sábado, 8 de maio de 2021

Páscoa 6 - Isto vos ordeno

Reflexões baseadas em: At 10,25-26.34-35.44-48; 1Jo 4,7-10; Jo 15,9-17




Quem é pai ou mãe, sabe disso.

Quem já passou pela experiência da despedida sabe disso.

Mesmo entre amigos, a cena não é muito diferente: na despedida, além das emoções afloradas, ocorrem recomendações e demonstrações de afeto.

Quem vai e quem fica, ouve, de quem vai e de quem fica, palavras como: tome cuidado com isto ou aquilo. Faça isto e não faça aquilo… Volte logo! Chegando lá, liga, manda notícias… e seguem outras recomendações e demonstrações de cuidado.

As leituras que a Igreja nos apresenta, neste sexto domingo da Páscoa trazem um pouco deste tom de recomendações e demonstrações de afeto, em momentos de despedida. Na liturgia de hoje, Jesus dá as últimas orientações aos discípulos, antes de retornar ao Pai, como se verá na celebração da Ascensão.

As primeiras orientações, de hoje, começam com Pedro, nos Atos dos Apóstolos (At 10,25-26.34-35.44-48). Ao visitar a casa de Cornélio confirma e ensina o que Jesus havia dito: a mensagem salvadora é para todos.

Ao entrar na casa de Cornélio encontra um grupo de pessoas ansiosas por receber o ensinamento cristão e o batismo. Pedro relembra as orientações de Jesus e põe em prática os ensinamentos do Mestre, confirmando que: “Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35).

Daí sua conclusão: o fato de Deus não fazer distinção entre as pessoas significa que todos devem ser acolhidos como iguais. E nos dias atuais, nossa missão é continuarmos essa obra.

Não fazer distinção entre as pessoas é uma forma de amar, como sugere João, em sua primeira carta (1Jo 4,7-10). Aqui o apóstolo demonstra que o amor é um dom divino. Dá pra dizer mais: todo e qualquer preconceito e discriminação são sentimentos dos inimigos de Deus. São sentimentos opostos ao amor. Este sim um sentimentos divino com o qual Deus nos presenteou “porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus” (1jo 4,7). O amor é dom de Deus porque “não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados.” (1Jo 4,10).

Entretanto as orientações definitivas saem da boca do Mestre (Jo 15,9-17) ao ensinar o mandamento supremo. O mandamento do amor. E para isso o ponto de partida, referência e modelo pleno está na relação do Pai com o Filho. O amor de Jesus e do Pai tem a mesma intensidade. E essa mesma intensidade do amor trinitário é a medida do amor de Deus para conosco: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei” (Jo 15,9).

É claro que sempre temos a opção de renunciar ao amor de Deus, mas se o aceitamos, então temos a obrigação de corresponder e responder ao convite: “Permanecei em meu amor” (Jo 15,9).

E aqui reside a dificuldade para seguir as orientações/ensinamentos do Mestre. Não basta apenas uma relação vertical, afirmando o amor a Deus. Essa relação, de acordo com a palavra de Jesus, somente ocorre se for explicitada e se manifestar em sentido horizontal, em relação às outras pessoas. O amor vertical, em relação a Deus, só tem sentido e pode ser visto como verdadeiro, se tiver um correspondente horizontal, na relação com os outros. Esse é o sentido da cruz redentora.

É necessária a relação com o Pai, sem a menor dúvida. Mas essa relação com o Pai, tem uma condição que é guardar os mandamentos do Mestre: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (Jo 15,10).

Mas qual é o mandamento que Jesus nos orienta a seguir? Trata-se de algo radical. Trata-se do mandamento que define quem é discípulo do Senhor. Trata-se de assumir a radicalidade evangélica. Trata-se de um mandamento que exige compromisso de vida. Trata-se do mandamento do amor: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos” (Jo 15,12-13).

Dizer que ama a Deus, recitar as mais diferentes orações e preces é fácil. Qualquer um pode fazer. Mas poucos aceitam a prova definitiva de dar a vida pelo outro.

Claro que só saberemos se somos ou não capazes dessa entrega radical quando houver uma situação definitiva. Mas também é verdade que essa pode ser uma prática cotidiana: fazer do seu cotidiano uma dinâmica de entrega. Por isso a necessidade de se afirmar este detalhe, dar a vida não significa ser martirizado; dar a vida é fazer da vida cotidiana espaço e ambiente para relações amorosas, afetuosas, caridosas, solidárias...

Então como saber se estamos ou não no caminho certo? Jesus nos oferece o critério: saber se nossas preces são atendidas. Também nisso ele nos orienta: “fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá” (Jo 15,16) Quantas de nossas preces em favor da vida são atendidas? E aqui é importante observar o que recitamos no “Pai Nosso”: “Seja feita a vossa vontade!”

O fato é que a relação para com Deus é um mandamento, mas a relação com os outros é uma ordem. É a palavra definitiva de quem está se despedindo: “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros” (Jo 15,17).

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro

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