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito de Éfeso.

Outra é a escola Pitagórica ou escola Itálica, de onde vieram alguns de seus representantes: Pitágoras de Samos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Arquitas de Tarento.

Podemos mencionar, também a Escola Eleata. Alguns de seus representantes: Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia e Melissos de Samos.

Fala-se, também, de uma Escola da Pluralidade, com diferentes posturas e direcionamentos de investigação. Entre seus representantes encontramos nomes com: Leucipo e Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena.





Os pré-socráticos: Alguns representantes

Numa visão introdutória é impossível analisar todos os pensadores deste período. Vejamos apenas alguns deles conforme alguns fragmentos transcritos Gerd A. Bornheim, no livro “Os filósofos pré-socráticos”





Tales de Mileto

O que sabemos de Tales vem de Aristóteles e mais alguns pensadores gregos e latinos posteriores. Aristóteles assim se refere a Tales:

“Outros julgavam que a terra repousa sobre a água. Esta é a mais antiga doutrina por nós conhecida e teria sido defendida por Tales de Mileto. A maior parte dos filósofos antigos concebia somente princípios materiais como origem de todas as coisas. (...). Tales, o criador de semelhante filosofia, diz que a água é o princípio de todas as coisas.”

Na matemática é conhecido o Teorema de Tales, que teria sido desenvolvido quando de uma sua visita ao Egito.





Heráclito de Éfeso

Heráclito de Éfeso é talvez um dos mais importantes pré-socráticos. Uma de suas mais impressionantes conclusões é a afirmação do “devir” para dizer que tudo muda.

Partindo disso podemos dizer que em Heráclito repousam as raízes da dialética. Sua intuição do movimento lhe permite isso. “O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido”; ou então, num outro fragmento: “tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”. Todas as realidades, portanto, estão em guerra constante com seu oposto, para produzir algo diferente. “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns faz deuses, de outros homens; de uns escravos, de outros homens livres”. E talvez a mais famosa de suas afirmações “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”. E isso porque “para os que entram nos mesmos rios, correm outras águas”.





Parmênides

Da mesma forma que temos poucas informações a respeito da maioria dos pré-socráticos, sobre Parmênides não é diferente, entretanto é possível situá-lo, em plena atividade, por volta do ano 500 aC.

Enquanto Heráclito afirma a constância do movimento, Parmênides afirma a imutabilidade do Ser. Além disso, enquanto seus predecessores escreveram em prosa, Parmênides escreveu em verso. Em seu poema “Sobre a Natureza” podemos ler: “E agora vou falar; e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação cabíveis: o primeiro (diz) que (o ser) é e que o não ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo, que não é, é que o não-ser é necessário; esta via, digo-te é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é – isto é impossível – nem expressá-lo em palavra.”.

Dessa argumentação, brotam dois princípios lógicos: o da identidade e o da não contradição. Afirma a identidade do ser: "Necessário é dizer e pensar que só o ser é; pois o ser é, e o nada, ao contrário, nada é". Os seus princípios lógicos foram, mais tarde, sistematizados por Aristóteles, no seu Órganon.





Pitágoras

Também a respeito de Pitágoras pouco sabemos. Sabe-se que por volta de 540 aC estava no auge de sua produção intelectual e teria nascido na ilha de Samos.

Para a escola pitagórica o princípio das coisas são os Números. Daí as importantes contribuições na matemática e geometria. Exemplo disso é o conhecido teorema, afirmando que a “soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”.

O grande problema em se estudar Pitágoras é que dos seus escritos nada sobraram. Portanto possuímos apenas referências indiretas feitas por comentadores posteriores. É o caso, por exemplo, de Aristóteles que usa a expressão “os pitagóricos”, referindo-se à escola ligada ao nome de Pitágoras. E para os pitagóricos o principio de todas as coisas são os números. Diz Aristóteles:

“Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. Dominando-as chegaram à convicção de que o princípio das matemáticas é o princípio de todas as coisas.”





Demócrito

Este pensador viveu no período de 460-370 aC, foi contemporâneo de Sócrates. Como vários dos demais pré-socráticos, seus escritos se perderam, tendo sobrado apenas alguns fragmentos. É o mais representativo da escola Atomista e, de acordo com muitos historiadores, foi o criador dessa teoria.

Para os atomistas o mundo é composto de partículas indivisíveis, os átomos, que se misturam ao acaso, dando origem a cada uma das realidades. Na teoria dos atomistas todas as realidades são constituídas a partir dos diferentes átomos que se juntam ou se separam. E assim tudo se constitui de átomos.

Neste ponto podemos indagar: Nos dias atuais, com base nas conclusões da física moderna e nos super microscópios, essa teoria se confirma ou não? Por quê? De que se constituem os átomos, segundo a física moderna? Se é verdade que as elementos internos dos átomos se movimentam ao redor do núcleo, isso significa que no interior dos átomos há espaço vazio?





Em síntese

Partindo de tudo isso podemos dizer que cada um dos pré-socráticos deu sua contribuição para o desenvolvimento humano. Colocou algumas pedras no degrau do saber. Hoje seu pensamento pode nos parecer ultrapassado ou coisa corriqueira. Entretanto, não importa como os vejamos, ultrapassado ou simplórios, o fato é que muito do que temos e sabemos começou a ser ensinado por esses pensadores. Seu mérito é, em tempos remotíssimos, ter dado o pontapé inicial.

sábado, junho 19, 2021

Quem é este?

(Reflexões baseadas em: Jó 38,1.8-11; 2Cor 5,14-17; Mc 4,35-41)




Não se ofenda, quando te pergunto: como você reage diante de um perigo iminente? de uma tempestade com muitos raios e trovões? De algo que te ameace ou represente perigo para aqueles de quem você gosta? Ou vai dizer que nada te assusta?

Não quero expor tuas fragilidades.

Não estou pensando em ridicularizar os teus medos.

Não pretendo dizer que para teus receios não existem fundamentos?

Entretanto, antes de dar minhas explicações, permita-me mais uma indagação: Você acredita que Jesus é o Cristo, aquele que pode te salvar? Te dar a vida plena? Acredita que ele é o Senhor e que nos ensina a viver em harmonia e defender a vida dos que mais sofrem?

Não estou duvidando da tua fé

Não estou, nem um pouco, pensando que tua fé pode ser fraca…

Por isso, agora explico o motivo de minhas indagações. E te devo explicações porque estas são indagações que faço a mim, também! São indagações que também a mim causam inquietação! São indagações para as quais eu também tenho que encontrar uma resposta...

E digo mais. Estou perguntando porque são indagações que Jesus fez aos seus discípulos (Mc 4,35-41). São indagações que o Senhor Deus apresentou a Jó (Jó 38,1.8-11). São perguntas nascidas do meio da tempestade. São angústias que nascem em todos os momentos de provações...

Eu e você sabemos a resposta das indagações: diante da tempestade, do perigo, das ameaças… todos sentimos medo. Alguns um pouco mais, outros um pouco menos. Alguns deixam transparecer, outros disfarçam. Alguns enfrentam as dificuldades com a cabeça erguida, outros deixam-se abater. Alguns enfrentam confiando na graça divina, outros se imaginam abandonados por Deus... em resumo, todos sentimos medo. Todos nos sentimos inseguros. Todos nos sentimos ameaçados quando algo foge ao nosso controle e a incerteza se instala.

A realidade do nossos medos expressa outra realidade: nossa falta de confiança. A todos dizemos que somos cristãos, que temos fé, que confiamos no poder absoluto de Deus; dizemos que sabemos do poder de Deus e que sua mão poderosa e salvadora nos envolve e nos protege… tudo isso nós dizemos. Mas, ao mesmo tempo, e apesar de nossa afirmação de confiança, sentimos medo! E o medo é reflexo da insegurança. E a insegurança é uma forma de falta de fé, de confiança.

Não porque não confiamos, mas porque nossa confiança é fraca, nossa fé é frágil. Nossa confiança tem por base nossa compreensão das coisas… mas desconhecemos as razões das dores ou não compreendemos as coisas com a profundidade da ciência divina. Daí sermos limitados e isso se manifesta em nossos medos.

Em resposta aos nossos medos é que o Senhor falou a Jó, do meio da tempestade. E, em sua pergunta, está uma afirmação: Mesmo sem verbalizar, Deus está dizendo ao seu servo Jó: “se eu limitei os mares, significa que eu estou no controle de tudo. Portanto confie em mim!” E se Deus pede que confiemos Nele, deveríamos não temer mais nada…. Mas o medo permanece. Permanece porque a promessa divina parece que não se enquadra em nosso cotidiano, como superação dos nossos problemas, como remédio para nossas dores.

Esquecemos que Deus não disse que não teríamos problemas. Disse que Ele está no controle. Que Ele sabe de nossas limitações. Que Ele conhece nossos medos e fraquezas…. Mas também sabe de nosso potencial! E é por esse motivo que não permite algo maior do que nossas forças… a nós cabe confiar… ou tropeçar no medo da derrota, mesmo antes da luta terminar.

Por isso Jesus recrimina os discípulos, questionando sua fé. Neste ponto encontram-se as indagações de Deus Pai e de Jesus: Deus dizendo que está no controle de tudo. E Jesus demonstrando quem, efetivamente tem o poder de a tudo controlar. E demonstra isso controlando o mar e os ventos.

Mas, se a tempestade assustava os discípulos, o domínio sobre ela, demonstrado por Jesus, também os amedronta, pois ficam se perguntando: quem é este que controla os elementos da natureza? “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4,41). Constatando a incredulidade, o medo, a incerteza… é que Jesus indaga: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40). Na indagação de Jesus, está uma afirmação não verbalizada: “Não temam! Eu estou no controle”

Então retomemos a indagação inicial: como você reage diante do perigo? Nossa condição humana, nos aconselha a ter medo. E isso nos leva a agir com prudência. Nossa ação prudente é uma excelente forma de manifestarmos, não só nosso medo, mas também a afirmação da nossa confiança no controle divino. (Só lembrando que controlar o medo é uma forma de demonstrar maturidade; é o ponto de partida para a coragem).

Em síntese, podemos dizer que nossos medos nos acompanham. Mas eles não devem se sobrepor às nossas ações, pois se temos problemas e dificuldades e dores e sofrimentos… também temos a mão de Deus sobre nós, ajudando-nos a superar as adversidades; mais ainda: temos em nós a centelha divina para ir em frente. Dessa forma podemos bem entender a afirmação de Paulo, na segunda carta aos coríntios (2Cor 5,14-17): “Portanto, se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo.”

Não precisamos mais indagar: quem é este? Mesmo com uma fé em crescimento, podemos alimentar uma certeza: temos que fazer tudo para superar as adversidades: por nós mesmos, mas sabendo que é Deus quem está no controle.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação,filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

domingo, junho 13, 2021

As sementes do Reino

(Reflexões baseadas em: Ez 17, 22-24; 2Cor 5,6-10; Mc 4,26-34)




Ao falar a respeito de um galho de cedro a ser plantado no alto do monte, o profeta Ezequiel (Ez 17, 22-24) está falando sobre o povo de Israel.

Ao falar à comunidade de Corinto (2Cor 5,6-10), Paulo insiste na importância da confiança proporcionada pela fé.

Ao falar sobre o Reino de Deus, Jesus (Mc 4,26-34) o apresenta comparando-o com uma semente e com o grão de mostarda. Em ambas as comparações o reino é apresentado como algo que cresce e produz frutos.

Isso nos leva a pensar.

Quê eram os hebreus, antes da opção pelo Senhor? Um pequeno povo. Um grupo quase insignificante. Uns pobre coitados que viviam amedrontados pela ameaça dos vizinhos. Pela insegurança em relação às grandes potências da sua época. Um povo acuado numa estreita faixa de terra quase improdutiva. E, antes disso, um grupo e migrantes sem terra…. E assim por diante, poderíamos enumerar mais algumas características desse grupo de pessoas. Um grupo de pessoas que optou pela fé num Deus capaz de ouvir o clamor dos sofredores.

A partir de sua opção pelo Deus libertador, que os ajudou a sair da servidão egípcia… ocorreu um avanço. O povo ganhou personalidade. Enfrentou os problemas, tropeçou e caiu, mas teve motivações para se reerguer. E assim, porquê o povo aceitou o apelo divino, deixando de lado outras divindades, o Senhor se propôs a colocá-lo como exemplo: “Vou plantá-lo sobre o alto monte de Israel. Ele produzirá folhagem, dará frutos e se tornará um cedro majestoso. Debaixo dele pousarão todos os pássaros, à sombra de sua ramagem as aves farão ninhos” (Ez 17,23)

Assim, o povo de Deus passou a ser o povo pelo qual chegou a todas as nações – e também a nós – a proposta salvadora de Jesus Cristo… Uma salvação que passa pelo compromisso com o Senhor, da mesma forma que foi necessário um compromisso do antigo povo: compromisso de fidelidade para com Deus e solidariedade para com as outras pessoas!

E assim, vamos ao encontro de Paulo.

Como um psicólogo, o apóstolo, não só analisa nossas motivações e nossos desesperos; nossos interesses e nossos medos…. E por esse motivo, falando a partir de seu exemplo de vida e de sua confiança no Senhor Ressuscitado, nos convida a também permanecermos na confiança. Isso porque em nosso corpo de peregrinos, por vezes fazemos opções que não são as mais convenientes nem condizentes para nos aproximar do Senhor. Ou seja, vivemos como que divididos. Sabemos o que é melhor para nos levar a Deus, mas nem sempre escolhemos esse caminho. Por isso, mesmo não tendo uma “visão clara” a respeito dos caminhos de Deus, podemos e devemos nos manter no caminho da fé empenhados em “ser agradáveis a ele”.

O caminho para o Senhor, portanto, é uma opção. Entretanto devemos nos lembrar sempre de que “todos nós temos de comparecer às claras perante o tribunal de Cristo, para cada um receber a devida recompensa – prêmio ou castigo – do que tiver feito ao longo de sua vida corporal” (2Cor 5,10). E nem podia ser diferente. É a vida que levamos que vai nos levar à presença ou vai nos afastar do Senhor. Não é Deus quem nos acolhe ou nos pune; são nossas atitudes, ao longo da vida, que nos aproximam ou nos distanciam do Senhor. O Senhor está sempre nos esperando, de braços abertos, mas somos nós que devemos correr para o abraço!

Pensando nisso, em nos ajudar em nossas escolhas foi que Jesus nos apresentou a proposta do Reino: é pequeno em sua apresentação, mas grandioso em seus frutos. É como a semente que cresce sozinha, mas para crescer depende de alguém semeá-la. A nós, peregrinos da fé, cabe a missão de semear as sementes do Reino.

Mesmo que seja uma sementinha pequenina, quase insignificante, como a semente da mostarda. Semeada com fé, regada com boas obras, adubada pelo compromisso de continuar a semeadura… essa sementinha germinará e dará grandes resultados.

A semente do Reino não precisa ser grande. Precisa apenas de nossas mãos, nossas atitudes, nosso empenho… para o processo do plantio. A força da semente, quando plantada por nossas atitudes fundamentadas na fé e na confiança, germinará e produzirá.

Mas ela depende de nós.

É o Senhor que faz crescer, como o pequeno galho de cedro, mas depende de nossa atitude para plantá-lo. É o Senhor que faz germinar e frutificar a semente, mas depende de nossa atitude para jogá-la na terra.

O reino vai crescer, com certeza, mas sempre no sistema de parceria: o Senhor fertilizando a terra e nossas atitudes fazendo o plantio…




Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sábado, junho 05, 2021

Pecar contra o Espírito Santo

(Reflexões baseadas em: Gn 3,9-15; 2Cor 4,13-18.5,1; Mc 3,20-35)





A Igreja é sábia ao organizar os tempos litúrgicos com os quais nos ensina a seguir os passos de Jesus. Ao redor dos eixos principais, Natal e Páscoa, circulam os períodos do Tempo Comum: períodos litúrgicos nos mostram o que podemos chamar de cotidiano da vida de Jesus.

Ao acompanharmos o cotidiano da vida de Jesus, hoje somos convidados a refletir a partir de algumas situações bem peculiares. Na leitura do Gênesis (Gn 3,9-15), assistimos à cena em que o homem, a mulher e a serpente são confrontados com seus atos. Depois encontramos Paulo, pregando à comunidade de Corinto (2Cor 4,13-18-5,1), falando da importância da fé como recurso para manter o ânimo e superar as dificuldades. Por fim encontramos Jesus (Mc 3,20-25) definindo os critérios que podem nos aproximar ou nos afastar de Deus.

Como podemos notar, o leque de lições que a Palavra de Deus nos oferece é extenso.

Poderíamos começar com as lições paulinas, afirmando que se as dificuldades sufocam é necessário manter o ânimo. Insiste em afirmar que, mesmo em meio aos dissabores, pode-se colher bons resultados. Para isso, é necessário que nos deixemos amparar pela fé e confiança no Senhor. É clara a constatação de que na medida em que o corpo perde forças o espírito se fortalece, se estiver unido ao Senhor. Essa força do espírito ajuda a vencer as dificuldades.

Superar as tribulações, em nome de Jesus, é caminho para glória eterna. “Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo contrário, vai-se renovando, dia a dia. Com efeito, o volume insignificante de uma tribulação momentânea acarreta para nós uma glória eterna e incomensurável.” (2Cor 4,16-17). Em nossos dias poderíamos dizer que a fé alimenta o otimismo e quem mantém o otimismo tem melhores condições de se aproximar de Deus.

Também podemos dizer que uma das faces do otimismo, do entusiasmo, e da capacidade de se manter animado está na autenticidade. Essa pode ser uma das lições que podemos aprender da conversa entre Deus, o homem, a mulher e a serpente, numa tarde no paraíso.

O casal do paraíso tinha tudo para o bem viver. Tinha orientações sobre o que fazer e o que evitar. Na realidade a única restrição era evitar comer aquele fruto. Fruto que a maldade das pessoas, juntamente com a palavra “nu”, identificou com sexo. E assim o comer “da árvore te proibi de comer”, virou um tabu ligado ao sexo. Principalmente porque, ao ser interrogado por Deus o homem foge de sua responsabilidade afirma que “a mulher que puseste junto de mim, me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3,11-12) e isso virou tabu ligado ao sexo.

Esse visão maldosa, além de criminalizar a mulher, que também foi vítima, não percebeu uma mensagem mais importante que uma eventual transgressão sexual.

De fato, e isso tem que ficar claro, a transgressão não teve conotação sexual. Teve algo a ver, e nisso está a gravidade do ato, com honestidade, com caráter, com autenticidade. Adão virou transgressor não porque comeu da árvore, mas porque não assumiu o que fez e tentou se eximir culpando a mulher: “a mulher me deu eu comi”. A mulher virou transgressora não por ter provado e oferecido o fruto da árvore do discernimento (Gn 3,6), mas porque não assumiu o que fez e tentou fugir de sua culpa culpando a serpente. E Deus puniu a serpente, não por ter seduzido a mulher (Gn 3,5), mas por ter mentido e prometido o que não podia oferecer.

A sexualidade é um dom divino e não fonte do mal. Mas a dissimulação, o ato de não assumir o que se faz e culpabilizar a outros é uma transgressão mortal. Deus perdoa as fraquezas humanas, mas não pode perdoar a dissimulação, a falta de autenticidade, a enganação. E não perdoa porque quem afirma ter cometido o erro “porque o outro me induziu a isso”, não está arrependido, não se assume como alguém que erra e tenta transferir sua culpa para outro. Como Deus pode perdoar quem não se arrepende? Como pode perdoar quem não assume estar enganando aos outros e ainda tenta se fazer de vítima para dissimular sua responsabilidade, sem assumir seu erro?

E assim chegamos ao discurso de Jesus que se defronta com seus parentes que o consideram louco; com os doutores da lei que o consideram possuído por Belzebu (Mc 3,21-22). Hoje diríamos que Jesus estava sendo vítima de “fake news”! Os mentirosos tentaram enredá-lo mas ele responde com a verdade.

Com isso podemos entender não só o desabafo de Jesus, por se ver perseguido, mas também sua indignação ao perceber que os líderes do povo em lugar de levar o remédio aos sofredores afirmam que o Médico é o causador da doença. Por isso a afirmação: todos os pecados podem ser perdoados, menos o pecado contra o Espírito Santo. Isso por um motivo cristalino: o Divino Espírito Santo é um espírito da verdade, da autenticidade, da honestidade, da ciência, do amor… e quem não adere, com a própria vida, a esses dons, age contra o Espírito. E isso é imperdoável. Quem pode fazer algo de bom e voluntariamente não o faz, age contra o Espírito. E isso é imperdoável. Quem gera divisão, espalha mentiras, age contra o Espírito. E isso é imperdoável…. Esses não fazem a vontade de Deus e, portanto, não fazem parte da “família” de Jesus.

Aqueles que agem de acordo com o Espírito de amor, de vida, de ciência, de sabedoria, de diálogo, de união, de caridade, … agem em sintonia com o Espírito…. Esses são os pais, as mães, os irmãos de Jesus….




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

quinta-feira, junho 03, 2021

Por que a filosofia nasceu na Grécia?

Todos os homens, em todos os tempos, desenvolveram algum tipo de reflexão, explicando seu mundo. Essa reflexão pode ser entendida como um filosofar. O ser humano sempre foi pensante e perguntante e isso fez dele um ser filosofante. Entretanto, a filosofia, como é entendida hoje, um sistema lógico e sistematizado, nasceu na Grécia. Mas isso não foi um fato aleatório ou espontâneo.

Houve um contexto para isso acontecer: os problemas derivados da interpretação racional dos mitos. Ou seja, para ser racionalizada e teorizada precisou ser vivenciada. A filosofia, portanto nasce não de mentes iluminadas de pessoas com capacidades espetaculares, mas de necessidades específicas de teorização e explicação racional das realidades.

Diversos outros povos desenvolveram explicações para o mundo, o homem e as relações sociais, mas fizeram isso de forma mítica; nenhum com as características daquelas desenvolvida pelos Gregos a partir do século VII aC.




Outras cosmovisões

Sem entrar nas particularidades de cada cultura, vamos assinalar alguns exemplos de atitudes filosóficas em outras sociedades.

Podemos dizer que para os orientais o universo é mantido pelo equilíbrio de forças opostas simbolizado na filosofia do Yin e Yang. E se compararmos essa ideia de equilíbrio entre os opostos, veremos que ela possui um correlato no ensinamento de Heráclito, quando diz que: "O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido".

Por sua vez os hebreus explicam a origem do mundo mediante a ação criadora de Deus, que entrega sua criação aos seres humanos, como podemos perceber ao lermos no mito bíblico da criação no livro do Gênesis. Entretanto, a mesma ideia de um ser criador está presente em outras mitologias, como aquela presente nos relatos Mesopotâmicos.

Em várias culturas, de várias nações de indígenas brasileiros, encontramos narrativas míticas explicando as origens tanto daquele povo como do mundo como é conhecido por aquela civilização.

E assim por diante, cada povo tem sua explicação, sua cosmovisão a respeito do mundo e das demais realidades. Observando cada mitologia, em cada cultura diferente, podemos nos colocar a questão: Nessas mitologias pode ser encontrado algum filosofar? A resposta é sim, com a ressalva de que o filosofar – ou a filosofia – dos gregos se estruturou com critérios diferentes dos mitos, por isso essa forma de buscar e oferecer explicações deixou de ser chamada de mito para se tornar filosofia.




A diferença dos gregos

A pergunta que você deve estar se fazendo nesse momento é: Se cada civilização deu uma explicação para suas origens e as origens do mundo, por que a forma desenvolvida pelos gregos fez tanta diferença?

A resposta poderia ser simplificada ao dizermos que a estrutura lógico-sistemática dos gregos fez-se mais eficiente para o contexto sócio-político-econômico em que estava inserido o mundo ocidental. Foi essa estruturação ideológica e filosófica que ofereceu a base de organização, sustentação e manutenção para o poder político e religioso da civilização, chamada ocidental, que se desenvolveu na Europa. A Europa se fez, principalmente, a partir da filosofia grega, do pragmatismo romano e da fé cristã.

O fato é que a cultura (especificamente a filosofia) grega após Alexandre Magno (que na realidade era macedônico) permaneceu presente: inicialmente nos domínios macedônicos, mas principalmente a partir do momento em que se instalou o império romano o qual incorporou valores gregos e os disseminou em seus domínios.

Podemos dizer, portanto, que foi a civilização romana que difundiu a cultura – e a filosofia – grega, na Europa. De uma forma eclética os romanos assimilaram a cultura dos vencidos e a disseminaram pelo seu império. Séculos depois, quando a Europa já era cristã e greco-romana, esses os valores foram transplantados para a América.

A filosofia grega possibilitou, assim, a estruturação racional das realidades e das relações sociais e políticas que se desenvolveram na Europa; por sua vez a fé cristã possibilitou a organização da moralidade das relações sociais (mais tarde, já na Idade média, também as relações políticas) nesse continente, possibilitando que a cultura romana se impusesse a quase todo o mundo ocidental.

Além disso, o pragmatismo e o domínio territorial efetivado pelos romanos deram o suporte logístico para a estruturação e manutenção de uma nova sociedade que se fez a partir da junção desses três valores culturais: grego, romano e cristão. Desse modo, foi a partir desta conjuntura que nós, nas Américas, nos tornamos o que somos, pois o continente americano se fez a partir da colonização europeia.

Podemos dizer que a primeira grande característica da filosofia grega foi a superação da mentalidade mítico-religiosa. Mas houve, também, algumas condições históricas para isso ocorrer. Podem ser enumeradas várias causas ou circunstâncias a partir das quais a filosofia se desenvolveu, na Grécia.




A política

A política, entendida como o exercício da democracia, nasceu na Grécia. E esse elemento foi importante para o desenvolvimento da filosofia. Principalmente por que se deu a partir de um processo de reorganização das relações de poder. As tribos e clãs se reestruturaram dando origem às cidades-estado.

O poder que era exercido pelo “patriarca” ou pelo irmão mais velho, passou a ser exercido na cidade (polis) a partir da organização das assembleias dos cidadãos (homens livres, ricos e que tinham nascido naquela cidade).

As decisões eram tomadas com base nas decisões e na vontade dos cidadãos. Entretanto, deste exercício de cidadania estavam excluídos: mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. A política, portanto, passa a ser não mais a vontade de um monarca, mas dos cidadãos que tomam as decisões a partir dos debates e da argumentação.

Portanto a capacidade de argumentação, nas assembleias, visando a defesa de pontos de vista ou as expectativas de um determinado grupo, exigia a clareza do raciocínio filosófico e não a subjetividade mítica.




A sociedade

Na sociedade grega, principalmente em Atenas, a mulher estava excluída do espaço público, reservado ao cidadão. Os escravos também estavam excluídos da cidadania.

Nessa sociedade a função dos escravos era exercer as atividades laborais, permitindo ao cidadão, homem rico, dispor de tempo ocioso para se dedicar à polis, à política que se desenvolve pelo debate e confronto de ideias

As relações entre os cidadãos, com tempo disponível para a troca de opiniões e informações, permitia comparar informações trazidas pelos mercadores em seus contatos com outros povos e costumes. Essas comparações eram possíveis porque a vida urbana, baseada no comércio permitia coletar informações de outras localidades e, com isso, os mitos foram sendo desmitificados.

Diferentes explicações míticas para a mesma realidade ou fato, gerou a indagação: onde está a verdade? E a resposta não mais podia ser mítica, mas racional.

A Cultura

A cultura é uma expressão da sociedade. Mas no caso grego isso tem um significado especial. As cidades-estados estavam voltadas para o exterior, para o comércio. Havia poucas relações intracontinente. Mas por mar e com povos diferentes havia intenso intercâmbio não só comercial, como também cultural. Assim os gregos recebiam muitas informações de outros povos que lhes traziam valores culturais diferentes.

Esse intercâmbio possibilitou assimilar novas informações que, cruzadas com seus conhecimentos, possibilitaram novas conclusões. Os gregos aprenderam muito com os povos com os quais mantinham relações comerciais. E isso foi sendo incorporado ao seu substrato cultural.

Entre outros elementos, a partir de influências fenícias, aperfeiçoaram a escrita alfabética, diferentemente dos ideogramas de outras culturas. Com isso ampliou-se a facilidade de se construir textos, combinando alguns caracteres para formar palavras. Essa forma de escrita facilitou também a comunicação pormenorizada dos conceitos elaborados. Dessa forma vários saberes foram anotados e reelaborados pela sociedade grega.




A economia

Este talvez seja o ponto central para a explicação do desenvolvimento da filosofia, no mundo grego. Sua economia não se baseava somente na agropecuária, como a maioria dos povos antigos. Além disso a produção não pertencia ao Estado ou ao Soberano (como no modo de produção asiático), mas ao cidadão, dono do escravo que a comercializava. A base produtiva, portanto, eram os escravos.

Os cidadãos (ou os homens livres) desenvolveram intensa atividade comercial – e industrial. Essa atividade exigia contato constante com outras culturas e valores. A utilização da moeda, além de facilitar as transações comerciais, ajudava na troca e exigia cálculos feitos por um valor abstrato. Note-se que vários conceitos matemáticos e geométricos, ainda hoje utilizados, foram desenvolvidos ou aperfeiçoados nesse contexto.

Além disso, existiam os escravos. E, talvez, tenha sido esse o elemento determinante e grande diferenciador da economia grega em relação aos demais povos. Diferentemente de outras sociedades os escravos não estavam a serviço do Estado, mas dos cidadãos; o escravo era encarregado de desenvolver todas as atividades, permitindo ao cidadão, além de desenvolver as relações comerciais, dedicar-se ao ócio.




A comparação

A filosofia, portanto, nasce desse contexto sócio-político-econômico e cultural e da ociosidade. O cidadão ocioso (pois quem trabalhavam eram os escravos) juntamente com seus concidadãos, dedica-se ao debate e à reflexão, analisando sua sociedade, seus valores, sua cultura… apresentado novas explicações, com base na observação racional.

A comparação entre as diferentes cosmovisões os levou a questionar a verdade de cada uma delas. Estava, com isso, colocado um dos problemas centrais da filosofia: a verdade ou a possibilidade de se conhecer a verdade. Constataram que era impossível a mesma realidade ser explicada de diferentes modos e ser, simultaneamente, verdadeira em cada uma dessas explicações. Desenvolveu-se, portanto, uma nova forma de reflexão.

A validade de uma verdade se deve não ao que “eu acho”, mas àquilo que se pode comprovar, pelo raciocínio e pela argumentação.




Neri de Paula Carneiro


Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador


Rolim de Moura - RO

Corpus Christi – Isto é meu corpo; isto é meu sangue

A celebração de Corpus Christi, além de ser um momento muito especial para nos integrarmos com o Sagrado Corpo e o Precioso Sangue de Cristo, também é um momento que nos ajuda a entender a dinâmica da vida celebrativa.

(Sabemos que as outras denominações cristãs fazem interpretação diferente, em relação à última ceia de Jesus, na qual celebramos a instituição da Eucaristia. Os irmãos das outras igrejas cristãos, de algum modo e à sua maneira, também celebram a Santa Ceia, ou a Ceia do Senhor, recordando sua entrega definitiva).

Uma das características do cristianismo, mais especificamente na Igreja Católica, é representar as circunstâncias da vida de Jesus nas celebrações. Grandes exemplos disso são as comemorações do Natal e da Páscoa, o nascimento e a glorificação de Jesus. Além disso, quando a comunidade acolhe um novo membro, mediante o batismo, está recordando o batismo de Jesus. A proposta de jejum e penitência lembra os quarenta dias que Jesus passou no deserto. E assim por diante, em relação a várias celebrações e circunstâncias da vida do Mestre.

Isso se aplica, também, de modo muito específico, à celebração da Eucaristia – a missa. É quando a Igreja atualiza o supremo ato de doação de Jesus. Trata-se de trazer para nosso dia a dia o mesmo gesto de total entrega pelo qual Jesus se deixa prender, morre na cruz e ressuscita.

Esse gesto nos indica que a vida humana não se limita a uma grande interrogação a respeito do seu sentido. A ressurreição, para a fé cristã, é a mais importante evidência de que a vida tem sentido pois, além de ser um caminho para a morte, é uma preparação para a vida que vem depois. A celebração da Eucaristia, portanto, nos ajuda a lembrar que a vida tem um objetivo que é a vitória sobre a morte (1Cr 15,26). E isso nos permite concluir que a morte não é o fim, para aqueles que colocam sua esperança nas mãos do Senhor (2 Tm, 1,12).

Neste ponto alguém poderia perguntar: em que a Igreja se baseia para celebrar a Eucaristia, entendendo isso como o gesto de plena doação de Jesus e como proposta de um sentido para a vida?

Poder-se-ia dizer, simplesmente, que toda a vida cristã está baseada, no fato de Jesus ter se entregado por nós. Mas tem mais. Essa entrega está prefigurada em diferentes passagens do Antigo Testamento, como no livro do Êxodo (Ex 24,3-8). Ou, antes, quando o sangue do cordeiro é aspergido nos portais, evitando a fúria do anjo exterminador (Ex 12,23), passando entre os egípcios.

No deserto, para selar a fidelidade do povo com o Senhor, Moisés sacrifica alguns animais e com seu sangue asperge o altar e o povo, afirmando que “Este é o sangue da aliança, que o Senhor fez convosco” (Ex 24,8). Mas o sangue dos animais foi superado e, em seu lugar, temos o Sangue Sagrado do Cordeiro Santo que se oferece no altar da cruz.

A carta aos Hebreus mostra que o sacrifício de Jesus supera o sangue dos animais (Hb 9,11-15). Inicialmente o sacrifício de “bodes e bezerros” (Hb 9,12) faziam a ponte entre os seres humanos e o Senhor, purificando os corpos das pessoas. Agora o sacrifício de Cristo supera o antigo ritual uma vez que “o sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Hb 9,14).

Mas essa trajetória só tem sentido porque o próprio Jesus se oferece em sacrifício: ele se doa, não como um presente, mas como memória (Lc 22,19; 1Cor 11,24). E nisso reside o principal significado da celebração do Corpo e Sangue de Cristo: a presença real e definitiva do Senhor.

Em sua última refeição, sua última páscoa com os discípulos, Jesus faz a oferenda de si mesmo: "Tomai, isto é meu corpo”, fazendo do pão o seu corpo. “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos” (Mc 14,12-16.22-26). O vinho e o pão, deixam de ser alimento humano, para se converterem em alimento divino, uma vez que o próprio Deus, alimenta a existência; e esse alimento divino nos é oferecido pelo próprio Senhor, a fim de nos alimentarmos e nos fortalecermos para colaborarmos na construção do Reino. Por isso a afirmação de Jesus é categórica: “Isto É” meu corpo e meu sangue.

O pão e o vinho, na celebração Eucarística, deixam de ser apenas um alimento cotidiano, tornando-se corpo e sangue de um Deus que caminha, no dia a dia, ao lado do seu povo num cotidiano renovado, agora guiado pela Esperança.

Como, então, alimentar a esperança? Fazendo do alimento cotidiano, pão e vinho, a memória viva da presença real: “Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19; 1Cor 11,24). É Deus quem promete, é Deus quem realiza e é Deus quem se transforma em alimento de vida e para a vida plena.

“Tomai e comei, isto é meu corpo” diz Jesus a respeito do pão; “Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança” afirma o Senhor a respeito do vinho. E Jesus explica o porquê de entregar seu sangue: “para remissão de pecados”. E assim o pão e o vinho, agora Corpo e o Sangue de Cristo, alimentam nossa vida e alimentam a esperança pois, aqueles que provam desse alimento sagrado estão sendo esperados para a festa definitiva no Reino. Isso prometeu Jesus, dizendo que “não mais beberei deste fruto da videira até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai" (Mt 26,26-29).




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


sábado, maio 29, 2021

Santíssima Trindade: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo

(Reflexões baseadas em: Dt 4,32-34.39-40; Rm 8,14-17; Mt 28,16-20)




Já parou para pensar nas tantas situações em que, de forma espontânea, mecânica, impensada… ou apaixonada, dizemos que somos cristãos?

Se nos perguntam: Tens religião? Frequentas igreja?… sempre respondemos sim e dizemos que somos católicos ou luteranos, ou presbiterianos… E, com isso afirmamos que somos seguidores de Jesus Cristo. E, por vezes, até citamos o apóstolo Paulo, que numa de suas cartas afirma que: “Viver é Cristo e o morrer é lucro” (1Fl 1,21).

Muitos de nós, no mundo Católico ou em qualquer das denominações das outras Igrejas cristãs, alimentamos uma fé muito especial e calorosa para com o Divino Espírito Santo. Tanto que se fala em avivamento pentecostal, renovação carismática… alguns até mencionam os dons do Espírito: falar em línguas, cura… alguns, muito raros, falam ou pedem o dom da sabedoria (como o fez Salomão 1Rs 3,1-15).

A maioria de nós, quando pretendemos fazer uma oração, pública ou no silêncio de nossa fé, dirigimo-nos a Deus Pai. Quase sempre começamos nossa oração com expressões como: “Pai Santo…”, “Senhor Deus…”, “Senhor,…” Isso quando não recitamos, de forma meio mecânica, o “Pai Nosso”...

Você já deve estar se perguntando e querendo que eu explique o porquê destas afirmações.

É simples.

A Igreja, ao final do tempo pascal, nos convida para duas celebrações muito importantes. Elas nos ajudam a compreender melhor os mistérios da redenção. Não só uma compreensão intelectual, mas principalmente aquela que nos leva à prática da fé cristã. A primeira dessas celebrações ocorre no sétimo domingo após a Páscoa: é a celebração da Ascensão do Senhor. É o momento litúrgico em que Jesus Cristo se despede dos discípulos e lhes confia a missão de levar a Boa Nova a todas as nações do mundo.

No domingo seguinte à Ascensão do Senhor, concluindo o Ciclo da Páscoa, a Igreja nos propõe a celebração de Pentecostes. Seguem-se todas as demais semanas do Tempo Comum.

O reinício do tempo comum nos convida à celebração da Santíssima Trindade e as leituras que a Igreja nos propõe, para esta solenidade sugerem a ação de cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade.

No livro do Deuteronômio (Dt 4,32-34.39-40) visualizamos as palavras de Deus Pai. Deus, é um Pai que orienta Moisés, mostrando que outras crenças não conduzem ao Deus verdadeiro. É o Pai que, ao escolher um povo se mantém fiel a ele, mesmo que esse povo seja infiel. Deus é o Pai que, além de escolher um povo, liberta-o da servidão. Um Deus Pai, que só quer uma coisa de seus escolhidos: fidelidade. Um Pai que afirma claramente sua lei: “Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele” (Dt 4,39). Este é o discurso do Pai, orientando os filhos.

Por seu lado, Paulo escrevendo aos Romanos (Rm 8,14-17), apresenta-nos o Espírito de Amor. O Espírito da união. O Espírito enviado por Jesus (como se viu na celebração do Pentecostes) e que nos ensina a reconhecer o Pai. O Espírito que nos adota a fim de nos fazer integrantes da família de Deus e, para fazer isso, nos ensina a chamar a Deus de Pai (Rm 8,15). Em tudo isso somos mobilizados pelo Espírito que nos guia, pois esse é o Espírito de Amor e que nos convida a viver em comunidade.

Na terceira leitura (Mt 28,16-20) é o próprio Jesus quem se apresenta. E também apresenta a missão dos seus seguidores: fazer com que todos os povos tornem-se discípulos e seguidores, cumprindo com seus ensinamentos. Para que isso ocorra é necessário apenas que sejam batizados em nome do único Deus que se manifesta em três pessoas, três manifestações de amor. Nesse amor trinitário é que se ministra o batismo: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19)

Qual o ensinamento que se pode tirar disso?

Primeiro: que nosso Deus é uma Trindade Santa. Entretanto não são três deuses, mas um único Deus que, por ser pleno de amor, não se contenta em ser sozinho. Ou seja, o amor, por ser pleno, e por isso verdadeiro, exige companhia. O amor que não leva ao outro, é egoísmo. O amor só tem razão de ser em comunidade, na relação com o outro, a exemplo da comunidade trinitária.

Segundo: só podemos dizer que conhecemos a Deus, no exercício do amor. E para dizer que amamos a Deus, temos que partir do pressuposto do amor ao outro. Mas como amar ao outro se não amo a mim mesmo? Portanto o amor também é trinitário: Ama-se a Deus em função do amar ao outro e o amor ao outro é consequência do amor a si mesmo. Quem não se ama, também não ama ao outro e, consequentemente não ama a Deus. Notando que o “amar a si mesmo” não é colocar-se no centro, pois isso seria egoísmo, egocentrismo…; o “amar a si mesmo” é reconhecer os próprio méritos, os próprios valores, é saber que tem algo a oferecer ao outro; é saber-se completo na relação com o outro.

Em terceiro lugar: o caminho para o Deus Trindade é a própria Trindade que foi se manifestando ao longo da história até ser plenamente apresentada à humanidade por Jesus, o Filho que leva ao Pai pelo Espírito de Amor. Com isso podemos dizer que antes de Jesus, ainda era admissível a maldade presente entre as pessoas, mas com a plenitude da manifestação de Deus, na pessoa de Jesus de Nazaré, as pessoas não tem mais justificativas para agir maldosamente… a não ser que renunciem a Deus aderindo ao seu opositor...

Por isso, podemos dizer com plena segurança: se ainda existe maldade nas pessoas é porque não conhecem a Deus; se ainda existem pessoas sofrendo, passando fome, sendo vítima da ambição dos outros… é porque ainda existem pessoas que não conhecem a Deus; se ainda existem pessoas ludibriando, enganando, tirando proveito, explorando… aos irmãos, é porque ainda existem pessoas que não sabem quem é Deus e não entenderam nada do que ensinou Jesus; pessoas que não se abriram nem abriram o coração para receber os dons do Espírito, pois não reconhecem a Deus como Pai. Não entenderam a Trindade de Amor!

Por sua vez, aqueles que conheceram e conhecem Jesus sabem que dele receberam uma missão vital que é fazer com que cresça o compromisso com o outro, numa crescente relação do amor trinitário: amar ao outro para ambos demonstrarem o amor a Deus.

Como levar diante essa missão? Cumprindo a missão dada pelo Senhor Jesus: aprendendo e ensinando a amar ao Deus que aprendemos chamar de Pai, Filho e Espírito Santo.




Neri de Paula Carneiro

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

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domingo, maio 23, 2021

Pentecostes: Recebam o Espírito Santo

Reflexões baseadas em: At 2,1-11b; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23




No dia de Pentecostes o cento do discurso, evidentemente, é o Espírito Santo manifestando-se (At 2,1-11), sendo entregue (Jo 20, 19-23) e ensinando a reconhecer Jesus como Senhor (1Cor 12, 3b-7.12-13).

Entretanto, se o Artista principal é o Espírito, a cena é desenhada a partir da atuação de Jesus de Nazaré. E, também, Jesus quem dirige todo o enredo a fim de fazer com que todos reconheçam “as maravilhas de Deus” (At 2,11). Na solenidade de Pentecostes estamos diante do Pai, do Filho e do Espírito santificador. A festa solene é do Espírito, mas é a Trindade que dá o tom e dirige a orquestra.

Isso tudo nos indica que ao celebrarmos o Pentecostes como a grande festa do Espírito Santo, a Igreja nos ensina que, efetivamente, estamos celebrando mais uma manifestação trinitária: os discípulos (de Jesus, o Filho) “Ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar” (At 2,4) as coisas que levam ao Pai. A plenitude ocorre porque Jesus entrega o Espírito de Amor aos seus discípulos reunidos no momento em que “soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22), com esse gesto lhes transmite uma missão do Pai. Nesse momento entendemos que a fonte inspiradora para toda a cena é o Pai, uma vez que Jesus, ao oferecer a paz, insere os discípulos na missão “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21).

E os discípulos são enviados para anunciar a proximidade do Reino! O Reino que é oferecido por Deus, mas que precisa ser construído por aqueles que recebem o Espírito da esperança!

Cientes da dimensão trinitária (da Santíssima Trindade), na festa do Espírito, somos levados a observar mais alguns detalhes. E são detalhes importantes que nos indicam o sentido da celebração do dia de Pentecostes.

Notemos que “os discípulos estavam todos reunidos”(At 2,1). Mas o detalhe é que a reunião ocorria com as portas fechadas, pois os discípulos estavam com medo. E o medo se justifica, pois ainda não haviam recebido os dons do Espírito (Jo 20,19). Quando recebem o Espírito de Força, abrem as portas e começam a falar. O dom do anúncio corajoso se concretiza na media em que os discípulos se põem a anunciar as “maravilhas de Deus” aos “devotos de todas as nações do mundo”(At 2,5), pois a proposta divina é universal, destina-se a todas as nações e a todos os povos, pois as “maravilhas de Deus” não têm fronteiras!

Notemos também que Jesus sopra o Espírito de Vida sobre os discípulos oferecendo a paz que vem do Pai: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). A partir disso todos são enviados a todas as nações, pois a missão envolve o mundo inteiro. Por isso a necessidade de falar em outras línguas (At 2,4). E o que vai ser anunciado? A necessidade de se construir o “bem comum” (1Cor 12,7), uma vez que a proposta do Reino não é para indivíduos isolados, mas um presente do Pai para a comunidade.

Além disso, se há “diversidade de dons” e “diversidade de ministérios” (1 Cor 12,4-5) o corpo é um só. É o corpo de Cristo, formando a Igreja, a comunidade dos que fazem opção pelo Deus do Amor. Por isso que Paulo insiste na afirmação de que todos “fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12,13). E, mais uma vez, tudo isso com a finalidade de nos ensinar a produzir nossos frutos “para o bem comum”. Essa edificação do bem para todos é o caminho que leva à paz, oferecida pelo Senhor.

A semente da paz pode até ser plantada a partir de atos individuais, mas a colheita é coletiva. Não há paz se não houver coletividade e ação harmoniosa!

Uma outra dimensão da celebração do Pentecostes está no fato de que o Espírito de Pureza, entregue por Jesus, implica na oferta do perdão. A oferta é para todos. Entretanto, diante da diversidade de ministérios, da diversidade de dons, da necessidade de construir a paz, da exigência do bem comum… surgem aqueles que não se assumem como membros da comunidade. Daí a missão purificadora: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23).

À igreja, e seus ministros ordenados, cabe essa incumbência. Mas também essa é uma missão comunitária e vinculada ao Espírito de Perdão. A proposta é universal, mas sua aceitação é pessoal. Como nem todos aderem à proposta do Reino, esses se excluem da comunhão com a comunidade da Igreja e, portanto, também da convivência com a comunidade trinitária. Daí a missão de explicitar e deixar claro o sinal da adesão ou da rejeição. Ao aderir ao projeto do Reino opta-se, também, pelo perdão. Mas aqueles que se negam a viver em favor do bem comum, se excluem. Daí a necessidade de se explicitar a exclusão.

Entretanto, se o perdão sacramental é atribuição do ministro ordenado, a edificação de uma comunidade amorosa, em que os membros se perdoam mutuamente, também é um dom do Espírito.

Sempre que alguém desejar e se fizer membro do corpo de Cristo, com suas ações em favor do bem comum, terá os pecados perdoados. E para esses o Senhor continua dizendo: receba o Espírito Santo.

Como se vê, na celebração do Pentecostes, a festa solene do Espírito, o que prevalece é a ação da Trindade. E isso se torna um convite e um desafio a que os cristãos edifiquem a comunidade pelos moldes da Trindade...

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

domingo, maio 16, 2021

DO MITO À FILOSOFIA

Sabemos que a filosofia caracteriza-se pela atitude de busca de conhecimento. Além disso, ela se ocupa em estudar todas as realidades mediante reflexão crítica.


Agora podemos nos perguntar: como surgiu essa preocupação em explicar a realidade? Desde quando existe filosofia? Se filosofia é o processo humano de busca de conhecimentos para chegar à verdade, como foi que isso começou? Qualquer tentativa de explicação é filosofia?


Procurando uma resposta para estas, e outras, indagações veremos a seguir, que a filosofia, como conhecemos hoje, nasceu na Grécia. Mas também é verdade que o ser humano, desde suas origens, ocupou-se em compreender e explicar seu mundo. Todos os povos em todas as épocas fizerem esse processo. Ou seja, a filosofia não é criação dos gregos, mas do ser humano. Os gregos tiveram o mérito de sistematizar esse processo de interpretação da realidade. Mas antes dos gregos os seres humanos já faziam perguntas...





Os mitos


As primeiras tentativas de explicação do mundo, ainda nos primórdios da humanidade, foram os mitos. A partir dos mitos foi que os gregos desenvolveram a filosofia. Mas isso já por volta dos séculos VIII e VII antes de Cristo. Antes dos gregos, entretanto, o ser humano sempre esteve preocupado e ocupado em conhecer e explicar a realidade, pois o conhecimento e a compreensão implicam ter poder sobre ela.


Nos primórdios da humanidade todas as realidades, particularmente a natureza, eram muito mais inquietantes, desafiadoras, assustadoras e complexas para os primeiros homens: tudo era completamente desconhecido. O sentimento era de completa impotência, daí a sensação de medo.


Como o medo gera insegurança e essa sensação dificulta a vida, os seres humanos buscaram alternativas em relação ao desconhecido. Era necessário explicar o mundo para superar o medo. Assim os primeiros seres humanos buscaram, criaram e produziram explicações: os mitos. O mundo começou a ser explicado de forma mítico-religiosa.


Por isso, de forma sintética, podemos dizer que o medo foi cedendo lugar ao mito e à religião. Os diferentes deuses e credos foram criados com essa finalidade: possibilitar a sensação de segurança. O processo de criação de mitos perdurou até o advento da filosofia e da ciência. Mas também é verdade que em nossos tempos de racionalidade ainda não se extinguiram os mitos, pois ainda hoje somos levados a explicar miticamente aquilo para o quê não temos explicações lógico-filosófico-científicas.


A respeito dos mitos, o filósofo alemão F Nietzsche, no livro “Crepúsculo dos ídolos” faz o seguinte comentário: “Reduzir uma coisa desconhecida a outra conhecida alivia, tranquiliza e satisfaz o espírito, proporcionando, além disso, um sentimento de PODER. O desconhecido comporta o perigo, a inquietude, o cuidado – o primeiro instinto leva a suprimir essa situação penosa. Primeiro princípio: uma explicação qualquer é preferível à falta de explicação. Como, na realidade, se trata apenas de se livrar de representações angustiosas, não se olha de tão perto para encontrar os meios de chegar a isso: a primeira representação, pela qual o desconhecido se declara conhecido, faz tão bem que ‘é considerada por verdadeira’.


Para compreendermos melhor a dinâmica dos mitos, é preciso considerar que os primeiros seres humanos viam e conviviam com fenômenos que não entendiam. A primeira reação, sempre, era o medo. Mas, em seguida, sentiam a necessidade de entender os fenômenos, explicar suas causas e seus significados, pois, na maioria das vezes as consequências dos fenômenos eram assustadoras.


Devemos nos lembrar, também, que eles não possuíam os aparatos e os resultados que hoje a ciência oferece. Assim, aparelhado apenas com sua capacidade reflexiva, carregada de medos, os primeiros humanos desenvolveram várias explicações. Criaram mitos e religiões; deuses e demônios. Por isso surgiram tantas e diferentes explicações para as mesmas realidades.


Podemos dizer que todos os povos antigos utilizaram mitos para explicar aquilo que não podiam compreender imediatamente e a respeito de tudo aquilo para o quê não tinham domínio. Essa perspectiva mítica pode ser encontrada entre os vários povos do Oriente, destacando-se os mesopotâmicos e os egípcios (nordeste da África), como também entre as diversas nações indígenas da América pré-colombiana. Em nossa sociedade são mais conhecidos os mitos dos hebreus, descrevendo, na Bíblia, a criação do mundo, da natureza, do ser humano.





Características dos mitos


Nestas alturas você está se perguntando: o que é Mito e como ele se caracteriza?


Os mitos podem ser vistos como as primeiras tentativas que o ser humano fez para explicar os fenômenos: da natureza e humanos; pois eles lhe infundiam medo ou diante dos quais intuía a necessidade de respeito.


Essas explicações, os mitos, podem ser caracterizados como uma explicação em que aparecem elementos religiosos, fantásticos e com caráter explicativo. Nisso eles se diferenciam das lendas que consistem em narrativas culturais e folclóricas.


Uma das narrativas míticas mais antigas explicando as origens do mundo e dos sere humanos é a narrativas das origens, ou o livro do Gênesis, da Bíblia. Os capítulos 1 e 2 desse livro apresentam duas versões da criação. Mostrando que todas as realidades se originam do sopro vital que sai de Deus. Trata-se de uma narrativa harmoniosa em que o ser humano aparece para coroar o mundo criado.


Outra narrativa mítica, ao que tudo indica, mais antiga que a da bíblia, é o poema babilônio Enuma Elish. Nessa narrativa várias divindades disputam o poder, lutam entre si. No final uma delas, Marduque, vence o conflito e sacrifica uma das divindades adversárias para, com seu sangue criar a humanidade.


Esses dois exemplos nos dão uma ideia da força do mito como literatura para explicar uma realidade. No mito bíblico a criação é colocada a serviço da humanidade. Na versão babilônica os seres humanos são criados para aliviar o serviço dos deuses. A narrativa bíblica foi criada como suporte para os hebreus se unificarem como povo. A narrativa babilônica justifica a dominação dos monarcas sobre o povo.





Mito e filosofia


Nestas alturas você deve estar se perguntando: qual é a relação entre mito e filosofia?


Alguns afirmam que o mito dá uma explicação falsa enquanto a filosofia apresenta uma explicação verdadeira, mas essa parece ser uma opinião equivocada. Na realidade tanto a Filosofia como o mito têm a preocupação de explicar. Mas fazem isso com linguagens diferentes; podemos dizer que são dois níveis diferentes de abordagem de uma mesma realidade. Pode-se perguntar, então, o que diferencia essas duas abordagens?


Veja o que Fedro, escritor romano do século I aC, em suas Fábulas, diz a respeito dos mitos: “Devemos atentar para o significado e não para as palavras. A lenda de Ixião em cima de uma roda em movimento é símbolo da Fortuna que sempre se transforma e nunca repousa. Sísifo, contra a montanha, empurra, com suores, a pedra, que do cume rola sempre para baixo, anulando todo o trabalho. Isso representa a infinda miséria do homem. Tântalo, com sede, em meio a um rio, é o avarento ao qual os bens da vida lambem, mas não o envolvem. As criminosas Danaides, que carregam água, eternamente, não logram encher as jarras perfuradas. Eis aí a luxúria que, enquanto algo dá, também esbanja. Tácito, por nove jeiras foi sacrificado, tendo o fígado inchado com acréscimo de sofrimento. Isso revela que quanto mais bens possuir, maior angústia daí advém. Os antigos revestiam a verdade com mitos a fim de ensejar entendimento ao sábio e equívoco ao ignorante.”


Mais próximo de nossos dias Jostein Gaarder, no livro O Mundo de Sofia, diz que os filósofos gregos desenvolveram a filosofia porque constataram que, embora sendo produzidos há muitos milênios, não era possível confiar nos mitos. Diz ele que: “Vemos a filosofia como uma forma completamente diferente de pensar, que nasceu aproximadamente em 600 a.C. na Grécia. Antes disso, as diversas religiões tinham respondido a todas as perguntas do homem. Essas explicações religiosas eram transmitidas de geração para geração por meio dos mitos. Um mito é uma narração sobre os deuses que procura explicar a vida nas suas diversas manifestações. As explicações míticas floresceram durante milênios em todo o mundo. Os filósofos gregos procuraram provar que os homens não podiam confiar nelas. Para compreendermos o pensamento dos primeiros filósofos, temos de compreender igualmente o que significa ter uma concepção mítica do mundo”.


Com base nisso podemos dizer que a explicação mítica caracteriza-se pelo seu caráter subjetivo religioso, fantástico e simbólico. Sua estruturação lógica e argumentação não se fundamentam na veracidade, mas em sua simbologia e no fim a que se destina: dar uma explicação.


Não importa se essa explicação é parcial, limitada ao tempo e às contingências do volume de conhecimento que se tem no momento específico em que ele é criado. O valor da explicação mítica encontra-se na sua própria lógica simbólica, abrindo-se às diversas interpretações.


Aceita-se ou não o mito a partir de seus elementos internos.


Por seu lado a explicação da filosofia baseia-se na força dos raciocínios argumentativos, racionais, impessoais. O valor da explicação filosófica fundamenta-se na coerência e na razoabilidade. A filosofia se faz a partir dos argumentos que são aceitos pela sua coerência ou refutados a partir de outros argumentos, também lógicos, coerentes e razoáveis.


Enquanto a verdade mítica vincula-se à sua simbologia, a verdade filosófica fundamenta-se na lógica e coerência dos argumentos.





Do mito à filosofia


A questão é saber como se dá a passagem da era mítica para o tempo da filosofia. Pode-se dizer que todos os povos, em todas as épocas desenvolveram alguma "filosofia" e algum mito, pois todos os povos procuraram, a seu modo, explicar a realidade e o mundo. E se considerarmos que a filosofia pode ser entendida como busca por explicações, isso implica dizer que os mitos são uma espécie de filosofia.


Entretanto o que hoje os livros e as escolas chamam de filosofia ou isso que está presente nas faculdades, nas escolas tanto de ensino fundamental, como médio e superior, desenvolveu-se aproximadamente a partir do século VII aC., no mundo grego. Nesse universo percebeu-se que as explicações míticas eram insuficientes, limitadas e mesmo contraditórias. Num período em que se buscava maior exatidão para o que se dizia, para as relações comerciais e mesmo para as atividades políticas, a afirmação mítica tornou-se insuficiente.


Isso levou os pensadores a buscarem outras explicações que tivessem por base não mais o mito, a religião, o fantástico, mas a observação objetiva dos fenômenos, a classificação das respostas, a comparação de resultados, a racionalidade dos enunciados.


A base, antes religiosa e mítica desloca-se para um plano racional-lógico-argumentativo. Esse processo aconteceu, principalmente, por que os gregos começaram a comparar as culturas dos diferentes povos com a sua: respostas diferentes, de povos diferentes, para os mesmos fenômenos, geraram um ponto de interrogação. Nascia a crítica à resposta mítica. Estava posto o problema do conhecimento.


É evidente que isso não se deu mecanicamente, muito menos “da noite para o dia”, mas ao longo de um processo secular. Ao lado dos mitos foi se desenvolvendo a crítica, os questionamentos, a constatação das limitações dos mitos em relação à necessidade de explicações mais racionais.


Com isso não se pretende dizer que a filosofia nasceu para acabar com o mito, ou que durante o período em que as respostas eram míticas não houvesse filosofia. Em sentido amplo, toda vez que alguém desenvolve alguma reflexão, está "filosofando". Portanto o próprio processo de criação dos mitos era um processo "filosófico". E como filosofia é um processo de crítica constante o "pensar mítico" passou pelo acrisolamento da razão, gerando o "pensar filosófico".


Também não se pode dizer que a filosofia superou o mito, mas que veio como uma alternativa/acréscimo a ele. O gênio humano já não se satisfazia apenas com o mito. Precisava de maior profundidade, coerência e da possibilidade de ampliar os horizontes. E isso não era possível com o mito, pois este trazia uma resposta pronta e, ao mesmo tempo, subjetiva.


Também é verdade que a filosofia não pretendeu acabar com os mitos. E isso porque não existe apenas uma forma de se expressar uma verdade ou um ponto de vista. Assim sendo a "verdade" mítica pode conviver com a filosófica. Também precisa ficar claro que atualmente o leque de manifestações míticas é tão variado como são correntes filosóficas para abordar a mesma realidade.


Resumindo podemos dizer que em um primeiro momento o ser humano explicou seu mundo a partir da subjetividade mítico-religiosa, naquilo que podemos denominar de fase mítica. Quando os mitos começaram a ser insuficientes, desenvolveu-se a filosofia. E isso foi feito pelos gregos.


E nos dias atuais, outro passo foi dado. Além das manifestações míticas do cotidiano e das correntes filosóficas que se desenvolveram, nasceram as ciências como mais uma forma de conhecer e manusear o mundo e os conhecimentos. Hoje vivemos num mundo infotecnovietual, criado pela ciência, mas a filosofia nos mostra que ainda convivemos com mentalidades míticas...


Isso implica dizer que as tentativas e formas de explicações do real ampliam-se, diferenciando-se apenas pelos seus pressupostos. Diversificam-se as explicações porque suas bases se diversificam. E por que isso ocorre? Porque a necessidade de explicação é cada vez maior; e porque se constata que todas as explicações são insuficientes. E essa foi a grande contribuição dos gregos. Ao constatar que as explicações míticas dadas eram insuficientes originou-se a filosofia, em sua concepção lógico-formal.


Neri de Paula Carneiro


Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador


Rolim de Moura - RO

sábado, maio 15, 2021

Ascensão do Senhor: É agora que vais restaurar?

(Reflexões baseadas em: At 1,1-11; Ef 1,17-23; Mc 16,15-20)





A pergunta dos discípulos, no início do livro dos Atos dos Apóstolos (At 1,1-11) mostra bem a limitação humana em compreender as coisas de Deus.

Jesus ressuscitado estava reunido com os discípulos. E enquanto ainda os instruía, em seus últimos momentos antes de voltar para o Pai, pouco antes da partida, um deles lhe pergunta: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (At 1,6)

Paulo, conhecendo as fraquezas humanas, na carta aos efésios (Ef 1,17-23) em tom de oração instrui a comunidade, pedindo o dom do entendimento: “o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer.” (Ef 1,17).

Do ponto de vista histórico, a restauração, pretendida pelo discípulo só ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX, por ocasião da criação do atual Estado de Israel. E foi uma ação problemática, pois restaurou a nação ao povo judeu mas, ao mesmo tempo, criou o atual problema e o conflito entre Judeus e Palestinos. Uma restauração meramente humana, carregada e mantida com os problemas humanos...

Mas do ponto de vista do Reino de Deus, a restauração ainda não aconteceu. O povo de Deus continua esperando. E quem é o Povo de Deus? Todo aquele que nele crê!

Por esse motivo as palavras do Senhor continuam válidas: “Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade” (At 1,7). Notemos que na fala de Jesus estão presentes alguns elementos importantes: inicialmente é necessário frisar que a restauração é obra de Deus e, portanto, nenhum ser humano está autorizado a dizer que será hoje ou amanhã. Todos os que fazem essas previsões não falam em nome de Deus. Podem dizer o que quiserem, mas não falam em nome de Deus.

Em segundo lugar, Jesus ensina que seus discípulos serão instruídos pelo Espírito: que descerá, instruirá e fará dos discípulos testemunhas até os confins da terra. “Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8). E isso implica dizer que nenhuma sociedade ou grupo pode se considerar o povo de Deus; no máximo pode fazer parte dele… se fizer as obras do Senhor!

Podemos, agora, nos perguntar: por que Jesus orienta dessa forma seus discípulos? Porque os quer testemunhas. Porque os quer continuando sua obra. Porque não os quer olhando para o alto sem se colocar a caminho. Não quer oração sem pé no chão. “Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (At 1,11). A alternativa a ficar parado olhando para o céu já havia sido dada: ser testemunha “até os confins da terra”. E, para dar testemunho não se pode ficar parado…

Com essa perspectiva é que entendemos o ensinamento/oração de Paulo explicando como o Espírito agirá: dará o conhecimento abrindo os corações dos discípulos para o entendimento. Mas não é só isso: ensinará a ter esperança, mostrará a riqueza da glória celeste, pois o céu é herança de todos os que, com sua vida, derem testemunho do Senhor. Esses, no tempo oportuno, que só o Pai conhece, poderão contemplar Jesus em sua glória definitiva. “Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos” (Ef 1,18)

Podemos notar, além disso, que em sua súplica Paulo mostra a ação da Trindade, em favor daqueles que assumem o compromisso de dar testemunho: Cristo, o Filho, está voltando ao Pai (por isso celebramos a Ascensão do Senhor). Do céu Pai e o Filho concedem o Espírito do conhecimento àqueles que se comprometem com o Reino.

Tudo isso está fundamentado nas palavras de Jesus (Mc 16, 15-20). É Ele quem faz a afirmação inicial: a missão universal da pregação a todos. “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15). Evidentemente, se a mensagem é destinada a todos, ninguém pode ficar de fora, por negligência dos anunciadores, pois a mensagem salvadora é destinada a todos!

Diante da proposta do Senhor, duas alternativas: crer ou não crer. E cada uma delas com consequências definitivas. Ao que crê se oferece o batismo e consequentemente a salvação, pois o batizado passa a ser discípulo e continuador da obra do Senhor; aquele que não crê, não receberá o batismo e a sua descrença o levará à condenação. “Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado.” (Mc 16,16)

Como podemos ver, não é Deus quem age. A oferta é de Deus, mas a resposta é humana. Deus oferece a graça, oferece a opção. Diante da oferta de Deus faz-se necessária uma opção pessoal que implica em salvação ou condenação.

E assim podemos nos perguntar: quando será a restauração? Evidentemente não sabemos a resposta. O que podemos dizer é que enquanto o Senhor Deus não restaurar este mundo, instalando seu Reino, cabe a nós preparar o caminho com nosso testemunho. 
 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Outros escritos do autor:

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Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro


sábado, maio 08, 2021

Páscoa 6 - Isto vos ordeno

Reflexões baseadas em: At 10,25-26.34-35.44-48; 1Jo 4,7-10; Jo 15,9-17




Quem é pai ou mãe, sabe disso.

Quem já passou pela experiência da despedida sabe disso.

Mesmo entre amigos, a cena não é muito diferente: na despedida, além das emoções afloradas, ocorrem recomendações e demonstrações de afeto.

Quem vai e quem fica, ouve, de quem vai e de quem fica, palavras como: tome cuidado com isto ou aquilo. Faça isto e não faça aquilo… Volte logo! Chegando lá, liga, manda notícias… e seguem outras recomendações e demonstrações de cuidado.

As leituras que a Igreja nos apresenta, neste sexto domingo da Páscoa trazem um pouco deste tom de recomendações e demonstrações de afeto, em momentos de despedida. Na liturgia de hoje, Jesus dá as últimas orientações aos discípulos, antes de retornar ao Pai, como se verá na celebração da Ascensão.

As primeiras orientações, de hoje, começam com Pedro, nos Atos dos Apóstolos (At 10,25-26.34-35.44-48). Ao visitar a casa de Cornélio confirma e ensina o que Jesus havia dito: a mensagem salvadora é para todos.

Ao entrar na casa de Cornélio encontra um grupo de pessoas ansiosas por receber o ensinamento cristão e o batismo. Pedro relembra as orientações de Jesus e põe em prática os ensinamentos do Mestre, confirmando que: “Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35).

Daí sua conclusão: o fato de Deus não fazer distinção entre as pessoas significa que todos devem ser acolhidos como iguais. E nos dias atuais, nossa missão é continuarmos essa obra.

Não fazer distinção entre as pessoas é uma forma de amar, como sugere João, em sua primeira carta (1Jo 4,7-10). Aqui o apóstolo demonstra que o amor é um dom divino. Dá pra dizer mais: todo e qualquer preconceito e discriminação são sentimentos dos inimigos de Deus. São sentimentos opostos ao amor. Este sim um sentimentos divino com o qual Deus nos presenteou “porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus” (1jo 4,7). O amor é dom de Deus porque “não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados.” (1Jo 4,10).

Entretanto as orientações definitivas saem da boca do Mestre (Jo 15,9-17) ao ensinar o mandamento supremo. O mandamento do amor. E para isso o ponto de partida, referência e modelo pleno está na relação do Pai com o Filho. O amor de Jesus e do Pai tem a mesma intensidade. E essa mesma intensidade do amor trinitário é a medida do amor de Deus para conosco: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei” (Jo 15,9).

É claro que sempre temos a opção de renunciar ao amor de Deus, mas se o aceitamos, então temos a obrigação de corresponder e responder ao convite: “Permanecei em meu amor” (Jo 15,9).

E aqui reside a dificuldade para seguir as orientações/ensinamentos do Mestre. Não basta apenas uma relação vertical, afirmando o amor a Deus. Essa relação, de acordo com a palavra de Jesus, somente ocorre se for explicitada e se manifestar em sentido horizontal, em relação às outras pessoas. O amor vertical, em relação a Deus, só tem sentido e pode ser visto como verdadeiro, se tiver um correspondente horizontal, na relação com os outros. Esse é o sentido da cruz redentora.

É necessária a relação com o Pai, sem a menor dúvida. Mas essa relação com o Pai, tem uma condição que é guardar os mandamentos do Mestre: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (Jo 15,10).

Mas qual é o mandamento que Jesus nos orienta a seguir? Trata-se de algo radical. Trata-se do mandamento que define quem é discípulo do Senhor. Trata-se de assumir a radicalidade evangélica. Trata-se de um mandamento que exige compromisso de vida. Trata-se do mandamento do amor: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos” (Jo 15,12-13).

Dizer que ama a Deus, recitar as mais diferentes orações e preces é fácil. Qualquer um pode fazer. Mas poucos aceitam a prova definitiva de dar a vida pelo outro.

Claro que só saberemos se somos ou não capazes dessa entrega radical quando houver uma situação definitiva. Mas também é verdade que essa pode ser uma prática cotidiana: fazer do seu cotidiano uma dinâmica de entrega. Por isso a necessidade de se afirmar este detalhe, dar a vida não significa ser martirizado; dar a vida é fazer da vida cotidiana espaço e ambiente para relações amorosas, afetuosas, caridosas, solidárias...

Então como saber se estamos ou não no caminho certo? Jesus nos oferece o critério: saber se nossas preces são atendidas. Também nisso ele nos orienta: “fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá” (Jo 15,16) Quantas de nossas preces em favor da vida são atendidas? E aqui é importante observar o que recitamos no “Pai Nosso”: “Seja feita a vossa vontade!”

O fato é que a relação para com Deus é um mandamento, mas a relação com os outros é uma ordem. É a palavra definitiva de quem está se despedindo: “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros” (Jo 15,17).

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro

sábado, maio 01, 2021

Páscoa 5 – A Videira e os ramos

Reflexões baseadas em: At 9,26-31; 1Jo 3,18-24; Jo 15,1-8



“Eu sou a videira, vocês são os ramos.”

Quem de nós ainda não ouviu, leu ou falou essas palavras, ensinadas por Jesus? (João 15,1-8). O que o Senhor afirmou? Que os galhos de uma planta só sobrevivem se estiverem unidos ao seu tronco. Isso indica uma profunda união que deve haver entre as pessoas e Jesus Cristo. Por quê? Porque essa é uma união que conduz ao Pai.

Além disso, muitos de nós, com certeza, nos recordamos de uma passagem da vida de Paulo, quando perseguia os cristãos. No caminho encontra-se com Jesus e “cai por terra”. Mas o que acontece com o perseguidor depois desse encontro com Jesus ressuscitado? O começo da resposta está nesta narrativa dos Atos dos Apóstolos 9,26-31.

Frequentemente se coloca a questão da diferença entre o que se diz e o que se faz. Neste quinto domingo da Páscoa, a primeira carta de João (1Jo 3,18-24) chama a atenção para essa dicotomia. Afirma que não bastam as palavras, são necessárias ações para explicitar a fé: “não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade!”(1Jo 3,18). As palavras são o pontapé inicial para a relação amorosa que se expressa nas ações amorosas. Para que as palavras amorosas sejam verdadeiras dependem das ações amorosas. Falar é muito fácil, qualquer um pode dizer qualquer coisa… mas demonstrar o dito pela ação amorosa...

O fato é que essas três leituras nos sugerem um ponto em comum: a sintonia com Jesus ressuscitado. Essa sintonia leva a união com o Pai: para se trilhar o caminho da união na comunidade; para expressar um convite para darmos testemunho fidedigno e convincente; para ser uma amostra da união entre a videira-Jesus e seus ramos, que somos nós, os cristãos.

O caso de Paulo é exemplar: inicialmente ele perseguia dos seguidores do Homem de Nazaré. Depois daquele encontro definitivo, passou a ser integrante do grupo que antes perseguia. Essa experiência acabou sendo uma especie de enxerto. Um galho (Paulo) que vivia noutra planta (o judaísmo), desligou-se dessa antiga planta para unir-se ao novo grupo que começava a crescer e produzir. Um grupo que se desenvolveu justamente a partir do momento em que Paulo, enxertado na nova comunidade, foi aceito por ela e começou a pregar a nova fé. “Daí em diante, Saulo permaneceu com eles em Jerusalém e pregava com firmeza em nome do Senhor.” (At 9,28).

A fé era nova, mas seus fundamentos eram os mesmos: a promessa de Deus, desde o início do Antigo Testamento, coroando-se no momento presente. O enxerto é novo, mas as raízes da planta são antigas, firmes e fortes. Raízes que fazem a planta crescer e produzir muito. E Paulo foi um enxerto altamente produtivo, movido pala assistência do Espírito: “A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.” (At 9,31).

Crescendo, a Igreja passou a sentir necessidade de orientações seguras para os comportamentos dos cristãos. Por isso a intervenção de João. Não bastam palavras. São necessárias ações. Não se trata de falar bonito e ir para casa curtir a vida da forma que achar conveniente. O passo seguinte tem que ser dado: agir em consonância com as palavras. Falou bonito? Então mostre ações no mesmo nível. Tem que mostrar ações bonitas.

A vida do cristão não é uma profissão qualquer. Uma pessoa pode ser um excelente médico ou advogado ou professor. Mas terminado seu trabalho pode voltar pra casa e fazer coisas absurdas, como sabemos que vez por outra acontece. Mas com o cristão não é assim. Com o cristão o falar e o agir tem que andar juntos. “Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu.” (1Jo 3,23).

E aqui entram as palavras do mestre. Não bastam palavras bonitas. Se o belo discurso não nasce de um ramo ligado à videira, pode até ser bonito, mas corre o risco de não conduzir ao Agricultor, que é o Pai. E, o que é pior, o ramo não sendo produtivo pode ser podado, excluído. “'Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda.” (Jo 15,1-2). E triste é o destino dos ramos podados: “Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados.” (Jo 15,6).

Mas quais são os frutos esperados pelo tronco da Videira? Pelo Agricultor? E pela seiva do Espírito vivificador? Quais são os frutos esperados desses ramos unidos ao tronco?

Os frutos são sempre os mesmos: a plenitude de vida. A defesa da vida. A valorização da vida. A alegria de viver promovendo a vida de quem se aproxima de nós. E esse pode ser um critério para olharmos para as pessoas com as quais convivemos, as pessoas que elegemos, as pessoas que admiramos, as pessoas que se colocam como líderes das nossas comunidades, as pessoas que nos dizem o quê e como agir…. São elas promotoras de vida ou só produzem belos discursos?

Sempre foi necessário, porém atualmente ainda mais, observar os atos dos que fazem belos discursos. Quais são seus frutos? Esses ramos estão ligados a quais troncos?




Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

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Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...